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  • NAZISMO ESCANCARA SUA AMEAÇA: Slogan de Bolsonaro é tradução literal do lema de Hitler

    NAZISMO ESCANCARA SUA AMEAÇA: Slogan de Bolsonaro é tradução literal do lema de Hitler

    O ódio foi perigosamente inoculado no coração de milhões de brasileiros na velocidade de uma epidemia viral devastadora. Até que ponto o resultado das pesquisas representa o prêmio das massas às atrocidades que horrorizaram o país nas últimas semanas ou são apenas trunfo da lógica dos algoritmos na bolha virtual do candidato Bolsonaro? Ódio e seu modo de propagação são agora inseparáveis. Assassinatos políticos, estupros, espancamentos, profanação da memória de Marielle Franco, marcação da suástica no corpo de pessoas e nas paredes de igrejas, escolas, prédios públicos: todos esses episódios se assentam na base da crueldade nazista. É o que a filósofa Hannah Arendt chamou de “banalização do mal”, justificada pelo ódio ao inimigo, pelo medo à falsa ameaça do comunismo e pela mentira. Bombada pelas Fake News, a campanha eleitoral de Bolsonaro potencializa a banalização com a viralização do mal na política.

    Dias após reunião de Haddad com a Confederação dos Bispos do Brasil, Igreja amanhece pichada com suástica

    Na manhã deste domingo (14/10) a Capela da Igreja Católica de São Pedro da Serra, em Friburgo (RJ), amanheceu pichada com símbolos da suástica, como provável resposta ao encontro mantido pelo candidato Fernando Haddad com a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil. O fato coroou de horror a onda de violência na semana em que bolsonaristas assassinaram o mestre baiano Moa do Katendê, agrediram e marcaram uma estudante gaúcha de 19 anos com a suástica na barriga porque vestia uma camiseta do Ele Não, entre outros diversos  exemplos da intolerância cruel importada do nazismo dos EUA da era Trump.

    A identificação do candidato à Presidência da República Jair Bolsonaro (PSL) com o neonazismo fica a cada dia mais escancarada e assumida, desde o seu slogan de campanha. “Brasil acima de tudo” é o plágio criminoso de “Deutschland Über Alles”, que significa “Alemanha acima de tudo”. Submetidos à lavagem cerebral da propaganda nazista, os alemães bradavam com ardor patriótico, a mão direita sobre o peito ou a o braço erguido, o lema dessa política de terror que levou o mundo à Segunda Guerra Mundial e exterminou mais de seis milhões de judeus e de 11 milhões de outros povos. O processo de aliciamento das massas, alojado no que Hannah Arendt chamou de “banalização do mal” (e da mentira) parece ganhar proporções ilimitadas. Alastra-se na velocidade dos algoritmos manipulados pelo cientista da “bomba atômica” virtual, Steve Bannon, o gênio do marketing que está bombando Bolsonaro, considerado o homem mais perigoso do mundo.

    Levando para o tradutor do Google

    A segunda parte do bordão, “Deus acima de tudo”, também era inscrita na fivela dos soldados do Exército Nazista. O refrão integrou inclusive o Hino Nacional da Alemanha até ser suprimido no final da guerra. Católico de batismo, Hitler se esforçava para demonstrar fervor religioso. Em muitas imagens do período de guerra ele aparece apertando a mão de um padre durante um discurso, ou marchando à frente de um pelotão de padres que o seguia fazendo o sinal nazista.  Indícios de prática e incentivo a essa ideologia proscrita da civilização vão, contudo, bem além do slogan da campanha eleitoral bolsonarista. O mais espantoso é que essa contravenção política siga em frente sem ser ao menos interpelada por uma justiça cúmplice, quando não protagonista, de uma espécie de banalização do mal na política.

    Às vésperas do segundo turno, as referências explícitas ao nazismo do candidato que obteve 46% dos votos válidos no primeiro turno já escandalizam o mundo e provocam reações de indignação de outros países. A justiça brasileira, porém, finge não perceber o que está acontecendo, embora a exaltação ao nazismo seja crime inafiançável no Brasil, assim como em qualquer país signatário das Nações Unidas e da Declaração Universal dos Direitos Humanos. O avanço inexplicável do candidato, aliás, se sustenta na doutrinação nazista intensificada há cerca de cinco anos com o ataque à política de direitos humanos, como se ela, e não a intolerância social, fosse responsável pela violência no país. A violação do mais importante legado da civilização ocidental encontra sua síntese perfeita na declaração de Bolsonaro de que “as minorias terão que se curvar às maiorias”. Essa máxima da filosofia do holocausto, proferida num comício realizado em Campina Grande, na Paraíba, levou ao delírio uma multidão aos gritos de “mito, mito, mito!”

    Sobretudo na Alemanha e Europa, que foram inteiramente destruídas pela demência de Hitler, a presença de um candidato com esse nível de ameaça à justiça, à paz social e aos direitos humanos causa neste momento pavor e perplexidade. Neste sábado (13/10), a Alemanha anunciou que caso o candidato seja eleito, vai romper unilateralmente as relações comerciais com o Brasil e a tendência é ser seguida por outros países democratas. Trata-se da potência com mais investimentos de multinacionais no Brasil, como a Volkswagen, Mercedes e Siemens. Segundo a presidente do Grupo Parlamentar Teuto-Brasileiro, Yasmin Fahimi, a possível eleição de Jair Bolsonaro pode impedir uma retomada da parceria estratégica fundamental para a já combalida economia brasileira. Declarou ela:

    “O Brasil está à beira de uma grande ruptura. Ficamos chocados com o fato de que, Jair Bolsonaro, uma pessoa que tornou socialmente aceitável um discurso de ódio tenha chegado à liderança. Do lado alemão, não vejo nenhuma base para uma parceria estratégica com um presidente como Bolsonaro”.

     

     

    Mesmo combatendo o nazismo com rigor, a Alemanha vive sob a ressurgência de grupos terroristas, como a Ku Klux Klan, os Skinheads, as milícias paralelas de extermínio, entre outros. Eles não cessam de reeditar a memória vexaminosa do holocausto que tornou o povo alemão cúmplice do Terceiro Reich no maior extermínio humano da história mundial. O problema é que o clamor e o aviso dessas forças internacionais não chegam à metade da população brasileira que teve suas consciências sequestradas pelo aliciamento político intensificado a partir de 2013. A esse nazismo mais rudimentar soma-se uma especie de nazismo às avessas, de ligações sionistas, como o orquestrado por Bolsonaro, que aparece em fotos rezando para a bandeira do Brasil, para a dos Estados Unidos e para a do Estado de Israel, ao qual declara seu apoio e devoção.

    Lado a lado nazismo/bolsonarismo

    Conivente com a onda de horror, a grande mídia brasileira, sobretudo os monopólios de televisão, finge não estar vendo a invasão fascista e já trata Bolsonaro como eleito. Seja por intimidação, adesão, omissão, conveniência ou interesses de negócios, a Record, chefiada pelo mercenário bispo Edir Macedo; Globo; Bandeirantes e SBT, todas sabotam os alertas que chegam do exterior ao povo brasileiro, tentando salvá-lo da bolha hipnótica desse neonazismo. E também dos artistas, intelectuais, ativistas poetas, músicos que enviam suas mensagens náufragas na tentativa de salvar o pais da tragédia anunciada.

    Arnaldo Antunes gravou o compungente “Isto não é um poema”. Numa sintaxe de guerra, em que a poesia se torna impossível, o videotexto reúne todos os episódios que mancham de sangue vermelho a bandeira nacional e a diversidade do povo brasileiro. Durante o feriadão, uma onda de mensagens vindas de todas as partes do mundo inundou as redes sociais, com a hashtag #BOL卐ONARO, que ganhou o topo mundial do Twitter, acentuando o símbolo da suástica no nome do candidato extremista.

    Em sua passagem pelo Rio, Roger Waters enfrentou a reação bolsonarista ao projetar um Ele Não no palco. E em artigo publicado pela Folha de S. Paulo de domingo, Caetano Veloso afirmou que é dever de todo brasileiro fazer algo para evitar a eleição de Bolsonaro, em repúdio a um artigo de Olavo de Carvalho exortando o candidato a destruir totalmente seus opositores enquanto grupos, organizações e até indivíduos, imediatamente após sua posse. “É evidente que todo cidadão brasileiro que mereça esse nome deve agir contra a possibilidade de eleição de Bolsonaro”, afirmou o cantor baiano.

    Na negligência do dever patriótico das grandes redes de ajudar a afastar essas práticas criminosas da política, a mídia independente luta sem trégua e descanso contra o perigo, enfrentando sozinha o império robótico das Fake News na campanha do militar reformado. Suas páginas são invadidas dia e noite por um exército de autômatos, muitos deles com perfis também falsos, que não dialogam, não interagem, não argumentam. Apenas intimidam, xingam e repetem o bordão de sempre no qual todos que não concordam com o #B17 são tachados de “comunistas”, “maconheiros”, “vagabundos”, “corruptos”, “ladrões”, “petralhas” ou “encostados na Lei Rouanet”.

    Por último, a histeria e a maldade fascistas chegou ao cúmulo de acusar de promover prática de pedofilia quem apoia o candidato Fernando Haddad, advogado e professor universitário, mestre em Economia, doutor em Filosofia, ex-ministro da Educação, que se opõe ao armamento da população e ao ensino do uso de armas a crianças. Calúnias desse nível, baseadas em montagens grosseiras, continuam circulando nas redes sociais.  Baseada na disseminação da mentira, a tecnologia de Chicago que elegeu Trump traz para as eleições brasileiras uma prática das mais sujas, fora do jogo da democracia. Ela potencializa e profissionaliza o emprego de baixarias como as que vimos na campanha contra Dilma Rousseff nas eleições de 2014.

    Desde a vida militar ativa, as “ideias” do militar. punido nos anos 80 com a reserva pelo Comando Maior do Exército por tentar explodir bombas nos quartéis para protestar contra os baixos salários, sempre dividiram o seu público entre aduladores e pessoas horrorizadas com o seu comportamento. No início dos anos 90, já no governo Sarney, foi proibido de entrar nos quartéis do Rio de Janeiro em decisão exemplar única na história do Exército Brasileiro, que nunca mais repetiu essa medida com um parlamentar. Acusado de “canalha, covarde e contrabandista” por um oficial e denunciado por ameaças de morte contra uma jornalista, agressões à ex-mulher e a colegas de farda, o capitão Jair Bolsonaro foi banido durante um ano dos quartéis. A justificativa  alegava desrespeito à hierarquia das Forças Armadas, intriga, com presença invasiva nos corredores militares para promover campanha política e angariar votos para sua candidatura a deputado federal, conforme reportagem publicada no DCM e nos Jornalistas Livres por Vinícius Segalla, que teve acesso a um dossiê do Exército-Maior das Forças Armadas.

    Analisando-se a trajetória de rebeldia e de submissão do capitão ao poderio militar, não há qualquer contradição: fica claro que ele infernizou a vida do Exército sob a égide da Nova República, após a democratização, justamente opondo-se aos que se recolheram para as casernas e decidiram deixar a política para as instituições civis. Em contrapartida, sempre enalteceu os ícones das Forças Armadas que atuaram na ditadura e continuam chamando o golpe de Revolução de 64. Desde sempre Bolsonaro se identificou com a parte mais torpe e inescrupulosa da corporação. Daí vem o culto à imagem dos torturadores, em especial ao seu ídolo general Brilhante Ustra, “o terror da presidente Dilma Rousseff”, como declarou ao dizer sim ao impeachment e dedicá-lo à memória do criminoso que introduzia ratos vivos na vagina de suas vítimas durante as sessões de tortura.

    “Uma mentira repetida muitas vezes torna-se uma verdade”, na famosa máxima de Joseph Goebbels, o ministro da propaganda de Hitler, que inspira Steve Bannon, guru da campanha de Bolsonaro e Mourão nas redes sociais. Repetindo calúnias sobre judeus e comunistas, Goebbels inflava o sentimento de superioridade dos alemães em jornais e panfletos. Mas foi usando o rádio e o cinema (dois meios insurgentes que exerciam grande fascínio, como as redes sociais hoje), que o líder mais cruel da humanidade aliciou grandes massas como cúmplices do seu projeto de morte. Valendo-se sempre da mentira contra os seus inimigos, que chamava de fracos e de ratos, ergueu seu mundo insano mentindo também sobre as qualidades dos que considerava fortes e belos, embora ele mesmo estivesse longe de corresponder ao padrão de beleza que vangloriava. Esse sentimento parece estar bem representado nas palavras do general Mourão, o vice do B., ao encerrar uma entrevista a jornalistas no aeroporto de Brasília para atender o neto e o filho que o aguardavam. Apontando para o neto, bem mais claro que ele e o filho, afirmou, como se desculpando pela própria descendência negra: “Meu neto é um cara bonito, viu ali, é o branqueamento da raça. Valendo-se de propaganda racista e de mensagens subliminares que estimulam o ódio e a xenofobia, incutiu a crença da superioridade ariana no inconsciente alemão com a ajuda da invenção de uma linguagem cinematográfica. No cinema nazista, os militares aparecem sempre filmados de baixo para cima, para ressaltar a supremacia bélica, enquanto os judeus são mergulhados no efeito de inferioridade pela câmera alta.

    Adolf Hitler apresentava, porém, uma vantagem sobre Bolsonaro: hábil orador, tinha larga cultura clássica e conhecimento de economia e geopolítica que usou para legitimar seus planos de purificação da raça ariana, com o extermínio de militantes de esquerda, judeus, imigrantes árabes, negros, homossexuais. Muitos estudos foram realizados sobre as relações entre o seu desvario pelo poder e seu caráter ressentido e agressivo com mulheres. Temperamental, explosivo e inculto, Bolsonaro não demonstra cultura mínima para a posição que pretende ocupar ou capacidade de desenvolver uma conversa inteligente. É acusado de fugir dos debates por medo de suas próprias declarações. Afirma coisas como “um afrodescendente não serve nem para procriar”, “claro que as mulheres deveriam ganhar menos porque engravidam”, “preferia ter um filho morto a ter um filho gay”, “ou os trabalhadores precisam escolher entre ter direitos ou emprego” e “não te estupro porque você não merece”, figuram na sua longa coleção de bestialidades.  E, no entanto a vítima do oportuno atentado a faca que o feriu gravemente e o premiou com intermináveis atestados médicos é aclamada por uma multidão de seguidores de cujo fanatismo nem a história, nem a estupidez do próprio líder é capaz de arrancar.

    Mas se nazismo é crime, como pode um candidato que faz apologia à tortura, a símbolos e ideias nazifascistas estar solto e ainda ser candidato a presidente da República?

    O que falta acontecer para acordarem os que deveriam zelar para manter o país livre dessa degradação ética, moral, política e social? Como não reagem as instâncias jurídicas e as instituições democráticas brasileiras, o STF, a OAB, o Senado, a Câmara Federal, os partidos, o próprio PT, a própria Frente Unificada Haddad Manuela Presidente para impedir que a aberração política se instale no Palácio do Planalto do maior país da América Latina? A ascensão pelo voto de um presidente que prega a violência nazista num país com as dimensões e importância do Brasil seria uma tragédia de proporções não só continentais, para a América Latina, mas para toda a democracia ocidental, como apontou o jornalista Pepe Escobar, em artigo publicado no sábado pelos Jornalistas Livres. Equivaleria ao lançamento de uma bomba atômica no século XXI e chega a representar a ameaça de uma III Guerra Mundial, segundo palavras do Papa Francisco. Mas parece que muito tarde acordamos de um sono comatoso, com a ilusão de que esse passado de horrores estava encerrado no século XX.

    Enquanto isso, o nazifascismo ressurge assustador na promessa da sinistra dinastia Bolsonaro, com sua fábrica de ogros fazendo já centenas de vítimas em via pública, onde a ordem de extermínio já está dada. Enquanto o bolsonarismo está livre para inocular no seio do povo brasileiro o vírus da sua ideologia de morte, negros, gays, trans, mulheres, estudantes, nordestinos, indígenas são abatidos nas ruas feito animais antes mesmo do segundo turno. O símbolo da suástica sobe as paredes das universidades brasileiras, igrejas e muros de escolas. Também é marcado a ferro e fogo, como gado, na barriga da estudante de 19 anos, em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul.

    Nazismo em Blumenau: comemoração com o símbolo da suástica na bandeira vermelha

    Acrescentada dos ingredientes do neoliberalismo, a droga nazista parte  do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, onde refaz a volta cruel da história, acordando a herança ancestral do hitlerismo. O Partido Nazista fez mais adeptos no Sul do que em qualquer outra região do Brasil, como mostra o documentário Anauê! o integralismo e o nazismo na região de Blumenau, do cineasta Zeca Pires. Santa Catarina chegou a ter 45 mil simpatizantes, quase um terço do total no Brasil. Ainda no ano passado, grupos extremistas foram presos e investigados por comemorar o aniversário do Führer, um advogado negro recebeu ameaça de morte e a cidade acordou pichada de símbolos e cartazes com símbolos da suástica e cruz de celta ou cruz de ferro.

    Se antes o vírus nazista ficava restrito à Região Sul, a campanha Bolsonaro inoculou-o no inconsciente de grupos espalhados por todo o Brasil, de modo que hoje o ódio racista não poupa classe, nem idade, nem cor. Negros são esfaqueados por negros, nordestinos humilhados por nordestinos, mulheres esmagam mulheres. Está no cerne do nazismo semear a discórdia entre os povos, as etnias, os gêneros para manter o poder do dominador. E um povo antes considerado no mundo inteiro como relativamente pacífico e amoroso aplaude essas atrocidades aos gritos de “Mito, mito, mito!”. Como disse a filósofa da UFSC. Maria de Lourdes Borges, PhD em Hegel e Kant, no dia seguinte ao primeiro turno das eleições, dormimos no Brasil e acordamos com a sensação de estarna Alemanha de 1945.

     

    FÓRMULA EXPLOSIVA DE BOLSONARO CONJUGA

    NAZIFASCISMO COM NEOLIBERALISMO

    Campanha política eleitoral do PT mostra vínculos de Bolsonaro com nazismo

    Homem de ideias medíocres e insanas, odioso e sedento de poder, Hitler foi, durante longo tempo, ignorado e subestimado em suas pretensões de dominar o mundo até ascender ao comando do Terceiro Reich com amplo apoio popular. De modo muito semelhante, Bolsonaro também foi negligenciado nos quase 30 anos de vida parlamentar em que esteve abrigado em várias siglas de representatividade insignificante. Nesse período, deixou como saldo dois únicos projetos aprovados de agrados à caserna, sempre em benefício dos privilégios militares, que lhe garantiram o apoio inegável dos aparatos de repressão. Ao contrário de Hitler, que usou seu lastro cultural e sua erudição clássica em favor de suas ambições, Bolsonaro representa o culto à ignorância para um povo condicionado a se informar e se formar pelas redes sociais do MBL, Vem pra Rua e da Candidatura “O Brasil acima de tudo”, onde imperam a vulgaridade e o Fake News. Declaradamente dispensa a leitura de livros, despreza a formação superior e combate as instituições universitárias, que ele diz propagadoras da “ideologia de gênero e do comunismo”, sobretudo as áreas humanas, em favor da formação tecnicista. O marketing do novo embala os piores invólucros dos velhos e perigosos militares de 64.

    Em meio a propostas parlamentares marcadas pelo ridículo e irrelevância, votou contra todos os direitos trabalhistas, inclusive das empregadas domésticas, feito do qual ele se orgulhou várias vezes publicamente, para tornar pública a aliança com o empresariado e com as elites brasileiras. Sua principal obra foi a disseminação do vírus de uma política baseada no ódio às minorias, no combate aos direitos trabalhistas, na desmoralização das políticas públicas na mentalidade mediana do povo brasileiro. Tudo isso, como na experiência nazista, encoberto por um falso moralismo de quem legitima os atos mais execrados pela moral cristã, como estupro, feminicídio, milícias de extermínio, às quais ele declarou apoio em entrevistas, adultério, tortura, prostituição, zoofilia, enfim, violência racial, ambiental, política e de gênero.

    À diferença do nazismo alemão e do fascismo italiano, esse projeto é untado por um falso patriotismo que se desintegra ao ser contraposto à fúria bolsonarista pela privatização e entrega para as grandes corporações internacionais das riquezas nacionais: petróleo, energia, biotecnologia, meio ambiente, territórios indígenas, minério, Amazônia. Sem as benesses do nacionalismo europeu, o projeto privatizador de todas as estatais brasileiras, mesmo em áreas estratégicas para a soberania nacional, tende, ao contrário, a criar um Estado fraco, ausente e entregue aos ditames dos impérios estrangeiros.

    LIBERDADE É UM REVÓLVER NA MÃO E O ÓDIO NA CABEÇA

    Mesmo a proposta de garantir a segurança dos cidadãos se mostra uma farsa em favor do comércio da indústria armamentista mundial, há muito tempo empenhado em, através da influência na política, fazer do país um grande mercado consumidor de armas. E como o país pode aumentar o consumo de armas? Obviamente não com políticas de segurança, mas com ideologias que disseminem o ódio e a violência, capazes de justificar a compra de grandes lotes de armas pelo Estado. Todos os indícios desse plano perverso estão dados: desde o primeiro turno, grandes meios de comunicação (El País, Exame, Folha de S. Paulo, Estadão, Valor Econômico, Veja, Uol etc) anunciam o crescimento espantoso da Taurus, indústria gaúcha multinacionalizada, cujas ações nas Bolsas de Valores dispararam na frente de todas as outras com o efeito Bolsonaro durante a campanha eleitoral. O próprio candidato deixa essa mensagem bem explícita ao gravar um vídeo dentro da Taurus em que declara seu amor pelas armas como militar, acaricia o último modelo de um fuzil e promete promover a compra de um reluzente revólver para cada cidadão brasileiro. “Não que eu seja garoto-propaganda da Taurus, mas…”, inicia ele, na gravação de um vídeo tosco do ponto de vista técnico, mas eficiente do ponto de vista semiótico.

    Por isso as incontáveis cenas em que Bolsonaro aparece fazendo o gesto da metralhadora ou ensinando crianças a atirar, como diz ter feito com seus filhos desde os cinco anos, não devem ser vistas como bizarrice de um político mentecapto pela esquerda ou brincadeira sem maiores consequências pelos seus seguidores. Outra semelhança com o hitlerismo, esses gestos são ordens subliminares de armamento clandestino das milícias neonazistas plenamente obedecidas por homens e mulheres que já saíram às ruas para votar ou para matar. Elas são propagandas muito conscientes do candidato e de seus filhos (irmãos metralha?) para a indústria armamentista que patrocina sua campanha.  Cada pose fotográfica com uma arma imaginária que Bolsonaro dispara, seja sorridente ou bradando “vamos metralhar a petralhada do Acre” ou “vamos metralhar a favela da Rocinha como solução final” é um apelo de compra que será reproduzido aos milhões pelos seus seguidores.

    A promessa do “pai” fascista de garantir a cada cidadão brasileiro obediente a posse de uma arma esconde outra evidência: a de que a segurança pública será privatizada nas mãos de cada indivíduo. Com o revólver ele recebe a tarefa de cuidar de sua própria defesa, na base do olho por olho, dente por dente. “Não é apenas a sua segurança, é a sua liberdade. Povo armado é povo livre”, diz o líder no mesmo comercial.

    Campanha eleitoral do PT vai finalmente mostrar relações entre Bolsonaro e nazismo?

    Além do culto às armas, o modus operandi comum ao totalitarismo italiano mais evidente é o uso da bandeira do combate à corrupção como porta de entrada para a violência política. Em todas as experiências contemporâneas, o fascismo se fortalece colando a corrupção na mentalidade das massas como prática da esquerda, ainda que a direita se mostre infinitas vezes mais recorrente nessa prática. No caso brasileiro, o número de parlamentares de direita indiciados ou citados pela Lava-Jato ultrapassa de longe a esquerda, mesmo no caso do PT, que esteve 13 anos no poder, e perde em comparação proporcional ao PSL, um partido muitas vezes menor. Quanto mais à esquerda, menor o índice de corrupção. Mas ainda que a impunidade de inúmeros políticos de direita no Brasil, como Michel Temer, João Rodrigues, Roberto Jefferson (que acaba de anunciar apoio a Bolsonaro), Beto Richa, Aécio Neves ou Zezé Perrela, escancare a hipocrisia dessa bandeira levantada pelos próprios corruptos, a extrema direita se alimenta da ignorância para estalar o seu chicote calunioso no lombo alheio.

    Tratado de forma despolitizada e descontextualizada pelos meios de comunicação, o facho da corrupção tem um efeito de obliteração do raciocínio. Ele é capaz de cegar um povo sem formação política, para o qual nada tem um sentido mais simples e concreto do que culpar um político jogar pedras num político ladrão, não interessa se ele é alvo de lawfare, um processo assimilado sem crítica pela maior parte do povo brasileiro, cujas referências de verdade são a justiça, a mídia, a religião e a polícia. Grande parte da população só consegue se inserir na discussão política pelo viés da corrupção. Apresentada como causa estruturante das injustiças sociais e não com efeito da estrutura econômica,  essa bandeira esconde o fato de que a corrupção é a base da desigualdade social promovida pelo capitalismo. Num sistema em que o Estado só existe para manter a exploração das classes trabalhadoras, pois o poder de fato é exercido pelo mercado financeiro, o parlamento se coloca entre o Estado e a sociedade para ser corrompido pelo poder econômico. Desde o seu planejamento financeiro, as grandes empresas destinam em seus orçamentos gordas porcentagens para o pagamento de propinas em troca da aprovação de leis que reforçam os privilégios das elites, alargam os lucros dos bancos, sabotam os direitos trabalhistas, envenenam a alimentação com produtos cancerígenos do agronegócio, dizimam aldeias indígenas, entregam o petróleo, a Amazônia, a água, a energia elétrica…

    Na contramão dessa política de privilégios, as esquerdas têm um papel decisivo para impedir que o jogo de forças perverso seja completamente vitorioso e leve a classe trabalhadora à completa ruína. Por isso elas precisam ser combatidos ferozmente pelo nazifascismo em nome da ameaça do comunismo e do socialismo, hoje ironicamente os defensores mais intransigentes do respeito à democracia, enquanto o neoliberalismo não se cansa de violá-la. A esquerda precisa ser eliminada porque tem um papel importantíssimo no equilíbrio de forças, reconhecido pelas grandes potências da social democracia que convivem em relativa harmonia com os partidos comunistas. Só ela, com sua radicalidade de princípios em favor dos direitos sociais, é capaz de frear a sede de lucro e de destruição de projetos emergentes que conjugam a fórmula explosiva neoliberalismo mais nazifascismo.

    BANALIZAÇÃO DO MAL: candidatos apresentam prova da profanação da memória de Marielle

    “Chega de comunismo, acabou PCdoB”, brada em comício em Petrópolis, o candidato do PSC ao governo do estado do Rio, o ex-juiz Wilson Witzel. Ao seu lado, a dupla de candidatos a deputado estadual Rodrigo Amorim, e o candidato a deputado federal Daniel Silveira, ambos do PSL-RJ, mostram com o punho erguido e sorriso de vingança a placa em homenagem a Marielle Franco partida ao meio. Como os próprios anunciam orgulhosos, eles a arrancaram de um poste na esquina da Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro, onde ela cumpria seu primeiro mandato pelo PSOL quando foi assassinada. Dão assim prova material ao crime do qual se vangloriaram dias antes em vídeos, fotos e ao vivos nas redes sociais. Exibir o símbolo da profanação do túmulo de uma líder abatida a tiros e sem justiçamento é uma forma de legitimar o seu assassinato, matando-a e violando-a novamente. É como se pudessem impedir a propagação da sua imagem negra, capaz de alimentar multidões insurgentes contra o racismo e a exclusão social e de gerar sementes de Marielles, como as 12 parlamentares negras eleitas no país. Aí recuamos do mago racista do marketing de Donald Trump para os rituais de magia negra da Ku Klux Klan e para o fogo da Idade Média.

    O fanatismo viral à la Steve Bannon não dá chances de salvar o coliseu de si próprio: os violadores de túmulo não só foram ovacionados por uma multidão ensandecida, como acabaram eleitos: Amorim como o deputado estadual mais votado do Rio, com 140 mil votos e Silveira, com 31.789 votos, a federal. Até que ponto esse resultado representa o prêmio das massas a um carrasco nazista ou mero trunfo da lógica dos algoritmos da cambridge analytica na bolha virtual do candidato Bolsonaro é uma incógnita. A repercussão pública dessa maldade está assentada na base da crueldade nazista, que a filósofa Hannah Arendt chamou de “banalização do mal” movida pelo ódio ao inimigo, pelo medo e pela mentira. Mas aqui a banalização do mal bombada pela fábrica de Fake News é potencalizada pela viralização do mal na política.

    Quando a esquerda é aniquilada pela calúnia ou repressão a toda forma de ativismo, essa fórmula resulta em líderes truculentos, como Rodrigo Duterte, nas Filipinas; Salviani, na Itália; Fujimori, que ainda ameaça o Peru, ou Donald Trump, nos Estados Unidos, entre um conjunto de ditadores insurgentes cuja face mais vulgar promete ser Bolsonaro. Um líder “intransponível para a realidade europeia”, para se referir às recentes declarações da principal líder da extrema direita francesa, Marie Le Pen, segundo quem “Bolsonaro diz coisas impalatáveis para o padrão europeu”, trocando em miúdos.  Com sua violência grotesca e indisfarçada, que os seguidores chamam de “autenticidade”, ele expõe ao mundo a essência mais cruel e verdadeira da nova sereia nazifacista que ameaça a sobrevivência do Brasil multicolorido e da própria democracia ocidental.

     

    BOLSONARISTAS ESPALHAM TERROR E CAOS PELO PAÍS

    Capoeirista assassinado ainda tentou argumentar calmamente, mas foi brutalmente esfaqueado

    Inflamados pelo discurso de ódio do deputado, seus filhos e outros seguidores, militantes extremistas espalham atacam, matam, estupram, espancam mulheres, negros, gays, trans, estudantes e opositores à candidatura nazista pelo Brasil afora.

    A lista do terrorismo é uma amostra do cenário de guerra que espera o país caso Bolsonaro seja eleito. Veja alguns casos publicamente denunciados e notificados.

    🚨 CAPOEIRISTA é morto com 12 facadas por militante de Bolsonaro: https://bit.ly/2y4nMTm
    O mestre capoeirista Moa do Katendê foi morto com 12 facadas nas costas, em Salvador (BA), depois de falar que tinha votado em Fernando Haddad.

    🚨 MULHER é torturada por militantes de Bolsonaro: https://bit.ly/2PtgqzE
    As torturas aconteceram dentro de um carro, e as ofensas, além de homofóbicas, também eram racistas.

    🚨 MULHER é atacada com barra de ferro por militantes de Bolsonaro: https://bit.ly/2RGFQv2
    Vocalista foi agredida em passarela de Nova Iguaçu, após responder a ambulantes que a ameaçaram.

    🚨 CACHORRO é morto em carreata por militantes de Bolsonaro: https://bit.ly/2QuTxfe
    O cachorro, de nome Marley, que latiu para uma carreata em apoio a Bolsonaro, que passava pelas ruas de Muniz Ferreira (BA), morreu depois de tomar três tiros disparados por um integrante da carreata que tinha se irritado com os latidos.

    🚨 MULHER foi agredida e marcada com suástica por militantes de Bolsonaro: https://bit.ly/2A2UdDh
    Ela foi agredida por usar a camiseta #elenão.

    🚨 JOVEM é agredida por apoiadores de Bolsonaro: https://bit.ly/2Oq81Aj
    A mulher foi sofreu violência física e verbal enquanto voltava para casa.

    🚨 PROFESSOR é ameaçado de morte por militante de Bolsonaro: https://glo.bo/2INUOvi
    O pai de um aluno se sentiu atacado politicamente com a explicação do professor sobre os usos da Lei Rouanet.

    🚨 HOMEM é morto em Curitiba por militante de Bolsonaro: https://bit.ly/2y2Thxd
    O assassino, que tinha conhecido o rapaz em um aplicativo de paquera, teria gritado “viva Bolsonaro” depois do crime.

    🚨 JORNALISTA é agredida e ameaçada de estupro por militantes de Bolsonaro: https://glo.bo/2ykZUu4
    Uma jornalista, em Recife (PE), foi agredida por dois homens ao sair do local de votação. Um deles vestia uma camiseta do Bolsonaro.

    🚨 MULHER é brutalmente agredida por militantes de Bolsonaro: https://bit.ly/2ydbdFj
    As imagens são assustadoras.

    🚨 SERVIDORA PÚBLICA foi espancada em Pernambuco após criticar Bolsonaro: http://bit.ly/2ye1SNI
    Ela foi agredida por uma mulher que estava numa mesa de apoiadores do capitão reformado.

    🚨 MILITANTES de Bolsonaro postam fotos com armas nas urnas: https://bit.ly/2yqQBIY
    Um eleitor, usando o cano de uma pistola, digitou e confirmou o número de seu candidato (17) na urna eletrônica. Muito orgulhoso, postou o vídeo nas redes sociais.

    🚨 MÃE É AGREDIDA, COM A FILHA, por militantes de Bolsonaro: https://bit.ly/2pGhlkQ
    Homens, vestidos com roupas de alusão a Bolsonaro, gritaram no rosto da mulher e de sua filha.

    🚨 JOVEM É AGREDIDO por militantes de Bolsonaro simplesmente por estar vestindo vermelho: https://bit.ly/2C1ZEDM
    O rapaz foi agredido por um grupo de homens por ser de esquerda.

    🚨 JOVEM é agredida por militante de Bolsonaro: https://bit.ly/2IHKViu
    Vidro de seu carro foi quebrado e manchas de sangue foram registradas durante carreata no Paraná.

    🚨 FUNCIONÁRIA é ameaçada com arma por militantes de Bolsonaro: https://glo.bo/2MAXod0
    A mulher relatou ter sido ameaçada com armas de fogo.

    🚨 CÂMARA MUNICIPAL DE SÃO PAULO acorda com suásticas e símbolos nazistas em ato de vandalismo: https://bit.ly/2QNmkvD
    Os registros foram feitos por uma das vereadoras da cidade.

    🚨 PROFESSOR DA USP faz saudação nazista enquanto defendia Bolsonaro: https://bit.ly/2RMPtIv
    A saudação foi feita numa discussão pública no Facebook.

    🚨 HOMEM com boné vermelho é agredido no Paraná por militantes do Bolsonaro: https://bit.ly/2OjDHHG
    Segundo relatos, agressores eram parte de uma torcida organizada e proferiram gritos de apoio ao deputado Jair Bolsonaro.

    🚨 LIVROS sobre ditadura foram rasgados na biblioteca da Universidade de Brasília: https://glo.bo/2Qv14KT
    Até obras de referência sobre artistas do Renascimento estão sendo alvo de vandalismo.

    🚨 PESSOAS são ameaçadas por torcida organizada com gritos homofóbicos: https://bit.ly/2OPiq88
    As falas teriam sido “Ô bicharada, toma cuidado/ O Bolsonaro vai matar viado”.

    🚨 HOMEM é agredido por motorista de Uber militante de Bolsonaro: https://bit.ly/2ORmBQT
    A agressão começou quando ele respondeu à pergunta do motorista sobre seu posicionamento político.

    🚨 MULHER é agredida por integrante de manifestação pró-Bolsonaro: https://bit.ly/2PtgqzE
    As rasteiras vieram porque ela não aceitou os adesivos da campanha.

    🚨 EDIFÍCIO foi vandalizado por simpatizantes de Bolsonaro: https://bit.ly/2PtgqzE
    Os agressores se irritaram com a bandeira na janela de um apartamento.

    🚨 PROFESSORA sofre ofensas raciais de alunos: https://glo.bo/2CaQepI
    Os alunos também desenharam uma suástica.

    🚨 SUÁSTICAS e outras propagandas neonazistas são registradas em vários bairros de São Paulo: https://bit.ly/2CCOciX

  • O futuro da democracia ocidental está em jogo no Brasil

    O futuro da democracia ocidental está em jogo no Brasil

    Por Pepe Escobar*

    No Brasil está em jogo nada menos do que o futuro da política de todo o Ocidente – e do Sul global.

    Despojadas até a sua essência, as eleições presidenciais brasileiras representaram um choque direto entre a democracia e um neofascismo do início do século XXI, entre a civilização e a barbárie.

     

    Embate dramático entre Haddad e candidato fascista

    As repercussões geopolíticas e econômicas mundiais serão enormes. O dilema brasileiro ilumina todas as contradições que rodeiam a ofensiva populista de direita do Ocidente, justapondo-se ao inexorável colapso da esquerda. Os riscos não podem ser maiores.

    Jair Bolsonaro, apoiante ferrenho das ditaduras militares brasileiras do século passado, que tem sido apresentado simpaticamente como o “candidato de extrema-direita”, ganhou a primeira volta das eleições presidenciais no domingo com mais de 49 milhões de votos. Foram 46% do total, a pouca distância da maioria necessária para uma vitória imediata. Isto, só por si, já é um desenvolvimento incrível.

    O seu opositor, Fernando Haddad, do Partido dos Trabalhadores (PT), só recebeu 31 milhões de votos, ou seja, 29% do total. Vai agora enfrentar Bolsonaro numa segunda volta em 28 de outubro. Uma tarefa digna de Sísifo aguarda Haddad: para igualar Bolsonaro, precisa de cada um dos votos dos que apoiaram os candidatos situados em terceiro e quarto lugares, mais uma substancial parte de quase 20% dos votos brancos e nulos.

    Entretanto, nada menos de 69% dos brasileiros, segundo as últimas sondagens, manifestam apoio à democracia. Ou seja, há 31% que não a apoiam.

     

    Um Trump tropical? Não.

    Revista britânica que defende o o liberalismo econômico considera Bolsonaro a ameaça para a América Latina

    A Distopia Central nem sequer o qualifica. Os brasileiros progressistas sentem-se aterrorizados com a ideia de enfrentar um deserto intelectual mutante, como no filme “Brazil” ou Mad Max, devastado por fanáticos evangélicos, capitalistas gananciosos do casino neoliberal e militares raivosos inclinados a recriar uma ditadura 2.0.

    Bolsonaro, um antigo paraquedista, tem sido retratado pelos media ocidentais dominantes como o Trump Tropical. Os factos são muito mais complexos.

    Bolsonaro, um membro medíocre do Congresso durante 27 anos, sem nada que se destaque no seu currículo, demoniza indiscriminadamente negros, a comunidade LGBT, a esquerda no seu todo, a “fraude” ambiental e, sobretudo, os pobres. Confessou abertamente ser a favor da tortura. Apresenta-se como um Messias – um avatar fatalista que aparece para “salvar” o Brasil de todos os “pecados” atrás referidos.

    A Deusa do Mercado, previsivelmente, abre-lhe os braços. Os “investidores” – essas entidades semidivinas – consideram-no bom para “o mercado”, com a sua ofensiva de última hora nas sondagens, refletidas numa recuperação do real brasileiro e do mercado de ações de São Paulo.

    Bolsonaro pode ser o “salvador” clássico de extrema-direita, segundo o molde nazi. Pode encarnar o populismo de direita até ao âmago. Mas não é, de modo algum, um “soberanista” – o lema de eleição no debate político em todo o Ocidente. O seu Brasil “soberano” será governado mais como uma ditadura retro-militar, totalmente subordinada aos caprichos de Washington.

    O vice-presidente proposto por Bolsonaro é um general reformado, escassamente letrado, um homem que se envergonha da sua origem mista e é abertamente a favor da eugenia. O general António Hamilton Mourão até já ressuscitou a ideia de um golpe militar.

    Por detrás desta equipa, encontramos enormes interesses económicos, ligados a recursos minerais, agroindústrias e a quase todos os “Cinturões Bíblicos” brasileiros. Acompanham-nos os esquadrões da morte contra os brasileiros nativos, os camponeses sem terra e as comunidades afro-americanas. É um paraíso para a indústria do armamento. Chamem-lhe a apoteose do cristão-sionismo tropical neopentecostalista.

    Louvado seja o Senhor 

    O Brasil tem 42 milhões de evangélicos – e mais de 200 representantes nos dois ramos do Parlamento. Não se metam com os seus jihadistas. Eles sabem como exercer uma influência maciça entre os mendigos do banquete neoliberal. A esquerda de Lula não sabia como os seduzir.

    Assim, mesmo imitando Mike Pence, Bolsonaro só é o Trump brasileiro até um certo ponto: as suas técnicas de comunicação – falar duro, de forma simplista — são uma linguagem que até um miúdo de sete anos percebe. Os italianos instruídos comparam-no a Matteo Salvini, o líder do partido Lega, hoje ministro do Interior. Mas também não é exatamente esse o caso.

    Bolsonaro é um sintoma de uma doença muito maior. Só atingiu este nível, um frente a frente na segunda volta contra Haddad, candidato de Lula, por causa duma Guerra Híbrida judicial/congressional/industrial/media, refinada e contínua, desencadeada contra o Brasil.

    Bastante mais complexa do que qualquer revolução colorida, a Guerra Híbrida no Brasil caracteriza-se por um golpe lawfare sob a cobertura da investigação anticorrupção da Lava Jato que levou ao impeachment da presidente Dilma Rousseff e à prisão de Lula, com acusações de corrupção sem quaisquer provas.

    Em todas as sondagens Lula ganharia estas eleições. Os conspiradores conseguiram metê-lo na prisão e impedi-lo de se candidatar. O direito de Lula a candidatar-se foi defendido por toda a gente, desde o Papa Francisco ao Conselho dos Direitos Humanos da ONU, assim como por Noam Chomsky. No entanto, numa deliciosa reviravolta histórica, o cenário dos conspiradores rebentou-lhes na cara quando o primeiro candidato a governar o país não é nenhum deles, mas um neofascista.

    “Um deles” seria idealmente um burocrata sem rosto, um apaniguado dos antigos sociais-democratas, o PSDB – Partido da Social Democracia Brasileira –, neoliberais radicais viciados em colocar-se no centro-esquerda, quando são “aceitáveis” perante os neoliberais da direita. Chamem-lhes Tony Blairs brasileiros. As contradições específicas brasileiras, mais o avanço do populismo de direita no Ocidente, levaram à sua queda.

    Até a Wall Street e a City de Londres (que apoiaram a Guerra Híbrida no Brasil, depois de ela ter sido desencadeada pela NSA, que espionou a gigantesca petrolífera Petrobrás) começaram a mudar de opinião quanto ao apoio a Bolsonaro para presidente duma nação BRICS, que é líder do Sul Global, e que, até há poucos anos, estava em vias de ser a quinta maior economia do mundo.

    Tudo depende do mecanismo da “transferência de votos” de Lula para Haddad e na criação de uma Frente Democrática Progressiva séria e multipartidária na segunda volta para derrotar o crescente neofascismo. Têm menos de três semanas para o realizar.

    Steve Bannon. O efeito Bannon 

    Não é segredo nenhum que Steve Bannon é conselheiro da campanha de Bolsonaro no Brasil. Um dos filhos de Bolsonaro, Eduardo, encontrou-se com Bannon em Nova Iorque dois meses depois de o campo de Bolsonaro ter decidido aproveitar a supostamente inigualável visão de engenharia social de Bannon.

    O filho de Bolsonaro escreveu num tweet , nessa altura: “Estamos em contacto para reunir forças, especialmente contra o marxismo cultural”. Isto foi seguido por um exército de bots, que vomitaram uma avalanche de notícias falsas até ao dia das eleições.

    Um espectro assombra a Europa. Chama-se Steve Bannon. Este espectro mudou-se para os trópicos.

    Na Europa, Bannon está agora apostado em intervir como um anjo da perdição num quadro de Tintoretto, anunciando a criação duma coligação populista União Europeia-toda a direita.

    Bannon recebe publicamente os maiores elogios do ministro do Interior italiano, Salvini; do primeiro-ministro húngaro Viktor Orban; do nacionalista holandês Geert Wilders; e do flagelo do establishment de Paris, Marine Le Pen.

    No mês passado, Bannon fundou O Movimento; à primeira vista apenas uma start-up política em Bruxelas, com uma pequena equipa. Mas falamos em ambição sem limites: o seu objetivo é nada menos do que virar as eleições parlamentares europeias em maio de 2019 de pernas para o ar.

    O Parlamento Europeu em Estrasburgo – um bastião de ineficácia burocrata – não é exatamente um nome familiar na União Europeia. O parlamento está impedido de propor legislação. As leis e os orçamentos só podem ser bloqueados através de uma maioria de votos.

    Bannon pretende captar pelo menos um terço dos assentos em Estrasburgo. Está apostado em aplicar métodos ao estilo americano, já testados, tais com sondagens intensivas, análise de dados e intensivas campanhas sociais nos media – tal como no caso de Bolsonaro. Mas, claro, não há garantias de que vá funcionar.

    Steve Bannon – o estrategista de Trump e de Bolsonaro – rei das notícias falsas

    A pedra basilar de O Movimento, segundo tudo leva a crer, foi colocada em duas importantes reuniões no início de setembro, organizadas por Bannon e pelo seu braço direito, Mischael Modrikamen, presidente do pequenino Partido Popular Belga (PP). A primeira reunião realizou-se em Roma com Salvini e a segunda em Belgrado com Orban.

    Modrikamen define o conceito como um “clube” que vai “angariar fundos de doadores, na América e na Europa, para assegurar que as ideias ‘populistas’ sejam ouvidas pelos cidadãos da Europa que se apercebem cada vez mais que a Europa já não é uma democracia”.

    Modrikamen insiste: “Somos todos soberanistas”. O Movimento vai martelar quatro temas que parecem formar consenso em partidos políticos diferentes, de toda a União Europeia: contra uma “imigração descontrolada”; contra o “islamismo”; a favor da “segurança” na União Europeia; e em apoio a “uma Europa de nações soberanas, orgulhosas da sua identidade”.

    O Movimento deverá ganhar velocidade depois das intercalares do próximo mês nos EUA. Em teoria, poderá congregar diversos partidos da mesma nação à sua sombra. Poderá ser uma ordem muito alta, ainda mais alta do que o facto de os principais atores políticos já terem programas divergentes.

    Wilders quer rebentar com a União Europeia. Salvini e Orban querem uma União Europeia fraca, mas não querem ver-se livres das suas instituições, Le Pen quer uma reforma da União Europeia seguida por um referendo “Frexit”.

    Os únicos temas que unem este saco de gatos de populismos de direita são o nacionalismo, um confuso impulso anti-establishment e — muito popular — o desencanto com a pesada máquina burocrática da União Europeia.

    Encontramos aqui terreno comum com Bolsonaro, que se apresenta como nacionalista e contra o sistema político brasileiro – apesar de estar no Parlamento há séculos.

    Manifestação organizada pelo grupo Mulheres Unidas Contra Bolsonaro em Campinas

    Não há uma explicação racional para o avanço de última hora de Bolsonaro nas duas secções do eleitorado brasileiro que o desprezam profundamente: as mulheres e a região nordeste, que sempre foi discriminada pelo sul e pelo sudeste, mais ricos.

    Tal como a Analítica de Cambridge nas eleições norte-americanas de 2016, a campanha de Bolsonaro visou eleitores indecisos nos estados do nordeste, assim como as mulheres, com uma barragem de notícias falsas, denegrindo Haddad e o Partido dos Trabalhadores. Funcionou como mágica.

    A ação italiana 

    Estive no norte de Itália para ver até que ponto Salvini é popular. Salvini define as eleições para o Parlamento Europeu em maio de 2019 como “a última hipótese para a Europa”. O ministro italiano dos Estrangeiros, Enzo Moavero, considera-as as primeiras “verdadeiras eleições para o futuro da Europa”. Bannon também acha que o futuro da Europa está em jogo na Itália.

    É espantoso apreender a energia conflituosa no ar em Milão, onde o partido Lega de Salvini é muito popular enquanto, simultaneamente, Milão é uma cidade globalizada, a abarrotar de bolsõess ultraprogressistas.

    Num debate político sobre um livro publicado pelo Instituto Bruno Leoni, acerca da saída do euro, Roberto Maroni, antigo governador da poderosa região da Lombardia, observou: “A Italexit está fora do programa formal do governo, do Lega e do centro-direita”. Maroni lá sabe, afinal de contas, ele foi um dos fundadores do Lega,

    Mas deu a entender que há no horizonte importantes mudanças. “Para formar um grupo no Parlamento Europeu, os números são importantes. Este é o momento para aparecer com um único símbolo dos partidos de muitas nações”.

    Não são só Bannon e Modrikamen de O Movimento. Salvini, Le Pen e Orban estão convencidos de que podem ganhar as eleições de 2019 – com a União Europeia transformada numa “União das Nações Europeias”. Isso incluirá não só algumas das grandes cidades onde se passa toda a ação, com o resto reduzido a um estatuto de observadores. O populismo de direita argumenta que a França, a Itália, a Espanha e a Grécia já não são nações – apenas meras províncias.

    O populismo de direita sente-se imensamente satisfeito por o seu principal inimigo ser o auto-intitulado Macron “Júpiter” – ridicularizado por alguns em França como “o pequeno Rei-Sol”. O presidente Emmanuel Macron deve andar aterrorizado por Salvini surgir como a “luz principal” dos nacionalistas europeus.

    É para isto que a Europa parece estar a caminhar: um destruidor desafio de Salvini contra Macron.

    A luta entre Salvini e Macron, na Europa, pode ser uma repetição da luta entre Bolsonaro e Haddad, no Brasil. Alguns espíritos agudos brasileiros estão convencidos de que Haddad é o Macron brasileiro.

    Na minha opinião, não é. Tem formação em filosofia e foi um competente prefeito de São Paulo, uma das mais complexas metrópoles do planeta. Macron é um banqueiro Rothschild de fusões e aquisições. Ao contrário de Macron, que foi engendrado pela instituição francesa como o perfeito lobo “progressivo” a ser largado entre as ovelhas, Haddad encarna o que resta da esquerda realmente progressista.

    Haddad no enfrentamento com o nazismo mais grave da história do Brasil

    Para mais – ao contrário de todo o espectro político brasileiro – Haddad não é corrupto. Terá que oferecer a exigida porção de carne aos suspeitos habituais, se ganhar a corrida. Mas não será uma marioneta nas mãos deles.

    Comparem o trumpismo de Bolsonaro, evidente na sua mensagem de última hora, antes do dia das eleições: “Tornem o Brasil Grande de Novo!”, com o trumpismo de Trump.

    Os instrumentos de Bolsonaro são o elogio persistente da Pátria Mãe, das forças armadas e da bandeira.

    Mas Bolsonaro não está interessado em defender a indústria, os empregos e a cultura do Brasil. Pelo contrário. Um exemplo gráfico é o que aconteceu num restaurante brasileiro, em Deerfield Beach, na Flórida, há um ano: Bolsonaro saudou a bandeira americana e entoou “USA! USA!”

    Isso é puro MAGA (Make America Great Again) – e sem a letra “B”.

    Jason Stanley, professor de Filosofia em Yale e autor de How Fascism Works , leva-nos mais longe . Stanley sublinha como “a ideia no fascismo é destruir a política económica… Os empresários alinham com os políticos que usam táticas fascistas porque tentam desviar a atenção das pessoas das forças reais que causam a genuína ansiedade que elas sentem”.

    Bolsonaro domina estas táticas de diversão. É excelente em denegrir o alegado marxismo cultural. Bolsonaro encaixa na descrição de Stanley, tal como é aplicado aos EUA:

    “O liberalismo e o marxismo cultural destruíram a nossa supremacia e destruíram esse maravilhoso passado em que governávamos e as nossas tradições culturais eram as que dominavam. Depois, militariza o sentimento de nostalgia. Toda a ansiedade e perda que as pessoas sentem na sua vida, digamos por causa da perda do serviço de saúde, da perda das suas reformas, da perda da sua estabilidade, é enraizada numa sensação de que o verdadeiro inimigo é o liberalismo, que levou à perda do seu passado mítico”.

    No caso brasileiro, o inimigo não é o liberalismo, mas o Partido dos Trabalhadores, ridicularizado por Bolsonaro como “um monte de comunistas”. Ao celebrar a sua espantosa vitória da primeira volta, disse que o Brasil estava à beira de um “abismo” comunista corrupto e podia escolher entre uma via de “prosperidade, liberdade, família” ou “a via da Venezuela”.

    A investigação Lava Jato consagrou o mito de que o Partido dos Trabalhadores e toda a esquerda é corrupta (mas a direita não). Bolsonaro ainda ampliou mais o mito: todas as minorias e classe social é um alvo – na sua cabeça são “comunistas” e “terroristas”.

    Faz-nos recordar Goebbels – no seu texto fundamental “A Radicalização do Socialismo”, em que ele sublinha a necessidade de retratar o centro-esquerda como marxistas e socialistas porque, como Stanley assinala, “a classe média vê no marxismo não tanto a subversão da vontade nacional, mas sobretudo o ladrão da sua propriedade”.

    Isto está no centro da estratégia de Bolsonaro de denegrir o Partido dos Trabalhadores – e a esquerda em geral. A estratégia é encharcada em notícias falsas – mais uma vez refletindo o que Stanley escreve sobre a história dos EUA: “Todo o conceito de império baseia-se em notícias falsas. Toda a colonização baseia-se em notícias falsas”.

    A direita contra o populismo? Como já escrevi num artigo anterior , a esquerda no Ocidente é como um encadeado encadeado por faróis, quando se trata de combater o populismo de direita.

    Espíritos atentos, de Slavoj Zizek a Chantal Mouffe estão a tentar conceptualizar uma alternativa – sem conseguir arranjar o neologismo definitivo. Populismo de esquerda? Popularismo? Idealmente, devia ser “socialismo democrático” – mas ninguém, num ambiente pós-ideologia, pós-verdade, se atreveria a usar a palavra temida.

    A ascensão do populismo de direita é uma consequência direta do aparecimento de uma profunda crise de representação política em todo o Ocidente; a política de identidade erigida como um novo mantra; e o esmagador poder das redes sociais, que permitem – na definição inigualável de Umberto Eco – a ascensão do “idiota da aldeia à condição de oráculo”.

    Como já vimos, o lema central do populismo de direita na Europa é contra a imigração – uma variante mal disfarçada do ódio contra o Outro. No Brasil, o tema principal, realçado por Bolsonaro, é a insegurança urbana. Pode ser o Rodrigo Duterte brasileiro – ou Harry Duterte: “Atreve-te, idiota”.

    Ele intitula-se o Legítimo Defensor contra uma elite corrupta (apesar de fazer parte dessa elite); e o seu ódio de todas as coisas politicamente corretas, do feminismo, da homossexualidade, do multiculturalismo – tudo isso são crimes imperdoáveis contra os “valores da família”. Um historiador brasileiro afirma que a única forma de nos opormos é “traduzir” para cada setor da sociedade brasileira como a posição de Bolsonaro os afeta: “o armamento alargado, a discriminação, os empregos, (e) os impostos”. E isso tem que ser feito em menos de três semanas.

    Penso que o melhor livro que explica o fracasso da esquerda por toda a parte para lidar com esta situação tóxica é o livro de Jean-Claude Michea, Le loup dans la Bergerie (O lobo no curral) publicado em França há uns dias.

    Michea mostra, concisamente, como as profundas contradições do liberalismo, desde o século XVIII – políticas, económicas e culturais – o levaram a VIRAR-SE CONTRA SI MESMO e a separar-se do espírito inicial de tolerância (Adam Smith, David Hume, Montesquieu). É por isso que estamos mergulhados profundamente no capitalismo pós-democrático.

    Chamadas eufemisticamente “a comunidade internacional” pelos “media” dominantes ocidentais, as elites, que têm sido confrontadas desde 2008 com “as dificuldades crescentes que o processo da acumulação globalizada do capital enfrenta”, parecem agora dispostas a fazer tudo para manter os seus privilégios.

    Michea tem razão quando diz que o mais perigoso inimigo da civilização – e até da vida na Terra – é a dinâmica cega da acumulação infindável do capital. Sabemos para onde este bravo Mundo Novo neoliberal nos está a levar.

    O único obstáculo é um movimento autónomo, popular “que não esteja submetido à hegemonia ideológica e cultural de movimentos ‘progressistas’ que, durante mais de 30 anos, defendem apenas os interesses culturais das novas classes médias em todo o mundo”, diz Michea.

    Por agora, um tal movimento mantém-se no reino da utopia. O que resta é tentar remediar uma distopia iminente – como o apoio a uma verdadeira Frente Democrática Progressista – para bloquear um Brasil Bolsonaro.

    Um dos pontos altos da minha estadia em Itália foi uma reunião com Rolf Petri, professor de História Contemporânea na Universidade Ca’ Foscari, em Veneza, e autor do livro absolutamente essencial A Short History of Western Ideology: A Critical Account .

    Passando da religião, da etnia e do colonialismo, para o projeto iluminista de “civilização”, Petri tece uma tapeçaria devastadora de como “a geografia imaginada de um ‘continente’ que nem sequer era um continente, oferecia uma plataforma para a afirmação da superioridade europeia e da missão civilizadora da Europa”.

    Durante um longo jantar numa pequena trattoria veneziana longe das hordas galopantes de selfies, Petrie observou como Salvini – um pequeno empresário da classe média – descobriu astuciosamente como canalizar uma profunda saudade inconsciente de uma harmoniosa Europa mítica que nunca voltará, tal como o pequeno-burguês Bolsonaro evoca um regresso mítico ao “milagre brasileiro” durante a ditadura militar de 1964-1985.

    Todos os seres conscientes sabem que os EUA mergulharam numa desigualdade extrema “supervisionada” por uma plutocracia implacável. Os trabalhadores norte-americanos continuarão a ser lixados, tal como os trabalhadores franceses com o “liberal” Macron. O mesmo acontecerá aos trabalhadores brasileiros com Bolsonaro. Como dizia Yeats, que besta imunda, nesta hora tão negra, se lança à liberdade de nascer?

    Fonte: Instituto de Estudos Latino-Americanos
    [*] Pepe Escobar é jornalista, brasileiro, correspondente do Asia Times. O seu último livro é 2030 .

    O original encontra-se em consortiumnews.com/… . Tradução de Margarida Ferreira.

    Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .