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  • O show de Trump: renovação ou cancelamento?

    O show de Trump: renovação ou cancelamento?

    Nos EUA voto popular não significa vitória. Biden terá mais votos do que Trump e ainda assim o resultado da eleição continuará indefinido por algum tempo. Apesar dos descalabros que marcaram a gestão Trump antes e durante a pandemia, o seu desempenho na atual corrida eleitoral será muito forte.

    Mateus Pereira, Valdei Araujo e Walderez Ramalho, professores da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) em Mariana, MG

    A disputa está sendo muito mais acirrada do que era inicialmente previsto pela maior parte dos institutos de pesquisa e da mídia americana, embora a cautela e o medo nunca deixaram de estar presentes. Sob esse ponto de vista, as eleições deste ano são como uma repetição do que vimos em 2016, ainda que o resultado possa ser a derrota eleitoral para Trump. Em 2016 foram os democratas que denunciaram a interferência russa, agora é o presidente-agitador que se apressa em questionar a legitimidade do pleito, sem mostrar nenhuma prova. Sabemos que no ambiente do atualismo provas têm como base apenas convicções.

    Um sistema eleitoral que sobreviveu por séculos, sem grandes mudanças, pode ter se tornado obsoleto desde a eleição de Bush, em 2000. Um lembrete do possível declínio da democracia americana: das últimas oito eleições presidenciais desde 1992, os democratas venceram no voto popular as últimas sete, mas em apenas quatro ocasiões ganharam o colégio eleitoral e fizeram o presidente.

    Acreditamos que as eleições nos EUA são um exemplo do confronto entre duas estratégias e duas concepções sobre fazer política: de um lado, Trump e sua promessa de eterna atualização da atualidade em modo nostálgico; e Biden, com sua aposta moderada no cansaço na agitação atualista que seu adversário republicano encarna e radicaliza, e a retomada da política em moldes liberais. Essa retomada é feita sem uma crítica efetiva ao modelo neoliberal abraçado pela cúpula do partido democrata. Uma aposta radical, como Sanders, teria se saído melhor? É difícil dizer, mas tudo leva a crer que não, tendo em vista o complicado xadrez do voto estado a estado.

    A escolha entre as duas estratégias/concepções se mostrou muito mais difícil e apertada do que se imaginava. A tal “onda azul” anunciada por parte da imprensa estadunidense esteve longe de acontecer. De fato, Trump se mostrou eleitoralmente muito mais forte do que os analistas supunham. Considerando que esta não é a primeira vez que os institutos de pesquisa falharam em captar esse movimento no eleitorado americano, e considerando também que fenômeno semelhante ocorreu no Brasil em 2018, coloca-se a questão de saber se as tradicionais pesquisas de opinião tornaram-se de alguma forma obsoletas em um mundo atualista. Esse quadro muda pouco, mesmo com uma  eventual vitória de Biden ou pior, com uma inconveniente reeleição de Trump.

    São vários fatores que devem ser considerados para avaliar essa questão. Os próprios institutos se apressaram a ensaiar algumas explicações ao público. O diretor da Trafalgar Group, Robert Cahaly, afirmou que muitos eleitores “esconderam”, como já havia acontecido, sua preferência por Trump por algum receio ou constrangimento social.[1] Não podemos desconsiderar algum tipo de boicote/sabotagem dos eleitores republicanos, já que na retórica do trumpismo as pesquisas de opinião fazem parte da mídia vendida. Outros recorreram à justificativa de que as pesquisas anteriores representavam apenas fotografias do momento específico em que as entrevistas foram feitas, e não o que se poderia esperar na eleição propriamente dita. Isso poderia ter sido de fato observado pela tendência de redução da vantagem de Biden nos últimos 15 dias. Afinal, o episódio da contaminação de Trump e sua rápida recuperação pode ter tido um saldo positivo, ao menos na mobilização de sua base, como já havíamos especulado em coluna anterior.

    Aceite-se ou não essas justificativas, fato é que os institutos de pesquisa sairão dessas eleições com sua credibilidade e imagem pública mais arranhadas, sobretudo diante das especificidades do sistema eleitoral americano. Como afirmamos, muitos fatores concorrem para esse desgaste. Um deles está relacionado à condição atualista que caracteriza o nosso presente e como cada um dos candidatos se coloca frente a tal condição.

    Trump é um político bastante sintonizado com o ambiente da comunicação atualista onde as provas dispensam comprovação factual. Seja nas redes sociais, seja em seus concorridos comícios, o presidente se revela um comunicador difícil de ser batido. Dentre os aspectos associados à condição atualista, destacamos a intensidade e velocidade sem precedentes do fluxo de notícias, em detrimento dos protocolos de verificação e checagem da informação veiculada. Esse ambiente infodêmico[2] é particularmente fértil para a produção de desinformação e sua disseminação como misinformação.[3] Além das informações imprecisas, para não dizer apenas falsas, que a infodemia trumpista ajuda a difundir, é preciso levar em consideração a agitação/ativação que produz. É como se a oposição se agitasse confusamente e a base trumpista se ativasse a cada um de seus comentários polêmicos. Assim, o uso constante das redes sociais para disseminar fake news ou comentários faz com que, seja de modo positivo ou negativo, o presidente esteja sempre no foco da mídia. O acúmulo de notícias sobre suas falas ou atos inconsequentes faz com que seja difícil recuperar qual foi o absurdo dito ou feito na semana anterior. Na condição atualista há um valor excepcional em estar mais atualizado (e exposto) que o seu adversário. 

    Ainda assim, a manipulação das fake news como ferramenta política supõe uma linguagem organizada para se tornar eficaz. Essa afirmação pode soar chocante à primeira vista: como podemos atribuir coerência a um discurso fundamentado em desinformação e que frequentemente e sem o menor pudor afirma hoje o contrário do que disse ontem, como o exemplo do uso de máscaras na pandemia?[4] O ponto aqui é que a condição atualista coloca muitos obstáculos para que o passado, mesmo o mais recente, seja trazido à reflexão. Assim, quando confrontados com suas próprias contradições, políticos atualistas como Trump e Bolsonaro simplesmente atualizam suas narrativas e afirmações quando as anteriores se tornam insustentáveis. Com muita frequência, os seus discursos mudam em função da conveniência da atualidade, sem a mínima necessidade de se prestar conta da contradição com o que eles mesmos diziam no dia anterior.

    Essa estrutura atualista do discurso político só se torna eficaz, porém, no interior de uma linguagem organizada e facilmente identificável pelo público que a compartilha, no interior de uma condição material de reorganização do mundo do trabalho e do capital. A crise de 2008, concentração de renda, neoliberalismo, capitalismo de vigilância e a formação do atual “precariado” são elementos, dentre outros, fundamentais para entender a emergência de líderes que governam e são eleitos por pequenas maiorias mobilizadas pela historicidade e ideologia atualista. Só assim podemos entender a força de Trump na eleição independente do resultado final, ainda que sua derrota  interesse a todos os democratas do mundo.

    Trump lança mão de artifícios retóricos quando confrontado com suas afirmações evidentemente baseadas em mentiras e contradições, de tal maneira que ele consegue, mesmo em tais situações, transmitir e reforçar o código entre o seu público. O código se estrutura em uma lógica antagonista, na qual o portador é sempre vítima de perseguição por parte do establishment e da imprensa vendida para a “esquerda corrupta” ou as corporações globalistas.

    O ponto principal a ser considerado é que para ser politicamente eficaz não é necessário que o código seja compartilhado por todos; mas que seja continuamente ativado junto aqueles que já o compartilham. Por mais que esteja sustentado em desinformações, o fato é que o código é bastante poderoso na ativação de afetos políticos centrais como o medo, ódio e ansiedade, vetores de forte engajamento e agitação política que Trump e Bolsonaro sabem tão bem promover.

    O sucesso dessa estratégia se coaduna com a popularização das redes sociais e dos smartphones, bem como das novas tecnologias de processamento de dados manipulados para fins políticos. Nesse contexto, tornou-se possível criar e difundir mensagens sob medida para cada tipo de público, cada indivíduo ou grupo formula suas próprias percepções sobre o mundo a partir de narrativas (códigos) que não mais precisam ser expostos publicamente a todos para serem eficazes. Após alguns reconhecimentos iniciais, os algoritmos se encarregam de abastecer-nos das notícias que nos mobilizam, sempre com o mesmo teor e formato. Reforça-se, assim, o fenômeno das “bolhas”.[5] Esses códigos podem circular de forma subterrânea, de tal modo que o que parece absurdo e chocante para uns, é perfeitamente aceitável e normalizado para outros.

    Esse ambiente de circulação de notícias e códigos é condizente com a ordem atualista de nosso tempo e, ao nosso ver, é um fator importante a ser considerado no desempenho surpreendente de Trump nestas eleições. E um dos preços a se pagar para tal sucesso é a radicalização do clima de agitação que tem marcado a nossa época. Esse quadro tem resultado inclusive em distúrbios psicológicos cada vez mais comuns, como o “transtorno do estresse eleitoral”, que segundo estimativas afeta sete em cada dez cidadãos estadunidenses.[6]

    Os políticos atualistas claramente não se importam em pagar esse preço, na verdade eles têm lucrado com isso. Mas, ao fim e ao cabo, eles não podem evitar completamente os efeitos colaterais de suas apostas. Agitação e dispersão geram também cansaço no eleitorado. Biden e os democratas tomaram esse efeito como vetor de suas estratégias para estas eleições. Frente à irrefreável agitação de Trump, Biden se vendeu como a opção mais “centrista”, de moderação e convergência. A divergência entre as duas estratégias foi mais uma vez demonstrada logo após o fechamento da votação: enquanto Trump se apressou em declarar-se vencedor e dizer que irá judicializar a eleição em caso de derrota, Biden classificou tal postura como “ultrajante” e pregou calma aos seus apoiadores[7].

    Mesmo que a vitória do democrata seja confirmada, é inegável que o preço desse lance foi bastante alto. A imprensa americana noticiou como parcelas importantes do eleitorado negro, que o próprio Biden afirmou ser “a chave para a vitória”, relataram estarem pouco motivados a votarem no candidato democrata.[8] O mesmo ocorreu entre parte do eleitorado hispânico, em especial na Flórida e no Texas. O conservadorismo nos costumes, a adesão a denominações evangélicas que tem crescido entre hispânicos e a tradição anticomunista dos cubanos, e agora também venezuelanos, na Flórida, são fenômenos a serem considerados. Enquanto fechamos essa coluna Trump ainda lidera na Pensilvânia, estado no qual o operariado branco migrou dos democratas para o trumpismo. No último debate, Biden acabou por reconhecer que teria que acabar com a exploração do altamente poluente gás de xisto, o que foi imediatamente explorado por Trump: “Eis uma declaração importante”, ironizou o presidente. Caso perca por margem apertada na Pensilvânia, onde os trabalhadores dessa indústria são amplamente sensíveis ao tema, talvez essa declaração tenha custado a eleição.

    Para entender melhor essas flutuações teríamos que fazer algo pouco praticado durante a campanha, uma avaliação retrospectiva fundada em boa informação acerca das políticas públicas implementadas por democratas e republicanos, em especial nos governos Obama e Trump. O apoio ao republicano não é apenas resultado da mágica da comunicação, deriva também da tibieza das políticas democratas e dos acertos de Trump. Reforma do sistema criminal, política externa menos intervencionista, foco na economia e na criação de empregos, com bons resultados, ao menos até a pandemia.

    A decisão das eleições primárias do Partido Democrata em nomear um candidato “centrista” para concorrer nessas eleições – ao contrário de uma opção mais radical do populismo de esquerda como Bernie Sanders – foi importante para unificar o partido (em especial o seu establishment) e angariar o apoio do eleitorado “cansado” da agitação radicalizada. Por outro lado, a figura moderada de Biden não se mostrou capaz de promover um grau de engajamento e mobilização do público à altura do seu adversário agitador, nem está claro ainda se seu discurso de união nacional conseguiu atrair eleitores de Trump. Essa diferença é importante em um contexto onde o voto não é obrigatório e, no caso particular das eleições deste ano, ainda mais desencorajado pela pandemia do coronavírus.

    Mesmo assim, a moderação pode ter sido eficaz para para derrotar a agitação, mas não para desativá-la. E ainda não podemos assegurar como os EUA sairá dessas eleições, pois Trump continua sendo quem é. Há ainda o risco de o agitador perder e não aceitar sair, e as consequências disso poderão ser catastróficas. E mesmo que ele saia, o trumpismo – o negacionismo, o anti-esquerdismo, o desejo de retorno a um passado glorioso e mítico – ainda permanecerá em parcelas consideráveis da população.

    O que tudo isso ensina para o campo democrático brasileiro, que tem de enfrentar a sua própria versão de agitador atualista? Desde o início da votação nos EUA, Bolsonaro disparou freneticamente uma série de tweets ressoando as alegações infundadas de seu ídolo sobre as eleições serem “fraudadas” a favor dos democratas, o que seria um risco para a “liberdade” e para o Brasil. Afinal, nosso agitador atualista tupiniquim sabe bem que a permanência de Trump é uma força de sustentação fundamental para ele. As relações entre EUA e Brasil deixaram de ser uma relação entre Estados, mas sim uma relação de “amizade” (leia-se emulação e, do nosso ponto de vista, subserviência) entre os chefes de turno da Casa Branca e do Palácio do Planalto.

    Assim, e seguindo o estilo atualista de fazer política, Bolsonaro ressoa as afirmações sem fundamento de Trump, sem se preocupar com a veracidade e desprezando o princípio diplomático básico da impessoalidade. Mas Bolsonaro também tem seu próprio código “alternativo”, cujo enfrentamento é a tarefa prioritária das forças democráticas no Brasil, que deverá avaliar e tomar suas próprias escolhas para vencer o confronto. Assim como o trumpismo, nos Estados Unidos, o bolsonarismo é um fenômeno que não necessariamente depende da permanência de Bolsonaro no poder: ele mobiliza parcelas consideráveis da população através de seus discursos, que defendem o conservadorismo nos costumes, o liberalismo na economia, a luta contra “o sistema”, a religião e a admiração pelo militarismo.

    Será que a aposta moderada e centrista será suficiente para derrotar o bolsonarismo aqui? Mesmo que por pouco? Ou, em nosso contexto particular, faz-se necessário redobrar a aposta na radicalização pela via da esquerda? Mesmo que a vitória de Biden seja confirmada, ainda não está claro qual das duas vias parece a mais indicada para o Brasil. Enfim, tudo indica um destino trágico da democracia liberal de “pequenas maiorias” em tempos de agitação atualista. Sem negar a nossa atual realidade, cabe a nós pensar e imaginar alternativas, por mais difícil que pareça ser em nosso atual nevoeiro e impregnados por uma sensação de asfixia. Além disso, a lentidão com que a apuração avança em alguns estados decisivos promete nos deixar hipnotizados pelos mapas eleitorais na expectativa da atualização decisiva.

    (*) Mateus Pereira e Valdei Araujo escreveram o Almanaque da Covid-19: 150 dias para não esquecer ou o encontro do presidente fake e um vírus real com Mayra Marques. Ambos são professores de História na Universidade Federal de Ouro Preto, em Mariana (MG). Também são autores do livro Atualismo 1.0: como a ideia de atualização mudou o século XXI e organizadores de Do Fake ao Fato: (des)atualizando Bolsonaro, com Bruna Klem. Walderez Ramalho é doutorando em História na mesma instituição. Agradecemos à Márcia Motta e ao grupo Proprietas pelo apoio e interlocução nesse projeto.


    [1] https://noticias.uol.com.br/colunas/thais-oyama/2020/11/04/o-eleitor-oculto-de-trump-e-o-novo-erro-dos-institutos-de-pesquisa.htm

    [2] PEREIRA, Mateus; MARQUES, Mayra; ARAUJO, Valdei. Almanaque da COVID-19: 150 dias para não esquecer, ou a história do encontro entre um presidente fake e um vírus real. Vitória: Editora Milfontes, 2020.

    [3] Usamos aqui um neologismo para dar conta da diferença que em inglês é mais clara entre a produção deliberada de notícias falsas (disinformation) e sua disseminação involuntária (misinformation).

    [4] https://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2020/07/20/trump-muda-discurso-e-agora-diz-que-usar-mascara-e-patriotico.htm

    [5] EMPOLI, Giuliano Da. Os engenheiros do caos: como as fake news, as teorias da conspiração e os algorítimos estão sendo utilizados para disseminar ódio, medo e influenciar eleições. São Paulo: Vestígio, 2019.

    [6] https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2020/10/quase-sete-em-cada-dez-americanos-relatam-transtorno-do-estresse-eleitoral.shtml

    [7] https://br.noticias.yahoo.com/em-pronunciamentos-biden-prega-calma-e-trump-faz-acusacao-de-roubo-065922289.html

    [8] https://www.aljazeera.com/news/2020/9/12/biden-battles-trump-lack-of-enthusiasm-among-black-voters

  • Segundo turno em São Paulo pode estar nas mãos de Lula

    Segundo turno em São Paulo pode estar nas mãos de Lula

    Vi que Valter Pomar respondeu ao meu artiguinho sobre o envelhecimento do PT e, agora, responde ao apelo de Leonardo Boff para apoio ao Boulos (citando Lula). Decidi não polemizar com Pomar por dois motivos.

    Rudá Ricci, cientista político e presidente do Instituto Cultiva

    Primeiro, admiro Pomar. Eu o conheci muito jovem, nos seminários que o Vladimir organizava sobre a revolução russa e marxismo em uma sala, se não me engano, no Paraíso, na capital paulista. Ele já se revelava brilhante. Mas, há um segundo motivo para não desejar polemizar.

    Minha intenção não é fazer ping-pong. Muito menos com dirigente do PT. Minha intenção era, com o artiguinho, motivar um debate sobre os erros do PT, já que a direção raquítica do partido interdita qualquer autocrítica por puro medo. Infelizmente, o PT vive sua maior crise.

    Contudo, Valter Pomar parece ter decidido retrucar o apelo ou declaração de voto de Leonardo Boff. É louvável esta disposição de um líder como Pomar em polemizar com essas críticas que surgem a partir do desastre do desempenho eleitoral do PT em São Paulo.

    Aqui, vale a pena uma breve observação sobre uma passagem do texto de Pomar. Diz, a certa altura: “Boff : seria “um gesto político generoso e amigo dos pobres e sem-teto apoiar a chapa BOULOS/ERUNDINA”. Pois é: de boas intenções o inferno está cheio. Se eu fosse apoiador de Boulos, eu pediria exatamente o oposto: que a candidatura Tatto continuasse na disputa, tirando votos principalmente de Russomano”.

    Valter está muito pressionado. Daí apresentar um argumento tão frágil, o que não lhe é comum. Argumento frágil porque, primeiro, Russomanno está em queda e Boulos em ascensão. Em uma semana, tendem a estar em empate técnico ou muito próximo disso. Tendência, não prognóstico, que fique claro. Se ocorrer, a onda do voto útil deverá destruir de vez a candidatura do PT.
    Aliás, foi este o movimento na eleição que elegeu Haddad como prefeito de São Paulo. Erundina, candidata do PSOL naquele pleito, chegou a se aproximar de 10% e, com o voto útil pregado pelo PT, desabou. A questão da desistência do PT não tem relação com Tatto, mas com Lula.

    Se Lula apoiar nos próximos dias a candidatura de Boulos, a força de seu nome e deste simbolismo da unidade das esquerdas em São Paulo garantiria, possivelmente, a esquerda no segundo turno.
    Para deixar claro, na minha leitura, seria algo ainda maior. Uma entrada de Lula, neste momento, na terra que o projetou no cenário nacional, alteraria o estado de letargia em que o PT se encontra. Não será o apoio de Lula e a desistência de Tatto que fará o PT menor. O maior partido da esquerda brasileira não depende de uma capital. A sinalização de Lula pode alterar este cenário de letargia interna, provocando um forte debate sobre mudança de perspectiva e atuação política do PT. Tal oxigenação pode levar o PT a ser novamente de esquerda. Porque seria uma aproximação do PT ao PSOL.

    E é aí que tudo poderia ficar mais emocionante porque esta aproximação do PT à candidatura de Boulos também alteraria a composição interna do PSOL, fortalecendo a corrente de Ivan Valente, projetando Erundina. Estaria lançada a ponte para formarmos a “Geringonça” brasileira.

    Já disse que quando Antônio Costa, líder do PS português, anunciou, em 2014, a aliança com o Bloco de Esquerda, eu estava em Portugal. E li os editoriais da grande imprensa, ironizando esta guinada à esquerda. Resultado: a aliança governa Portugal com muito sucesso.

    Portanto, a eleição de São Paulo teria este condão de abrir janelas para a esquerda nacional. Alteraria o cenário de composição da centro-esquerda com o liberalismo e social-liberalismo. Algo que ocorreu com o PS português quando se aproximou do Bloco de Esquerda.

    Ao PT, talvez, o momento doloroso tenha sido providencial. Era preciso uma chacoalhada para filiados e dirigentes perceberem as consequências de erros em série. Para retornarem ao ninho da esquerda.

    Continuo admirando Valter Pomar. Sincero, honesto, comprometido e… fiel. Talvez, só falte a ele ser menos fiel ao PT atual e ser mais fiel à esquerda brasileira. Sendo mais fiel ao projeto da esquerda, ajudará imensamente seu partido.

    Pomar pode ser uma liderança importante no “aggiornamento” tão necessário deste partido que ainda é o maior do sistema partidário brasileiro, mas que sangra nestas eleições não porque seja alvo de ataques externos. Sangra porque suas direções não sabem o que fazer.

    Artigos relacionados de Rudá Ricci em 18 e 13/10:

    PT ENVELHECEU

    Por Rudá Ricci

    O PT vive um paradoxo: tem, hoje, as piores direções de sua história, mas se mantém como principal partido do sistema político nacional. Para mim, um paradoxo que nasce do que denomino de neopetismo ou a geração que emerge à direção do PT (e de novos filiados) no pós-2002, ou seja, com o advento do lulismo. Gente que não vivenciou o período de adversidades e ataques da construção de um partido que se definiu socialista.

    Em relação aos dirigentes neopetistas, seu perfil passou a ser pragmático, marcado pela lógica rebaixada do marketing (que não se propõe a disputar, mas meramente absorver o ideário popular, mesmo que contrário à linha partidária) e “parlamentarizada”. Por “parlamentarizada” me refiro à uma direção composta por quase exclusivamente deputados, em especial, federais. A prática parlamentar, como sabemos, é afeita a arroubos retóricos e práticas dóceis. Esta é a marca das direções petistas atuais.

    Uma ilustração deste novo perfil de dirigente petista é a dos “gestores públicos”, com nítido perfil gerencialista, pouco afeto ao debate ideológico, como Fernando Haddad e Fernando Pimentel. Também envolve dirigentes protocolares, sem capacidade para qualificar o debate nacional ou aprofundar reflexões junto à militância, caso de Gleisi Hoffmann. A diferença com o perfil de dirigentes históricos como José Dirceu ou Genoíno, ou governantes petistas como Erundina é desconcertante.

    O fato é que filiados e direções pós-2002 criaram uma lógica de retroalimentação: baixa exigência estratégica, foco no campo institucional, prioridade na consolidação da hegemonia no sistema partidário, criação de clima político de acomodação e baixo conflito, reforço das cúpulas.

    O PT passou a declinar da identidade socialista. Da tradição de partido de massas, passou por uma transição para a noção de partido de quadros que, na medida em que se tornava um partido palatável, acabou se inclinando para ser um “partido de notáveis”.O personalismo e certo mandonismo forçaram o declínio dos mecanismos de participação das instâncias de base no processo de tomada de decisão partidária.

    O encaixe pareceu perfeito porque liberou as direções para acordos de cúpula. As famosas análises de conjuntura que eram realizadas em diretórios municipais com participação frequente de dirigentes nacionais do PT, sumiram do mapa. Nem sombra da época em que os diretórios zonais e os núcleos profissionais tinham peso. Lembro do núcleo de historiadores petistas que lançou uma importante coletânea de discursos de Lula.

    Toda esta trajetória de mudança de perfil, ideário e organização acelerou na segunda metade dos anos 1990. As campanhas nacionais de 1994 e 1998 mudaram completamente a ordem das coisas no interior do PT: cúpula e marketing desconstruíram as decisões coletivas.Ao se acomodar ao pensamento médio brasileiro – sem qualquer intenção de questioná-lo ou mesmo assumir um papel pedagógico da ação política – o PT ganhou em musculatura eleitoral, mas perdeu em termos de vigor criativo e empolgação.A base passou a ser menos exigente e mais idólatra. De sujeito da construção do PT, passou a ser objeto das manipulações marqueteiras.

    Criou-se um encaixe entre cúpulas centralizadoras e de baixa capacidade de direção política e base pouco politizada e de alta passividade militante. Tudo favoreceu a entrada de propostas programáticas de tipo social-liberal (preocupação com políticas sociais e mercado).

    O PT se tornou, de fato, o fiel do sistema partidário brasileiro. Explico: com alta desigualdade, o maior partido político brasileiro (escolhido como de sua preferência por 25% dos eleitores) se tornou um canal das demandas sociais organizadas.

    O passado do PT e suas relações atávicas com pastorais sociais, intelectuais de esquerda, movimentos sociais nacionais, movimento sindical e ONGs progressistas criou o perfil institucional que dialoga com desvalidos.Uma das características desta mudança profunda no perfil das direções petistas é a acelerada transição para o que a literatura especializada denomina de “partido cartel”. Trata-se de partido que independe do eleitor ou da base social, vivendo dos recursos públicos. Em outras palavras, o partido cartel profissionaliza seus quadros a partir de cargos comissionados; alimenta seus prefeitos com emendas parlamentares ou conquista de convênios com o Estado; faz campanha com fundos eleitorais… enfim, a relação com a base social é efêmera.

    Como já afirmei, a base petista (ou neopetista) que se forjou nos anos de gestão lulista se acomodou e até mesmo alimentou esta transformação do PT num partido tradicional. Com baixa formação política e acostumada com vitórias e o poder, passou a refutar todas críticas. Ao ouvirem a trajetória de mudança organizativa e de mecanismos internos de tomada de decisão no PT, os neopetistas acusam de saudosismo. O que levaria, assim, à extinção de todo estudo histórico. Outro argumento raso é que se não tivessem mudado, não venceriam eleições.O problema é que as derrotas eleitorais, para os neopetistas, não são fruto de erro de direção e escolhas partidárias, mas resultado de uma campanha de destruição da imagem do partido. A lógica circular vem empacando o PT: nada muda, nada deve mudar, se alguém tem que mudar é o mundo.Durkheim já havia nos ensinado como a solidariedade mecânica (de natureza grupal) é autorreferente. Fechada em relações afetivas e defensivas, qualquer crítica ao grupo ou membro do grupo cria um fechamento ainda maior dos seus membros. A bolha, enfim, é seu habitat.

    Mas, mesmo assim, o PT se mantém como partido-líder ou partido-âncora do sistema partidário. Vejamos: Datafolha de 2017 indicava o PT como o de preferência de 21% dos eleitores. No ano passado, pesquisa do Atlas Política indicava se manter nesta posição (com 15%). Tendo 21% ou 15% da preferência dos eleitores brasileiros, o fato é que o segundo partido da preferência aparece com 5%. Mais: o PT é o único partido que, desde 1989, chegou no segundo turno (quando ocorreu) de todas eleições para Presidente da República.

    Ainda mais: com Haddad – um candidato sem força eleitoral até mesmo na cidade em que foi prefeito – o PT venceu na maioria dos municípios brasileiros em 2018. Demonstrou, portanto, capilaridade e interiorização. Uma potência eleitoral consolidada.Assim, PT é o partido mais consolidado e enraizado do sistema partidário brasileiro. Sistema, é verdade, que vem demonstrando fortes rachaduras, com cada vez menor impacto junto ao eleitorado. Então, o que estaria acontecendo? Minha hipótese é: PT se acomodou.

    Como um camaleão, de partido rebelde se tornou um partido da Ordem. O passado lhe confere um perfil aguerrido; os governos lulistas criaram a imagem de partido com preocupação social; mas, na sua definição estratégica, não é mais um partido da mudança social ou política.Acomodado, criou regras e controles internos que impedem a renovação de quadros e limitam drasticamente a disputa no seu interior. Daí ter se tornado mais um partido de “cabeça branca”.

    Assim, PT se tornou a expressão viva do sistema partidário brasileiro. Um partido potente porque acomodado ao ideário conservador e pragmático de uma base eleitoral desconfiada e pouco exigente (que deseja sobreviver e se inserir numa sociedade profundamente desigual).Um alto dirigente petista me disse recentemente que percebe que PT tem garantido entre 20% e 30% dos votos nacionais. Tem força eleitoral, mas não gera mais paixões. Não é mais o partido da mudança. Esta é a minha tese.

    Artigo de 13/10:

    SOBRE A CANDIDATURA CAPENGA DE JILMAR TATTO

    1) Eu conheço muito bem a cidade de São Paulo, como jornalista ou como militante de várias causas. E sei que o Partido dos Trabalhadores ainda é respeitado por muita gente.

    2) As pesquisas recentes confirmam que é o partido preferido dos paulistanos, com 23% dos eleitores.

    3) O resultado é ótimo, considerada a campanha de calúnias e difamações contra a legenda. Trata-se de um projeto articulado de desconstrução de imagem, iniciado há anos, com forte participação da mídia hegemônica.

    4) Os tais 23% de base seriam o suficiente para, com algum esforço, botar a estrela no segundo turno das eleições municipais, mesmo com a parcela de 36% de antipetistas declarados.

    5) Efetivamente, com a mensagem certa, a propaganda adequada e as melhores alianças, seria possível até mesmo vencer uma eleição na maior cidade do país.

    6) A escolha partidária, no entanto, foi extremamente equivocada, e fará o partido encolher perigosamente na cidade. Pior, a votação minúscula do majoritário certamente vai reduzir a representação do partido da estrela na Câmara Municipal.

    7) Há quem diga que é “democracia”, que é preciso respeitar a escolha interna do partido. Francamente, sistemas de escolha em partidos, movimentos e instituições nem sempre são efetivamente democráticos, ainda que tenham toda a pinta de serem.

    8) Na verdade, as votações internas são realizadas por nichos de militantes fortemente ligados a mandatos e gabinetes. Pouco representam as ideias da maioria dos petistas, muitos hoje distantes da estrutura partidária. Gente com história de décadas no partido nem mesmo vota nesses processos internos.

    9) Por quê? Porque faz muito tempo que a cartolagem do PT se contenta com esses simulacros de democracia interna. Muito mais gente deveria estar agregada a esses processos.

    10) É preciso conversa de muro com o Seu Gervásio da Cidade Tiradentes, antigo militante do movimento por moradia, que botava bandeirinha do partido na janela desde 1982, mas que nunca se filiou à agremiação.

    11) Ele é o cara que defende Lula no bar do Miltinho. O veterano Gervásio deveria ter participado da escolha do representante do partido. Sua voz, entretanto, não foi ouvida.

    12) Não me venham, por favor, com esse papo de “ah, era só se filiar”. Nem como essa de “ah, mas essa gente não se mobiliza”. Esse papo, no caso, é de direita. Agregar à participação partidária é tarefa da militância estruturada de vanguarda, hoje presa em gabinetes, dialogando somente com os currais eleitorais já constituídos.

    13) No debate, os outros candidatos se aproveitaram maldosamente do antipetismo. Atacaram o pobre Tatto com vigor. Ele, no entanto, aturdido, não teve competência para defender o valioso legado petista na cidade de São Paulo. Precisa de aulas de oratória e retórica.

    14) Tatto quis se apresentar como gestor, citando repetidamente seu trabalho como secretário de Transportes. Meu Deus!!!! Foi justamente por isso que o PT perdeu tantos eleitores. De novo, pergunte ao Chicão da Hidráulica se ele morre de amores pelo cara que inviabilizou o uso de sua Pampa 1989.

    15) Tatto – que até pode ser um bom sujeito – é um cara de “dentro” do partido, na hora em que precisávamos de um cara de “fora”, identificado com a rua. Havia, sim, essa opção nos quadros da legenda. Mais de uma, aliás.

    16) Há quem diga que “ele tem voto” na periferia. Tem, mas em termos… A família tem um reduto eleitoral localizado, e só. Não é o suficiente para disputar uma eleição majoritária.

    17) Lideranças importantes do partido foram reticentes em relação a Tatto. Ou se demoraram em demonstrar apoio ou foram efetivamente pouco enfáticas em suas declarações. O eleitor não é bobo e percebe. É improvável que revertam essa situação.

    18) O candidato pode ainda obter alguns pontos, pois parte do eleitorado ainda não o conhece. Pode até cativar alguns petistas nesta fase final de campanha. Mas é pouco provável que passe perto do segundo turno.

    19) O democratismo burocrático petista, razão do próprio declínio da legenda, cria um vazio no eleitorado progressista da cidade, posto que nem tantos se animam com as candidaturas de Guilherme Boulos e Orlando Silva. E todo mundo sabe que França é apenas um pragmático oportunista, que veleja ao sabor dos ventos.

    20) É bobagem dizer que os petistas estão votando massivamente no psolista Boulos. Talvez um terço deles esteja, de fato. Outros muitos estão desencantados com a política. Talvez aleguem febre e nem apareçam para votar.

  • O primeiro debate presidencial nos EUA e a crise da democracia

    O primeiro debate presidencial nos EUA e a crise da democracia

    Na noite da última terça-feira, 29, ocorreu o primeiro debate presidencial para as eleições americanas. Trata-se de um momento importante na corrida eleitoral a pouco mais de um mês da votação em 3 de novembro. O cenário se mostra ainda bastante imprevisível e atípico em muitos aspectos. A começar pelo fato de que, no momento mesmo em que o debate ocorria, alguns cidadãos já haviam depositado seu voto nos correios. Uma das faces
    do caos geral criado pela crise do coronavírus.

    Mateus Pereira, Valdei Araujo, Walderez Ramalho, professores da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) em Mariana*

    É comum que nesses espetáculos políticos o debate seja bastante tenso e acalorado. Mas com Trump a coisa atingiu outro nível. Ele subverte todas as regras de polidez e boa conduta que configuram a própria política como forma de mediar disputas. Biden também não deixou por menos: “Palhaço”, “mentiroso”, “racista” e “cachorrinho de Putin” foram alguns dos adjetivos usados pelo candidato democrata contra o seu adversário.

    No entanto, há uma diferença de grau entre o comportamento dos dois candidatos que não pode deixar de ser sublinhada. Desde a primeira pergunta, Trump falava não apenas no seu tempo, mas também no de seu rival, talvez esperando irritá-lo e deixá-lo confuso. Biden reconhecidamente não é um bom debatedor – algo escancarado pela série de gafes que ele cometeu durante os debates para a nomeação do Partido Democrata. Mesmo com todas as limitações e provocações, o democrata parece ter ganhado o debate, segundo os principais institutos de pesquisa dos EUA. Mas o ponto que mais chamou a atenção foi a performance de Trump e, em especial, a sua insistência em não respeitar as regras que a sua própria campanha havia aceitado previamente.

    Nem mesmo o moderador do debate, o aclamado jornalista Chris Wallace, escapou das interrupções constantes do candidato republicano. Ele precisou gritar e repreender Trump em mais de uma ocasião. Em uma delas[1] [2] disse: “Senhor presidente, eu sou o moderador aqui!”. Ainda no começo do debate, logo na segunda pergunta, precisou relembrá-lo a respeito do sistema de saúde nos EUA. Gesto que se repetiu ao longo de todo o evento. Em uma de suas respostas, Trump chegou a dizer que sabia que teria que debater com Biden e o moderador, colocando em dúvida a imparcialidade de Wallace: “Não estou surpreso com isso”, ironizou Trump.

    Por sua vez, Biden falou de forma muito mais lenta e com tom de voz mais baixo que seu adversário. Procurava olhar mais para a câmera e se dirigir diretamente ao público, e insistiu por diversas vezes na necessidade de pacificar e unificar o país. Tentou se apresentar como um moderado, enquanto Trump acusava-o de pretender implantar o socialismo nos EUA.

    Até que ponto esse discurso de moderado será bem aceito pelo público? Se Biden vencer essa postura pode indicar algum caminho para a esquerda e o centro brasileiro? Essas são perguntas que nos faremos até o final dessa eleição, que terá impactos diretos no futuro do governo Bolsonaro.

    Ao longo dos 90 minutos do espetáculo, Biden se manteve mais atento às regras pré-acordadas, fazendo menos interrupções e, quando era interrompido, parou de falar em alguns momentos, esperando a intervenção do moderador para garantir o seu tempo. No entanto, isso não foi possível durante todo o tempo do debate, em função das insistentes intromissões do atual presidente. “Você pode calar a boca por um minuto?”, perguntou retoricamente o candidato democrata, em diversos momentos do confronto.

    Mas Trump não se calava. Recusava-se a dar tempo para Biden ou Wallace falarem, o que deixou claro a sua intenção em tumultuar o debate e a sua tentativa de dominar a cena. Ao portar-se como um agitador – ao mesmo tempo em que, contraditoriamente, repetia o mantra de sua campanha, “Lei e ordem” – Trump transformou o debate em um verdadeiro show de cacofonia. Para tentar dar ordem àquele caos, o moderador chegou a gritar contra o presidente. Aliás, um dos pontos levantados na imprensa foi a necessidade de mudar as regras para os próximos debates – sugerindo inclusive a possibilidade de se desligar o microfone quando um candidato falar no tempo reservado ao adversário.

    Ao assumir o papel de agitador, Trump se revela mais uma vez como um político bastante sintonizado com a condição atualista, na qual convivemos com mudanças rápidas e contínuas sem, no entanto, criarmos a possibilidade de transformações estruturais. Nessa condição, o respeito às regras do jogo deixa de ter importância. Quanto a isso, o contraste entre os dois candidatos se revelou não só em relação às regras do debate em si, mas também quanto à própria legalidade da eleição deste ano. Enquanto Biden não hesitou em aceitar o resultado do pleito de novembro, qualquer que ele seja, Trump se recusa a assumir tal compromisso, acusando o voto por correio de ser uma fraude, exatamente como Bolsonaro e os bolsonaristas fizeram e farão em relação à urna eletrônica.

    Há uma questão material, de fundo, importante e que torna o resultado da eleição americana imprevisível. Como bem afirma o cientista político polonês Adam Przeworski: “Eu tentava entender como alguém como Trump podia vencer uma eleição nos EUA e se manter popular entre 40% da população. A renda dos 50% da população pobre está estagnada desde o final dos anos 1970. As pessoas não acreditam que seus filhos estarão em melhor situação do que eles, o que acontecia desde 1820. Tivemos presidentes democratas e republicanos, e as pessoas percebem que quase nada mudou[3] .”[1] Para esse autor, a democracia pode ser definida como um regime político onde o governante deixa o poder quando perde as eleições. E é justamente isso que está em questão na atual eleição americana, como o debate deixou bastante claro frente à escandalosa atuação de Trump.

    O passado é um elemento mobilizado pelos políticos atualistas para promover a agitação e dispersão. Com efeito, o primeiro debate televisivo da eleição americana deste ano confirmou o argumento que apresentamos em uma coluna anterior.[2] Ao tratar sobre o tema dos protestos contra o racismo, Biden apresentou um discurso que se coaduna com uma visão liberal-progressista da história, ao afirmar que a igualdade racial nunca foi plenamente alcançada nos EUA, mas que esse valor deveria servir como guia para o futuro. Uma ideia de história que reconhece as suas fraturas e imperfeições requerendo ação contínua no presente.

    Trump, por sua vez, acusou a “esquerda” de promover o ódio e a divisão entre os americanos com a educação racial, e acusou essa pedagogia (“critical race theory”, ou “teoria racial crítica” em tradução livre) de destruir a essência americana de harmonia, convivência e paz. Ao propor essa visão simplista e congelada do povo americano, o espaço para a ação transformadora se fecha, bastando apenas atualizar tal essência idealizada e defendê-la contra aqueles que a ameaçam – nomeadamente a esquerda, os movimentos de negros e grupos minorizados que se recusam a aceitar o seu lugar nas hierarquias sociais que garantiriam a harmonia social: “Nós temos que voltar aos valores fundamentais deste país. Eles estão ensinando as pessoas que nosso país é um lugar horrível, que é um lugar racista, e eles estão ensinando as pessoas a odiar o nosso país. E eu não vou permitir que isso aconteça”.

    Diante de tal afirmativa, Biden retrucou: “Ninguém está fazendo isso. Ele que é o racista”. E reafirmou a necessidade de unificar o país, atravessado pelos protestos contra as injustiças e desigualdades raciais. Essa nostalgia, vinculada a um passado mítico, que guardaria uma suposta “alma americana”, motiva o temor de que essa alma do povo está sob constante ameaça de se perder, graças à ação corruptora da “esquerda radical”. A questão é que com essa estrutura retórica, Trump opera em duas frentes: de um lado, ele se apresenta como o salvador patriota, o defensor da “verdadeira América”; de outro ele envia uma mensagem implícita (nem tanto) para a sua base, majoritariamente constituída de eleitores brancos de classe média, sem formação superior ou moradores de áreas rurais.

    E aqui se nota como essa concepção essencializada de história se relaciona com a agitação atualista, encarnada pelo mandatário republicano. Ao se recusar a condenar abertamente os supremacistas brancos e acusar a esquerda, os grupos antifascistas e o Black Lives Matter como promotores da violência, Trump estimula o conflito interno no país e, consequentemente, o caos, a agitação, a radicalização e a divisão, afastando a possibilidade da moderação, da negociação e da construção do comum. É nesse ambiente que ele parece prosperar, ao custo (ou bonus) de corroer as próprias condições para a democracia.

    Trump age como um bombeiro que usasse sua posição para atiçar e não apagar os incêndios. Intensificar o caos e o conflito pelo conflito é parte de sua estratégia, pois isso dá a ele a chance de se apresentar como o único com força e disposição para superar a crise. Já Biden, com um discurso mais alinhado com a tradição democrático-liberal, procurou se posicionar, nesse debate, em relação aos seus planos para a saúde, economia, segurança e meio ambiente, acusando o seu adversário de não ter plano nenhum para o futuro.

    Mas, na condição atualista, falar sobre planos futuros parece ter menos importância do que saber navegar na agitação dos tempos e se apresentar como o defensor de uma essência idealizada que deve ser preservada a qualquer preço. Se, por um lado, a postura de agitador pode denotar um desespero por estar atrás das pesquisas, ela pode também passar a mensagem de força e destemor, de alguém que luta contra tudo e contra todos, inclusive contra o moderador do debate. De toda forma, o primeiro debate presidencial da eleição americana deste ano deu mais uma demonstração de como a democracia pode ser frágil frente agitadores populistas em um tempo atualista.

    O destino do moderado e do agitador mostrará alguns caminhos de ação frente à atual crise democrática. É provável que se Biden vencer com uma margem apertada ou se os conflitos durante e depois da votação se disseminarem a eleição seja judicializada e conflitos de rua possam se espalhar pelo país. Trump está trabalhando firme para que isso aconteça, incentivando seus eleitores a fiscalizar os locais de votação e espalhando denúncias vazias acerca de fraudes. A nós, americanos do Sul, que vivemos sob uma democracia ameaçada, resta torcer para a vitória dos moderados. Mas, após assistir ao debate, fica a certeza de que a dúvida será a nossa companheira até o encerramento (ou mesmo depois) das eleições. Afinal, Trump surfa na onda atualista como um surfista experiente e isso não é pouco. Caso o campo democrático consiga sobreviver ao desafio, deverá ainda ser capaz de governar e reverter as causas estruturais que estão corroendo as democracias, em especial a concentração de renda e precarização do trabalho.

      (*) Mateus Pereira e Valdei Araujo escreveram o Almanaque da Covid-19: 150 dias para não esquecer ou o encontro do presidente fake e um vírus real com Mayra Marques. Mateus Pereira e Valdei Araujo são professores de História na Universidade Federal de Ouro Preto em Mariana. Também são autores do livro Atualismo 1.0: como a ideia de atualização mudou o século XXI e organizadores de Do Fake ao Fato: (des)atualizando Bolsonaro, com Bruna Klem. Walderez Ramalho é doutorando em História na mesma instituição.


    [1] https://istoe.com.br/a-democracia-brasileira-esta-em-risco-com-bolsonaro/

    [2] https://jornalistaslivres.org/as-eleicoes-nos-eua-e-bolsonaro-na-onu/


  • Entenda o Sistema Eleitoral da Venezuela

    Entenda o Sistema Eleitoral da Venezuela

    Publicado originalmente em Opera Mundi, por Caio Clímaco (*)

    A cobertura que os grandes meios de comunicação fazem sobre as eleições na Venezuela apresenta uma visão segundo a qual se busca construir no imaginário coletivo das pessoas a ideia de que nunca se oferecem garantias nos processos eleitorais realizados no país. Não por acaso, dissipa-se de forma rápida e massiva na imprensa internacional uma narrativa bastante semelhante às ideias centrais contidas nos pronunciamentos de Mike Pence, vice-presidente dos EUA, no sentido de se criar um clima de desconfiança com relação ao processo eleitoral venezuelano.

    Numa incansável tentativa de desfigurar e desgastar a imagem do governo de Nicolás Maduro, os mandatários norte-americanos, com apoio da grande mídia internacional, buscam associar o chavismo ao “terrorismo internacional e o crime organizado” afim de que consigam respaldo internacional suficiente para realizarem o que eles mesmos chamam de “intervenção humanitária”.

    Em pronunciamento realizado durante a reunião especial do Conselho Permanente da Organização dos Estados Americanos (OEA), o vice-presidente Mike Pence disse que “não haverá uma verdadeira eleição na Venezuela no dia 20 de maio e o mundo já sabe. Será uma eleição falsa.”

    Por outro lado, em 2012, o Centro Carter de Estudos divulgou um relatório afirmando que “o sistema de votação da Venezuela é um dos mais conceituados sistemas automatizados do mundo”. O Centro Carter de Estudos é coordenado pelo ex-presidente norte-americano Jimmy Carter e é responsável por monitorar as eleições ao redor do mundo.

    Para você leitor, diante de posições tão antagônicas, é possível acreditar que a afirmação do vice-presidente norte-americano faz algum sentido? Buscamos algumas informações junto ao Conselho Nacional Eleitoral venezuelano que colocam em xeque a narrativa criada e fomentada pelo consórcio midiático-imperialista.

    Vejamos como funciona o Sistema de Garantias Eleitorais da Venezuela:

    Desde de 2004 o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) vem construindo o Sistema de Garantias Eleitorais (SGE) que busca efetivar os direitos dos eleitores e da segurança dos candidatos e dos partidos postulantes. O SGE inclui todos os aspectos do evento eleitoral, desde o momento em que se convoca a eleição até depois de anunciados os resultados. Por tanto, esse sistema é responsável por revisar, validar e assegurar o bom funcionamento do Sistema Eleitoral Venezuelano. O sistema tem dois aspectos fundamentais que são inerentes a organização, administração e execução do evento eleitoral:

    As garantias sobre a segurança do sistema automatizado de votação: Um conjunto de 16 auditorias são realizadas onde se revisam todos os componentes, software, dados eleitorais e a programação das maquinas de votação e dos meios de transmissão. Todos os fatores e etapas do processo são revisados, auditados e certificados pelos partidos políticos que participam dos processos de votação.

    As garantias sobre a transparência e a confiança do processo eleitoral: Um conjunto de medidas que toma o CNE para gerar confiança no eleitorado em geral. Contem aspectos automatizados como a auditoria do programa de seleção dos integrantes de mesas de votação, juntas estaduais e municipais, e elementos não automatizados como a auditoria que checa os dados dos cadernos impressos de votação com o registro eleitoral.

    Quem participa das auditorias

    Em cada auditoria realizada participaram representantes do corpo técnico do Conselho Nacional Eleitoral, Técnicos representantes de cada partido político e auditores externos. Os técnicos que participaram são qualificados e foram responsáveis por certificar através de sua própria revisão, que o sistema funciona e se maneja assim como está estabelecido na lei.

    Já os partidos políticos contribuem na construção de uma cadeia de confiança pois certificam que, por exemplo, o software da máquina de votação mantem sua integridade e é exatamente o mesmo que tem sido auditado; que tem o mesmo dado depois do processo eleitoral e que nenhum desses componentes foi modificado ou sofreu algum tipo de intervenção.

    Desde o ano de 2013 o CNE adotou a decisão de transmitir e difundir ao vivo pela internet o desenvolvimento das auditorias, agregando maior transparência e confiabilidade nos processos de revisão técnica. Além disso, o CNE incorporou os observadores nacionais nos processos de auditoria, tais observadores são representantes de organizações da sociedade civil e recebem o convite a participar das auditorias por parte do Conselho Nacional Eleitoral. Para cada processo eleitoral o CNE amplia e fortalece as garantias de acordo com as solicitações feitas pelos partidos políticos e pelos candidatos participantes das eleições. Todas as solicitações são recebidas, discutidas e avaliadas tecnicamente pelo CNE e são acolhidas todas aquelas que fortalecem, enriquecem e aportam uma maior confiança no processo eleitoral.

    Há também os acompanhantes internacionais com qualificação técnica que também podem ser convidados a presenciar os processos. Nesse sentido, o apoio técnico oferecido pelo Conselho de Especialistas Eleitorais da América Latina (CEELA) tem cumprido um importante papel, pois seu corpo técnico é conformado por especialistas que já administraram processos eleitorais em cada um de seus países, fortalecendo o Sistema de Garantias Eleitorais venezuelano. Nessas eleições estarão presentes 150 acompanhantes internacionais, desde parlamentares, acadêmicos, políticos, intelectuais, jornalistas e especialistas eleitorais da América Latina, Europa, Ásia, África e América do Norte.

    Entre as contribuições mais relevantes do SGE está a auditoria de verificação cidadã que foi implementada em 2004. Essa auditoria consiste na revisão física dos comprovantes de voto para verificar o correto funcionamento da máquina de votação e a consistência dos resultados escrutinados na máquina. Nessa auditoria participam os membros das mesas eleitorais, representantes dos partidos, eleitores e eleitoras, observadores nacionais e acompanhantes internacionais.

    Uma das atividades mais importantes durante as auditorias ao sistema eleitoral é a criação da assinatura eletrônica. Esse procedimento de segurança se aplica nas auditorias de software da máquina de votação, do software de totalização dos votos, na base de dados dos eleitores e na dos meios de transmissão. Uma vez revisado o componente e certificado o seu correto funcionamento, os auditores criam uma chave segmentada, esta chave informática se compõe da soma dos segmentos de cada um dos participantes da auditoria. Desta forma, a única maneira de se fazer alguma modificação é que as diferentes partes envolvidas introduzam o segmento que possui a chave informática, o que possibilita, por sua vez, a blindagem do sistema eleitoral venezuelano contra possíveis tentativas de fraude.

    Alguns números do evento eleitoral do dia 20 de maio:

    – 14.638 centros eleitorais estarão em funcionamento
    – 34.143 maquinas de votação estarão disponíveis
    – 127 centros eleitorais estarão instalados nas sedes diplomáticas de outros países
    – 20.531.039 milhões de eleitores poderão exercer seu voto
    – 14.580 coordenadores de centros de votação
    – 33.867 operadores do sistema integral
    – 3.927 suplentes de operadores do sistema integral
    – 4.641 técnicos de suporte preparados para atender eventualidades

    *Caio Clímaco é cientista do Estado e mestrando pela Universidad Bolivariana de Venezuela (UBV).

  • Eu vi e vivi esse Nordeste

    Eu vi e vivi esse Nordeste

    por Adelaide Ivánova, publicado em suas redes sociais

    o ódio ao nordeste é tao grande, e tao descarado, que o rapper paulista critica o PT por abandonar a periferia e todo mundo aplaude (inclusive bozonarou aplaudiu); a colunista gaúcha critica o PT pelos crimes no xingu e todo mundo aplaude; mas xs nordestinos podem falar mil vezes das suas experiências com o PT (sejam elas positivas ou negativas) que isso nunca é levado em conta na mesma medida.

    a tragédia no xingu não é maior nem menor, nem mais nem menos importante que as secas no sertão, que geraram não apenas milhões de mortes mas uma onda de migração interna forçada sem precedentes na história do brasil. foi um governo de um tal de PT que diminuiu essa migração interna forçada, no sentido de que gerou, na região, possibilidade de emprego e investimentos, e as pessoas não precisavam mais deixar o nordeste e ir pro sudeste para conseguir um trabalho. em 2009, não somente paramos de deixar o nordeste, como houve uma onda de retorno. pernambuco teve a maior taxa de retorno de imigrantes. mas disso, dessa parte boa (e de todas as outras coisas maravilhosas que o governo de lula fez pelo NE), ninguém quer falar. afinal, é no nordeste.

    o genocídio do povo preto não se dá apenas na ZL de são paulo, não. aliás, a região sudeste tem a MENOR taxa de morte da juventude negra. a região nordeste é a região que mais mata a juventude negra no país. os indicadores sociais no nordeste mudara radicalmente, mas a violência contra esse grupo continua crescendo assustadoramente no nordeste. isso o PT não parou. mas disso ninguém quer falar. afinal, é no nordeste.

    se o PT tivesse feito em são paulo o que fez pelo nordeste, o ódio ao PT não seria esse. mas o nordeste pode continuar afundando na merda, na seca, na fome, na filariose, na cólera que pra vocês ia dar na mesma. os nordestinos podem continuar sendo assassinados, que pra vocês o que importa é o que acontece em SP. porque vocês estão cagando pro nordeste do brasil. vocês também não estão preocupados com o xingu, na boa. o nordeste pra vocês é trancoso e o norte é alter do chão.

    não perdi meu tempo escrevendo esse textao pathetico pra incentivar uma olimpíada dos oprimidos, pra dizer que o PT acertou em tudo. estou dizendo, apenas, que essa dupla moral, esse ar de superioridade política, são obscenos. toda vez que um sulista/sudestino diz que o PT devia fazer uma autocrítica por causa da corrupção, ou por causa da amazônia; quando eliane brum diz “voto no pt pra que conserte a merda que fez”; é como se passassem uma borracha nos séculos de fome, morte e abandono que o nordeste foi forçado a viver e que só o PT quis parar. eu vi e vivi esse nordeste. não foi numa entrevista que ouvi falar dele, não.

    boa noite.

  • Me desculpe Bolsonaro, mas eu acordei

    Me desculpe Bolsonaro, mas eu acordei

    Em 2014 eu votaria nele. Quem me conhece pode estranhar mas sim, eu fui fã do Bolsonaro. Eu tinha 15 anos e na escola eu nunca tinha discutido sobre política, eu tinha acabado de entrar no mundo da internet e assim como milhões, as únicas informações que eu tinha do meu ‘herói’ eram através dos vídeos que viralizavam no Facebook, um melhor que o outro, bem editados, era uma chuva de respostas na ponta da língua, pulso firme e destreza, eu enxergava ali a salvação do país, pouco importava questões econômicas, estruturais, sociais, etc.. Em 2015 (Já estudando sobre política) eu tomei posse como Deputado Federal Jovem no Parlamento Jovem Brasileiro em Brasília, lá eu tive a oportunidade de conhecê-lo, estive com ele em 2015 e 2016, me recebeu muito bem, nas duas vezes, Bolsonaro me levou pra dentro do Plenário Ulysses Guimarães durante a sessão, tirou foto minha, me falou como funcionava a sessão, enfim. Era um máximo ser ‘Bolsominion’, eu entrava nas discussões políticas, e na época era só “culpar a Dilma”, falar as frases que ele repetia e manter a pose egocêntrica de que era assim que tudo se resolvia.

    De lá pra cá a possibilidade dele se tornar presidente se tornou real, porém, (e ainda bem) eu tive 4 anos pra estudar a democracia, pra conhecer melhor o Brasil fora do quintal de casa, pra enxergar outras realidades além do meu umbigo, mas principalmente, eu tive 4 anos para desenvolver empatia e perceber o quanto eu estava completamente CEGO, o fascismo seduz e eu sinto vergonha por, em um momento da minha vida ter depositado a esperança de um País tão diverso como o nosso em alguém tão estúpido e despreparado.

    Por mim, essa foto nunca viria a público, porém, não poderia ficar calado diante da grande ameaça que temos pela frente e eu digo o porquê. Porque (e vou sim repetir tudo o que vocês já sabem, eu espero) alguém que chama mulher de vagabunda, é machista. Quem diz que prefere a morte de um filho a saber que ele é gay, é homofóbico. Quem fala de peso de negros em arroubas, é racista. Quem diz que nada entende de economia não pode postular a presidência de um país. É ignorante. Quem defende que índio tem de evoluir e adotar costumes dos outros, os nossos, dos brancos civilizados, comete etnocentrismo. Quem defende que uma ditadura como a chilena deveria ter matado mais, achando três mil assassinatos pouco, é um monstro. Quem já pregou o fuzilamento de adversários políticos, como o de Fernando Henrique Cardoso, e o fechamento do Congresso Nacional, não é um democrata.

    Quem defende tortura e execução sumária de criminosos, não acredita em Estado de Direito. Prefere a lei do mais forte. Coloca a vingança acima do Direito. Legitima a barbárie. É um perigo para a democracia. Quem afirma que o erro da ditadura brasileira foi não ter matado mais, é psicopata. Quem sente saudade de ditador e dos momentos mais repressivos de um regime hediondo de exceção, é perverso. Quem tem torturador notório como herói, não é Brilhante em coisa alguma. Quem aceita que mulher pode ganhar menos pelo mesmo trabalho feito por homem, é misógino. Quem diz que não estupraria uma mulher por ela ser feia, derrapa duas vezes: admite e compreende hipoteticamente estupro de mulher bonita; revela-se grosso, vulgar, rasteiro e estúpido. A maioria de quem o apoia, está indignado com a situação do Brasil (assim como eu), mas quem o apoia, involuntariamente ou não, está apoiando toda a onda de ódio e as barbáries (e olha que essas são públicas, imagine as que nunca soubemos) que esse texto acabou de abordar. Lembrem-se que a pior cegueira é daquele que não quer ver.

    Me desculpe Bolsonaro, mas eu acordei, e quero que outras pessoas acordem enquanto ainda há tempo.

    #elenao #fascimotambemnao #brasilsemodio #mude