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Tag: Educação básica

  • Debater ensino híbrido em tempo de isolamento social: o que pode estar nas entrelinhas?

    Debater ensino híbrido em tempo de isolamento social: o que pode estar nas entrelinhas?

    Por Daniel Filho

    O ensino híbrido, ou blended learning, consiste em professoras e professores como moderadores de um processo de aprendizagem cujo principal estímulo é a interação interpessoal e formação da autonomia para que estudantes encontrem e conduzam seu próprio método de pesquisa, tanto de forma presencial quanto virtual, essa mescla justifica o termo inglês “blend” que significa mistura.

    Uma necessária etapa de evolução do ensino, mas o resgate desse tema em tempo de isolamento social oriunda da pandemia pode encobrir intenções e riscos?

    Com o necessário isolamento social as aulas remotas foram postas no colo da comunidade escolar numa realidade onde uma grande parcela de docentes e discentes não tem pleno acesso a notebooks e internet. O primeiro de muitos “hibridismos” impostos.

    Esse artigo não visa criticar o conceito que, por sinal, é necessário a uma educação de qualidade, mas provocar a reflexão: temos unidades de ensino com estrutura física e tecnológica para o século XXI? O quanto retomar esse debate pode se converter em perda de direitos, logo, retrocesso, em vez de evolução no processo de ensino-aprendizagem?

    PROFISSIONAIS HÍBRIDOS

    Soa inerente ao profissional da educação essa condição híbrida. Da sua formação aos anos de exercício da profissão vê a necessidade de mesclar teoria, prática, tendências, conceitos… Políticas públicas e determinações de governos, muitas vezes são jogadas abruptamente, com pouca ou nenhuma discussão de base, na vida do profissional e, aos mesmos, o “tapinha nas costas” com o dizer: “Você é capaz, professora/professor!”

    Mas se trata de capacidade ou desrespeito? Mudanças que visam melhoria do ensino público ou assédio e precarização do trabalho? Em Pernambuco podemos ilustrar com alguns exemplos de como se dão essas rupturas e suas rápidas readaptações à realidade das comunidades escolares.

    AVALIAÇÃO

    Em Pernambuco a avaliação escolar deixou de ser feita por nota (0 a 10) para ser conceito (DC = Desempenho construído, DEC = Desempenho em Construção, DNC = Desempenho Não Construído) e, pouco depois voltar a ser nota. Isso falando das avaliações internas, mas surgiram ainda as avaliações externas, SAEPE, SAEB, são as principais. Bonificações para unidades de ensino que atinjam metas foram implantadas e o conflito se instala: educação para construção de aprendizagem e autonomia ou para competição?

    Há formações acerca do tema avaliação, mas, na prática, ainda estamos longe de um modelo avaliativo diagnóstico e inclusivo.

    ACOMPANHAMENTO INDIVIDUALIZADO

    O diário escolar que registra a vida escolar de estudantes já foi impresso, quase sempre entregue com atraso forçando professoras e professores a ter trabalho duplo (anotar em caderno para, depois, reescrever quando os diários chegavam). Depois foi modificado para o Sistema de Informações da Educação de Pernambuco (SIEPE). Informatizado, visou a melhoria, mas não veio junto com acesso à internet de qualidade e notebooks, tablets, aos profissionais da educação (administrativos e pedagógicos) ou mesmo formação continuada para explicar o sistema. Muitos profissionais tiveram que pagar para trabalhar, fazer cota para ter internet de qualidade e, assim, conseguir abastecer o sistema. Muitos têm trabalho duplo, pois quando o acesso é ruim na sala, precisa anotar para, somente então, incluir no sistema. Nas escolas que não têm o acesso, profissionais levam seu trabalho para casa.

    ESCOLA INTEGRAL

    O tema sempre foi muito debatido e Pernambuco se destaca pela ampliação do modelo. Um período estendido dentro da escola é visto como garantia de direito e prometia uma melhor condição trabalhista ao profissional que poderia ter melhoria salarial considerável, em caso de dois vínculos ter as duas matrículas em um mesmo local de trabalho, além de um tempo maior dentro da escola para planejamento, formação e avaliação o que, em tese, deveria impedir uma terceira jornada em casa.

    Na prática a gratificação está congelada a um teto, perdendo seu poder de valorização que teve no início, não poderá ser levada para a aposentadoria, no entanto sempre teve descontos previdenciários e, por todos problemas citados referentes à avaliação e sistema de informações, o terceiro turno em casa se tornou inevitável.

    Muitas professoras e professores, ainda, não conseguiram manter suas matrículas no mesmo local de trabalho e a jornada de trabalho é exaustiva.

    Estruturalmente muitas escolas não viram mudança para uma adequação a uma jornada diária de nove horas. Quadras poliesportivas sem cobertura (quando a escola tem quadra), refeitório e espaços de aprendizagem inadequados, banheiros com problemas, salas sem climatização… Um modelo de educação que deveria ser referência e desejada para todas e todos continua a enfrentar desafios e desigualdades gritantes.

    Profissionais da educação e estudantes se veem, mais uma vez, a “mesclar” promessa, tese e realidade.

    PANDEMIA E AULAS REMOTAS

    Com a pandemia, isolamento social, a cobrança aumentou e o conceito de educação híbrida voltou à tona. Não há nenhuma condição de retorno às aulas sem vacina por todos os problemas estruturais já citados. Para garantir aulas remotas a uma pequena parcela de estudantes, professoras e professores se desdobram para adaptar conteúdo, prática e condições de trabalho. Não chegando a todas e todos, fica a disputa da validação ou não das aulas remotas como dias letivos.

    Não sendo validada, professoras e professores, mais uma vez, acumularão trabalho. Sendo validada, estudantes que não tiveram acesso serão prejudicados e abre caminho para uma educação à distância ser normalizada para o pós pandemia o que torna tendenciosa a retomada do conceito “educação híbrida”.

    Retirada de direitos, precarização ainda mais aprofundada do trabalho docente, imposição do ensino domiciliar, conhecido também pelo termo em inglês “homeschooling”, evasão escolar, são algumas das muitas chagas que podem estar travestidas de modernização da educação e que aprofundariam ainda mais as já gritantes desigualdades sociais em nosso país.

    Reflexão posta fica a discussão acerca do que é ser híbrido quando o tema é educação pública de qualidade. Quando gestoras e gestores dos recursos e políticas públicas educacionais poderão adotar uma prática híbrida de respeito, valorização, democracia e acesso à tecnologia para profissionais, escolas e estudantes?

    VITÓRIA DA EDUCAÇÃO COM QUEM FAZ EDUCAÇÃO

    Com a promulgação da emenda constitucional que torna o FUNDEB (Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica) permanente, com ampliação gradual do repasse de dinheiro da União para o fundo (dos atuais 10% a 23% até 2026), a manutenção da educação pública ganha novo fôlego.

    Garantir que esses recursos se convertam em valorização profissional, modernização das estruturas das unidades escolares e pleno acesso a uma educação pública de qualidade se faz ouvindo quem vive e faz a educação desse país.

    Daniel Filho é Mestre em psicanálise aplicada à educação, escritor, professor e coordenador de Biblioteca da rede estadual de ensino em Petrolândia, sertão de Pernambuco e Coordenador regional afastado do Sintepe (Sindicato dos trabalhadores em educação de Pernambuco).

  • As universidades públicas e o Fundeb

    As universidades públicas e o Fundeb

    O debate está posto, o campo das disputas ainda está aberto. O tempo urge, e não basta apenas para fazer parte disso afirmar e fazer a crítica de que há um projeto neoliberal em curso que tenta vampirizar a educação no país, se pouco ou quase nada a Universidade pública tem feito para disputar esse espaço e oferecer como alternativa um projeto de educação pública para o país, para todos os níveis, em outros moldes.

    Wagner Geminiano dos Santos, doutor em História pela UFPE, professor das redes municipais de Água Preta e São José da Coroa Grande (PE) e ex-secretário de Educação de São José da Coroa Grande

    Há no Brasil, do ponto de vista legal, desde pelo menos a aprovação da Constituição Federal – CF em 1988 e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDBEN em 1996, o estabelecimento de uma relação hierárquica entre o “ensino superior” e a “educação básica”. Esses marcos legais acabaram, com isso, regulamentando uma relação que já vinha se constituindo desse modo desde pelo menos o final da década de 1960 e da reforma universitária implementada pela Ditadura Civil-Militar no país.

    De lá para cá a Universidade pública se consolida no Brasil como o principal lugar de produção do conhecimento científico por estas plagas. A Universidade passou a ser vista e entendida como aquela que forma cientistas e produz conhecimento científico de excelência. Ao longo desse período, os outros dois pilares em que se assetam a universidade humboldtiana, o ensino e a extensão, foram passando a segundo plano, até mesmo dentro dos centros e departamentos de educação, notadamente nas pós-graduações. A pesquisa tornou-se hegemônica e central em detrimento dos outros dois pilares.

    A Universidade pública, nesse sentido, se pensa mais como referência para o desenvolvimento da ciência e da tecnologia do que propriamente para as políticas públicas de educação no Brasil, em especial de educação básica, muito embora faça parte da estrutura do Ministério da Educação. Isso tem provocado alguns efeitos bastante nefastos para a educação pública no país. À medida que as universidades públicas foram se ausentando não necessariamente de discutir o ensino e a educação básica – ela os toma como objetos de pesquisa -, mas, sobretudo, de formular políticas públicas e de intervir politicamente no espaço público com o objetivo de promover, pautar e implementar um projeto de educação pública para o país, nos seus diversos níveis, um vazio foi sendo criado e que, ao longo das últimas duas décadas, vem sendo ocupado pelas fundações, seus institutos e seus braços, como, por exemplo, a Fundação Lemman, o movimento Todos pela Educação, o Instituto Ayrton Senna e congêneres, a quem grande parte da Universidade acusa de serem instrumentos da agenda neoliberal para a educação no Brasil.

    Essa ausência da Universidade pública sobre os debates, a implementação e as pautas que orbitam as políticas públicas de educação básica no Brasil, se fez sentir recentemente de forma bastante sensível nas discussões acerca do Novo Fundeb. Nesse debate fundamental para o futuro da educação pública no país, a Universidade foi o grande ausente, mais até que o próprio desgoverno Bolsonaro e seu projeto de destruição da educação tocado pelo atual MEC. Pouquíssimas vozes vindas das instituições universitárias públicas se levantaram publicamente em defesa do Novo Fundeb como política permanente de financiamento da educação básica ou até mesmo como instrumento fundamental de melhoria da estrutura, da carreira dos professores e profissionais da educação e da qualidade do ensino básico no Brasil.

    Imperou um silêncio sepulcral e muito simbólico, que explicita o papel que a Universidade, ou grande parte dela, se atribuiu nos últimos anos quando se trata de discutir políticas públicas de financiamento da educação básica no Brasil: o lugar do observador crítico, daquele que fala só quando é instado pelo Estado a emitir um parecer técnico a respeito de tal ou qual questão. O lugar da competência científica e técnica, que requer suposto distanciamento para não se misturar com o mundo da política ou da arena das relações de poder que constituem todo processo de implementação de política pública.

    Concordo que esse lugar da crítica é fundamental. Mas, por melhor e mais “isenta” que ela possa ser, pouco contribui para alterar o jogo e, sobretudo, para garantir a efetivação de uma política pública que beneficia milhões de brasileiros como o Fundeb, e que de forma indireta é o que garante público qualificado, diverso, plural para os bancos universitários. Como não se fazer presente como um ator institucional importante nessa disputa? Essa é uma pergunta que as universidades públicas e seus órgãos representativos precisam responder com urgência, para si mesmas e para a sociedade.

    Além disso, as Universidades públicas pouco têm atentado para outra questão fundamental que está diretamente associada ao Fundeb. Ele representará, a partir do próximo ano, uma cifra de cerca de R$ 200 bilhões a ser investido de forma direta na educação básica. É um recurso que não está sob o tacão discricionário do orçamento da União e o arbítrio de Paulo Guedes et caterva. Estados e municípios terão acesso direto a esses recursos para investirem em Manutenção e Desenvolvimento da Educação, nos profissionais da educação e nos seus quadros de professores. Assim, formação inicial e continuada de professores, materiais didáticos regionalizados e paradidáticos, plataformas e cursos para gestão escolar, suporte técnico para o funcionamento e planejamento das redes: tudo isso são serviços a serem ainda mais demandados pelas redes estaduais e municipais a partir do próximo ano.

    Há aí um espaço enorme a ser disputado pelas Universidades públicas. Em tempos de política de estrangulamento financeiro das universidades e da pesquisa, com cortes de bolsas e recursos, olhar para o Fundeb pode ser uma luz no fim do túnel para a academia. Firmar convênios com estados e municípios para ofertar formação continuada qualificada, ampliar o alcance de programas como os PROFs, o PIBID e a Residência a partir destes convênios, redirecionar parte das pesquisas dos departamentos de educação para produção de material didático regionalizado, assim como as próprias editoras universitárias para que possa entrar no circuito absolutamente rentável da produção de livros didáticos, são apenas alguns caminhos possíveis de atuação.

    Enfim, as possibilidades são imensas e ainda estão em aberto. Cabe à Universidade querer disputá-las, mas para isso precisa sair desse lugar privilegiado que lhe coloca no pedestal de uma suposta superioridade moral para fazer a crítica do mundo lá fora, mas negando-se a participar de sua construção mais efetiva. É urgente pular o muro e vir disputar o mundo lá fora. A autonomia universitária não pode ser barreira para intervir e pautar a realidade que a circunda e atravessa. É preciso recuperar o espírito que esteve presente em intelectuais como Anysio Teixeira que viam na Universidade Pública não apenas um lugar de formação de pesquisadores, mas também de quadros dirigentes para o país, de sujeitos capazes de intervir na nossa realidade, de propor políticas públicas, de formular projetos de país, de nação.

    O que se pede, por hora, não é muito: é que a Universidade pública tenha ao menos um projeto de educação pública para o Brasil ou até mesmo para cada estado onde esteja situada, e que passe a disputar a partir deles instrumentos tão importantes para o futuro da educação pública, como o Novo Fundeb. O debate está posto, o campo das disputas ainda está aberto. O tempo urge, e não basta apenas para fazer parte disso afirmar e fazer a crítica de que há um projeto neoliberal em curso que tenta vampirizar a educação no país, se pouco ou quase nada a Universidade pública tem feito para disputar esse espaço e oferecer como alternativa um projeto de educação pública para o país, para todos os níveis, em outros moldes. Isso já seria um bom começo.    

  • A votação do novo Fundeb: em busca da educação que precisamos

    A votação do novo Fundeb: em busca da educação que precisamos

    A pauta do país deve voltar a ser dominada pelo tema da educação nessa semana. Finalmente, vai entrar em votação no Congresso Nacional a proposta de emenda constitucional número 15 de 2015, que prevê o que foi chamado de novo Fundeb.

    Por Fábio Faversani, professor de História da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) em Mariana, MG

     

    O Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação) foi criado pela Emenda Constitucional 53 com duração limitada (2007-2020) e ocupou o lugar do seu antecessor, o Fundef (que vigorou de 1998-2006). Não se trata de algo totalmente “novo”, portanto. A novidade consiste em um aperfeiçoamento do modelo, mas sobretudo em tornar permanente essa política nacional de financiamento da Educação Básica.

    O Fundeb funciona como um mecanismo de redução da desigualdade entre os municípios e estados no que se refere à sua capacidade de financiamento da educação. Todos os entes federados, municípios, estados e União contribuem com o Fundo. A maior parte do dinheiro do fundo é dos estados e municípios. A União entra com uma complementação, que corresponde à menor parte. A União precisa se comprometer mais com o financiamento da Educação Básica e é isso que prevê o novo Fundeb. Mas, mesmo assim, a União continuará dando uma parcela menor do que estados e municípios.

    O dinheiro que compõe o fundo é distribuído considerando o número de alunos em cada município e a modalidade de ensino ofertada para esses alunos. Assim, cada município recebe recursos conforme o número de alunos e o ensino ofertado (da pré-escola ao ensino médio, parcial e integral, urbano e rural, regular e profissionalizante, EJA, tudo é considerado, menos o ensino superior). Um estudo técnico da Câmara dos Deputados mostrou que a desigualdade de investimento entre os municípios, mesmo com o Fundeb, é de 564% entre os que investem mais e os que investem menos. É uma diferença grande e que precisa ser reduzida para que tenhamos mais oportunidade de superar as barreiras para a mobilidade social. No entanto, sem o Fundeb, tal diferença seria de 10.000%, segundo esse mesmo documento (Estudo Técnico 24/2017 da Câmara dos Deputados).

    O Fundeb vence agora no final de 2020 e ficar sem ele significaria o colapso da educação pública. Consciente disso, há um debate no Congresso Nacional sobre o novo Fundeb que se intensificou nos últimos anos, mas que vem desde 2015, quando a PEC que será votada amanhã foi proposta. Ao longo desses anos foram realizadas centenas de audiências públicas e outras reuniões com ampla participação da sociedade e dos gestores da educação. Todo esse trabalho levou à construção do relatório da deputada Professora Dorinha (DEM-TO), que traz uma série de avanços e consolida consensos. Não se trata de todos os avanços que alguns esperavam, como uma ampliação da participação da União, que arrecada a maior parte dos impostos, para 40% do Fundeb. Nesse ponto, o relatório da deputada prevê um aumento da participação da União de forma escalonada em seis anos até chegar a um teto de apenas 20%. É mais do que os 10% atuais, mas é menos do que muitos desejariam para podermos avançar mais rápido na urgente melhoria de nossa Educação.

    O atual governo, especialmente o MEC sob a gestão desastrosa de Abraham Weintraub sempre se recusou a participar dos debates e da construção do novo Fundeb. Foi instado a isso de forma até mesmo dura por parlamentares de todos os partidos todas as vezes que esteve no Parlamento. A arguição da deputada Tábata Amaral (PDT-SP), insuspeita de “socialismo”, ficou marcada. O fato é que o governo Bolsonaro está brincando de guerra ideológica e nada fez para a gestão da educação e a efetiva resolução dos problemas do setor. Essa ausência do governo federal no debate sobre o Fundeb foi particularmente escandalosa em meio a um descaso e incompetência generalizados.

    Mas nada é tão ruim que não possa piorar, não é mesmo? Pois, então, nessa sexta-feira, quando o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), pautou a votação do novo Fundeb, o governo enviou uma proposta de alteração do relatório da Professora Dorinha. Trata-se de um desrespeito com o Congresso e com todas as entidades que participaram do debate desse relatório por anos. É uma proposição que nunca foi discutida com a sociedade nem apresentada em qualquer momento anterior a entidades representativas dos gestores da educação ou trabalhadores da educação ou quem quer que seja. Para piorar, pois afinal “para o pior não há limites”, a proposta do governo descaracteriza o Fundeb totalmente. Para começar, propõe que o Fundeb não exista em 2021, voltando apenas em 2022. Depois de um ano de pandemia e todos os desequilíbrios que isso gerou nos sistemas educacionais, quem pode pensar em cortar os recursos centrais para o financiamento da Educação por um ano? É algo ridículo e que certamente será rejeitado, mas mostra a extensão da irresponsabilidade e incapacidade dos que construíram essa proposta que veio do governo, do nada.

    Não bastasse isso, a proposta do governo quer tirar 5% dos recursos que seriam ampliados como contribuição da União para política de renda mínima. Os recursos já são insuficientes e ainda se quer desviar a finalidade de uma política estrutural, que é educação, para uma política emergencial? Mais um ponto a ser rejeitado, obviamente.

    Para um último exemplo da imperícia da proposta irrefletida do governo citamos a mudança do percentual destinado ao pagamento dos profissionais da Educação. No relatório da Professora Dorinha, foi estabelecido após amplo debate com todos os setores que um mínimo de 70% dos recursos do Fundeb irá para pagamento de todos os trabalhadores da educação (professores, auxiliares, monitores, cantineiras, coordenadores, diretores etc.). A valorização dos profissionais da educação é, seguramente, um desafio para a melhoria da qualidade. Bem sabidas são as muitas dificuldades para pagar o Piso Nacional para os Professores, mesmo com o Fundeb atual. A proposta alternativa do governo é trocar o piso por teto. Ou seja, no máximo 70% do Fundeb poderia ser utilizado para o financiamento de pessoal. Isso significa aniquilar a possibilidade de valorização desses trabalhadores com planos de carreira e políticas de qualificação permanente. Em outras palavras, significa condenar à míngua um aspecto central em qualquer política educacional: pessoal! Não nos estendemos mais examinando ponto a ponto esse desastre que o governo atual, de turno, quer fazer com o Fundeb.

    Esse é um problema grave da educação: os desmandos dos governos de turno e as descontinuidades. Por isso, é fundamental aprovar o relatório da Professora Dorinha na votação que tem início nessa semana no Congresso Nacional, gerando, finalmente, um passo importante para consolidar uma política de Estado para o financiamento da Educação Básica. As pressões serão muitas, especialmente, como vimos, de setores que não participaram do debate e nada entendem da educação como uma política de Estado, como direito da cidadania.

    Aprovar o Fundeb como construído no relatório da deputada é fortalecer o consenso construído em torno do tema com entidades como a Undime (que reúne todos os secretários municipais de educação) e Consed (dos secretários estaduais), além de inúmeras outras entidades representativas. No entanto, mais importante, aprovar o Fundeb como se encontra no relatório da Professora Dorinha é superar uma parte importante sobre o debate fundamental do financiamento da educação e podermos nos concentrar em outro tema urgente que é a gestão da educação. O financiamento é fundamental e o Fundeb garante um mínimo que deverá ser ampliado pelos gestores que queiram dar mesmo prioridade à educação. Mas sabemos que o financiamento não é condição suficiente para a melhoria da educação que necessitamos e sonhamos. Para isso, é preciso gestão. Esse é o passo que devemos dar. Construir uma gestão democrática, tecnicamente capaz, centrada em metas e resultados a serem construídos por todos os envolvidos e com uma liderança por parte do poder público é fundamental. Em outras palavras, para uma boa educação, precisamos financiamento, pessoal qualificado e motivado, gestão democrática e eficiente, liderança. Aprovar o “novo” Fundeb previsto no relatório da deputada Dorinha sem mudanças amadoras e perversas de última hora é o primeiro passo de uma longa caminhada que precisamos dar.

    Veja mais: APEOESP lança petição para pressionar votação do FUNDEB na Câmara