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Tag: dívida pública

  • É hora de largar o dogmatismo fiscal e rasgar a fantasia neoliberal

    É hora de largar o dogmatismo fiscal e rasgar a fantasia neoliberal

    Por: Pedro Rossi (retirado do seu Twitter):

    Como financiar o combate ao coronavírus?

    Primeiro é preciso largar o dogmatismo fiscal e rasgar a fantasia neoliberal.

    Temos que esquecer aquele papo de que não tem dinheiro, de que o Estado está falido. Por que isso é mito/mentira.
    Tem dinheiro. Não há restrições financeiras para o gasto público, além das regras instituídas.

    O governo gasta, depois o Banco Central avalia a base monetária/meta de juros e recolhe $ em troca de dívida.
    O governo não precisa de dinheiro prévio, nem de taxar pra depois gastar.

    Não faz sentido achar que tem que tirar de alguém para poder gastar. Não precisa tirar do policial e do professor, não precisa cortar 25% do salário de funcionários públicos. Isso só vai atrapalhar a recuperação econômica no pós-crise sanitária. A PEC Emergencial é estúpida.

    Quem ganha e quem perde?

    Qualquer gasto público é redistributivo. Se o Estado garantir renda para o mais pobres, $ para a saúde e para que o sistema econômico não colapse, uns ganham mais do que outros. Mas, ao evitar um caos social, a sociedade como um todo sai ganhando.

    O que vai acontecer se a dívida publica subir 10% do PIB, um caos social?

    Não, isso vai acontecer se o governo não gastar agora.

    O aumento de dívida NÃO precisa ser revertido em seguida.
    Aliás, o padrão do comportamento das dívidas soberanas mostra: dívida pública não se paga, se rola. A tentativa de reduzir dívida em seguida da crise sanitária por meio de um forte ajuste fiscal seria trágica.

    Além de rasgar a fantasia neoliberal, devemos largar os mitos cultivados pela a esquerda.

    A dívida pública não é um problema moral. Não há limite mágico para a dívida pública. Dar calote na dívida em moeda nacional não faz nenhum sentido. NÃO FAZ SENTIDO VENDER AS RESERVAS CAMBIAIS !

    Não precisa vender dólar para financiar gastos em reais, isso mantém a dívida líquida constante e aumenta a vulnerabilidade externa. Se for usar, que financie importação de medicamentos ou empresas endividadas em dólar.

    Quem acha que serão dois meses de aumento de gastos e depois voltamos para austeridade fiscal, tá enganado. O custo social disso seria enorme. Dívida pública se estabiliza com crescimento. Enquanto houver desemprego e capacidade ociosa, a política fiscal pode ajudar.

    Essa crise vai mudar paradigmas em termos de política fiscal.

    A realidade é tão chocante que as pessoas abandonam os dogmas. As ideias monetaristas foram por terra depois da crise de 2008/09. Agora é a vez definitiva dos dogmas fiscais.

    OBS: Para o pessoal que aponta a Conta Única do Tesouro como nossa solução (tem R$1,2 tri -16% do PIB), isso é questão jurídica/contábil.

    Retirando as regras fiscais do caminho usa-se a conta única. Retirando a proibição do Banco Central financiar o Tesouro Nacional, não há limites para o gasto público.

  • Fattorelli: “Mais Brasil para os banqueiros”

    Fattorelli: “Mais Brasil para os banqueiros”

    Plano Mais Brasil escancara privilégio da dívida

    Por Maria Lucia Fattorelli

    Bolsonaro entregou ao Senado um pacote batizado de Plano Mais Brasil, contendo três novas Propostas de Emenda à Constituição (PEC): 186, 187 e 188/2019.

    O pacote deveria ser chamado de “Mais Brasil para Banqueiros”, pois as medidas escancaram o privilégio dos gastos com a chamada dívida pública, que nunca foi auditada como manda a Constituição de 1988.

    Para que sobrem mais recursos para os gastos com a questionável dívida pública, os investimentos sociais urgentes para o país são postos de lado, consolidando ainda mais a posição do Estado brasileiro a serviço do grande capital rentista – ou seja, de grandes bancos e investidores.

    Tais medidas pretendem inserir na Constituição Federal mais restrições ainda aos Direitos Sociais, acompanhadas de mais garantias aos rentistas, o que aprofundará a vergonhosa situação de miséria que já alcança cerca de ¼ da população brasileira, enquanto aumenta o número de bilionários, e o lucro dos bancos bate novo recorde a cada trimestre.

     

    Pacote de Guedes/Bolsonaro deveria ser

    chamado de “Mais Brasil para Banqueiros”

     

    No Chile, essa redução de políticas públicas e a ausência do Estado em áreas essenciais para a garantia de serviços públicos à população tem sido a causa das grandes manifestações que acabaram obrigando o governo a rever tais políticas e passar a priorizar algumas demandas do povo.

    O pacote de Guedes/Bolsonaro ameaça diretamente conquistas históricas da população, fragilizando o artigo 6º da Constituição, que garante Direitos Sociais a todos os brasileiros e brasileiras. Se aprovado o pacote, esse artigo ficará condicionado a um “equilíbrio fiscal intergeracional”, ou seja, só terá que ser cumprido após o pagamento dos gastos com a questionável dívida pública.

    O pacote prevê também que leis, atos ou decisões judiciais que impliquem despesa somente produzirão efeitos quando houver a “respectiva e suficiente dotação orçamentária”. Tal limite nunca existiu para os privilegiados gastos com a dívida pública: de contínua e crescente ocorre a emissão e venda de novos títulos públicos para o pagamento de juros nominais da dívida, apesar de ser inconstitucional (art. 167, III)!

    Também fazem parte do pacote a redução de salário dos servidores públicos em até 25%, assim como o congelamento total do teto de gastos instituído pela Emenda Constitucional 95/2016, devido à eliminação da atualização monetária.

    Por outro lado, além dos gastos financeiros com a dívida continuarem sem limite ou controle algum, o pacote ainda deixa explícita a utilização do estoque de centenas de bilhões de reais da Conta Única do Tesouro (vinculados a áreas sociais) para pagamento da dívida pública, confirmando a denúncia feita pela Auditoria Cidadã da Dívida, de que o governo tem muito dinheiro em caixa, mas essa montanha de dinheiro é reservada somente para o pagamento da dívida pública.

    O pacote acaba com os Planos Plurianuais e o Orçamento Anual, estabelecendo-se o Orçamento Plurianual, o que aumentará ainda mais a blindagem de recursos para o pagamento aos privilegiados rentistas.

    O governo assume que a dívida ocupa o centro das decisões econômicas, e todas as demais políticas fiscais dependerão de sua “sustentabilidade”, como previsto textualmente: “A União, os estados, o Distrito Federal e os municípios conduzirão suas políticas fiscais de forma a manter a dívida pública em níveis que assegurem sua sustentabilidade” e que “a elaboração e a execução de planos e orçamentos devem refletir a compatibilidade dos indicadores fiscais com a sustentabilidade da dívida”.

    Nesse sentido, o pacote aumenta o arrocho fiscal para privilegiar a dívida. Em vez de auditar a questionável dívida (que até o TCU já declarou que não serviu para investimentos no país), estabelecer juros negativos e direcionar recursos para investimentos produtivos que gerem crescimento socioeconômico, o governo reza na cartilha do retrógrado “Pensamento Único” que corta investimentos sociais, aplica contrarreformas como a da previdência e privatiza tudo para transferir recursos aos privilegiados rentistas.

    O cumprimento de todas as exigências desse pacote será monitorado por um novo órgão que está sendo criado: Conselho Fiscal da República, formado pelo presidente da República, da Câmara, do Senado, do STF, do TCU, três governadores e três prefeitos. É o fim do federalismo, pois estados e municípios perdem a sua autonomia e ainda ficarão amarrados às limitações absurdas impostas pelo pacote.

    Apesar de ser apresentado como uma recuperação do Pacto Federativo, o pacote prevê também o fim da compensação das perdas dos estados com a Lei Kandir e das ações judiciais relativas ao tema, em troca de um suposto recurso a mais para estados e municípios.

    Porém, tal recurso adicional é apenas uma promessa vaga, pois ele ainda será condicionado à execução de determinadas políticas que não se encontram detalhadas no pacote. Quais políticas? Seria o ajuste fiscal? A implementação de outras reformas da previdência? A privatização de mais empresas estatais? O corte de investimentos sociais?

    Outro absurdo é a disputa entre os direitos sociais: União, estados, DF ou municípios terão que escolher entre aplicar em saúde ou educação. Segundo o pacote, se os entes federados aplicarem em saúde mais que o piso exigido, poderão deduzir este valor do piso de recursos destinados à educação, e vice-versa. Com o congelamento do teto, essas áreas sociais terão que disputar recursos, o que significa redução nos recursos destas áreas sociais essenciais.

    O pacote ainda corta medidas destinadas à redução das desigualdades regionais. Por exemplo, desobriga o poder público de investir prioritariamente na expansão de sua rede de ensino na localidade em que haja falta de vagas, ou de aplicar no Nordeste (preferencialmente no semiárido) no mínimo 50% do valor destinado a irrigação no país.

    Essa breve análise do pacote mostra mais uma vez que o Sistema da Dívida precisa ser enfrentado, pois não há limite para os privilégios dos rentistas que, além de tudo isso, querem se apoderar diretamente dos impostos que pagamos por meio da chamada Securitização de Créditos Públicos (PLP 459/2017 e PEC 438/2018).

    A ferramenta eficaz para enfrentar esse privilégio abusivo do Sistema da Dívida é a auditoria integral, realizada com ampla transparência e participação da sociedade que tem pago essa elevada conta!

    Maria Lucia Fattorelli

    Coordenadora nacional da Auditoria Cidadã da Dívida.

    Artigo original publicado no Monitor Mercantil em : https://monitordigital.com.br/plano-mais-brasil-escancara-privilegio-da-divida

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  • Sem estabilidade política não há crescimento

    Sem estabilidade política não há crescimento

    Como vão as finanças públicas do governo da coligação MDB e PSDB.

    Depois de todos os cortes nos programas sociais e de congelamentos de despesas a perder de vista, o governo do MDB e PSDB continuam exibindo déficits assustadoramente altos. Nos 12 meses encerrados em julho, o setor público gastou R$ 472 bilhões, ou, quase meio trilhão de reais, a mais do que arrecadou.

    A dívida do setor público, dívida bruta do governo geral, obviamente continua subindo com rapidez: atingiu R$ 5,2 trilhões de reais e equivalia, em julho, a 77% do PIB.

    Como explicar esse déficit tão alto se os cortes fazem sangrar desde o combate à fome e à pobreza, até o financiamento da pesquisa, passando pelo custeio das universidades e instituições públicas?

    Poucos comentam e nunca cogitam reduzir, mas o gasto com juros continua absurdamente alto: R$ 395 bilhões. Existe, ainda, uma razão fundamental que está do lado das receitas do governo. A contração da atividade econômica leva à contração do impostos e o caminho dos cortes, adotado após o golpe, não promoveu a recuperação prometida. A rota escolhida, nos mesmos moldes daquelas impostas pelo Fundo Monetário Internacional nas crises de dívida dos países emergentes, é sempre muito longa e penosa, especialmente para aqueles de menor que são os primeiros a perder o emprego e ver cortada sua assistência social.

    Mas há um outro componente importante nas causas da fraqueza econômica: a instabilidade política. O golpe trouxe uma instabilidade para o horizonte de planejamento econômico que não existiu no governo Lula e no primeiro mandato de Dilma. Não tivemos um momento de sossego após a eleição de 2014, essa é a verdade.

    Imagine-se empresário tentando planejar o futuro assim que Temer e Meirelles assumiram. O que se enxergava no horizonte? Além de cortes sobre cortes nos gastos e investimentos públicos, que eram determinantes para a recessão, não se sabia até quando o governo ia durar. Aliás, Temer e seus aliados não caíram por corrupção por malabarismos da elite econômica, política e do sistema de justiça.

    Façamos o mesmo exercício hoje, a cerca de um mês da eleição. Que assumirá o executivo em janeiro de 2019? Esse novo presidente conseguirá trazer um mínimo de conciliação necessário para o crescimento econômico?

    Não tardará para os artífices do golpe perceberem o prejuízo que causaram ao país e a si próprios. Talvez demore, sim, para perceber que há somente um sujeito capaz criar, em curto espaço de tempo, o ambiente necessário para o crescimento econômico.

    Resultados Fiscais

    Veja abaixo o a nota para a imprensa sobre os resultados fiscais divulgada pelo Banco Central do Brasil em https://www.bcb.gov.br/htms/notecon3-p.asp.

    1. Resultados fiscais

    O setor público consolidado registrou déficit primário de R$3,4 bilhões em julho. O Governo Central e os governos regionais apresentaram déficits respectivos de R$2,7 bilhões e R$1,8 bilhão; e as empresas estatais, superávit de R$1,1 bilhão.


    [Devemos tomar cuidado com esse gráfico, pois os valores acima de zero representam déficits. Assim os R$ 77,1 bilhões representam o déficit do setor público acumulado em 12 meses até julho de 2018]]

    No acumulado no ano, o resultado primário do setor público foi deficitário em R$17,8 bilhões, comparativamente a déficit de R$51,3 bilhões no mesmo período de 2017. No acumulado em doze meses até julho, o setor público consolidado registrou déficit primário de R$77,1 bilhões (1,14% do PIB), 0,2 p.p. do PIB inferior ao déficit acumulado até junho.

    Os juros nominais do setor público consolidado, apropriados por competência, alcançaram R$25,8 bilhões em julho, comparativamente a R$28,5 bilhões em julho de 2017. No acumulado em doze meses, os juros nominais atingiram R$394,5 bilhões (5,86% do PIB), reduzindo-se na comparação com o período de doze meses encerrado em julho de 2017, R$428,2 bilhões (6,64% do PIB).

    [É curioso notar que quase não ouvimos falar da despesa de juros: quase R$ 400 bilhões em 12 meses]

    O resultado nominal do setor público consolidado, que inclui o resultado primário e os juros nominais apropriados, foi deficitário em R$29,2 bilhões em julho. No acumulado em doze meses, o déficit nominal alcançou R$471,6 bilhões (7,0% do PIB), reduzindo-se 0,27 p.p. do PIB em relação ao déficit acumulado em junho.

    1. Dívida Líquida do Setor Público (DLSP) e Dívida Bruta do Governo Geral (DBGG)

    A DLSP alcançou R$3.503,5 bilhões (52,0% do PIB) em julho, aumentando 0,6 p.p. do PIB em relação ao mês anterior.

    [Lembremos que a Dívida Líquida do Setor Público (DLSP) estava em 32% do PIB quando Dilma Rousseff foi retirada do governo, uma escalada de 20 pontos percentuais em pouco mais de dois anos.]

    O impacto da apreciação cambial de 2,6% no mês respondeu por elevação de R$30,8 bilhões no estoque da DLSP, correspondente a 0,5 p.p. [ponto percentual] do PIB.

    No ano, o aumento de 0,5 p.p. na relação DLSP/PIB refletiu, em especial, a incorporação de juros nominais (aumento de 3,4 p.p.), o déficit primário (aumento de 0,3 p.p.), o efeito da desvalorização cambial acumulada de 13,5% (redução de 2,0 p.p.) e o efeito do crescimento do PIB nominal (redução de 1,3 p.p.).

    A DBGG – que compreende o Governo Federal, o INSS, e os governos estaduais e municipais – alcançou R$5.186,5 bilhões em julho, equivalente a 77,0% do PIB, reduzindo-se 0,1 p.p. do PIB em relação ao valor registrado em junho.

    Contribuíram para essa evolução os resgates líquidos de dívida no mês (redução de 0,1 p.p.), o efeito da valorização cambial de 2,6% (redução de 0,1 p.p.), e o efeito do crescimento do PIB nominal (redução de 0,5 p.p.), contrabalançados parcialmente pela incorporação de juros nominais (aumento de 0,6 p.p.).

    No ano, a relação DBGG/PIB registra elevação de 3,0 p.p, decorrente da incorporação de juros nominais (aumento de 3,4 p.p.), das emissões líquidas (aumento de 0,8 p.p.) e do efeito do crescimento do PIB nominal (redução de 1,9 p.p.).

    [Em abril de 2015, quando Dilma foi retirada do governo, a Dívida Bruta do Governo Geral (DBGG), que está em 77% do PIB, representava 59% do PIB]

  • O sonho da retomada da confiança na economia

    O sonho da retomada da confiança na economia

    Essa frase é do presidente do Banco Central, 12/08/2016, Ilan Goldfajn. Ele e a equipe de Meirelles, contudo, que acenam com “ajustes” nas contas do governo, cortes de gastos e investimentos, associados a juros muito altos.

    Eles, Ilan e a equipe econômica do governo interino, julgam que o caminho para voltarmos a crescer é recuperarmos a confiança e que isso se faz com juros altos e com corte de gastos e baixo investimento do governo. Você acha que faz sentido tentar recuperar a confiança colocando os juros na Lua e cortando investimentos na hora que o país enfrenta grave recessão?

    Imagine que você é trabalhador e que precisa decidir se vai trocar de carro. Você ouve o discurso de que o governo precisa se “ajustar” e cortar gastos e investimentos, que é preciso cortar direitos dos trabalhadores, que é preciso “ajustar” a previdência e assim por diante. Você imagina que teremos, nos próximos tempos, mais ou menos desemprego? Daí você olha para a taxa de juros e, concretamente, desiste da troca de carro, não é? E desiste da compra de qualquer bem durável, porque não sabe se estará empregado no futuro próximo.

    Quando você desiste da compra, a indústria não vende. O que faz a indústria?

    Imagine agora que você tem dinheiro para investir na construção de uma fábrica ou para abrir um negócio. Você olha para os juros de 14,25% e para uma inflação prevista de 5,42 % e se pergunta: por que vou investir se posso aplicar meus recursos a uma taxa de mais de 8% acima da inflação?

    Aí você olha para a previsão de que o PIB cairá 3,2% neste ano, segundo o Boletim Focus, divulgado pelo Banco Central do Brasil. O que você faz? Espera tempos melhores para investir, não é? E vai lucrando com os juros pagos pelo Banco Central que, aliás, aumentam rapidamente a dívida do governo. Recursos que, ao invés de irem para investimentos, vão para bolsos já endinheirados.

    Como é que a economia voltará a crescer se quem está no comando da economia continua com o pé firme no freio dos investimentos do governo, se os trabalhadores estão com medo do desemprego e se os empresários estão felizes aplicando seus recursos a uma taxa de juros superconfortável?

    Juntemos esse desânimo da recessão com a instabilidade política. Você sabe quem estará na presidência da República em janeiro de 2017? Sabe quem estará solto e quem estará preso? Sabe se essa política econômica, que agrava a recessão, ficará por longo ou curto tempo? Dado que é impossível ter estabilidade econômica com instabilidade política, podemos concluir que o sonho de Ilan com a recuperação da confiança e retomada do crescimento não está no horizonte.

    Os economistas de cunho neoliberal e os meios de comunicação, que apoiam o golpe, vão continuar vendendo que agora a economia está no rumo saudável. Mais hora, menos hora, sairemos da recessão, porque assim é o funcionamento do modo de produção capitalista. Com custo altíssimo pelos juros e pelo desemprego. Um custo muito maior do que o necessário.

    Custo social maior, desemprego maior, aumento da dívida pública, aumento da desigualdade e acirramento das relações sociais e da violência: são resultados da política econômica do governo interino. Dizem buscar a confiança e provocam a desconfiança de quase todos.

    ilustração por Joana Brasileiro

  • Sobre o veto de Dilma à auditoria da dívida

    Sobre o veto de Dilma à auditoria da dívida

    “Dilma renega uma das bandeiras mais caras às esquerdas: vetou a realização de uma auditoria da dívida pública com a participação de entidades da sociedade civil.”

    Dessa forma reagiram diversas pessoas e setores da sociedade. Não estou certo de que essa história deva ser assim narrada.

    Ouço falar de auditoria na dívida pública brasileira desde quando Delfim Netto era ministro,  nos anos 1970, muito antes de se pensar em redemocratização do país. Sempre fui ardoroso defensor de sua realização. No entanto, a proposta que agora volta às manchetes, por conta do veto da presidenta, me deixa extremamente reticente. A dúvida não advém somente da auditoria em si, mas do momento político e da composição atual do Congresso.

     

    Das dificuldades para se apurar malfeitos no mercado financeiro

    Vamos tentar um exemplo. No sábado (16/01/2016) às 11h, havia na feira livre da Rua Mourato Coelho, em Pinheiros, São Paulo, tomates sendo vendidos de R$ 8 até R$ 14 o quilo. Imagine que o funcionário federal decidiu comprar aquele de R$ 10, por considerar adequado seu custo benefício. Daqui a 20 anos, 16/01/2036, vem um deputado federal auditar a compra para saber se foi legítima, dentro dos padrões de mercado. Qual é a chance do resultado ser minimamente confiável? Da mesma forma que o preço do tomate na feira, as taxas de juros variam com o dia, com o horário, com o lugar e com a qualidade imaginada do tomador de recursos. É quase impossível concluir, depois de algum tempo, se a compra foi razoável ou não.

    Claro que a dívida não é composta por tomates. Mas imaginemos julgar a legitimidade e a aderência aos preços de mercado de uma venda, que ocorreu em16/01/1986 às 11hs00, com deságio de 5,5% de Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional, com rendimento nominal de correção monetária mais juros de 6% ao ano. Cabe novamente a pergunta: qual é a chance do resultado da auditoria ser minimamente confiável? Mesmo que o auditor saiba o que é deságio e como o calcula, saiba o que era uma Obrigação Reajustável do Tesouro Nacional e como se calculava, saiba o que é a taxa nominal e a correção monetária e seu cálculo, ele precisará saber como estava o mercado naquela data e naquele horário. Precisará saber, também, como o crédito ao governo estava sendo avaliado naquele momento. Só então poderá avaliar se a venda foi feita a preço justo.

    Gustavo Henrique de Barroso Franco foi presidente do Banco Central do Brasil de 20/08/1997 a 04/03/1999, na gestão de Fernando Henrique Cardoso, do PSDB. Sob comando de Franco, em 31/10/1997, o BC dobrou a taxa Selic de 20,69% para 41,20. Hoje, quase vinte anos depois, tentaremos avaliar se o aumento foi legítimo, benéfico ou danoso à economia ou se privilegiou bancos ou outros grupos privados e, especialmente, se alguém tinha a informação privilegiada de que a taxa subiria. O resultado de nossa avaliação será insuspeito?

    Pedro Sampaio Malan foi o negociador da reestruturação da dívida externa brasileira, sob a presidência de Fernando Collor de Mello. Em julho de 1992, o Brasil e 19 bancos internacionais assinaram o acordo, chamado de plano Brady, para reescalonar a dívida externa brasileira, que era superior a 130 bilhões de dólares. Qual é a referência que se usará para saber se as taxas, os deságios, os prazos foram acordados no melhor interesse do Brasil?

    É verdade que podemos pegar casos mais recentes, como os contratos de swap cambial. Espere um pouco, vamos ficar nos governos de Lula e Dilma? Como tem feito um ilustre juiz do Paraná?

     

    Da falta de conhecimento sobre o mercado financeiro

    Outra dificuldade para a realização de uma auditoria eficiente é que quase todas as pessoas que entendem com profundidade o funcionamento do mercado financeiro ou trabalham nele ou no Banco Central. Há muito pouco conhecimento fora do mercado financeiro. Como se audita algo que não se conhece?

    Edmilson Rodrigues, o deputado do PSOL que propôs a emenda da auditoria da dívida, diz que “o endividamento tem crescido fortemente, devido a mecanismos obscuros como a incidência de juros sobre juros, […].” Todo mercado financeiro, em todo lugar do mundo trabalha com juros sobre juros, também conhecido como juros compostos. Desculpe, deputado, não há nada de obscuro nisso.

    A questão é a taxa acordada, as formas de cálculo são padronizadas mundo afora. O problema é que o Brasil é, há muito tempo, o campeão mundial das taxas de juros reais. Real, nesse sentido, significa taxa acima da inflação. E esse mecanismo é o mais poderoso concentrador de renda do país: paga-se parcela enorme do orçamento federal para quem acumulou dinheiro de algum modo. É verdade.

    Gostaria muito de ver especialistas em mercado financeiro que fossem independentes de bancos e do Banco Central, que soubessem e tivessem mandato para avaliar as taxas praticadas em todas as transações entre governo e mercado privado, seja na venda de títulos, seja nas recompras, seja em swaps cambiais, seja nas operações compromissadas. Especialistas em câmbio que nos dessem a certeza que o Banco Central opera estritamente a mercado, atuando com preços justos nas compras e vendas de moeda estrangeira. Especialistas também em mercado internacional para avaliar se nossas reservas estão sendo aplicadas no melhor interesse do país e que tomamos recursos externos, também em taxas e prazos compatíveis. Adoraria ver ex-diretores do Banco Central que não se tornassem funcionários dos bancos privados. Isso poderia significar que tornamos o Banco Central, de fato, independente do controle privado.

    Gostaria muito de ver membros da Receita Federal, do Tribunal de Contas da União, da Polícia Federal, da Controladoria Geral da União e do Congresso especializados em mercado financeiro e em igualdade de condições para discutir esses temas com os próprios operadores dos bancos.

     

    Dos interesses para que a taxa seja alta

    Suspeita-se que a confluência de interesses dos banqueiros com os industriais e comerciantes deriva do fato que todos têm interesse nos juros altos, pois ganham mais em suas operações financeiras do que no seu negócio propriamente dito. É bom saber também que a classe média, que aplica em fundos de investimentos, é dona de parcela da dívida pública, é credora do governo: os fundos de investimento aplicam grande parte dos recursos que captam em títulos públicos. Até quem tem um pouquinho de dinheiro na poupança reclama quando a taxa cai. Sem perceber o quanto paga ao comprar a prazo e o quanto é “desviado” do orçamento federal para bolsos mais gorduchos.

    As discussões sobre a dívida pública, certamente, deixarão de cabelos em pé a classe média, os banqueiros, os industriais, os comerciantes. Todos se voltarão contra a presidenta e a acusarão de querer mexer em contratos estabelecidos desde o império e assim por diante. As agências de avaliação de risco dirão que não tão seguro investir em títulos de um país que está questionando os contratos. Bem, já temos dois problemas que complicam seriamente a realização da auditoria: a dificuldade de se auditar o passado e o interesse que a elite e a classe média têm na dívida pública. Agreguemos um terceiro complicador.

     

    Do apoio e ambiente político

    Há, em curso, uma tentativa não desprezível de depor a presidenta. No exato momento em que ela parecia sintonizar a prioridade da economia com os interesses de quem a elegeu e que seu principal algoz parecia perder força por denúncias e mais denúncias, aparece essa aprovação de uma auditoria da dívida reunindo apoios conservadores e à esquerda. É muito difícil não imaginar que tal apoio visa simplesmente debilitar a presidenta ao limite. É muito plausível supor que quem apóia essa auditoria, não a queira de fato, mas a utilize para seus fins políticos.

    Escrevi em outro artigo que: “A tentativa, que foi bem sucedida temporariamente, de colocar a taxa de juros brasileira num nível semelhante ao resto do mundo foi feita pelo governo Dilma. Pela primeira vez, na história recente, assistimos a taxa Selic ficar próxima de 7% ao ano no final de 2012 e início de 2013. Muitos, como eu, acreditam que todos os eventos políticos, para inviabilizar o governo, que se iniciaram em 2013 e perduram até hoje, tem origem na queda da taxa de juros.”

     

    A auditoria transformada em circo, como uma CPI

    A dificuldade de se apurar eventuais desvios do passado mais distante, o interesse de parte influente da sociedade em juros altos e o fraco apoio político da presidenta levam-me a concluir que existe grande chance da auditoria da dívida se revelar um palanque, como as CPIs, por onde desfilam todos os que querem fazer sangrar a presidenta, com todo o eco garantido pelos meios tradicionais de comunicação.

    Há uma infinidade de temas na dívida pública que eu adoraria ver com toda a claridade, sob a luz do Sol. Não há, no entanto, qualquer garantia de que uma auditoria da dívida, nesse momento, chegará a resultados minimamente confiáveis. Há, sim, muitos interesses que contrariados minarão o parco apoio político da presidenta. Está em curso um golpe para depô-la. Por essas razões, não sou favorável à auditoria proposta. Fosse Dilma, eu também a vetaria. Com tristeza.