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  • “É importante mostrar às pessoas trans que um dia é você quem pode estar aí” diz primeira apresentadora transgênero da Bolívia

    “É importante mostrar às pessoas trans que um dia é você quem pode estar aí” diz primeira apresentadora transgênero da Bolívia

    Por Maycon Esquer

    Aos 26 anos, Leonie Dorado acaba de entrar para a história da televisão em seu país como a primeira apresentadora de notícias transgênero da história televisiva da Bolívia. Mas a conquista pessoal também é histórica  na comunidade LGBTIA+ da Bolívia, onde ser trans e ao mesmo tempo ocupar espaços de trabalho, principalmente com tamanha visibilidade nacional, pode soar como uma realidade inalcançável. “É importante mostrar às pessoas trans que um dia é você quem pode estar aí”, afirma Leonie Dorado.

    O acontecimento, histórico, foi fortemente comemorado pela comunidade LGBT do país latino-americano, assim como da América do Sul, e representa um passo importante para um horizonte de inclusão trabalhista da comunidade trans boliviana. “Foi uma felicidade muito grande, estar à frente de um noticiário é uma responsabilidade jornalística muito grande”, conta Leonie.

    Não é a primeira vez que Leonie se torna a primeira mulher trans a ocupar espaços na sociedade boliviana. Antes de entrar para a história da televisão boliviana esse ano, em 2019, a ativista, que também é musicista, entrava para a história da música do seu país ao se apresentar no “Festival Internacional Festi Jazz”, evento que acontece todos os anos desde 1987.

    “Concentrado na cidade de La Paz, o festival de jazz recebe gente do mundo todo, inclusive artistas do Brasil. Eu resolvi encarar esse desafio ano passado e consegui”, relata Leonie relembrando o esforço e a disciplina que teve. “Eu penso que foi tudo atitude. Levei quase seis meses para me preparar para esse festival e no final deu tudo certo”, declara orgulhosa.

    Leonie Dorado nasceu em La Paz, capital administrativa da Bolívia. Estudou música clássica desde os seis anos de idade no Conservatório Nacional de Música, onde aos 18 anos também estudou licenciatura em Música. Aos 21 anos decidiu estudar Comunicação Social em Buenos Aires, Argentina. Em 2015, depois de concluir a graduação no exterior, Leonie decidiu regressar à Bolívia e iniciar sua transição de gênero. Ao mesmo tempo, começou a se dedicar a outras coisas.  

    Apesar da formação, Leonie conta que é essa a primeira vez que exerce a profissão de jornalista e que sua entrada nos meios de comunicação surge exatamente como um projeto da Abya Yala Televisión, canal boliviano de alcance nacional operando desde 2012, que atualmente tem apostado na “construção e difusão dos direitos individuais e coletivos que fortalecem o respeito à diversidade e inclusão social”.

     Assim como qualquer apresentadora de noticiários do seu país, em Ahora Bolívia, programa em que ela é âncora na Abya Yala Televisión, Leonie trata de temas nacionais e internacionais desde a cidade de La Paz, a segunda cidade mais populosa do Estado Plurinacional da Bolívia. “Abya Yala está mostrando uma pessoa trans não mais de um ângulo físico, como se fossemos um experimento humano, mas sim nos mostrando em um espaço social comum, como é o espaço na televisão”, explica Leonie.

    “Eu tive apenas um mês de preparação para estar à frente de um noticiário”, comenta Leonie ao relatar o desafio ancorar o “Ahora Bolívia”, em um projeto que surgiu em plena pandemia. “No começo, eu estava muito nervosa mas agora, que é o segundo mês que estou nos meios de comunicação, já percebo um grande avanço. As pessoas que me sintonizam hoje em dia podem ver esse crescimento que venho tendo no meu desenvolvimento jornalístico”, declara.

    FOTO:  Arquivo Pessoal

    Puro Ativismo

    A jornalista conta que o que a motivou a fazer parte da iniciativa da Abya Yala Televisión foi, principalmente, ver a “situação lamentável” das pessoas trans em seu país.

    “Mundialmente, as ONGs e outras organizações que zelam pelos direitos humanos da comunidade LGBTIA+ têm hoje em dia uma preocupação especial com transgêneros, porque são as pessoas que mais enfrentam discriminação dentro e fora da comunidade”, revela Leonie.  

    A jovem tem rompido barreiras no seu país ao mostrar, com o cargo que ocupa em uma cadeia de televisão nacional, uma pessoa trans exercendo uma “profissão comum” em um “espaço comum”. “Mostrar uma pessoa trans exercendo uma profissão comum,  como uma jornalista, advogada, veterinária, ou engenheira, é muito importante”declara Leonie ao argumentar sobre o significado da sua conquista para a comunidade trans.

    Coletivo LGBTIA+ na Bolívia

    Em termos legais, nos últimos anos a Bolívia teve avanços quanto à garantia de direitos à comunidade LGBTIA+. O artigo 5º da Lei Contra o Racismo e Todas as Formas de Discriminação – Lei Nº 45 de 2010 – proíbe a discriminação por motivos de orientação sexual e de identidade de gênero e o artigo 281º do Código Penal do país – modificado pela Lei Nº 45 – tipifica como delito qualquer ato de discriminação baseado na orientação sexual e/ou identidade de gênero. A promulgação da Lei Nº 807, em 2016, também estabeleceu a criação do procedimento para a troca do nome próprio e permitiu a utilização de nome social à comunidade transexual e transgênera do país. Porém, o coletivo LGBTIA+, especialmente a comunidade trans, à qual Leonie é parte, segue tendo tropeços.

    “A Bolívia é um país onde temos muitas leis aprovadas, como a Lei de Identidade de Gênero e agora há pouco também se aprovou uma lei que permite a pessoas do mesmo sexo casar-se legalmente em um matrimônio civil”, esclarece Leonie. “Mas como em qualquer outro país, no geral podemos falar de América Latina, a comunidade trans segue tropeçando, não consegue ter acesso a fontes trabalhistas, não pode formar uma família, não pode adotar”.

    Trabalhar na pandemia

    Com mais de 80 mil casos de coronavírus e mais de 3000 mortes, a Bolívia atualmente enfrenta um caos desencadeado não apenas pela pandemia mas também pela ebulição política que aconteceu junto com o final de 2019. Entre outubro e novembro do ano passado, os bolivianos foram espectadores de um turbulento processo que envolveu a deposição e fuga de Evo Morales Ayma – presidente eleito pelo partido “Movimento ao Socialismo” – para o México, e posteriormente para a Argentina, onde atualmente se encontra exilado, e a posse de Jeanine Añez – atual presidente interina do país andino do partido liberal-conservador Movimento Democrático Social .

    O conflito ainda é lido de duas maneiras pela população boliviana cada vez mais polarizada. Parte dos bolivianos acredita na narrativa de que o caso se resume à fuga de um líder populista por ter fraudado as eleições. Para outra parte, no entanto, houve um golpe de estado movido por forças políticas das classes médias urbanas e da direita do país, que não conseguiu se eleger em nenhuma das últimas eleições presidenciais. 

    Os efeitos da pandemia do novo coronavírus na Bolívia, então, se cruzam não apenas com a carência hospitalar mas também com o cenário dramático da política atual. “Eu penso que se tivesse feito isso em uma época que não tivéssemos que viver essa pandemia, de todas as formas teria sido complicado, mas agora é duas vezes mais complicado”, explica a apresentadora sobre como tem sido o seu trabalho. “Na Abya Yala temos protocolos de biossegurança muito rigidos. Quando apresento o jornal, meu companheiro está a quase dois metros de mim”.

    Bastidores do noticiário | FOTO: Arquivo Pessoal

    Manifesto à comunidade trans

    Outra bandeira do ativismo de Leonie, além da garantia de direitos básicos à comunidade LGBTIA+, é a luta pela conscientização dos riscos de tratamentos invasivos na população trans durante o período de transição. A ativista intitula como “O Surgimento da Nova Ideologia Pós-Moderna” a corrente que defende que a comunidade trans “não desperdice anos de vida lutando contra seus próprios corpos”, não se submetendo a cirurgias plásticas invasivas ou ao uso indiscriminado de hormônios. 

    “Existem problemas de trans-feminicídio, sim, claro que existem. As pessoas ainda matam outras simplesmente por serem trans”, afirma Leonie, que durante a transição não fez uso de hormônios e nem se submeteu a operações plásticas. “Mas o que eu quero esclarecer é que outra grande porcentagem de morte de pessoas trans são os tratamentos invasivos, e não estamos falando de deformações corporais, estamos falando de tumores cancerígenos, problemas graves”, insiste.

    Enquanto ocupa o seu espaço no país latino-americano e tradicionalmente conservador, Leonie amplia a sua voz para abrir caminhos para que a comunidade trans do seu país também possa reivindicar o seu espaço na sociedade.

    “Pelo simples fato de você ser um ser humano, você já tem direitos trabalhistas, independente do gênero”, diz Leonie. “A sociedade sempre escondeu as pessoas trans, não só nessa época. Mas as pessoas trans podem e merecem ocupar espaço na sociedade e por isso temos que ir abarcando esses espaços”.Leonie Dorado sentencia: “Não é fácil! As coisas não vão ser cor de rosa do dia para a noite. No nosso caso, sempre temos que nos esforçar duas vezes mais para que nossos frutos sejam reconhecidos, por isso é muito importante não desistir e seguir adiante”. Um  exemplo disso é a sua própria história, que neste momento renova as esperanças de inclusão social e representatividade da comunidade trans da Bolívia.

  • Uberlândia festeja diversidade com Exu do Blues, Duda Beat, política e cultura

    Uberlândia festeja diversidade com Exu do Blues, Duda Beat, política e cultura

    A sexta edição do maior festival de música, arte e cultura independente do interior de Minas Gerais já tem data marcada. De 13 a 15 de setembro, Uberlândia será palco de uma grande celebração da cultura e do amor. Com o tema “Só o amor nos completa”, o Festival Timbre aposta na resistência e faz ecoar vozes sobre justiça e igualdade para fortalecer a cena cultural no Triângulo Mineiro.

    Todo ano, o Festival Timbre traz mensagens fortes, apostando na politização. Dandara Tonantzin é a feminista, negra e ativista que comanda o palco há três edições: “Sempre casamos a apresentação das bandas com recados importantes. Ano passado, antes de chamar o Baiana System, falamos do extermínio da juventude negra; antes de chamar a Elza Soares, fizemos uma grande intervenção perguntando ‘quem mandou matar a Marielle?’. Já virou uma marca do festival”.

    Na quinta-feira (12), o público pode começar a se aquecer no esquenta do Festival com o Granja na Rua, evento aberto e gratuito na praça principal do bairro Granja Marileusa. A banda brasiliense O Tarot está confirmada para esse dia.

    Nos dois primeiros dias, o evento ocorre no interior e exterior do Teatro Municipal, cartão postal da cidade arquitetado por Oscar Niemeyer. Na sexta-feira (13), a 6ª edição do Festival Timbre traz apresentações acústicas e mais intimistas. Em dueto inédito, Bemti mostra seu talento ao lado da veterana Roberta Campos. O trio Tuyo, destaque em diversos festivais nacionais e internacionais, convida Lucas Silveira (vocalista da banda Fresno) para relembrar grandes sucessos e, assim, encerrar o primeiro dia de evento.

    No sábado (14), o festival mostra toda sua força! Serão Palcos Simultâneos, Feira Gastronômica, Stands Expositores, Palco Eletrônico e várias opções de interatividade para o público apreciar. Um dos shows mais esperados do festival é de Baco do Exu do Blues. Entre os destaques do segundo dia também estão Anavitória, dueto musical que se tornou ícone da nova geração e fez sua primeira apresentação em festival na edição de 2016 do Festival Timbre. Atração também confirmada, Duda Beat vem mostrar sua sofrência pop que a elevou à condição de revelação de 2018. Neste dia, DeadFish apresenta no festival o novo álbum de carreira, Ponto Cego. O projeto “Os Amantes”, fruto do edital Natura Musical, terá seu show de estreia no Brasil, protagonizado por Jaloo e Strobo.

    Artistas regionais e em início de carreira, também estão confirmados, valorizando a música independente. “Esse talvez seja um dos principais objetivos do festival: valorizar artistas novos, artistas da região. Não faz sentido nenhum trazer só artistas nacionais, os artistas locais precisam ter esse espaço de trabalho, essa mídia. Essa é uma das premissas do festival”, comenta Gabriel Caixeta, organizador do evento.

    O projeto Arte na Praça encerra o festival no domingo (15), na Praça Sérgio Pacheco. Shows e exposições ocupam uma das praças mais antigas da cidade. A entrada para esse dia é gratuita e é um dos poucos eventos culturais da região que democratiza o acesso do público a diversas manifestações artísticas. As atrações confirmadas para esse dia são Natania Borges, Cinema Invisível, Duda in the Sky, Joe Silhueta, Luisa e os Alquimistas, Castello Branco e Coletivo Bait.

    Arte na Praça é um evento realizado há 17 anos pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU) através da Pró-reitoria de Extensão e Cultura (Proexc) e Diretoria de Cultura (Dicult). A parceria entre o festival e a UFU acontece desde a primeira edição do Festival Timbre, em 2012.

    SERVIÇO:
    Quinta – Granja na Rua – 17:00
    Discotecagem: Lu de Laurentiz (MG)
    Fernanda Vital (MG)
    O Tarot (DF)

    Sexta – Teatro (interno) – 19:30
    Bemti + Roberta Campos (MG)
    Tuyo (PR) + Lucas Fresno (RS)

    Sábado – Teatro (externo) – 14:00
    Vaine (MG)
    Arthur Xará (MG)
    Black Pantera (MG)
    DeadFish (ES)
    Os Amantes com Jaloo + Strobo (PA)
    ANAVITORIA (TO)
    Duda Beat (PE)
    Baco Exu do Blues (BA) + DKVPZ (SP)

    PALCO ELETRÔNICO BELGRANO
    Felipe Cunha | Felipe Flores | Gabi Esteves | Laissy Alves | Marcel Drigo | Maurício Alves | Paloma Ferreira

    Domingo – Arte na Praça – 14:00
    Discotecagem: Coletivo BAIT (MG)
    Cinema Invisível (MG)
    Natânia Borges e Azenza (MG)
    Duda In The Sky (MG)
    Joe Silhueta (DF)
    Luisa e os Alquimistas (RN)
    Castello Branco (RJ)

     

    Por: Diego Aguirre, especial para os Jornalistas Livres

  • Cuiabá recebe 16ª edição da Parada diversidade LGBT

    Cuiabá recebe 16ª edição da Parada diversidade LGBT

    No último sábado (22), a 16ª Parada da Diversidade LGBT de Cuiabá coloriu as ruas do centro da capital matogrossense. O evento que acontece todos os anos, e percorre algumas das principais avenidas da cidade. O início da concentração aconteceu por volta das 14h na Praça Ipiranga, e desceu até a Orla do Porto. O evento contou com o apoio da Polícia Militar para garantir a segurança dos participantes e, como já é habitual, foi organizado pela Livre-Mente: Conscientização e Direitos Humanos.

    Foto: Francisco Alves

    Estamos em pleno período eleitoral. As eleições são já no próximo mês. Assim, o tema escolhido para este ano foi o “Viver é um ato político: nosso voto, nossa voz.” O que se pretendia, durante o evento, foi que os políticos de Mato Grosso se comprometam com a causa. Foi definido que todos os candidatos poderiam participar do evento. Além desse aspecto, foi permitida a distribuição de material de campanha, tanto na concentração, como na dispersão. Candidatos tiveram fala durante o evento os que somente assinaram um “Termo de Compromisso” com a entidade organizadora, para que quando eleitos, a comunidade LGBT possa ter um político a quem recorrer na busca de suas questões.

    O maior Ato Político e Cultural LGBT do Estado de Mato Grosso (MT) teve como objectivo dizer “sim – que estamos presente, que somos seres políticos com voz e voto e que merecemos melhorias na saúde, educação, segurança e políticas públicas, pois estarmos vivos diante tantas LGBTfobia é um ato político.”

    Foto: Francisco Alves

    Na ordem dia esteve também a frontal oposição da comunidade LGBT ao candidato à presidência da república pelo PSL. Um dos organizadores, Josi Marconi, lembrou da importância de se posicionar contra o candidato Jair Bolsonaro. “Ele nunca, ele não, ele jamais. Um homem que diz que filhos gays precisam levar porrada, além de ter um discurso de ódio, não tem educação. Ele é um homem que faz apologia ao ódio, e isso para as mães são coisas muito dolorosas”.

    Foto: Francisco Alves

    O número de participantes tem crescido de ano para ano. Ao todo, 26 voluntários atuaram nas mais diversas áreas da organização do evento, como, por exemplo, segurança e logística. Outro factor particular deste evento foram as altas temperaturas, da ordem dos 38 graus e umidade muito baixa, sob os quais o participantes estiveram sujeitos.

    Foto: Francisco Alves

    O desfile terminou já de noite junto ao rio Cuiabá com Intervenções e shows e outras atrações culturais que incluíram performances, desfiles, entre outros.
    16ª edição da Parada diversidade LGBT de Cuiabá é organizada por Livre-Mente: Conscientização e Direitos Humanos Acesse a página do grupo em https://www.facebook.com/grupolivremente/

    Por: Livre-Mente: Conscientização e Direitos Humanos com fotos de Francisco Alves

  • UM TREM PARA AS ESTRELAS, OS ÚLTIMOS HOMENS DA TERRA

    UM TREM PARA AS ESTRELAS, OS ÚLTIMOS HOMENS DA TERRA

    São nove horas da manhã, corro o olhar para não desistir.

    Todo dia é dia de índio, me atropela a ciência em manhã na metrópole. De súbito cruzo gente nativa na via, cortando meu asfalto, minhas faixas. Gente isolada, de recente contato, de repente na rua da cidade.

    Faz silêncio no trânsito, os homens não sabem, mas sozinhos no mundo os Piripkura andam, extinção de um rumo,  caminham entre tantas pernas. Querem a vida, ainda.

    Nem tanto drama, mas uma opção pela vida deslocar os últimos homens de um povo a maior cidade, metrópole antropofágica.  Coisa daqueles que trazem coragem, refúgio ou atitude. Era Tamadua e Baitá, a irmandade em tão frágil aliança, tão infinito remordimento, tão preponderante cuidado nesse momento; pura convicção nos zelos com a vida entre médicos resolutos.

    A problemática dos impactos socioambientais negativos para os Piripkura emerge oficialmente como questão a ser tratada pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI) em 1984, a partir de estudos iniciados pela Operação Amazônia Nativa (OPAN), mas desde 1890 há relatos de conflitos entre os Kawahíwa e não-índios. As informações coligidas nessas referências permitem dizer que os massacres sofridos pelos Piripkura contribuíram fortemente para desestruturar sua organização social e os levaram a estabelecer contato com pessoas vinculadas aos empreendimentos agropecuários instalados no interior de seu território tradicional a partir da década de 1970. Na atualidade, a Frente de Proteção Etnoambiental Madeirinha-Juruena (FPE-MJ) tem confirmada a existência de três sobreviventes, sendo uma mulher (Rita Piripkura) e dois homens (Tikum e Monde’i). Rita vive fora de seu território tradicional desde 1980, mas os outros, com os quais a FPE-MJ fez contato pela primeira vez, em maio de 1989, ainda vivem na TI-PRK, arredios ao contato com a sociedade envolvente.     –  Uso de recursos naturais pelos Índios Piripkura no Noroeste de Mato Grosso: uma análise do Conhecimento Ecológico Tradicional no contexto da política expansionista do Brasil na Amazônia Meridional – Tarcísio da Silva Santos Júnior, Jair Catabriga Candor, Ana Suely Arruda Câmara Cabral.

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

    http://periodicos.unb.br/index.php/ling/article/view/26663/18868

     

     

    O Hospital São Paulo, hospital universitário da Escola Paulista de Medicina, da Universidade Federal de São Paulo EPM/UNIFESP, recebe pacientes indígenas desde a década de 1960, quando tiveram início as atividades do Projeto Xingu, programa de extensão universitária, na Terra Indígena do Xingu/MT.

     

    Assim como chegaram, partiram, mais fortes, levando mais vida, enganando o tempo, a multidão, fugindo de nós nos matos de suas almas, terra longe, longe, o corpo que se vai.

    A curva de um rio, um túnel de luz na cabeça, um breve olhar na grande aldeia dos brasileiros.

    Chama sem pavio, luz sem lâmpada, um trem para estrelas. Lá se vai mais um dia.

     

     

     

     

    *imagens por Helio Carlos de Mello – ©Acervo Projeto Xingu / EPM-UNIFESP.

    https://oglobo.globo.com/sociedade/o-drama-dos-dois-ultimos-indios-de-povo-amazonico-num-hospital-em-sao-paulo-23068092?utm_source=Facebook&utm_medium=Social&utm_campaign=O%20Globo

  • As últimas palavras de Marina Garlen

    As últimas palavras de Marina Garlen

    “É um dia importante pra nós. Fico muito feliz quando estou em um local onde as pessoas se interessam pelo assunto, que nos entrevistam, que registram os nossos momentos, e não só o de discussão política, mas também o cultural. E que não fique apenas ali, que isso vá se expandir para que a sociedade veja o nosso dom, veja de que nós somos capazes, e que temos os mesmos direitos , e que nós temos capacidade de sermos inseridas e estarmos dentro da sociedade”, declarou Marina sobre o Dia da Visibilidade Trans.

    Eu tive a honra de registrar suas palavras e algumas imagens um dia antes da trágica morte por embolia pulmonar e parada respiratória da artista e ativista baiana Marina Garlen na madrugada do domingo, 31 de janeiro, em São Paulo. Ela estava na cidade desde o dia 25 representando a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA) por ocasião das atividades em comemoração do dia 29, o Dia da Visibilidade Trans. A Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Cidadania, que estava patrocinando as atividades da rede ANTRA, arcará com o translado do corpo para a sua cidade natal.

    JL -Marina Garlen e Aline Marques

    Expulsa de casa aos 16 anos, Marina acabou indo “atrás do sonho” na Europa, onde viveu por 17 anos como profissional do sexo, o que lhe possibilitou várias conquistas, como a compra da casa própria. De volta para o Brasil, a baiana atuava como cabeleireira, maquiadora e fazendo shows em casas noturnas, trabalho que já realizava há 35 anos. Depois da entrevista, eu tive a fortuita oportunidade de ver sua última performance dublando uma música antiga da cantora Vanusa, e entendi porque sua poderosa e fascinante presença de palco lhe renderam um troféu e o título de Diva Trans em 2011.

    A presidente do Fórum Municipal de Travestis e Transexuais Nicolle Mahier contou que esteve com Marina no dia 28, e que ela comentou que tomou chuva no dia 25. Se sentia gripada e sentia febril. No dia 29, antes de fazer o show, Marina havia dito que ainda se sentia um pouco fraca, mas já estava melhor. No dia seguinte, ela ligou para Nicolle pedindo que o marido dela, que é taxista, a levasse do hotel onde estava para a casa de um amigo por conta de fortes dores no peito. Ainda comentou que não iria na Marcha pela Paz, realizada naquele dia pela ONG Cais, porque se sentia muito fraca e preferia ficar descansando.

    Marina ainda marcou horário para que o taxista a buscasse para levá-­la ao aeroporto. Um pouco antes do horário marcado Nicolle mandou algumas mensagens, mas Marina não respondeu. Algumas horas depois, toda a comunidade de travestis, mulheres transexuais e homens trans de São Paulo e do Brasil, ficou sabendo da perda de uma das suas mais aguerridas guerreiras.

    Marina foi conduzida ao hospital da Barra Funda. Segundo Nicolle, a médica que a socorreu informou para algumas pessoas que foram até o local que “ela estava com uma mancha preta no pulmão, mas como ainda não foi feita a necrópsia, não se sabe se foi o silicone industrial (que era usado antigamente pelas travestis para tornear seus corpos) que vazou para o pulmão… mas, até o momento, isto é apenas hipótese.”

    Confira o áudio com a última entrevista da artista:

    JL -Marina Garlen 6

    “Eu me chamo Marina Garlen, tenho 49 anos de idade e sou ativista da causa LGBT. Fiz parte do Comitê de Cultura LGBT da Presidência da República, do Ministério da Cultura. Sou estudante, sou de Salvador, e eu fui convidada para estar aqui representando a ANTRA (Associação Nacional de Travestis e Transexuais) para fazer parte das atividades da Visibilidade Trans que em todo Brasil está sendo comemorada este ano.

    Eu tenho certeza que assim como existe o Dia do Orgulho Gay, assim como existe a Visibilidade Lésbica, a Visibilidade Trans é uma maneira que nós temos de mostrar para a sociedade, para os políticos, para as pessoas que nós existimos, e que nós precisamos de Direitos. É um momento para mostramos também os dotes que nós temos, e não é só o de trabalhar apenas em salão de beleza, não! 

    Vamos deixar a prostituição seja uma questão de opção, e não de necessidade. Está na hora da sociedade entender que nós somos capazes, que nós estudamos. Existem muitas travestis e transexuais amigas da ANTRA que são professoras, outras são advogadas, assistentes sociais etc. Eu fui convidada no ano passado pela Fernanda de Morais para participar deste evento aqui, em São Paulo. Essa é a primeira vez que eu participo do evento.

    Acho que nem teria necessidade de ter visibilidade trans, mas apesar de vivermos em um país democrático, a sociedade brasileira é arrogante, preconceituosa e machista. Por isso é importante gritar. Gritar para que as pessoas nos ouçam, vejam que nós estamos aqui. Somos artistas, somos prostitutas, somos jornalistas, somos professoras, somos médicas. A única coisa que nos falta é oportunidade.

    Que as pessoas abram as sua mentes, que os empresários, os diretores de teatro, os donos das grandes empresas comecem a abrir espaço para que nós possamos ser inseridas no mercado de trabalho, nas escolas, porque sem educação, infelizmente, não é possível avançar. Hoje [Dia da Visibilidade Trans] é um dia importante para nós.

    Espero que a sociedade veja o nosso dom, veja de que nós somos capazes, e que temos direitos, e também capacidade de sermos inseridas e estarmos dentro da sociedade participando.

    Uma vez que pagamos os nossos impostos como qualquer cidadão – e nós temos esse dever – creio que os direitos também devem ser iguais. É muito importante essa visibilidade, pois esta é a maneira que temos de dizer para as pessoas que não somos marginais, que não somos bichos de sete cabeças. É uma maneira de abrir portas, de conscientizar as pessoas para que elas nos enxerguem como pessoas e cidadãs de fato.”

    JL -Marina Garlen e Aline Marques 2

  • Diversidade presente nas ocupações

    Diversidade presente nas ocupações

     

    Sexta-feira, 22 de maio: uma vez mais, acompanhamos o MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) em uma ocupação de terra, desta vez em Mauá, cidade região do ABC, na Grande São Paulo. Eram aproximadamente 350 pessoas em busca de seu sonho da casa própria. Cinco ônibus e 12 carros, em comboio, seguiram em direção a um terreno de 300 mil metros quadrados localizado no Jardim Oratório.

    Foto: Mídia NINJA

    No local, a sensação era de alegria e satisfação, ao vermos tantas pessoas lutando por uma moradia digna — mesmo que para isso precisassem dormir dentro de um barraco feito de lona e bambu. Ao andar pelas barracas, encontramos um grupo de LGBT, tod@s felizes às 4 horas da manhã e sob um frio de congelar ossos.

    Rakelin Delivery, uma mulher cativante de sorriso aberto, conta que conheceu o movimento no coletivo Dandara, de Hortolândia (SP), cidade próxima a Campinas. Naquele momento, resolveu lutar pela casa própria. Já conseguiu o auxílio aluguel no Pinheirinho do ABC, em Santo André, mas estava acordada naquela madrugada para apoiar seus companheiros em luta.

    Foto: Felipe Paiva / R.U.A Foto Coletivo

    Ela conta que veio da Bahia, morou na casa de amigos, sentia-se reprimida, mas, através do MTST, agora se sente feliz e integrada à sociedade. “Quando você mora de favor, você dorme a hora que o dono da casa quer, come o que querem que você coma. Hoje na minha ocupação tenho minha casinha”, diz, quando perguntamos como é ser trans dentro da ocupação?

    São cerca de quinze pessoas as assumidas LGBT na ocupação. Elas se colocam como base. Estão lá para ajudar @s companheir@s que lutam por suas casas, para que el@s não desistam. Estão lá para ajudar as meninas a se arrumarem.

    Raquilane Rios, cabeleireira, 27 anos, avalia que dentro do movimento não existe nenhum preconceito contra elas. “O movimento abre um leque muito grande de oportunidade de sermos gente”.

    Nas ocupações do MTST participam muitos travestis, homossexuais, lésbicas e gays “que, por não ter uma moradia digna, precisam morar nas casas de pessoas de favor, precisam pagar cafetinas e diárias, mas o MTST em si têm nos dado essa oportunidade de termos uma moradia digna, uma moradia própria”, avalia Raquilane.

    Foto: Mídia NINJA

    Ela explica que as travestis passam por uma espécie de “preconceito de moradia”. Para alugar uma casa, a dificuldade é enorme: “O dono quer saber da sua vida inteira, da sua ficha de nascimento até morrer. Mas o MTST, não! Nós chegamos eles nos dão nosso espaço, dizem para montarmos o nosso barraco, nos dão um apoio legal, nos ajudam, nos incentivam a ser gente, a entrar na sociedade. Hoje eu sou gente de verdade como qualquer outra pessoa”.

    A alegria entre tod@s ali é contagiante. Daniela é drag queen, trabalha como cabeleireira, cresceu dentro da ocupação. Diz que nunca sentiu nenhum tipo de preconceito dentro do movimento e que já teve oportunidade de fazer um evento de drags dentro da ocupação. Mostra fotos suas como mulher. Digo a ela que preciso aprender a me maquiar, afinal sou uma negação.

    Nisso chega Ana Caroline, 24 anos, sua esposa. “Dentro do acampamento é mais fácil do que na sociedade, eles me aceitam como eu sou, no MTST não tem preconceito nenhum”, diz. Ana faz parte do movimento há mais de 3 anos e já conseguiu sua moradia. Nessa noite, estava acompanhando a família e apoiando os companheiros.

    Junt@s estavam construindo um barraco que iria abrigar a tod@s. El@s conversam conosco felizes, posam para nossas fotos entusiasmad@s. É lindo quando nos falam que estão à disposição do movimento, estão lá para lutar, que podem chegar a algum lugar, pois o MTST não @s deixa de lado, e que a sociedade pode não aceitar a sua orientação sexual, mas que precisam aceitá-l@s como gente.

    Fiquei mais apaixonada pela luta do MTST, pelo comprometimento com a sociedade. A luta é por uma moradia digna para tod@s, sejam homens, mulheres, lésbicas, homossexuais, trans, crianças, idosos. A diversidade está presente e é aceita nas ocupações como teria de ser em qualquer lugar.