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  • Assassinato de Vladimir Herzog por agentes da ditadura completa 45 anos

    Assassinato de Vladimir Herzog por agentes da ditadura completa 45 anos

    Após quatro décadas de luta, familiares ainda esperam respostas do Estado brasileiro e justiça pela tortura e morte do jornalista

    Vladimir Herzog

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    Caso Herzog. Nesse domingo, 25 de outubro, o assassinato do jornalista e intelectual Vladimir Herzog por agentes da ditadura militar completa 45 anos. Após quatro décadas de sua morte, o legado de Herzog segue presente em todas as ações do Instituto Vladimir Herzog (IVH), criado para manter viva sua memória e para honrar os valores que defendeu em sua trajetória pessoal e profissional. No entanto, o IVH e os familiares do jornalista ainda esperam respostas do Estado brasileiro e que se faça justiça pela tortura e morte do jornalista.

    O Judiciário brasileiro tem, sistemática e continuamente, violado o direito à justiça das vítimas da ditadura militar, incluindo o dever de investigar, processar e sancionar os responsáveis pelos crimes imprescritíveis contra a humanidade como os que foram perpetrados contra Vladimir Herzog.

    Retrospectiva do Caso

    Em 5 de março de 2018, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) proferiu uma sentença internacional em que determinou que os crimes cometidos pela ditadura militar brasileira foram crimes contra humanidade.

    Vladimir Herzog

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    A versão de suicídio dada pela Justiça Militar foi caracterizada pela CIDH como fraudulenta. A sentença responsabilizou internacionalmente o Estado brasileiro pela falta de investigação e ausência de verdade sobre os crimes praticados contra Herzog, e determinou que o Estado brasileiro inicie com a devida  diligência, a investigação e o processo penal cabíveis para identificar, processar e, caso seja pertinente, punir os responsáveis pela tortura e morte de Vladimir Herzog.

    Nessa perspectiva, a Corte considerou que, frente ao contexto da época da tortura e assassinato de Herzog, essas práticas eram utilizadas pelo Estado brasileiro como uma forma sistemática de coerção e controle social pelo medo, sobretudo em relação à oposição política ao regime militar que governava o país.

    Dessa forma, tendo em vista esses elementos contextuais, a gravidade das violações e o envolvimento direto de agentes estatais, a Corte entendeu por considerar os crimes cometidos contra Vladimir Herzog como crimes contra a humanidade, tal qual o fez em outros casos.

    Vladimir Herzog

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    Em 17 de março de 2020, obedecendo à determinação da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) de 2018, o Ministério Público Federal ofereceu denúncia contra 6 militares responsáveis pelo assassinato do jornalista Vladimir Herzog, ocorrido em 1975.

    O juiz federal Alessandro Diaferia, da 1.ª Vara Criminal Federal de São Paulo, rejeitou a denúncia no dia 5 de maio, citando a Lei da Anistia, que marcou um processo incompleto de transição democrática ao conceder anistia para “crimes políticos ou conexos com esses” cometidos entre 02/09/1961 e 15/08/1979.

    Segundo o juiz, sua decisão não visa “acobertar atos terríveis” ocorridos durante a ditadura militar brasileira, mas “pontuar que a pacificação social se dá, por vezes, a duras penas, nem que para isso haja o custo elevado da sensação de impunidade àqueles que sofreram na própria carne os desmandos da opressão”.

    “Ficamos absolutamente indignados com a resposta do juiz. A Corte IDH entendeu que o crime cometido contra o meu pai e outras pessoas que foram presas e torturadas caracteriza-se como Crime de Lesa-Humanidade, crimes estes que são imprescritíveis e não podem ser perdoados (anistiados). Cabe, portanto, ao Estado Brasileiro investigar as circunstâncias da morte do meu pai e punir os responsáveis. Esperamos que esta decisão possa ser revista”, disse Ivo Herzog, filho do jornalista.

    Não podemos aceitar que, tendo passado quatro décadas de busca por verdade e justiça, a Justiça continue negando a investigação e o processamento dos responsáveis pelos crimes contra a humanidade cometidas contra Vladimir Herzog, ignorando o fato de que decisões da Corte IDH são vinculantes, descumprindo as suas obrigações internacionais em matéria de direitos humanos.

    Vladimir Herzog

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    Instituto Vladimir Herzog

    Trabalhar com a sociedade pelos valores da Democracia, Direitos Humanos e Liberdade de Expressão.

    Democracia
    O Instituto Vladimir Herzog luta pelos valores democráticos: essa missão requer o resgate da nossa História – especialmente da mais recente, ocultada pela ditadura sob sistemática censura – e a sua exposição às novas e às próximas gerações.

    Direitos Humanos
    Almejamos transformar a cultura da sociedade para transformar a própria sociedade. Trabalhamos na formação dos valores do indivíduo, desde os seus primeiros anos de vida, buscando a vivência do respeito à diversidade em todas as dimensões e a consciência de seus direitos e como buscá-los.

    Liberdade de Expressão
    Inspirados na grandeza dos valores de Vlado, não é o medo que nos move, mas a confiança no ser humano e em seu potencial. Por isso, garantir a plena Liberdade de Expressão é uma de nossas missões. Este valor não é um direito garantido. É preciso estar atento para assegurar o diálogo e a tolerância às opiniões diversas na sociedade.

    Para conhecer um pouco mais: https://vladimirherzog.org/o-instituto/

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    Ação-Projeção:

    Sato do Brasil https://www.instagram.com/satodobrasil/

    Casadalapa https://casadalapa.net/

    Condô Cultural https://condo.org.br/

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    Leia também: https://jornalistaslivres.org/instituto-vladimir-herzog-e-oab-denunciam-bolsonaro-na-onu-por-comemoracoes-do-golpe-de-64/

  • Reunião ministerial ou sindicato do crime? A Ditadura camuflada

    Reunião ministerial ou sindicato do crime? A Ditadura camuflada

    Por Humberto Mesquita*

    A reunião ministerial do dia 22 de abril, que veio a lume nesta sexta (22/5), não trouxe novidades sobre o Poderoso Chefão. Tudo o que ele disse ali já faz parte, há muito tempo, do seu repertório. É uma figura problemática que criou e chefia o gabinete do ódio e, todos os dias verbaliza impropérios, que desrespeita as instituições, homenageia torturadores e se sente senhor absoluto da verdade. Com ele tudo se amplia na escuridão das trevas.

    Era uma reunião para discutir o Brasil. Foi uma reunião para destruir o Brasil.

    Ninguém se preocupou com a pandemia. Muito pelo contrário, usou-se o desespero que causa o vírus e o foco da imprensa nesse assunto, para articular todo tipo de arbitrariedades.

    O BolsoCorleone, todos nós já conhecíamos pelo seu passado e pelo seu presente. Mas essa reunião serviu para mostrar toda a gangue, da qual fazia parte também o ministro que foi demitido.

    Aliás, a incompetência de Sérgio Moro se mostrou mais uma vez. Ele quis atingir o seu ex-chefe e lhe deu, como alguém já disse, a melhor peça publicitária. A denúncia do Marreco de Maringá não vai dar em nada, porque ela é vazia, como vazia é a cabeça do seu autor. Ele nunca foi bom de provas e com ajuda da Globo procurou um palco para se projetar. Mas vai morrer no esquecimento –mesmo com a ajuda da emissora que precisa fazer dele um novo mito.

    A bomba de efeito devastador me parece ser o empresário Paulo Marinho, que conhece com detalhes toda a trajetória da família do Bozo, e suas possíveis ligações com a Milícia.

    Reunião ministerial minúscula

    Mas voltemos ao circo de 22 de abril, a reunião que desmascarou o ministério mais minúsculo que eu conheci em toda minha trajetória jornalística.

    Guedes, “o melhor ministro”, segundo o Capo di tutti capi (“chefe de todos os chefes”, em italiano), disse que era a grande oportunidade para vender o Banco do Brasil.

    O cara que cuida da educação metralhou o STF chamando seus membros de “vagabundos que deveriam ser presos”.

    O do Turismo defendeu a abertura de cassinos, quem sabe, em Fernando de Noronha.

    Aquela que viu Cristo num pé de goiabeira disse que iria mandar prender governadores e prefeitos.

    O responsável pelo meio ambiente, foi além dos limites e deu um conselho ao chefão: aproveitar a preocupação da imprensa com o corona, e “vamos passando tudo, aprovando tudo do nosso interesse”. Mudar as regras enquanto a atenção da mídia está voltada para a Covid-19. Na moita, como fazem ladrões de carteirinha.

    O chefe concorda com tudo e no entusiasmo do momento propugna armar o povo, certamente com armas dos seus amigos da Taurus.

    Uma grande palhaçada, concordam os esclarecidos. Mas isso não acrescenta nada, a não ser a nossa certeza de que existe uma enorme corrente no Congresso, no Judiciário, na sociedades civil e no povo em geral que recua ante as agressões diárias que sofre a nossa Democracia.

    E os militares de pijama e alguns outros da ativa estão de olho nessa “boquinha” generosa. Já tem mais de trezentos mamando nas tetas da República.

    E qual é a solução perguntam em voz trêmula os amedrontados brasileiros ? Vamos torcer pelo Joe Biden. De lá do Hemisfério Norte vêm sempre as decisões para golpear ou para destruir as ditaduras no Brasil. Foi assim no passado e continuará sendo agora.

     

    *Humberto Mesquita é jornalista e escritor, repórter e apresentador de debates na TV.

     

    Leia mais de Humberto Mesquita, nos Jornalistas Livres:

    URGENTE: Por uma Frente Ampla para evitar que Bolsonaro nos leve para o abismo

     

  • “O presidente perdeu a condição de governar”, dizem ex-ministros

    “O presidente perdeu a condição de governar”, dizem ex-ministros

    O claro flerte com o fascismo, a exultação da ditadura e as honrarias a assassinos e torturadores, uma constante na vida política de Jair Bolsonaro, finalmente está levando a centro-direita a voltar, ainda que devagar, à luta pela preservação dos Direitos Humanos no Brasil. Enquanto o PSDB tinha interesse na queda, por quaisquer métodos e motivos que fossem, dos governos petistas, a escalada fascista, o negacionismo da ciência e mesmo os crimes da familícia foram sempre minimizados ou mesmo ignorados. Agora que uma pandemia global ceifa, oficialmente, mais de 16 mil vidas de brasileiros, cinco ex-ministros sociais-democratas e um ex-ministro de Lula, todos fundadores e representantes da Comissão Arns de Defesa dos Direitos Humanos, publicaram artigo na Folha de S. Paulo para dizer o óbvio: Bolsonaro não possui as mínimas condições de seguir governando e enquanto ele não for impedido não será possível criar saídas para o genocídio diário e com viés de crescimento até onde a vista alcança. Antes tarde do que mais tarde ainda.

    Veja abaixo a íntegra do documento:

    Hora de falar ao povo, detentor e destinatário dos rumos do país

    Assistimos em 2019 ao desmanche de instituições e estruturas de Estado, em nome de alinhamentos ideológicos e guerras culturais.

    A partir de fevereiro último, com a chegada da pandemia em nosso território, ao grande desmanche somaram-se ataques à ordem constitucional, à democracia, ao Estado de Direito. Não podem ser banalizados, muito menos naturalizados.

    Como alertaram os cientistas, a Covid-19 encontraria no Brasil campo fértil para o seu alastramento: um país-continente com enorme desigualdade social e concentração de renda, sistema de saúde fragilizado por cortes e tetos orçamentários, saneamento básico precário, milhões de brasileiros vivendo em bairros, comunidades e distritos sem infraestrutura, sucateamento da educação pública, desemprego na casa das 13 milhões de pessoas e uma economia estagnada.

    Acrescente-se a esse quadro as características próprias da atual pandemia — um vírus com alta velocidade de transmissão e sintomatologia grave, para o qual ainda não há remédio ou vacina eficazes.

    Talvez não imune ao vírus, mas com toda certeza imune ao sofrimento humano, o presidente da República, Jair Bolsonaro, tem manifestado notória falta de preocupação com os brasileiros, com o risco das aglomerações que estimula, com a volta prematura ao trabalho, com um sistema de saúde que colapsa aos olhos de todos e até com o número de óbitos pela Covid-19, que totalizam, hoje, muitos milhares de casos — sobre os quais, aliás, já se permitiu fazer ironias grosseiras e cruéis.

    Mas a sanha do presidente não para por aí.

    Enquanto o país vive um calvário, Jair Bolsonaro insufla crises entre os Poderes. Baixa atos administrativos para inibir investigações envolvendo a sua família.

    Participa de manifestações pelo fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal. Manipula a opinião pública, e até as Forças Armadas, propagando a ideia de um apoio incondicional dos militares como blindagem para os seus desatinos.

    Enfim, o presidente deixa de governar para se dedicar à exibição diária de sua triste figura, em pantomimas familiares e ensaios golpistas.

    Preocupado com o amanhã e sob o peso do luto, o Brasil precisa contar com um governo que coordene esforços para a superação da crise, começando por ouvir a voz que vem das casas, das pessoas que sofrem, em todas as partes.

    Não há como aceitar um governante que ouve apenas radicais fanáticos, ressentidos e manipuladores, obcecado que está em exercer o poder de forma ilimitada, em regime miliciano-militar que viola as regras democráticas e até mesmo o sentido básico da decência.

    Só resta sublinhar o que já ficou evidente: Jair Bolsonaro perdeu todas as condições para o exercício legítimo da Presidência da República, por sua incapacidade, vocação autoritária e pela ameaça que representa à democracia. Ao semear a intranquilidade, a insegurança, a desinformação e, sobretudo, ao colocar em risco a vida dos brasileiros, seu afastamento do cargo se impõe.

    A Comissão Arns de Defesa dos Direitos Humanos entende que as forças democráticas devem buscar, com urgência, caminhos para que isso se faça dentro do Estado de Direito e em obediência à Constituição.

    José Carlos Dias
    Presidente da Comissão Arns de Defesa dos Direitos Humanos e ex-ministro da Justiça (governo FHC)

    Claudia Costin
    Ex-ministra de Administração e Reforma (governo FHC)

    José Gregori
    Ex-ministro da Justiça (governo FHC)

    Luiz Carlos Bresser-Pereira
    Ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), ministro da Administração e Reforma do Estado e ministro da Ciência e
    Tecnologia (governos FHC)

    Paulo Sérgio Pinheiro
    Ex-ministro da Secretaria de Estado dos Direitos Humanos (governo FHC)

    Paulo Vannuchi
    Ex-ministro de Direitos Humanos (governo Lula).

    Texto original em : https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2020/05/o-presidente-perdeu-a-condicao-de-governar.shtml

  • OS MAUS MILITARES E OS PÉSSIMOS CIVIS

    OS MAUS MILITARES E OS PÉSSIMOS CIVIS

     

    ARTIGO

    Ângela Carrato, jornalista e professora do Departamento de Comunicação Social da UFMG

     

    Sob olhares complacentes de muitos civis, o governo de Jair Bolsonaro (sem partido) vai assumindo, cada dia mais, a sua face militarizada. Como se não bastassem o presidente e seu vice serem militares, são militares também os integrantes da “cozinha” do Palácio do Planalto – Augusto Heleno, Walter Braga Netto e Luiz Eduardo Ramos. Além disso, 2.500 outros ocupantes de cargos no atual governo são militares ou seus parentes.

    Com o pedido de demissão do ministro da Saúde, Nelson Teich, até esse cargo, em plena pandemia de coronavírus, passa a ser exercido, interinamente, por um general, Eduardo Pazuello. Sua missão, ao que parece, será autorizar o uso da controvertida substância cloroquina no tratamento de pacientes com o covid-19, na contramão do que recomendam as autoridades da área de saúde de quase todos os países e a própria Organização Mundial da Saúde (OMS).

    Oficialmente, o Brasil é uma democracia, com as “instituições funcionando”, como fazem questão de dizer civis e militares que apoiam o governo. Em que pese isso não ser a expressão da verdade, pois as instituições não funcionam para todos (o ex-presidente Lula que o diga) a pergunta que deve ser feita é: mantida a situação atual, por quanto tempo mais as instituições ainda funcionarão?

    Apesar de todos os problemas que tem criado para o Brasil e para os brasileiros, Bolsonaro continua contando com o apoio do que se pode definir como “maus militares” e “péssimos civis”, pessoas que não levam em conta os interesses da maioria da população e nem mesmo os chamados interesses nacionais. Vale dizer: os interesses efetivamente brasileiros num mundo em rápida e profunda transformação.
    “Mau militar” era como Ernesto Geisel, penúltimo general a ocupar a presidência da República
    após o golpe de 1964, definia o capitão reformado Bolsonaro. Já “péssimos civis” ou
    “vivandeiras de quartel” foram termos cunhados pela imprensa na década de 1950, para se
    referir aos políticos que viviam pedindo a intervenção militar contra governos legitimamente
    eleitos como os de Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek. Em meados de 1960, a mesma
    denominação foi utilizada para os civis que “clamavam” para que os militares impedissem “a
    comunização do Brasil”, diante das Reformas de Base propostas pelo presidente João Goulart.

    Devidamente repaginadas “as vivandeiras” reapareceram em 2016 e se mantém em plena
    atividade nos dias atuais.

    TINTURA ESCURA

    O governo Geisel (1974-1978) deu início à descompressão política ou, como preferia dizer o seu ministro da Justiça, Petrônio Portela, à “abertura lenta, gradual e segura”. Geisel percebeu que não havia como manter a “panela de pressão” tampada, devido à recessão, à crise econômica internacional, provocada pelo segundo choque do petróleo, e ao desgaste dos próprios militares no poder, incluindo aí fartas acusações de corrupção.

    O início da abertura valeu a Geisel (1907-1996) o adjetivo de “comunista” por parte de seu ministro do Exército, general Sílvio Frota. Frota, aliás, fez uma lista à la marcathismo, onde denunciava a “presença de 100 comunistas no governo”. Geisel, por sua vez, agiu rápido e em uma verdadeira ação de guerra, demitiu Frota, antes que ele pudesse esboçar qualquer reação. Detalhe: o chefe de gabinete do general Frota era um jovem militar de nome Augusto Heleno.
    Geisel pode ser entendido como um dos últimos militares a se preocupar com o
    desenvolvimento autônomo do Brasil, ao elaborar e colocar em prática o II Plano Nacional de Desenvolvimento. Ele instituiu o Programa Nacional do Álcool (Pró-Álcool), de modo a diversificar a nossa matriz energética. Deu início à construção da Usina Hidrelétrica de Itaipu, em parceria com o Paraguai. Assinou acordo com a Bolívia para que ela ofertasse gás ao Brasil e ainda firmou um acordo nuclear com a então Alemanha Ocidental. Era o Brasil assumindo o seu tamanho e a sua importância no mundo e deixando de lado a subserviência aos Estados Unidos.
    Em entrevista concedida aos pesquisadores Maria Celina D’Araújo e Celso de Castro, em 1993,
    publicada em livro pela Fundação Getúlio Vargas, Geisel afirmou que os “militares devem ficar
    fora da política partidária, mas não da política em geral.” Segundo ele, todo político que
    começa a se “exacerbar em suas ambições logo imagina uma revolução a cargo das Forças
    Armadas”. Não por acaso, Geisel é um nome nada querido entre os militares que estão hoje
    no poder.
    Não é por acaso também que os documentos liberados pelo governo dos Estados Unidos
    sobre o período da ditadura no Brasil (1964-1985) apontam apenas ele como tendo sido
    conivente com torturas e repressão política. Convenientemente, esses documentos ignoram o
    mais repressor desse ciclo de generais-presidentes, Emílio Garrastazu Médici.

    Em recente artigo publicado no “Estado de S. Paulo”, diário conservador paulistano, o vice-
    presidente Hamilton Mourão tentou colocar-se como um estadista e sutilmente distanciar-se
    de Bolsonaro. Para alguns, seu artigo, de cunho nitidamente autoritário, pode ser entendido
    como um esboço de programa de governo, para a eventualidade de impeachment de
    Bolsonaro. Mas Mourão não conseguiu nem uma coisa e nem outra. Ele apenas confirmou a
    avaliação de que não há diferença entre os dois, exceto o tom mais escuro da tintura que usa
    nos cabelos.

    RONDON E GÓIS MONTEIRO

    Como oficial de patente inferior, o capitão reformado Bolsonaro não fez o curso de Estado
    Maior das Forças Armadas, na Praia Vermelha, no Rio de Janeiro, chegando no máximo a ser
    um professor de educação física. Talvez isso o tenha levado a votações menos alinhadas com
    os interesses privativistas e estadunidenses nos 27 anos em que esteve na Câmara dos
    Deputados, como integrante do “baixo clero”. Situação que se alterou completamente ao
    chegar ao poder e rodear-se de grupos, seja na política, na economia (que ele diz não entender
    nada) e também em se tratando das relações exteriores, que passaram a se pautar pela
    cartilha do Tio Sam.
    Os militares sempre estiveram presentes na história do Brasil, desde os primórdios da própria
    República (proclamada por eles), passando por movimentos como o Tenentismo, a Coluna
    Prestes, a Revolução de 1930, o golpe de 1964 e a luta armada contra a ditadura militar entre
    1968 e 1974. Diferentemente de agora, amplos setores militares tiveram, ao longo da história,
    grande preocupação com o desenvolvimento econômico e social brasileiro e estiveram à
    frente de importantes projetos e lutas nesse sentido.
    Desses militares, talvez o nome mais conhecido seja o do marechal Cândido Mariano Rondon
    (1865-1958), que se notabilizou como o primeiro presidente do Conselho Nacional de Proteção
    aos Índios e um dos criadores do Parque Nacional do Xingu, ao lado dos irmãos Villas-Boas e
    de Darcy Ribeiro. Em 1956, em sua homenagem, o território de Guaporé passou a denominar-
    se Rondônia. Se estivesse vivo, Rondon estaria indignado com o tratamento que o governo
    Bolsonaro vem dispensando aos índios e com o desmatamento e destruição da floresta
    Amazônica.
    Ainda na primeira metade do século passado, nomes como os do coronel Mário Travassos
    (1891-1973) e o do general Pedro de Góis Monteiro (1880-1956) se destacaram como
    formuladores de importantes medidas para os interesses brasileiros. É de Travassos o livro

    “Projeção Continental do Brasil”, um dos primeiros estudos sobre geopolítica feitos no país.
    Sua maior contribuição, no entanto, foi ter introduzido o conhecimento científico na formação
    de oficiais do Exército brasileiro, capacitando-os a entender os problemas e desafios do país e
    do mundo. Esse tipo de ensino foi suprimido das academias militares depois do golpe de 1964.
    Já o general Góis Monteiro merece ser lembrado pela enorme contribuição que deu para a
    condução da diplomacia e da política externa brasileira, especialmente no que diz respeito às
    críticas ao imperialismo das grandes potências e à necessidade de o Brasil se organizar para
    não ficar a mercê desses interesses. Góis Monteiro antecipou, em décadas, problemas
    atualíssimos, como os graves riscos do governo brasileiro ser subalterno aos Estados Unidos,
    como é o caso de Bolsonaro.
    Durante o período compreendido entre o fim da Segunda Guerra Mundial e o golpe de 1964,
    não havia um pensamento monolítico tanto em termos de formação quanto na visão de
    mundo dos oficiais das Forças Armadas brasileiras, o que possibilitava o debate, muito distante
    da ordem unida que passou a vigorar nas décadas seguintes.

    O PETRÓLEO E O SUBMARINO

    Antes de 1964, ainda estavam presentes as lições desses e de outros grandes militares. Lições
    nas quais certamente se inspirou o marechal Júlio Horta Barbosa (1881-1965), presidente do
    Conselho Nacional do Petróleo, ao assinalar, por exemplo, que “pesquisa, lavra e refinação do
    petróleo constituem as partes de um todo, cuja posse assegura poder econômico e poder
    político”. Horta Barbosa notabilizou-se como um dos principais defensores do monopólio
    estatal do petróleo e um dos expoentes da campanha “O Petróleo é nosso”, uma das maiores
    já realizadas no país. Na época, o Brasil discutia a necessidade de se instituir esse monopólio e
    a criação de uma empresa para o setor, que viria ser a Petrobras.
    Outros generais, como José Pessoa (1885-1959), que comandou a Escola Militar do Realengo,
    tinha posição semelhante no que diz respeito ao desastre que seria para o Brasil entregar aos
    trustes estrangeiros a exploração e o aproveitamento das nossas riquezas minerais. Em
    meados do século passado já era sabido que o Brasil possuía enormes reservas de urânio e
    nióbio, o que gerava a cobiça internacional.
    Por isso, o almirante Álvaro Alberto da Mota e Silva (1889-1976) buscou implementar um
    programa nuclear para o Brasil, no que encontrou fortíssima oposição dos Estados Unidos. A
    título de exemplo, os Estados Unidos propuseram à Organização das Nações Unidas (ONU) o
    Plano Baruch, que previa a internacionalização de minérios radioativos que ficariam sob a

    guarda de um organismo da própria ONU sobre o qual os EUA tinham total ascendência. Como
    representante do Brasil na ONU, Álvaro Alberto conseguiu derrotar a proposta.
    Os esforços de Álvaro Alberto foram retomados recentemente por outro almirante, Othon
    Luiz Pinheiro, que presidiu a estatal Eletronuclear até 2015. Criada como subsidiária da
    Eletrobras, ela tinha, entre suas funções, construir o primeiro submarino nacional movido a
    propulsão nuclear, fundamental para patrulhar a extensa costa brasileira, a “Amazônia azul”,
    como a Marinha define o território marítimo brasileiro, cuja área corresponde à superfície da
    floresta Amazônica. Othon Luiz pagou caro pela “audácia”, ao ser preso e condenado, por
    suposta corrupção, em uma operação desdobramento da Lava Jato.
    O “crime” de Othon Pinheiro, em última instância, teria sido não fazer concorrência e nem ter
    dado a devida publicidade a compras de material para o projeto do submarino nuclear
    brasileiro, que se tornava mais necessário ainda depois da descoberta do pré-sal. No caso,
    cabe a pergunta que a mídia corporativa brasileira não fez: qual país no mundo divulga edital
    de concorrência para a realização de projetos estratégicos ligados à segurança nacional?

    OS CIVIS SEMPRE CONSPIRARAM

    A tradição de políticos, empresários e intelectuais conservadores e liberais baterem às portas dos quartéis é longa no Brasil. Ela se faz presente em governos de cunho popular, sempre tachados de “esquerdistas”. Foi assim que Getúlio Vargas, logo após instituir o monopólio estatal do petróleo e criar a Petrobras, enfrentou uma campanha difamatória de tal porte (o “Mar de lama”) que acabou pondo fim à vida com um tiro no peito. Foi assim também que, em duas oportunidades, antes de tomar posse e próximo ao fim de seu mandato, Juscelino Kubitschek teve que enfrentar o golpismo de militares insuflados por civis da UDN.
    A primeira dessas tentativas aconteceu com a Revolta de Jacareacanga, que estava diretamente ligada às eleições de 1955 ganhas por ele e João Goulart. A dupla, que fazia parte da chapa PSD-PTB, havia vencido os políticos da UDN, à qual se ligava parte dos oficiais da Aeronáutica. Esses oficiais não aceitavam o resultado das eleições e foram contidos pelo então ministro da Guerra, Henrique Teixeira Lott (1894-1984). A Revolta de Jacareacanga durou 19 dias e teve lugar no sul do Pará.
    Já a Revolta de Aragarças, que eclodiu no início de dezembro de 1959, começou a ser articulada dois anos antes. O objetivo era bombardear os Palácios de Laranjeiras e do Catete, no Rio de Janeiro. Alguns de seus integrantes tinham participado de Jacareacanga e o objetivo, como sempre, era afastar do poder “políticos corruptos e comprometidos com o comunismo internacional”.

    Ela contou com a participação de militares da Aeronáutica e do Exército, mas durou apenas 36 horas. Seus líderes, depois de rumarem de avião para a cidade de Aragarças, em Goiás, fugiram para países vizinhos, só retornando ao Brasil no governo de Jânio Quadros.
    Mais uma vez, coube ao general Lott derrotar os golpistas.
    As principais características de Lott eram o legalismo e a profunda convicção democrática.
    Características que incomodavam os militares que participaram do golpe de 1964. Seu enterro,
    em 1984, um ano antes da saída do general João Figueiredo do poder, não teve condecorações
    marciais ou honras de mérito militar, mas contou com a presença de Leonel Brizola, então
    governador do Rio de Janeiro, que decretou luto oficial pela perda de tão importante
    personagem da história brasileira.
    Como comprova René Dreifuss no monumental livro “1964, a conquista do Estado: ação política, poder e golpe de classe”, as “vivandeiras” de quartel nunca deixaram de conspirar com os militares para derrubar governos dos quais discordavam e não conseguiam vencer pelo voto. A UDN, no período compreendido entre 1946 e 1964, não ganhou uma única eleição presidencial. Recentemente, o caso que mais se assemelha é o do PSDB que, igualmente cansado de perder eleições, deu início, através de seu candidato derrotado em 2014, Aécio Neves, ao golpismo que acabou por derrubar Dilma Rousseff.
    Dreifuss relata, com riqueza de detalhes, como se deu a articulação entre civis no pré-1964. Além de baterem às portas dos quartéis, civis como os governadores da Guanabara, Carlos Lacerda, e de Minas Gerais, Magalhães Pinto, esse último também um poderoso banqueiro, mobilizaram dezenas de grandes empresários, ruralistas, donos da mídia e intelectuais com o objetivo de derrubarem Goulart. A articulação contava com o apoio dos Estados Unidos.
    O então maior magnata da mídia brasileira, Assis Chateaubriand, dono dos Diários e Emissoras Associados, abriu todas as baterias de seus jornais, emissoras de rádio, de televisão e da maior revista da época, o Cruzeiro, contra Goulart. Roberto Marinho ainda não possuía televisão, mas garantiu todo o espaço de seu jornal e da rádio Globo para que Carlos Lacerda e quem mais quisesse atacar Goulart.
    Recursos desses empresários e também de Washington financiaram entidades como o
    Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD) e o Instituto Brasileiro de Estudos Políticos
    (IPES). A atuação do IBAD influenciou as eleições para o Congresso Nacional, onde inúmeros
    parlamentares conservadores tiveram suas campanhas bancadas por ele.

    Já o IPES produziu parte do material de propaganda contra Goulart veiculado como notícia em
    jornais, rádios e até no cinema, em um popular informativo semanal que antecedia a exibição
    dos filmes. Nos dias atuais, quem mais se assemelha ao IPES é o Instituto Millenium, um think
    tank sediado no Rio de Janeiro, que se propõe a promover “valores e princípios de uma
    sociedade livre, baseados no direito de propriedade e no livre mercado”.

    DE BRAÇOS DADOS

    Nos 21 anos em que durou o regime militar no Brasil, maus soldados e péssimos civis
    estiveram de braços dados. O economista Roberto Campos, por exemplo, foi o primeiro
    ministro do Planejamento no governo Castelo Branco. Seu alinhamento aos interesses dos
    Estados Unidos era tamanho que seu apelido se tornou “Bob Fields”. No governo Bolsonaro,
    seu neto, que tem o mesmo nome, preside o Banco Central.
    Já o híbrido de militar e político, Juracy Magalhães, foi nomeado também no governo de
    Castelo Branco como embaixador brasileiro nos Estados Unidos. É dele a tristemente célebre
    frase “O que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil”. Frase que antes do chanceler
    terra-planista de Bolsonaro, Ernesto Araújo, fazia corar de vergonha os nossos diplomatas.

    A relação dos péssimos políticos – fisiológicos e integrantes das bancadas do Boi, da Bíblia e da
    Bala – é enorme. Há quatro anos, eles estiveram na linha de frente na ferrenha oposição e na
    derrubada da presidente Dilma Rousseff, num golpe travestido de impeachment.

    Desses, os nomes de Eduardo Cunha, presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer,
    vice-presidente de Dilma, e do juiz e até poucas semanas atrás, ministro da Justiça de
    Bolsonaro, Sérgio Moro, talvez sejam os mais emblemáticos. Cunha só deu início ao processo
    de impeachment contra Dilma, porque ela não aceitou pedir que o PT “aliviasse a barra para
    ele” em um processo na Comissão de Justiça do Legislativo. Acusado em vários processos de
    corrupção, Cunha foi afastado da presidência da Câmara e perdeu o mandato. Condenado a
    mais de 15 anos, recentemente teve a prisão preventiva substituída pela domiciliar, por estar no grupo de
    risco da pandemia do covid-19.
    Michel Temer integrou a articulação do golpe contra Dilma. Também ele tentou chantagear a presidente sob o argumento de que se ela aceitasse colocar em prática o plano “Estrada para o futuro”, o oposto de tudo o que defendia o PT para vencer a crise que então se esboçava, não haveria problema. Antes, Temer certificou-se de que teria o apoio dos militares, valendo-se do      descontentamento que sabia existir entre os de farda e a presidente que instituiu a Comissão Nacional da Verdade, para apurar graves violações de direitos humanos acontecidas no Brasil entre 1946 e 1988.
    A Comissão da Verdade, como ficou conhecida, durou pouco mais de três anos, tempo suficiente para deixar parte dos militares de cabelo em pé. Ao contrário de outros países da América do Sul, que também enfrentaram ditaduras brutais, como Argentina e Chile, aqui o pacto que viabilizou a transição democrática anistiou a todos, torturados e torturadores, impossibilitando que muitos militares fossem julgados por crimes que cometeram nos “anos de chumbo”.

    Foi a partir da Comissão da Verdade, no entanto, que o Brasil ficou sabendo que entre os próprios militares houve muita resistência às atrocidades cometidas. Em duas décadas de ditadura, o regime perseguiu, prendeu ou torturou 6.591 militares. Essa informação sem dúvida incomodou e, mais uma vez, maus soldados e péssimos civis
    estavam juntos na deposição de uma presidente legitimamente eleita.

    Não foi por acaso que o então deputado Jair Bolsonaro, ao votar pela abertura do processo de
    impeachment contra Dilma, o fez prestando homenagem ao torturador coronel Brilhante
    Ustra, ex-chefe do DOI-CODI do II Exército, um dos mais atuantes órgãos na repressão política
    durante a ditadura. Mesmo já reformado, Ustra continuou politicamente ativo nos clubes
    militares, na defesa da ditadura e nas críticas anticomunistas.

    MORO, O PIOR

    De todos os péssimos civis, o que recentemente mais danos políticos e econômicos trouxe ao país foi Moro. Como juiz de primeira instância responsável pela Operação Lava Jato, ele cometeu barbaridades jurídicas para incriminar, sem provas, o ex-presidente Lula (casos do Triplex e do sítio em Atibaia) e tirá-lo da eleição de 2018. Some-se a isso que, em nome do “combate à corrupção”, destruiu a indústria brasileira, jogou milhões de trabalhadores no desemprego e o país na dependência tecnológica de outras nações.

    A Lava Jato também possibilitou o acesso de representantes estadunidenses à gestão de empresas como a Petrobras e a Odebrecht que, além de ilegal, desdobrou-se em multas milionárias e conhecimento, pelos concorrentes, de seus planos estratégicos. Para quem assistiu ao filme Snowden (2016) do premiado diretor estadunidense Oliver Stone, as escutas que órgãos de inteligência dos Estados Unidos fizeram em várias partes do mundo, inclusive aqui, espionando a própria Dilma e os contratos que estavam sendo elaborados para a exploração do pré-sal brasileiro, fazem parte dessa lógica.

    O resultado do combate à corrupção apresentado pela Lava Jato é pífio. O que não impediu a mídia corporativa brasileira, TV Globo à frente, de tentar transformar Moro em “herói no combate à corrupção.” Moro saiu do governo Bolsonaro, depois de compactuar por 16 meses com todas as ilegalidades e absurdos que o presidente e filhos praticaram. Mas sair do governo não significa deixar a política, como alerta o sociólogo português Boaventura de Souza Santos, para quem “Moro é o candidato dos Estados Unidos à presidência do Brasil”.

    Maus soldados e péssimos políticos, antes unidos na eleição de Bolsonaro, começam a se
    dividir. Em que pese a inércia do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ) que continua se recusando a colocar em pauta a penca de pedidos de impeachment contra Bolsonaro, parte dos integrantes do Supremo Tribunal Federal (STF) está se movendo.
    Bolsonaro, cada vez mais enrascado, em queda acelerada junto à opinião pública e à frente
    de um governo que o mundo considera um perigo, corre atrás dos políticos do Centrão e do apoio da caserna na tentativa de barrar um possível processo de impeachment. Cargos
    começam a ser distribuído a rodo para esses senhores.
    O Plano de Desenvolvimento que o general Braga Neto, para alguns o “presidente operacional do Brasil”, anunciou para a retomada do crescimento, quando a pandemia amainar, está fadado ao fracasso. O capital internacional sumiu e o pouco que sobrou do empresariado brasileiro não se arriscará num cenário de enorme incerteza. Se o Estado não assumir a retomada da economia, o Brasil não terá futuro. Só que isso, para desespero dos péssimos políticos e dos maus militares, é muito parecido com a agenda que o PT colocou em prática nos anos que governou e com o projeto de “Plano para o Brasil” que Lula acaba de lançar.
    Os péssimos políticos só admitem mudanças para que tudo continue como está. Tanto que criticam Bolsonaro, mas cobrem de elogios a agenda ultraliberal colocada em prática pelo seu ministro da Economia, Paulo Guedes. Os maus militares também estão com Bolsonaro, mas não falta até entre eles quem já admita que “o presidente está causando confusão em demasia”. Enquanto isso, os cidadãos indignados, em quarentena por causa do covid-19, não saem das janelas e gritam cada vez mais alto e forte, de todos os cantos do Brasil: “Fora Bolsonaro”.
    Como sabia Geisel, tentar tampar a panela, numa situação dessas, não surtirá efeito.

     

  • Editorial – O “adulto na sala” ou ensaio para uma nova ditadura?

    Editorial – O “adulto na sala” ou ensaio para uma nova ditadura?

    O vice-presidente da República, general Hamilton Mourão, publicou na edição de ontem do jornal O Estado de S. Paulo um artigo de opinião intitulado Limites e Responsabilidades. No texto, o vice-presidente, que diversos setores da sociedade tentam vender como o “adulto na sala” e a opção “moderada” contra o governo de destruição nacional de Jair Bolsonaro, demonstra claramente não entender NADA sobre limites e responsabilidades. Ele ultrapassa todos os limites do cargo ao ameaçar, novamente, a imprensa, o Supremo Tribunal Federal, o Congresso Nacional, os governadores dos estados que não estão alinhados incondicionalmente ao genocida que ocupa a presidência e até mesmo o direito de expressão individual de ex-presidentes da República. Portanto, Mourão não atenta à responsabilidade do cargo que possui atualmente e mata qualquer esperança de que numa eventual presidência pós-impeachment assumirá qualquer responsabilidade sobre os atos de Bolsonaro, a quem ajudou a eleger, sobre o apoio que segue dando ao genocida, ou mesmo sobre o papel fundamental de um governante que é unir a nação para resolver os problemas do povo.

    Ele ataca, mais uma vez, o jornalismo de modo geral ao dizer que “A imprensa, a grande instituição da opinião, precisa rever seus procedimentos nesta calamidade que vivemos. Opiniões distintas, contrárias e favoráveis ao governo, tanto sobre o isolamento como a retomada da economia, enfim, sobre o enfrentamento da crise, devem ter o mesmo espaço nos principais veículos de comunicação. Sem isso teremos descrédito e reação, deteriorando-se o ambiente de convivência e tolerância que deve vigorar numa democracia.” 

    Não, general, opiniões distintas NÃO devem ter o mesmo espaço quando se lida com vidas. Os jornalistas temos a responsabilidade de separar o que é fato, o que é opinião baseada em fatos e na ciência e o que é “achismo” ou declarações oportunistas de canalhas que querem se beneficiar do caos institucional sem se preocupar com as montanhas de cidadãos mortos. Se há intolerância na sociedade hoje, mais do que da imprensa a responsabilidade é de quem diz que os esquerdistas devem ser fuzilados e que torturadores assassinos são heróis, como fez o seu chefe e o senhor.

    As únicas frases corretas do texto estão no primeiro parágrafo: “Nenhum país do mundo vem causando tanto mal a si mesmo como o Brasil. Um estrago institucional, que agora atingiu as raias da insensatez, está levando o País ao caos”. No entanto, Mourão exclui do rol de limites e responsabilidades TODAS as ações do governo federal e joga sobre outros ombros a culpa pelo caos que vivemos, com perto de mil mortes diárias pela Covid-19 em números oficiais. Aliás, assim como seu ainda chefe, o general não fez qualquer referência no artigo ao sofrimento de milhares de famílias que perderam seus entes queridos, no dia em que o país somou oficialmente mais de 14 mil mortes. O tópico não faz parte dos quatro elencados por Mourão, mas e daí, né? Contudo, também a exemplo do chefe, o militar aproveitou o cargo no governo para dar o filé mignon ao filho, que foi promovido duas vezes no Banco do Brasil para ganhar mais de 36 mil reais.

    O estrago institucional em que estamos é consequência direta do golpe parlamentar/judiciário/midiático que tirou ilegalmente a presidenta Dilma Roussef do cargo. Quando um juiz de primeira instância grava e divulga ilegalmente uma conversa da presidenta e não é exonerado, há um enorme estrago institucional. Quando um ministro do STF impede que a presidenta escolha livremente um ministro da Casa Civil para se articular politicamente e impedir o impeachment, o golpe na institucionalidade é ainda maior. Quando um deputado federal vota pelo impeachment homenageando no Congresso um assassino e torturador e não sai de lá preso, a institucionalidade está ferida de morte. Quando um ex-presidente é condenado sem provas por “atos indeterminados” impedindo sua candidatura, rasgando até decisões em contrário da ONU e o ex-juiz responsável por isso vira ministro da justiça do candidato que beneficiou ilegalmente, é o fim da institucionalidade. Tudo o que temos hoje é fachada, é verniz, é disputa do butim. E os Jornalistas Livres avisaram disso em 2016.

    Mas, como disse o vice escolhido por ter feito em 2017 defesa enfática da ditadura de 1964 a 1985 e de uma intervenção militar, ainda “Há tempo para reverter o desastre. Basta que se respeitem os limites e as responsabilidades das autoridades constituídas” . Neste momento é passada a hora das autoridades constituídas assumirem suas responsabilidades dentro de seus limites. O Tribunal Superior Eleitoral, por exemplo, deve julgar urgentemente as eleições de 2018 e cassar a chapa eleita (Bolsonaro E Mourão) por caixa-dois e uso massivo de fake news como fartamente provado pela imprensa. O Supremo Tribunal Federal deve urgentemente votar a suspeição de Sergio Moro como juiz nos casos envolvendo Lula e anular a condenação do ex-presidente, como é consenso no mundo jurídico sério. O presidente do Congresso, Rodrigo Maia, deve escolher o quanto antes um dos mais de 30 pedidos de impeachment contra Bolsonaro e colocar em votação, já que não faltam crimes de responsabilidade provados. E mais, votar também a proposta de lei que exige novas eleições em 90 dias no caso de impeachment. Afinal, o país só poderá retornar à normalidade democrática quando de fato houver eleições limpas, com debates sobre projetos de governo e a presença de todos os principais candidatos dos partidos.

     

    Foto: www.mediaquatro.com

  • QUESTÃO MILITAR

    QUESTÃO MILITAR

     

     

    ARTIGO

    Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História na Universidade Federal da Bahia

     

    Charge de Netto

    Costuma ser imediata a associação de Jair Bolsonaro com a ditadura militar que governou o Brasil entre 1964 e 1985. Faz todo sentido, pois Bolsonaro ficou quase 30 anos no Congresso nacional usando a tribuna parlamentar para elogiar a Ditadura. Todo 31 de março lá estava o deputado Bolsonaro a soltar rojões em comemoração ao golpe de 1964.

    Porém, se formos olhar com cuidado a trajetória política de Bolsonaro para além da retórica, perceberemos que seus vínculos com as forças armadas precisam ser relativizados. Bolsonaro foi expulso do Exército em condições até hoje nebulosas, não chegou às altas patentes, tinha fama de arruaceiro e indisciplinado. Passou mais tempo no Congresso nacional como deputado de baixo clero do que no Exército como capitão de artilharia.

    Bolsonaro nunca foi uma liderança militar envolvida na política institucional. Era um político profissional que, por acaso, tinha sido militar.

    Essa relação um tanto distanciada entre Bolsonaro e as Forças Armadas fica ainda mais clara se acompanharmos na lupa ampliada a crônica de seu governo.

    É verdade que os generais estão no governo desde o início, mas não eram o núcleo mais influente. Nem perto disso. É que um governo sempre é disputado por dentro, com vários núcleos competindo entre si o poder de influenciar o presidente.

    Durante o primeiro ano de governo, Bolsonaro esteve mais próximo do núcleo ideológico, operacionalizado pelo Carluxo, chefe do gabinete do ódio, e comandado a partir da Virgínia, pelo autoproclamado filósofo Olavo de Carvalho. Também Eduardo Bolsonaro tem atuação destacada aqui. Em fevereiro de 2019, Steve Banon anunciou Eduardo como o líder sul-americano do “The Moviment”, movimento internacional de extrema direita.

    Desde a década de 1990 que Olavo de Carvalho dizia que a ditadura militar não tinha sido capaz de dar cabo do marxismo cultural no Brasil. A ditadura teria “prezado demais pela institucionalidade e não teve a coragem necessária para arrancar o mal pela raiz”, nas palavras do próprio Olavo em sua página do twitter.

    O núcleo ideológico nunca confiou no núcleo militar. Isso explica os constantes ataques do gabinete do ódio aos generais. Tudo sempre foi feito publicamente, sem nenhum pudor, e com o consentimento silencioso do próprio presidente.

    Carluxo, Eduardo e Olavo de Carvalho usavam suas contas no twitter para denunciar o que consideravam ser o pouco compromisso dos generais com o presidente. Não raro, falaram em traição, como no caso da tramitação da PLN04/2019, que propunha a liberação de 249 bilhões de reais em crédito suplementar para o governo. Carluxo ficou muito incomodado com o pouco envolvimento dos generais na causa.

    Hamilton Mourão era o principal alvo. Heleno também não passou imune. No primeiro semestre de 2019, os ataques foram ininterruptos, culminando com a demissão do general Santos Cruz da Secretaria de Governo, no final de junho.

    Se o deputado Bolsonaro era nostálgico, saudosista da Ditadura, o presidente Bolsonaro é outra coisa. É fundamental destacar as diferenças entre o deputado de baixo clero e o presidente carismático.

    O deputado é filho de março de 1964. O presidente é filho de junho de 2013.

    O presidente e seus conselheiros mais próximos nunca confiaram nas Forças Armadas. O objetivo inicial não era reeditar a ditadura nos moldes de 1964. Os objetivos eram outros.

    Primeiro, investir na constante polarização ideológica a ponto de fidelizar uma base social orgânica leal, disciplina e armada. Depois, organizar um regime de força fundado em milícias, mais fáceis de serem doutrinadas no compromisso com o projeto maior: “Destruir o globalismo cultural”, pra citar outra vez Olavo de Carvalho.

    Não à toa, em junho de 2019, o governo publicou quatro versões do “Decreto das armas”, liberando para comercialização ampla armamentos de uso exclusivo das Forças Armadas, sem consultar as Forças Armadas. Definitivamente, o presidente Bolsonaro não é um saudosista da Ditadura Militar.

    Mas como na política o mundo gira rápido, Bolsonaro foi obrigado a se reaproximar dos generais, levando, em fevereiro de 2020, Braga Netto para a chefia do ministério politicamente mais importante.

    Sem apoio no Congresso depois de ter rompido com o PSL (novembro de 2019), sob constante desconfiança do STF e com a derrota da revolta miliciana do Ceará (fevereiro de 2020), Bolsonaro precisou apelar para os generais. Não fez por ideologia, não fez por projeto. Fez porque estava acuado, isolado.

    Onde quero chegar?

    Quero dizer que as relações entre Bolsonaro e os generais sempre foram tensas e marcadas pela desconfiança recíproca. Até agora, eles nunca estiveram do mesmo lado.

    Até agora.

    Em 2 de maio, Sérgio Moro prestou depoimento na sede da Polícia Federal, lá em Curitiba. Disse que Bolsonaro falou abertamente em reunião ministerial que queria interferir na PF para proteger seus filhos. Todos os ministros estavam presentes. Todos, incluindo os generais Braga Netto, Luiz Eduardo Ramos e Augusto Heleno.

    Se Moro estiver falando a verdade, os generais presenciaram Bolsonaro cometendo um crime e não falaram nada. A omissão é crime de prevaricação. Na pessoa de Celso de Mello, o STF agiu, convocando os generais pra depor.

    O STF colocou três generais do Exército numa sala de depoimento, sendo interrogados pela Polícia Federal. Esse é daquele tipo de evento que sempre tem desdobramentos, nunca fica por isso mesmo. Na voz de Mourão, os generais reagiram. Mourão foi à imprensa criticar o STF, acusar a corte de “ultrapassar seus limites constitucionais”. Para os generais envolvidos na confusão, resta apenas defender Bolsonaro e se enlamear nas picaretagens envolvendo o clã presidencial. Caso contrário, assumem a prevaricação.

    Pela primeira vez, Bolsonaro e os generais estão do mesmo lado. Temos aqui um fato novo na dinâmica da crise. Um fato de primeiríssima importância, e da maior gravidade.

    “As Forças Armadas não apoiam nenhum tipo de golpe contra a democracia”, reza o mantra repetido pelas notas publicadas pelo Ministério da Defesa sempre que Bolsonaro ameaça os outros poderes da República.

    As Forças Amadas não apoiam golpe até o momento em que começam a apoiar, até o momento em que surge um motivo para apoiar, até o momento em que começa a existir uma questão militar.