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  • Nadine Borges: O poder perpendicular das milícias no Rio de Janeiro

    Nadine Borges: O poder perpendicular das milícias no Rio de Janeiro

    Nadine Borges

    Vice-Presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-RJ

     

    Enfrentar uma discussão sobre o poder da milícia é sempre uma árdua tarefa, pois a existência desses grupos organizados no Rio de Janeiro tem pelo menos 40 anos. Desde a década de 80 as milícias constituem o que comumente é chamado de um poder paralelo, o que não nos parece correto, porque esses grupos de extermínio, esquadrões da morte fazem parte de um crime organizado que ocupa as estruturas do poder público municipal de diferentes formas, ou seja, são parte do Estado e quem é parte não tem poder paralelo, tem poder que pode até ser central. O conceito de paralelismo implica não haver pontos de encontro. Diz-se que uma reta é paralela a outra justamente porque não se encontram, nem no infinito. Portanto, não se deve falar que o poder da milícia é um poder paralelo do Estado porque de alguma forma esse crime organizado profissionalizado se encontra com a estrutura estatal em diversos momentos e perpassa a vida política na cidade do Rio de Janeiro.

    A questão central é que esse encontro perpendicular acontece em um ângulo de 90 graus e cabe a nós identificar em que momentos essas práticas (retas) se encontram. Desde a ditadura militar os esquadrões da morte são conhecidos e reconhecidos na Baixada Fluminense e na Zona Oeste e foram sustentados pelo regime militar, como identificamos nas pesquisas desenvolvidas no âmbito da Comissão Estadual da Verdade do Rio. Muitos ou quase todos dos porta vozes da ditadura militar nessa região alcançaram postos de representação política em cidades da Baixada em uma aliança profissionalizada com o jogo do bicho e algumas escolas de samba, como nos mostra a obra Os Porões da Contravenção, dos jornalistas Aloy Jupiara e Chico Otávio.

    Se analisarmos as informações que constam na Wikipedia (https://pt.wikipedia.org/wiki/Mil%C3%ADcia_(criminalidade_no_Brasil)) sobre milícia veremos a cronologia somente a partir de 2007, mas essas ações vem de longa data. A prática de execuções sumárias por grupos privados com o aval do poder público no Rio de Janeiro durante a ditadura militar é algo notório e eis aqui o primeiro quadrante desse poder perpendicular das milícias. Com o fim do regime na década de 90 três locais do Rio de Janeiro apareceram como nascentes desses grupos: Rio das Pedras, Campo Grande ( onde a milícia é conhecida como “Liga da Justiça”) e Duque de Caxias . A ideia de normatizar, regular, fiscalizar o acesso à terra, a venda de lotes, o transporte “clandestino”, o acesso ao gás, a TV à cabo com os famosos “gatos” não é de hoje e há muito está nas mãos da milícia com o aval do poder público.

    Portanto, não se pode afirmar que a milícia tem poder paralelo, já que cada um desses exemplos são encontros dessas técnicas com a estrutura de poder do Estado estampados hoje com a ascensão da ultradireita, que sempre defendeu essas práticas. Os milicianos exercem poder sobre os territórios, combatem os inimigos (não necessariamente o tráfico, prova disso são os narco-milicianos), ajudam os aliados (moradores)  e obviamente cobram taxas pelos serviços prestados à população. O detalhe é que quem não paga, pode morrer. A institucionalização da execução penal extrajudicial, figura inexistente no ordenamento jurídico pátrio, se consolida nessas execuções sumárias sempre endereçadas para os mesmos nas regiões controladas por milicianos: negros e pobres.

    O fenômeno parece não enfrentar obstáculos, pois mesmo com a possibilidade ventilada no  debate anterior de criação da Comissão Nacional da Verdade (CNV) de indiciar os autores das graves violações de direitos humanos cometidas durante a ditadura militar, o texto final do relatório da CNV não considerou essa perspectiva e esses algozes seguem anistiados, o que é uma autorização social, política e jurídica da matança pelo próprio Estado em todas as suas esferas de poder, já que ao não responsabilizar torturadores mantém a autonomia do crime organizado dentro ou fora das estruturas do poder público. Podemos comparar o fenômeno das milícias em outros locais do Brasil e até do continente sul americano, mas de fato o que se vê no Brasil e no Rio de Janeiro não nos deve causar estranhamento, já que em outros países os agentes do Estado adeptos da tortura, do desaparecimento e da ocultação de cadáveres foram processados, condenados e presos, menos no Brasil. Aqui as práticas seguem autorizadas, mesmo que tacitamente.

    Com um discurso palatável de enfrentamento ao tráfico, os milicianos ampliaram rapidamente seu poder construindo narrativas e se colocando como guardiões da segurança para não terem seus negócios prejudicados. O lucro sempre dependeu da construção desses inimigos que oscilam conforme o momento. A lógica do “se não é possível vencê-los, junte-se a eles” justifica a figura dos narco-milicianos. Aquele perfil inicial das milícias da década de 90 e dos anos 2000 foi se adaptando para ampliar a conquista de territórios e hoje os símbolos existentes nas portas das casas para dizer quem paga e quem não paga a milícia são marcas deste poder perpendicular. O Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro já identificou que aproximadamente 180 localidades na cidade são exploradas pela cobrança ilegal de serviços de segurança com o apoio dos pontos de vendas do tráfico de drogas, as “ bocas de fumo”. A expansão não é apenas na cidade do Rio de Janeiro, mas em todos os municípios da Baixada Fluminense e em cidades próximas, como São Gonçalo, Maricá, dentre outras.

    Outro quadrante deste cruzamento é com representantes no Parlamento e no Poder Executivo, fato que ocorre desde a década de 80, como é o caso de um torturador confesso da ditadura militar entrevistado durante os trabalhos da Comissão da Verdade do Rio. Além de ser um dos mentores e cuidadores da Casa da Morte em Petrópolis, um centro extraoficial de tortura em Petrópolis, que matou e desapareceu com lideranças políticas contrárias ao regime militar durante a ditadura, o torturador foi incorporado ao jogo do bicho após o fim da ditadura em 1985. Paulo Malhães era coronel da reserva e trabalhou no jogo do bicho. Sua atuação na Baixada chefiando a segurança de empresas de ônibus e sua aproximação com o bicheiro “Anísio” é outra prova dessa perpendicularidade de poder. Essa migração da ditadura para o jogo do bicho o levou a ser alguém com poder na Baixada. Não é por acaso e nem algo recente que as narco-milícias possam contar com o apoio dos políticos.

    Como o negócio envolve dinheiro e poder, a prática de alugar bocas de fumo e a autorização de alguns roubos são formas de sustentar economicamente os grupos milicianos que buscam cada vez mais aprimorar seus mecanismos para fortalecer lideranças e ter uma gestão financeira e administrativa desses territórios. Portanto, a ideia de que os milicianos enfrentam o tráfico é facilmente desmontada. A existência de policiais nas folhas de pagamento dos traficantes nas investigações do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro confirma essa hipótese.

    Há que se considerar também o suposto envolvimento do Escritório do Crime (grupo miliciano de Rio das Pedras) na morte da vereadora Marielle Franco, assassinada em Março de 2018, quando estava à frente de investigações sobre a Milícia na cidade e atuando ativamente durante a Intervenção Militar do mesmo período, além das lentas investigações sobre o caso.

    Diante das interseções demonstradas entre milícia, tráfico, poder público e instituições remanescentes da ditadura militar, fica claro que o poder miliciano está longe de ser paralelo, senão que é perpendicular ao Estado. É imprescindível que se investigue minuciosamente as estreitas conexões entre esses grupos a fim de eliminar a possibilidade de que estes criminosos cheguem aos poderes legislativo, executivo e judiciário e, ainda, que corrompam as corporações e instituições de segurança, cujo papel único é proteger a população, ainda que atue de maneira, aí sim, paralela a este propósito.

     

    Referências:

    https://oglobo.globo.com/rio/narcomilicias-traficantes-milicianos-se-unem-em-180-areas-do-rio-segundo-investigacao-24007664

    https://www.plural.jor.br/documentosrevelados/wp-content/uploads/2015/12/cev-rio-relatorio-final.pdf

    http://www.ihu.unisinos.br/159-noticias/entrevistas/587500-as-milicias-crescem-velozmente-por-dentro-do-estado-entrevista-especial-com-jose-claudio-alves

     

  • A dor e o prazer da velha direita brasileira

    A dor e o prazer da velha direita brasileira

     

     

    Artigo de Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História da Universidade Federal da Bahia, com ilustração de Bagge

     

    Não basta dizer que o governo de Jair Bolsonaro é de direita. Pra entender a dinâmica interna do governo é necessário um esforço maior de adjetivação. É necessário dividir a direita brasileira em dois grupos: a velha direita e a nova direita. O sucesso eleitoral de Bolsonaro significou a vitória da nova direita. A velha direita até foi chamada para compor o governo, mas ainda não conseguiu vencer as disputas internas e se tornar hegemônica.

    Mas quem são os jovens? Quem são os velhos?

    Os mais velhos primeiro.

    Nenhum partido político representa mais a tal “velha direita” que o DEM. Começando pelos partidos regionais lá na República Velha, passando pela UDN nos anos 1940 e 50 e pela ARENA durante a ditadura militar, chegando até ao PFL na IV República, o DEM tem no seu DNA a genealogia das velhas oligarquias brasileiras, a elite da terra, escravocrata.

    Não foi o DEM quem venceu as eleições de 2018. Muito pelo contrário. Basta lembrar que o partido estava na grande coligação que apoiou a candidatura de Geraldo Alckmin, reeditando a aliança que foi fundamental para os governos tucanos na década de 1990.

    Porém, mesmo perdendo as eleições, o DEM subiu a rampa junto com Jair Bolsonaro. Com alguma desconfiança, a velha direita acabou embarcando na canoa do Capitão. Afinal, se o DEM confiasse em Bolsonaro a aliança teria nascido já no primeiro turno das eleições. Não tenho dúvidas de que Bolsonaro toparia. Na época ele estava sozinho, bateu em várias portas com o pires na mão. O DEM não quis apostar.

    Não apostou por um motivo muito simples: Bolsonaro não representava a velha direita, a direita histórica, tradicional. Bolsonaro representava outra coisa, algo que a maioria de nós ainda está tentando entender.

    Nesses quase dois meses de governo, o caos e a incompetência se instalaram no Palácio do Planalto. As poucas vitórias que teve o governo deve, justamente, ao DEM. Rodrigo Maia sobrou nas eleições para a presidência da Câmara dos Deputados. Onyx Lorenzoni e Davi Alcolumbre deram um nó tático em Renan Calheiros e abocanharam a presidência do Senado.

    O DEM controla as duas casas do Congresso Nacional. Não é pouca coisa. Não é mesmo.Se o presidente é fraco e inoperante, o DEM é eficiente e conhece muito bem a máquina. O DEM é a parte mais forte do governo.

    Muito diferente é a “nova direita”.

    Formada, principalmente, por parlamentares do PSL (incluindo aqui os filhos do presidente da República), a nova direita é o resultado direto da narrativa do colapso que se difundiu no Brasil depois de junho de 2013. Segundo essa narrativa, a esquerda é a grande responsável pelo apocalipse e deve ser exterminada, varrida do mapa político brasileiro. A histeria antipetista foi alimentada pela pauta da moralização dos costumes. Tudo isso foi ressonado exponencialmente nas mídias digitais.

    Na campanha, a estratégia da nova direita se mostrou imbatível. Bolsonaro venceu sem participar de debates, sem discutir seu plano de governo. Diante da ampla rejeição popular às reformas neoliberais, Bolsonaro venceu as eleições mesmo estando na companhia de um economista ultraliberal. A nova direita conduziu bem o espetáculo e lacrou o debate político.

    A nova direita é digital e tem no Instagram, no Facebook, no Twitter e no Whatsapp o seu habitat natural. A velha direita é analógica, é habilidosa na conversa ao pé de orelha nos corredores do Congresso Nacional. A nova direita é boa de campanha. A velha direita é boa de política.

    No governo, a nova direita só fez lambança. O barraco entre Gustavo Bebianno e Carlos Bolsonaro foi apenas um episódio entre outros tantos. Teve ainda o quebra-pau envolvendo Joice Hasselmann e Eduardo Bolsonaro e a troca de xingamentos entre Olavo de Carvalho e a bancada do PSL que foi visitar a China, só pra citar alguns exemplos.

    É certo que o caso Bebianno tem impacto político muito grande. O sujeito era um dos principais articuladores do governo, que essa semana deu início à batalha pela reforma da previdência. Onyx tentou até o fim evitar a demissão. Rodrigo Maia lamentou o ocorrido. Os aliados estão cada vez mais desconfiados. Bebianno estava ao lado de Bolsonaro lá no início, quando ninguém acreditava que um deputado inexpressivo e caricato pudesse se tornar presidente da décima maior economia do mundo.

    Se Bolsonaro deixou seu filho mais novo humilhar publicamente seu escudeiro mais leal, o que não pode acontecer com um aliado de última hora, como é o DEM?

    A nova direita investe muita energia em pautas absolutamente irrelevantes, que não agregam nenhum capital político para o governo, que só trazem desgaste. Ernesto Araújo age como um elefante em loja de cristal, desconsiderando completamente as liturgias tão valorizadas no campo da diplomacia. Roberto Velez Rodrigues diz que os brasileiros são canibais. Damares acusa os holandeses de abusarem sexualmente de crianças.

    Contratos são rompidos, produtos brasileiros são boicotados no exterior.

    Alguns acham que tudo isso é cortina de fumaça, como se o governo, estrategicamente, acionasse seus loucos de estimação para distrair a opinião pública. Não acredito em tamanha capacidade de articulação. Essa gente é aloprada mesmo.

    Enquanto isso, os militares vão ocupando cargos estratégicos, ganhando mais espaço, se beneficiando do desgaste da nova direita. O DEM vai se articulando nos corredores do Congresso, vai dando o ritmo da vida parlamentar do governo. Daí pode nascer uma nova situação de poder.

    O jornal “Estadão”, que até aqui era simpático a Jair Bolsonaro, publicou na terça-feira, 19, um editorial furioso que define o presidente como um “homem despreparado, incapaz e sem coragem”. O cerco está se fechando. Se Bolsonaro não controlar a afobação da nova direita dificilmente terminará o mandato. Basta saber se ele terá força pra tanto, se terá capacidade de liderar. Até aqui não teve.

    No inferno, Antônio Carlos Magalhães, Carlos Lacerda e outros caciques da velha direita brasileira devem estar com comichões. Ao mesmo tempo desesperados com as trapalhadas dos mais jovens e gozando com janela de oportunidade que está aberta.

    Afinal, não é de hoje que a velha direita é especialista em chegar ao poder sem ter sido eleita.

     

  • Expedição ao Planeta dos Macacos?

    Expedição ao Planeta dos Macacos?

    por Luís Andrés Sanabria Zaniboni,

     

    – Yll? Você já se perguntou…. bem, se alguém viverá no terceiro planeta?
    – No terceiro planeta não pode haver vida – pacientemente explicou o Sr. K – nossos cientistas descobriram que há muito oxigênio em sua atmosfera
    Ray Bradbury. Crônicas marcianas

    Quando falamos de esquerda e direita, testemunhamos uma história semelhante à do livro de ficção científica Planeta dos Macacos, de Pierre Boulle: um território áspero, onde muitos discursos e práticas sobreviveram a seus criadores, mas sua ressignificação e sua defesa acabaram jogando a favor dos lados antagônicos. Tendo a confusão como regra, esta sociedade de macacos construiu seu mundo com base na fadiga do pensamento crítico e na substituição deste por uma fé cega no “progresso” que as classes dominantes pregavam, assim invisibilizando as formas e as maneiras que permitiram a germinação e a reprodução de dominações e explorações em sua sociedade.

    Pensar as direitas em nossa região latino-americana e caribenha nos sugere compreender os tempos políticos para além das situações eleitorais, que são espaços confusos e distorcidos, onde se jogam dinâmicas de “marketing político” e falsas polarizações que colocam feminismos como Feminazis, ou que confrontam os trabalhadores entre si, evitando a abordagem crítica dos processos que estruturam nossas sociedades, que são os acordos das elites.

    No momento em que são escritas estas linhas, vivemos processos, na América Latina e no Caribe, de reconfiguração da correlação de forças em distintos níveis, que não conseguem encontrar sua interpretação na mera disputa eleitoral. O resultado é que a disputa eleitoral torna-se muito rasa, impossibilitando aprofundar as latências que permitiriam entender o surgimento das posições e dos sujeitos que configuram as opções de disputa em espaços culturais, políticos, econômicos e sociais.

    Democracias em alta-tensão

    Assim, podemos identificar uma primeira contribuição desta exploração: compreender que as direitas são propostas de sociedade e que os seus temas transcendem espaços eleitorais, de modo que as conformações das direitas também estendem seus territórios a espaços não-partidários e não-eleitorais (empresas, fundações etc.). Por esta razão, é necessário aprofundar a compreensão e análise das direitas em longos períodos de constituição, para mostrar suas relações e suas disputas com os contextos do sistema capitalista.

    Testemunhamos uma transição que questiona as formas e os modos de democracia representativa, onde a confusão de significados e sequestro dos sentidos são espaços em tensão que disputam diversos sujeitos individuais e coletivos. Em nossa sociedade, palavras como paz, trabalho ou família, encontram, nas discussões das mais diversas naturezas, uma variedade de significados e de sentidos contraditórios, que vão desde uma posição progressista até converter-se em um argumento conservador.

    Esta situação levou a uma constante polarização no interior das nossas sociedades, enriquecida por uma simplicidade que proporciona uma visão dicotômica em benefício das latências dominantes enraizadas, desse modo a hegemonia encontra os caminhos para consolidar o seu projeto em torno das elites da democracia de baixa intensidade.

    Assistimos uma era política dominada pelo processo eleitoral, que reduz a maioria das estratégias e posições para meros discursos e práticas eleitorais. Esta tendência corroeu seriamente nossas ligações entre sujeitos, até chegar a simplificar nossas relações político-culturais para meras ações e encontros instrumentalizados, comícios ou conversas, sem processos pedagógicos ou problematização de nossas realidades.

    Seguindo este cenário, podemos ver a preeminência de marketing político em nossas ações, ou seja, o domínio da forma como mensagem, despolitizando-se seu conteúdo e respondendo a um conteúdo meramente estético, através de estereótipos dominantes para buscar uma falsa simpatia e empatia de setores da sociedade.

    Mas, enquanto essas duas tendências se acomodam em alguns espaços, muitos setores não tradicionais de política, como igrejas neopentecostais, entre outros grupos de fundamentalismo religioso, também conseguiram posicionar-se com um maior fortalecimento do conservadorismo. Podemos caracterizá-los com dois elementos desde onde é composta sua posição, uma pseudo-lei natural e uma moral inerente ao ser humano, este é o processo que podemos encontrar através da articulação que surgiu como movimento contra a “ideologia de gênero”.

    Direita: Quais territórios e articulações lhe dão forma?

    Uma vez neste ponto, é importante problematizar uma questão, ante o domínio da democracia representativa e sua carga eleitoral, as direitas são apresentadas como atores em disputa, mas diante do exposto, as direitas não são atores per se, mas concebem propostas de sociedades, é assim que podemos caracterizar algumas continuidades (capitalismo, patriarcalismo e colonialismo) que se manifestam nesses projetos:

    • a primazia do individualismo que encontra três espaços onde sua presença e prática são evidentes; a raiz do consumismo que reduz o indivíduo a consumidor, o aumento do personalismo como forma de gestão política ou a marca como elemento distintivo em política, anulando assim as formas e os modos coletivos dialógicos.

    • totalização do mercado, e ligada a esta mudança causada pelo capitalismo, vemos todos os dias os direitos adquiridos assistirem a uma metamorfose que os converte em serviços disponíveis para clientes, despolitizando sua gestão. É assim que o esvaziamento da política na democracia representativa e o cancelamento da incidência da maioria na gestão encontram seu lugar na centralidade da tecnocracia, despolitização da administração nas mãos dos peritos.

    • sintomaticamente descobrimos que a concentração e o controle dos meios de comunicação tem sido uma constante que tem proporcionado o posicionamento ideológico das elites e seu projeto dominante, combatendo as dissidências e construindo seus sentidos, mas também criminalizando e apropriando-se da narrativa, onde a judicialização da política é a amostra mais sutil na consolidação de sentidos e narrativas dominantes.

    Contudo, nos últimos 30 anos, temos visto como a cooptação e ressignificação de práticas pela direita conseguiram posicionar formas e modos que têm disputado nossas sociedades, gerando algumas adaptações:

    • o surgimento de um assistencialismo social focado na financeirização da política, uma forma de se transformar as articulações em meras transferências bancárias, permite a despolitização do diálogo como espaços de construção democrática, alienando contradições sociais da pobreza, por exemplo.
    • a preeminência de um discurso pós-ideológico que busca ignorar as relações socioculturais, econômicas e políticas como produtores de sentidos, e reduzir tudo a leis pseudo-naturais de matriz social darwiniana como referência, um exemplo disso é a propagação de posicionamentos relacionados à “Escola Sem Partido”.

    • o surgimento de um CEOcracia, a administração do público sob a dinâmica empresarial, como a forma que a “gestão” converte a política em gerenciamento de resultados e, uma vez mais, despolitiza os espaços.

    • O surgimento de tendências fundamentalistas religiosas neopentecostais causou uma emergência de atores com influência eleitoral dos postulados da teologia da prosperidade, que tem impactado a relação entre fé e política centrada na ideia do chamado divino de governar o reino por cristãos e a luta contra o mal que corrompe a sociedade (direitos sexuais e reprodutivos, diversidade sexual, por exemplo), a disputa tem gerado uma agenda religiosa sobre assuntos não-religiosos, alcançando uma posição moral conservadora.

    • judicialização da política: se argumentamos que cada vez mais o espaço político é apequenado, é identificável como a “justiça” assume um papel de mediador do que era política, mas assistimos como se tornou um instrumento de controle, por parte das elites dominantes, onde os andaimes existentes respondem mais à lógica da reprodução, e, portanto, o fenômeno da ideologia corrupção: é a capacidade narrativa de vincular processos de ações ilegais como sinais de tendência política.

    Esta descrição nos leva a pensar que pouco mudou e que estas sociedades que testemunham supostas mudanças de época, estão enfrentando o que nunca perdeu lugar na acumulação por espoliação: o capitalismo, o patriarcado e o colonialismo.

    As continuidades e adaptações que descrevemos, não só nos posicionam perante a necessidade de compreender os ciclos de acumulação, senão também de luta e resistência que têm permitido contestar a hegemonia de certos sentidos e práticas, colocando em evidência as rupturas do tecido social como o crescimento da xenofobia, do racismo, da violência contra as mulheres e à diversidade sexual, mas também os processos de concentração de riqueza em poucas mãos.

    É necessário disputar a partir de diferentes territórios corpos, uma vez que tentamos mostrar que as direitas não são apenas partidos políticos a derrotar: são projetos de dominação e exploração que ampliam suas formas e modos através de nossas sociedades, organizações, coletivos, que constroem sentidos e práticas em benefício da desapropriação dos bens comuns e da acumulação concentrada de capital.

    A abertura e integração das direitas em nossas sociedades e sua participação nos processos democráticos formais nos levam a questionar os elementos que são disputados na construção dos sentidos e práticas, que não passam necessariamente de forma protagônica pelas instituições e pelos processos formais, mas correspondem a latências que estão “por baixo” em constante disputa e reposicionamento.

    O planeta dos macacos é uma metáfora para uma sociedade que tecia sua existência através da história dominante: a segurança do mito, a totalização do inimigo como aquele outro ente estranho, alienígena e dominado que não pode nos contaminar, e o poder da disciplina. Isso nos chama a refletir sobre as propostas de sociedades que vivemos e sentimos, mas também aquelas que tentamos construir, especialmente quando elas trazem as histórias imaculadas, mas as práticas gestantes de continuidade.

     

    * Luís Andrés Sanabria Zaniboni é assistente do centro de Estudios y Publicaciones Alforja

    ** Tradução por César Locatelli. Revisão por Lucila Longo

  • COMITÊ BRASILEIRO PELA PAZ NA VENEZUELA LANÇA MANIFESTO

    COMITÊ BRASILEIRO PELA PAZ NA VENEZUELA LANÇA MANIFESTO

    O documento defende a “autodeterminação de nossos irmãos venezuelanos”, protagonistas do vitorioso processo de eleição dos deputados constituintes, levado a cabo no domingo (30/7), além de denunciar a postura do governo ilegítimo de Michel Temer em relação ao tema. O Brasil tem se alinhado automaticamente aos incessantes ataques imperialistas, conduzidos pela Casa Branca em aliança com a elite venezuelana e as grandes corporações midiáticas, que insuflam o ódio e o caos no país.

    O comitê é formado por 28 entidades, partidos políticos, organizações sociais e pela mídia alternativa: Seção brasileira dos movimentos sociais da ALBA, Brasil de Fato, Brasil Justo para todos e para Lula, Caros Amigos, Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), Central Única dos Trabalhadores (CUT), Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz (Cebrapaz), Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, Conselho Mundial da Paz (CMP), Consulta Popular, Democracia no Ar, Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), Fundação Perseu Abramo, Instituto Astrojildo Pereira, Intersindical – Central da Classe Trabalhadora, Jornalistas Livres, Levante Popular da Juventude, Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), Opera Mundi, Partido Comunista do Brasil (PCdoB), Partido dos Trabalhadores (PT), Resistência, Sindicato dos Arquitetos, Sindicato dos Bancários de Santos, União Brasileira de Mulheres (UBM), União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES), União da Juventude Socialista (UJS) e a União Nacional dos Estudantes (UNE).

    Para assinar o manifesto, envie e-mail para paznavenezuelabr@gmail.com.

    Confira a íntegra do manifesto a seguir:

    MANIFESTO PELA PAZ NA VENEZUELA

    O povo venezuelano, livre e soberano, retomou em suas mãos o poder originário, elegendo massivamente representantes para a Assembleia Nacional Constituinte.

    Mais de oito milhões compareceram às urnas, apesar do boicote e da sabotagem de grupos antidemocráticos, em um processo acompanhado por personalidades jurídicas e políticas internacionais que atestaram lisura e transparência.

    Todas as cidades, classes e setores estão presentes, com seus delegados, na máxima instituição da democracia venezuelana.

    A Constituinte é o caminho para a paz e a normalidade, para retomar o caminho do desenvolvimento e da prosperidade, para superar a crise institucional e construir um programa que reunifique a pátria vizinha.

    De forma pacífica e democrática, milhões de cidadãos e cidadãs disseram não aos bandos terroristas, às elites mesquinhas, aos golpistas e à ingerência de outros governos.

    Homens e mulheres de bem, no mundo todo, devem celebrar esse gesto histórico de autodeterminação da Venezuela, repudiando as ameaças intervencionistas e se somando a uma grande corrente de solidariedade.

    Também no Brasil se farão ouvir as vozes que rechaçam a violência e a sabotagem contra o governo legítimo do presidente Nicolás Maduro.

    Qual moral tem um usurpador como Michel Temer para falar em democracia, violando a própria Constituição de nosso país, ao adotar posições que ofendem a independência venezuelana?

    O Brasil não pode passar pela infâmia de se aliar a governos que conspiram contra uma nação livre e se associam a facções dedicadas a tomar o poder de assalto, apelando para o caos e a coação.

    Convocamos todos os brasileiros e brasileiras à defesa da democracia e da autodeterminação de nossos irmãos venezuelanos, ao seu direito de viver em paz e a definir o próprio destino.

    Repudiamos as manobras de bloqueio e agressão que estão sendo tramadas nas sombras da Organização dos Estados Americanos (OEA), sob a batuta da Casa Branca e com a cumplicidade do governo golpista de nosso país.

    Denunciamos o comportamento repulsivo dos meios de comunicação que manipulam informações e atropelam a verdade, para servir a um plano de desestabilização e isolamento.

    Declaramos nossa solidariedade ao bravo povo de Bolívar. Sua luta pela paz também é nossa.

    COMITÊ BRASILEIRO PELA PAZ NA VENEZUELA

  • Direita contra Lula tem contradições internas

    Direita contra Lula tem contradições internas

    Por Taciana Dutra e Florence Poznanski, para Jornalistas Livres

     

    Nesta segunda 10 de julho, acontecia em Belo Horizonte o lançamento nacional da segunda fase do Memorial da Democracia, com presença do ex-presidente Lula, público de cerca 1900 pessoas acompanhando o evento no Grande Teatro do Palácio das Artes, enquanto aproximadamente cinquenta pessoas organizadas protestavam em frente ao local. Os manifestantes defendiam as palavras de ordem “Lula ladrão”, “Lula vagabundo”, “viva Lava Jato” e “eu vim de graça” e a candidatura de Bolsonaro em 2018, além de homenagear o nome do coronel Ustra, ex-chefe do DOI-CODI e acusado pela morte de dezenas de pessoas durante a ditadura. Lideranças de duas entidades envolvidas no ato foram entrevistadas sobre suas reivindicações e percepções sobre a conjuntura. Os depoimentos mostram heterogeneidade e contradições entre os diversos argumentos.

    Coordenador do movimento Direita Minas, que tem mais de 100 000 seguidores no Facebook, Bruno Engler, estudante de direito, identifica-se como direita conservadora,que preza pelos valores da família tradicional, judaicos e cristãos e pede para penas mais severas para bandidos e porte de arma ao cidadão. Ele argumenta que o movimento da direita representa melhor a democracia que o Lula, afirmando que esse “apoia a ditadura venezuelana, cubana e apoiou a ditadura da união soviética” e defende ainda que “o regime militar brasileiro não foi uma ditadura”.

     

    O movimento se posiciona a favor da queda do atual Presidente Michel Temer e avalia que há provas de que ele seja também corrupto : “todo corrupto tem que cair”, diz ele. No entanto, não parece preocupado à possibilidade de outro politico acusado de corrupção, Rodrigo Maia, assumir a Presidência em caso de queda de Temer. O movimento é contra a convocação de eleições diretas e a favor do respeito à Constituição pela vias de eleições indiretas. A principal razão da rejeição das diretas seria a convicção de que eleições diretas representam “um golpe no voto impresso” que só sera obrigatório a partir de 2018. Segundo Bruno Engler a esquerda quer eleições diretas para não ter voto impresso. Desta forma “quem ira decidir o novo Presidente seria o TSE, não vai ser nós”, acrescenta.

    Apesar de ser contra a reforma da Previdência, que Bruno Engler avalia como necessária, porém inadequada no formato proposto, ele apoia a reforma trabalhista para desburocratizar a CLT, reduzir os encargos trabalhistas e assim favorecer a retomada da economia, mas reconhece não saber todos os pontos da reforma. “Eles [a esquerda] dizem que nos somos facistas, mas a CLT é uma copia da “carta del lavoro” do Mussolini que era um ditador facista italiano”. As origens da CLT são controversadas e podem não se inspirar no texto italiano, mas há grandes semelhanças entre o modelo da CLT brasileiro dessa carta, no que ambas fortalecem o papel do Estado na tutela dos direitos trabalhistas. (confira em: http://www.redebrasilatual.com.br/revistas/83/mais-para-a-esquerda)

    No mesmo ato, estava Hilda Araujo, diretora administrativa da associação Mulheres da Inconfidência, organização de cunho politico que defende a ideia de uma “faxina geral” para o pais, mediante o resgate dos valores morais e éticos, e o fomento ao civismo. Hilda se considera liberal, a favor de um Estado minimo e da meritocracia. Ela também participa de iniciativas de cunho caritativo para causas sociais

    Diferentemente de Bruno, Hilda não vê a atual polarização politica com bons olhos, alegando que “vivemos no mesmo país e queremos todos a mesma coisa”. Para ela a possibilidade de cada cidadão brasileiro conseguir um trabalho digno é a maior prioridade. Mas ela não vê no Estado a legitimidade para cumprir esse papel. Ao mesmo tempo que define a Petrobras como “nosso orgulho”, ela defende a venda de todo patrimônio estatal e limitação da atuação pública às obrigações mínimas do Estado: saúde, educação e segurança. Mas seu raciocínio vai mas a fundo. Questionada sobre de onde viriam os recursos para prover essas politicas publicas, mesmo em um estado mínimo, ela menciona a demanda de maior descentralização dos recursos públicos entre a união e as demais entidades federativas com a possibilidade delas captar e gerirem maior volume de receitas. Um tema de gestão tributária pautado também por alguns setores progressistas que lamentam que o pacto federativo de 1988 descentralizou as competências mas não as receitas.

     

    Hilda e as demais mulheres da associação protestaram a favor da prisão do Lula, mas ela ressalta que mesmo assim “temos que ser respeitosos ao tratar quem a gente nomeia”. Não se firma em orientação política-partidária, e seu posicionamento sobre o atual congresso, é sem pestanejar: “junta tudo e joga fora!”, mas ao mesmo tempo não defende troca de mandatos: “se chegamos onde estamos, vamos segurar até o fim do mandato”. À denúncia contra Lula, se junta também uma denúncia ao Temer (“ele não tem nenhuma vergonha na cara, nao deveria nem ter sido candidato a vice presidente e deveria hoje renunciar”) e ao Aécio Neves, que foi seu candidato em 2014, para quem ela escreveu pessoalmente uma carta manifestando sua revolta contra o comportamento que ela considera inaceitável : “foi uma facada para o povo mineiro”.

     

    Embora tenha demonstrado maior abertura ao diálogo do que Bruno, no que diz respeito a projeto de futuro para o país, Hilda demonstra desconhecimento de taxas de mortalidade da população jovem e negra cometida pela polícia, associando essa população à propensão à criminalidade de maneira genérica, defendendo a ação policial como defesa prévia. Ela afirma: “prefiro ver dez suspeitos mortos a perder a vida de um policial”, desprezando o princípio de presunção de inocência. Acredita na eficiência do regime militar e afirma que “os militares de hoje estão melhores e não vão cometer os mesmos erros do passado”.

  • Não aposentem suas panelas, por favor!

    Não aposentem suas panelas, por favor!

    Acordei indignada. Sensação que me trouxe esperança novamente, pois achei que o caos que se tornou o Brasil pós-impeachment tinha matado minha capacidade de indignação por asfixia.

    Não! Eu estou profundamente preocupada e irritada com o “salve-se quem puder” que nosso país se tornou. Condição iniciada e estimulada pelos “lava-jatistas” que assaltaram o poder por meio de um processo de impeachment absolutamente inconstitucional e fomentado por um ódio coletivo a um único partido – que de santo não tem nada – porém, disfarçado de “combate à corrupção”.

    – “Primeiro, a gente tira a Dilma! Depois, a gente tira todos os corruptos”, berravam.

    Pois bem, arrancaram uma presidenta legítima e democraticamente eleita, sem nenhum crime de responsabilidade e colocaram um “vice” – que está inelegível pela lei Ficha Limpa – que, por sua vez, nomeou para os ministérios um bando de “lava-jatistas” corruptos e engajados em salvar o próprio rabo. Tanto é que Temer já amargou a “queda” de mais de meia dúzia de seus ministros, todos envolvidos em escândalos, um pior que o outro.

    Embora muitos poderosos desejem que a população seja uma massa de manobra apática e estúpida, ela não é. (Ao menos, não sempre.) As pessoas estão assistindo, no camarote de seus smartphones, que as regras fundamentais que deveriam sustentar nossa sociedade não valem mais nada. Basta ter empáfia suficiente para fazer o que quiser e tirar proveito para si. Ok, não sejamos ingênuas de acreditar que isso não acontecia antes. Infelizmente, sempre fez parte da cultura brasileira e do hábito daqueles que podem comprar a “justiça”. No entanto, existia o temor geral de que, se pego em flagrante, teria que responder e ser punido de algum modo, mesmo que “apenas” simbolicamente, com a própria reputação falida.

    O fato é que, pós-impeachment, nem sequer precisa-se esconder o delito. A exceção virou a regra. E por que não dizer que, para muitos, virou moda.

    Ora, se o Renan Calheiros pode ignorar uma ordem do STF e não ser punido;

    Se um áudio de Romero Jucá, no qual ele admite que o impeachment foi, na verdade, um grande pacto para salvar os “lava-jatistas” e nada aconteceu;

    Se o juiz Sergio Moro autoriza vazamento de uma gravação totalmente ilegal da Presidência da República, mas coloca em sigilo listas com nomes de lideranças partidárias envolvidas no esquema de propinas da Odebrecht (que, curiosamente, não mencionam Dilma e nem Lula, mas implicam, por exemplo, Aécio, Alckmin, Serra & Cia, e tudo fica por isso mesmo, pior, o tal Moro continua sendo tratado como herói pela grande mídia… Por que haveríamos de nos preocupar com as consequências da lei em nosso cotidiano?

    Cadê a panela?

    Quando se misturam a impunidade escancarada e o ódio coletivo, explode uma sociedade violenta, sem empatia e preocupação com o bem comum. Ou seja, um campo de guerra. Não à toa, estamos testemunhando tragédias nas ruas de Espírito Santo e Rio de Janeiro; nos presídios de Rio Grande do Norte, Roraima e Amazonas; perseguições e assassinatos com motivação de aversão ao que é entendido como fora do “padrão aceitável”; declarações de ódio, racismo, misoginia, lgbtfobia, xenofobia nas redes sociais e reuniões familiares… Essa lista poderia se estender quase que infinitamente, mas acredito que foi suficiente para entender com o que estamos lidando.

     

    Comecei dizendo que estou indignada. E minha indignação não se restringe ao que nosso país tem se tornado depois do impeachment. Também não me conformo que a população que bateu panela e saiu às ruas gritando “Fora PT”, esteja inerte perante tudo que tem acontecido. Muitos estão dizendo que desistiram, pois é uma luta perdida, que não há esperança…

    Cadê a panela 2?

    Como assim? Então, acenderam o incêndio que está devastando nossa democracia, nossas instituições e direitos básicos duramente conquistados; e, simplesmente, vão desistir? Irão, sem qualquer escrúpulo, se refugiar em seus condomínios fechados, em suas escolas e previdências privadas? Era mesmo apenas um ódio irracional contra Lula e o partido que ele ajudou a criar? Foi uma manha infantil para extravasar desgostos desconexos, muitos deles inventados pela Rede Globo e afins?

    Ninguém pode negar que operação Lava-Jato tem sido essencial para lançar luz à podridão estrutural em nosso sistema político. Porém, é necessário admitir que ela tem alguns problemas sérios, como a parcialidade descarada de seu manda-chuva, o juiz Sergio Moro. Sua última cartada foi defender Temer das acusações feitas por Eduardo Cunha, as quais afirmam que o grande chefe do esquema de vantagens e propinas da Petrobras é o atual presidente. Tese que destrói o mantra difundido – e retratado por meio de um powerpoint ridículo – de que tal posição pertence a Lula, por mais que não existam provas mas sobre convicção.

    A questão fundamental não é inocentar ou culpar o PT, pode ficar tranquila. Não se trata disso e nunca, de fato, se tratou. O que está em jogo é a conservação do velho jeito de se fazer política. Os “lava-jatistas” estão se digladiando para, primeiro, se safarem da punição que merecem e, segundo, para manter os esquemas escusos que os tornaram milionários e cada vez mais poderosos à custa do dinheiro público que deveria ser investido no bem comum dos brasileiros.

    Eu realmente acredito que a maioria das pessoas, que são chamadas de “coxinhas”, fez o que fez com boa intenção. Elas acreditaram que estavam lutando por um país melhor. Quem pode dizer que nunca se enganou? Quem nunca foi manipulado? Acontece.

    Entretanto, há um abismo entre ter agido de modo sinceramente enganado e fingir que nada aconteceu. Não é possível que o ímpeto que fez tais pessoas se vestirem com a bandeira nacional e saírem pelas ruas tenha desaparecido por completo. Em algum lugar de suas consciências e dignidade deve haver um resquício dele. Não desistam, por favor.

    Libertem-se das rédeas manipuladoras de movimentos como Movimento Brasil Livre (MBL), Vem Pra Rua e Movimento Contra Corrupção (MCC); e assumam a responsabilidade do que começaram. Não deixem para seus netos o legado de que bradaram “Primeiro, a gente tira a Dilma!” e sussurraram “Depois… a gente abandonou a causa, deixando o Brasil despencar no abismo da nossa incoerência, hipocrisia e covardia.”