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  • Lula envia carta a repórter de rádio mineira

    Lula envia carta a repórter de rádio mineira

    Minha cara Edilene Lopes, queridos e queridas ouvintes da Itatiaia.

    Se eu pudesse estaria aí com vocês agora, comendo um bom prato de feijão tropeiro e ouvindo aqueles causos que só o povo mineiro sabe contar. Isto nas horas vagas, porque no resto do tempo eu e o Fernando Haddad estaríamos percorrendo esse estado, fazendo campanha para presidente e vice-presidente da República, porque é preciso e porque nós queremos colocar o Brasil outra vez nos trilhos do crescimento econômico com justiça social. E o Haddad e eu, com toda certeza, estaríamos também pedindo votos para reeleger o Pimentel governador e dar à Dilma uma votação histórica para o Senado.

    Mas, infelizmente, eu não posso estar aí com vocês, porque aqueles que deram o golpe no povo brasileiro e derrubaram a primeira presidenta do Brasil, sem crime de responsabilidade, são os mesmos que me condenaram e me prenderam sem nenhuma prova de qualquer crime cometido. São os mesmos que deixaram Minas Gerais com uma dívida do tamanho que tinha a Serra do Curral antes de ser comida pela mineração.

    São os mesmos que tentaram impedir a candidatura do Pimentel à reeleição, e que tentaram o tempo todo inviabilizar o governo dele, chegando inclusive a sabotar a renegociação da imensa dívida que eles criaram. E mesmo assim o Pimentel governou, e segue governando para todos os mineiros, principalmente para aqueles que mais necessitam.

    E a vergonha dos nossos adversários é tanta que o candidato deles, o mesmo que não soube aceitar a derrota na eleição presidencial de 2014, achou mais prudente se esconder atrás de uma candidatura a deputado federal pra não perder de novo pra Dilma, dessa vez na disputa ao Senado. Foi assim que eles inventaram o mais novo prato da culinária mineira, indigesto e difícil de engolir: o escondidinho de tucano

    Meus queridos e minhas queridas ouvintes da Itatiaia, minha cara Edilene, a quem darei uma entrevista exclusiva tão logo a democracia seja restaurada no nosso país. Preso injustamente em Curitiba, exilado do povo brasileiro, faço aqui uma promessa. Mais cedo do que temem meus adversários, estarei de volta a Minas e ao convívio com o povo mineiro e com o povo brasileiro, comemorando a nossa vitória tomando uma boa salinas, porque afinal ninguém é de ferro.

    Um grande abraço, e até breve.

    Luiz Inácio Lula da Silva, candidato a presidente do Brasil.

     

  • Lula dispara em Minas

    Lula dispara em Minas

    É, realmente, assombroso o desempenho de Lula em Minas, como mostrou a jornalista Raquel Faria, assim como no Norte e Nordeste do país. A pesquisa realizada pelo Instituto Doxa em municípios mineiros, entre os dias 5 e 8 deste mês, mostra dados interessantes após ouvir 2.500 eleitores em seus domicílios, o que é importante, já que não foi feita por telefone ou aleatoriamente na rua.
     
    Apenas Lula, só ele entre os demais candidatos, consegue ganhar dos votos nulos, que aparecem como uma avalanche nessa pesquisa encomendada pelo PSB mineiro. No caso, cerca de 36%. É curioso notar, ainda, que, tirando aqueles que admitem votar apenas em Lula (cerca de 20%) ou Bolsonaro (cerca de 13%) restam apenas cerca de 20% de votos a serem disputados pelos demais candidatos, considerando que os demais eleitores preferem votar nulo ou em branco.
    Quanto à disputa pelo governo de Minas, a pesquisa do Doxa mostra o senador tucano Antonio Anastasia na frente com 15% dos votos, enquanto o governador Fernando Pimentel, do PT, tem 12%.
    Na disputa pelo Senado, a ex-presidente Dilma Rousseff transita em céu de brigadeiro liderando com 20% doso votos, enquanto o senador tucano Aécio Neves teria 11%, mas ele optou por disputar uma à Câmara dos Deputados. Com isso, os demais candidatos ocupam uma mesma faixa com apenas 2%, o que favorece a candidatura da deputada federal Jô Morais, do PCdoB, que pode participar da corrida pegando carona com Dilma.
  • Como a execução de Marielle se encaixa na crise

    Artigo de Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História da UFBA, com ilustração de Genildo

    Um dos maiores desafios para quem tentar interpretar a realidade no calor das circunstâncias é a compreensão do processo.

    Analisar um evento aqui e outro acolá não é exercício dos mais difíceis. A dificuldade está em conectá-los, em perceber relações de causa e consequência, em entender o “princípio orientador do processo”.

    Por exemplo, não é necessário ser um grande estudioso da política brasileira para saber que a execução da vereadora carioca Marielle Franco (PSOL), em 14 de março de 2018, foi um crime político motivado pela militância da parlamentar em defesa dos direitos humanos e pelas suas denúncias contra a violência policial.

    Mas qual é o lugar do assassinato de Marielle Franco na crise institucional que desde 2013 desestabiliza o sistema político brasileiro?

    Essa é a pergunta que tento responder neste ensaio e, para isso, reconstruo parte da história da crise brasileira, com o objetivo de destacar aquele que, na minha interpretação, é o seu aspecto mais elementar, o seu princípio orientador: a ofensiva do neoliberalismo contra o Estado.

    A quem deve servir o Estado? À sociedade civil ou aos interesses de uma elite financeira que descobriu ser mais lucrativo especular na Bolsa de Valores do que investir na cadeia produtiva?

    O mercado financeiro é instável, perigoso. Do dia para noite fortunas são acumuladas e perdidas. Quem coloca muito dinheiro nessa roleta russa precisa de segurança, de garantia. É por isso que o capital especulativo quer o Estado com contas públicas equilibradas, atuando como fiador da especulação. O rentismo é conservador, não gosta de correr riscos.

    Está aí o núcleo duro da crise, de uma crise que não é apenas brasileira, que é mundial.

    Ainda que a crise seja mundial, não tenho dúvidas de que o Brasil é o seu principal palco de manifestação. Hoje, o Brasil é um laboratório para o experimento neoliberal 3.0. Em nenhuma parte do mundo, os ataques do capital especulativo ao Estado foram tão violentos e chegaram tão longe como aqui.

    É por isso que a presidenta Dilma foi golpeada.

    É por isso que Lula foi condenado e, provavelmente, será preso.

    É por isso que Marielle foi executada.

    O golpe parlamentar que destituiu a presidenta Dilma, o rito jurídico viciado que condenou Lula e a execução de Marielle são partes de um mesmo processo. Não é possível tratá-los como eventos isolados.

    Começamos pelo golpe parlamentar travestido de impeachment.

    Muitas críticas podem ser feitas à presidenta Dilma Rousseff. A desonestidade e o envolvimento com práticas de corrupção não estão entre elas. Mas de nada serviu a conduta pública ilibada da presidenta, pois desde 2011 Dilma estava apostando muito alto.

    Ou, na feliz formulação de André Singer: Dilma “cutucou onças com vara curta”.

    Dilma provocou o sistema financeiro, onça raivosa, na famosa “batalha dos spreads”, quando mandou os bancos públicos reduzirem os juros operacionais.

    Resultado?

    Os bancos privados, para não perderem mercado, tiveram que competir com os bancos públicos e em meados de 2013 a economia brasileira tinha a menor taxa de juros em anos.

    Em setembro de 2013, Dilma sancionou a lei que destinava 75% dos royalties do petróleo para a educação e 25% para a saúde. O texto determinava ainda que 50% do Fundo Social do Pré-Sal seria direcionado para educação.

    Com Dilma, o Estado brasileiro foi longe demais nas suas pretensões de tutelar o desenvolvimento nacional. Soma-se essa ousadia à insistência da presidenta em combater à corrupção da classe política e teremos a explicação para o golpe parlamentar de agosto de 2016.

    O motivo do impedimento foi falacioso, uma invenção, mas bem representativo dos interesses do neoliberalismo. Dilma foi criminalizada por fazer política econômica anticíclica, por preservar a função social e civilizatória do Estado em um momento de crise de acumulação.

    E Lula?

    Por que o golpe neoliberal o persegue tanto se ele foi bem mais tímido que Dilma no confronto aos interesses do neoliberalismo nacional e internacional? Não podemos esquecer que Henrique Meirelles, ministro da Fazenda do governo golpista e principal liderança do neoliberalismo brasileiro, foi presidente do Banco Central durante toda a “Era Lula”.

    A relativa aproximação de Lula com a agenda neoliberal pode ser interpretada de duas formas: como indício de “traição” ou como maturidade política.

    Ou Lula foi um traidor da classe trabalhadora ou foi uma liderança astuta o suficiente para perceber que melhor seria dar os anéis para preservar os dedos. Vale lembrar que Lula não foi golpeado, terminou dois mandatos e elegeu a sucessora.

    Que o leitor e a leitora tirem suas próprias conclusões.

    Mas, seja como for, se por estratégia de sobrevivência política ou se por traição à causa dos trabalhadores, fato mesmo é que nos últimos anos Lula se tornou símbolo de um dos valores fundacionais do imaginário político brasileiro: a definição do Estado como agente provedor de direitos sociais.

    É por isso que Lula é o principal alvo do golpe neoliberal, que com a adesão de parte do Judiciário brasileiro utiliza a narrativa do combate à corrupção como estratégia de perseguição política.

    Ao associar Lula à corrupção, a mídia hegemônica, fábrica de narrativas do golpe neoliberal, pretende vender a imagem de um Estado arcaico que é naturalmente corrupto e corruptor.

    Lula é representado como a personificação desse Estado.

    Se no imaginário popular Lula personifica o Estado provedor de Direitos, na narrativa elaborada pelo golpe neoliberal ele representa um Estado patrimonialista e corrupto.

    E a solução para o problema? Simples: prender Lula e desmontar o Estado, o que na prática significam dois objetivos de um mesmo projeto. Por isso, o golpe neoliberal não fecha sem a completa destruição política e simbólica de Lula.

    Já a execução de Marielle se deu num outro momento da cronologia da crise, quando o golpe neoliberal, nas vésperas das eleições (ao que tudo indica, teremos eleições), tenta ganhar alguma popularidade, visando sua legitimação eleitoral.

    A intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro é a última cartada do governo golpista visando a legitimação eleitoral do golpe neoliberal, que sendo uma conspiração palaciana, em nenhum momento teve a sanção popular, como mostram todas as pesquisas de opinião, segundo as quais a aprovação de Michel Temer é uma margem de erro, algo próximo a zero.

    A população brasileira, cujo imaginário político é atravessado pela ideia de que cabe ao Estado prover direitos, reprova as reformas neoliberais efetivada na marra pelo governo golpista.

    Por isso, a Reforma da Previdência não passou, nem sequer chegou perto disso. Os deputados não quiseram colocar suas assinaturas num projeto tão impopular nas vésperas de uma eleição. A resistência não ocorre apenas nas ruas, fazendo greve e fechando o trânsito. A resistência acontece também no plano do imaginário.

    Por outro lado, as mesmas pesquisas mostram que a “Segurança Pública” já é a principal preocupação dos brasileiros, dado que é mais do que relevante em ano de eleição. As pessoas estão assustadas, querendo respostas.

    Por isso, está acontecendo a tal intervenção federal no Rio de Janeiro. O governo golpista não quis ficar refém do fracasso da Reforma da Previdência, o que o tornaria um cadáver político apodrecendo em praça pública até janeiro de 2019, quando (espero) tomará posse o novo governo, um governo eleito.

    Mas o que o assassinato de Marielle tem a ver com isso?

    Tudo!

    A vereadora Marielle Franco seria a relatora de uma comissão parlamentar destinada a acompanhar os rumos da intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro.

    Como socióloga especialista no tema, Marielle era uma crítica da intervenção, pois sabia perfeitamente que militares na rua só servem para aumentar a violência, sempre mais violenta nas comunidades carentes, sempre mais violenta com pessoas pobres e pretas.

    Como liderança política de esquerda, Marielle sabia perfeitamente o que estava em jogo com a tal intervenção.

    Por isso, Marielle foi morta, com quatro tiros na cabeça, sem nenhuma tentativa de dissimulação.

    Marielle foi silenciada, pois seria uma voz poderosa na denúncia do golpe, na denúncia da estratégia do golpe em utilizar a intervenção no Rio de Janeiro como palanque político, visando transformar Michel Temer num candidato viável ou, no mínimo em um cabo eleitoral influente.

    A morte de Marielle está sendo politizada por todos os lados, como não poderia deixar ser. Afinal, foi uma morte política.

    O golpe neoliberal tem uma narrativa para a morte de Marielle, que está sendo difundida pelo seu porta-voz, pelo departamento de jornalismo da Rede Globo: Marielle seria mais uma vítima da violência urbana no Rio de Janeiro, o que justifica a intervenção, o que confirma a necessidade da intervenção. Essa narrativa violenta a trajetória pública de Marielle Franco. É uma segunda execução. O cinismo golpista não tem limites.

    O campo progressista também tem suas narrativas: Marielle era mulher, negra, lgbt, socialista, favelada e, por isso, foi assassinada, executada, simplesmente executada. É como se os assassinos estivessem dando um recado para os iguais de Marielle: “Fiquem nos seus lugares e calados!”.

    A narrativa progressista está incompleta, pois falta a conexão do evento ao processo, da morte da Marielle ao movimento do golpe neoliberal.

    A narrativa progressista falha quando polariza com o bolsonarismo, quando trata o bolsonarismo como o grande inimigo da democracia brasileira.

    Segundo uma pesquisa da FGV, apenas 8% das postagens que na internet comentaram a morte de Marielle tiveram conteúdo ofensivo. Jair Bolsonaro não tem a adesão de 50% da população brasileira. Acredito mesmo que quando as urnas forem abertas, ele não terá mais do que 15% dos votos, o que em si já é um problema civilizacional gravíssimo, mas tá longe de ser uma situação de polarização eleitoral.

    De todos os sentimentos humanos, o ódio é o mais barulhento e, por isso, tendemos a superestimá-lo.

    A polarização é outra: de um lado estão aqueles que defendem o protagonismo do Estado na gerência do desenvolvimento nacional. Do outro lado, estão as forças motoras do golpe neoliberal, estão “os do Mercado”.

    Também não se trata de uma polarização eleitoral, pois a agenda neoliberal é rejeitada pela população brasileira. Hoje, nenhum candidato que defenda explicitamente as reformas neoliberais seria eleito. Disso todos têm certeza, com a exceção de Rodrigo Maia, Henrique Meirelles e Michel Temer, que parecem viver em uma realidade paralela.

    A polarização tem a forma de um conflito, de um conflito violentíssimo, pois o neoliberalismo controla as forças policiais, controla a grande imprensa, controla os três poderes da república. O neoliberalismo golpeia, condena sem provas e mata.

    O impedimento ilegal de Dilma, a condenação de Lula e a execução de Marielle representam o golpe neoliberal em movimento. O golpe neoliberal não é um evento. É um processo.

     

  • Lula tem de ser candidato, ainda que na condição de preso político

    Lula tem de ser candidato, ainda que na condição de preso político

    O avançar do processo contra o presidente Lula traz consigo uma dialética inicialmente imprevista: na medida em que se aproxima o seu aniquilamento jurídico, crescem o apoio popular e o sentimento de que ele é, em verdade, vítima de persecução política.

    Essa contradição se intensificou a partir do próprio movimento do real, ou seja, do desenvolvimento dos fatos: a crença inicial de que Lula, ao ser acusado de corrupção, responderia a um julgamento como qualquer outro cidadão, foi desmanchando-se no ar com o decorrer das ações penais.

    Em consequência, quanto mais visível se tornava a politização do judiciário, maior era a politização por parte de Lula e movimentos sociais.

    Assim, a linha política majoritária do PT, que defendia intransigentemente a independência, a autonomia e a credibilidade, foi sendo alterada ao longo desses anos.

    Refiro-me ao período Eduardo Cardozo no Ministério da Justiça, quando um ideário republicano e conciliador orientava a ação de amplos setores das esquerdas e reduzia seus horizontes para o simples “fortalecimento das instituições”.

    Cardozo era o símbolo máximo dessa estratégia.

    Especialmente nas vésperas e logo após o golpe de Estado – ou seja, em momento dramaticamente tardio –, percebe-se uma guinada estratégica, em que, pela primeira vez, começa a tornar-se nítido no debate de tais setores de esquerda que, em verdade, estava havendo uma exasperação da luta de classes e que a institucionalidade era parte central daquela.

    Depoimentos em juízo voltados à população e não apenas ao processo, coletivas de imprensa, e, finalmente, após a condenação em primeira instância, as Caravanas de Lula pelas regiões do país, surgem como mecanismo de mobilização popular e enfrentamento à perseguição jurídico-política.

    Aquela crença original, que mesmo após 2014 permeava as mentes de setores das esquerdas (quanto a acreditar no funcionamento das instituições, na prevalência dos direitos e garantias individuais, da legalidade, nas possibilidades de novas composições e alternativas conciliatórias, em ser um golpe de Estado algo anacrônico), corroeu-se no tempo.

    Agora, olhando retrospectivamente, até Reinaldo Azevedo admite: a Lava Jato atuou completamente fora da legalidade.

    Condução coercitiva sem prévia intimação para depor; vazamento para a Rede Globo de áudios da presidenta da República – um crime, e contra a soberania nacional – com fins de criar a atmosfera política para o golpe de Estado; denúncia apresentada pelo Ministério Público através de um PowerPoint, em um hotel de luxo locado para o fim de apresentar o presidente Lula como chefe de organização criminosa que quebrou a Petrobrás, enquanto sua condenação se deveu ao Triplex do Guarujá, etc.

    Tais elementos seriam suficientes para demonstrar a parcialidade do juízo em curso.

    Mas cada um desses eventos, acumulados no tempo histórico, possibilitava novas interpretações da população que, ao balançar-se em favor de Lula, levava a Lava Jato a necessitar de nova radicalização.

    E foi assim que o TRF-4, furando a fila de 257 processos, inclusive alguns relativos à corrupção.

    O furo da fila, em pleno janeiro, antes do carnaval, não foi por acaso: era simbólico marcar a sua condenação para um ano após a morte de Dona Marisa, bem como era necessário apressá-la para impedir o desenvolvimento de sua antítese, a mobilização popular.

    Lula e as esquerdas, mais uma vez, foram convocados a responder.

    A resposta foi uma gigantesca mobilização em Porto Alegre, construindo uma atmosfera de mobilização popular pela cidade apenas vista nos Fóruns Sociais Mundiais, em contextos outrora completamente favoráveis.

    O TRF-4, então, arriscou. Os desembargadores poderiam:

    a) absolvê-lo;

    b) condená-lo mediante placar de 2 x 1;

    c) manter a condenação, mas reduzir a dosimetria da pena; ou

    d) determinar o cumprimento da sentença apenas com o trânsito em julgado.

    Ao final, escolheram outra alternativa: majoraram a pena para:

    1) impedir Lula de beneficiar-se da prescrição retroativa quanto ao crime de corrupção passiva;

    2) demonstrar, simbolicamente, que Moro não perseguiu ex-presidente, na verdade, teria sido “benevolente”. Ademais, o placar de 3 x 0 impede Lula de opor embargos infringentes e, pela Ficha Limpa, o impõe a condição de inelegível.

    Por fim, determinaram o cumprimento imediato da pena, logo após julgado os possíveis embargos de declaração.

    Ou seja, o presidente Lula pode vir a ser preso ainda antes do carnaval ou logo após.

    Estes desembargadores – o relator, por sinal, consta na dedicatória do livro de Sérgio Moro e com ele cursou mestrado – desconsideraram que, nos embargos de declaração da defesa, Moro disse que em nenhum momento afirmou que a compra do triplex advinha dos contratos da Petrobrás.

    Ora, se o processo foi mantido em Curitiba somente por envolver a Petrobrás, tal afirmativa necessariamente deslocaria a competência da ação para São Paulo, sede do tríplex.

    Logo, Moro não é o juiz natural de tal caso.

    Da mesma maneira, desconsideraram a inexistência de escritura pública ou mesmo posse do tal apartamento – que tem 85 m2, sem vista para o mar. Ou seja, nada à altura “do líder da organização criminosa”, segundo o Ministério Público.

    Condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, em nenhum momento se provou que Lula detém a propriedade ou gozou um dia sequer de tal apartamento, bem como qual ato executou, como presidente, para beneficiar diretamente a OAS.

    Além disso tudo, a condenação se deu com base na delação de Léo Pinheiro, ex-presidente da OAS.

    Léo teve sua primeira delação travada, quando inocentou Lula. Ao mudar sua versão, conquistou agora no TRF-4 a redução de sua pena de dez anos para somente três.

    Há tempos, portanto, saímos da legalidade burguesa.

    Aliás, a história demonstra que assim o é quando as classes subalternas não aceitam o domínio burguês.

    Para manter o ataque do capital contra o trabalho – consubstanciado nas reformas trabalhista, da previdência, na Emenda Constitucional do corte dos investimentos (EC95) –, o único caminho é desmontar as organizações dos trabalhadores e inviabilizar seus líderes.

    Para responder ao ataque do capital, o único caminho para trabalhadores e trabalhadoras é fortalecer suas organizações e defender suas lideranças historicamente construídas.

    E a condenação de Lula somente é compreensível neste contexto.

    Acontece que a condenação tornou Lula inelegível, mas não o impede de registrar sua candidatura.

    É uma condenação em âmbito penal, não eleitoral.

    Em verdade, todos os prazos em âmbito da Justiça Eleitoral permitem que ele seja candidato, e eleito no primeiro turno.

    Caso consiga alguma vitória no STF ou STJ, pode vir a ser empossado.

    Caso não, o TSE pode cassar seu registro e terá de convocar novas eleições.

    Estamos, portanto, perante em uma encruzilhada histórica: uma vez mais as esquerdas são convidadas a usar a institucionalidade para a organização, conscientização e avanço das classes trabalhadoras, ou a declinar e aceitar esta ditadura branda das elites nacionais e internacionais.

    Aceitar o enfrentamento implica inclusive entrar em campanha eleitoral com seu candidato preso, demonstrando claramente que o julgamento foi uma farsa e que caberá à população desmoralizá-la.

    Após tantas vacilações, tentativas de concertações – que incluíram ilusões como a capacidade de Lula ministro frear o golpe de Estado, ou, pior ainda, a de que acordo com setores de direita “menos golpistas”, quando das eleições para presidência das Casas do Congresso, seria uma via para a superação do golpe –, não há mais tempo para titubear.

    O próprio movimento histórico obrigou o PT a corrigir a sua estratégia.

    A Lava Jato, ao condenar Lula, impôs a sua candidatura.

    Não lançá-lo, é legitimar a fraude.

    Submetê-lo ao crivo popular, é convocar as classes trabalhadoras para a maior polarização desde 1989.

    Na pior das conjunturas, chegaríamos a uma segunda eleição com um acúmulo político no seio da sociedade capaz de confrontar-se com o conglomerado das classes proprietárias, mesmo que outro seja o candidato ou candidata.

    Se vencer e não conseguir ser empossado, a polarização e politização da sociedade jogarão em favor do campo popular quando da nova disputa, e não o oposto.

    Portanto, os trabalhadores e trabalhadoras nada têm a perder, a não ser os seus grilhões.

    • Daniel Araújo Valença professor do curso de Direito da UFERSA e coordenador do Grupo de Estudos em Direito Crítico, Marxismo e América Latina – Gedic.
  • Porto Alegre capital da democracia e resistência

    Porto Alegre capital da democracia e resistência

    Por Adriana de Castro Jornalistas Livres

     

    Milhares de militantes de todo o Brasil ocupam a capital gaúcha na espera do julgamento que acontece na manhã desta quarta-feira, em Porto Alegre.
    O julgamento da apelação de defesa do ex-presidente Lula pelo Tribunal Federal Regional – 4ª Região (TRF-4) é acompanhado em todo país e mundo afora, com muita atenção. Existe um estado de alerta dos movimentos sociais que apoiam Lula. E deixam o recado: “todo cuidado é pouco contra uma possível condenação arbitrária e sem provas”.
    A falta de energia elétrica transferiu a manifestação, que contou com 15 mil participantes, da Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul para a Praça Marechal Deodoro.

     

    “Por que o Lula está sendo condenado, sendo inocente? Já que tantos outros e outras são pegos(as) em com gravações, com mala de dinheiro, subindo e descendo, e estão protegidos a ponto de poderem concorrer livremente. Ou seja, estes(as) outros(as) não estão submetidos à Justiça”, afirmou a presidenta Dilma Rousseff durante ato esta manhã em Porto Alegre.

    De acordo com Dilma, o golpe é um processo, não um ato isolado. “Este processo começou com um impeachment sem crime de responsabilidades feito por um grupo de usurpadores. Esse impeachment não foi dado apenas contra o meu mandato de 54 milhões de votos. Foi dado contra um modelo de desenvolvimento, para reduzir o gasto social com o povo brasileiro”, concluiu.

    O filosofa e escritora Márcia Tiburi, também presente no ato, considera o momento grave e o julgamento, perverso. Ela fez um chamamento para que todos e todas estejam atentos quanto a violência e a insanidade do poder judiciário.

    Ainda nesta terça-feira, aconteceu em Porto Alegre uma grande marcha, que culminou na Esquina Democrática com a presença do ex-presidente Lula. Lá estão mais de 50 mil trabalhadores para a vigília em defesa da democracia e do direito de Lula ser candidato.

    Movimentos do campo

    Desde segunda-feira, os trabalhadores rurais sem terra estão agitando Porto Alegre. A largada da jornada, com a marcha de 5 mil camponeses do MST e Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), da Ponte do Guaíba (BR 116) até o local do acampamento.

    Hoje, de acordo com o MST, mobilizações de rua, bloqueios de rodovias e acampamentos, aconteceram em todo o país, numa vigília democrática nacional.

    Os estados da Bahia e de Pernambuco amanheceram totalmente paralisados por ações de militantes da Frente Brasil Popular e MST, bloqueando as principais rodovias e clamando à discussão sobre a falta de provas do processo e a inocência de Lula. O Fórum da cidade de Juazeiro-BA foi ocupado ainda na madrugada. Além disso, no extremo sul da Bahia, a BR 101 foi paralisada na altura dos municípios do Prado, Itabela e Itagimirim.

    Somente em Pernambuco foram mais de 10 trechos interditados nos municípios de Petrolina, Serra Talhada, São Caetano, Moreno, Jaboatão dos Guararapes, Goiana, Escada, Petrolândia, Bonito, Passira e Camuru.

  • Brasil: a construção interrompida, de novo!

    Brasil: a construção interrompida, de novo!

    por César Locatelli e Gustavo Aranda

    Você não ouvirá um economista que repete a mesma ladainha do FMI, do Banco Mundial ou dos economistas ortodoxos e seus pares da mídia. Tampouco o identificará com radicalismos raivosos ou destemperados. Os conceitos progressistas firmes, mas transmitidos com notável diplomacia, de Paulo Nogueira Batista Jr., o permitiram ter colunas em jornais conservadores brasileiros por mais de uma década. Em tempos de um Brasil menos cindido, era ouvido por ambos os lados da luta política.

    Sua longa trajetória passa pelo período em que o Brasil esteve atolado em dívidas contraídas na ditadura. Foi quando conviveu com a equipe de Dilson Funaro, ministro da Fazenda que implantou o Plano Cruzado e decretou a moratória da dívida externa brasileira, em 1987.

    Ele vivencia, no papel de diretor do Brasil no FMI e delegado do Brasil no G20 nos anos recentes, o Brasil sem dívidas com nações ou bancos internacionais, com alto volume de reservas internacionais e credor de instituições como o próprio FMI. Posteriormente, desloca-se para a China para Novo Banco de Desenvolvimento, popularmente chamado de Banco dos BRICS.

    Sua dissonância com a volta às políticas ortodoxas e o retorno do país à subserviência às ordens de Washington, possivelmente, lhe custaram as colunas de jornais e o cargo no banco. Paulo Nogueira Batista, entretanto, não se incomoda de ser a voz discordante: “Em certos momentos, eu fui o único dos 24 diretores executivos do FMI que discordou do programa de austeridade grego —que era um massacre para a Grécia. Acredito que o tempo deu razão aos que, como eu, criticaram desde o começo”.

    De volta ao Brasil, Paulo Nogueira Batista Júnior conversou longamente com os Jornalistas Livres. Um papo que abrirá os horizontes de todos nós que queremos entender a economia pós-crise de 2008, o papel do FMI, a agenda dos grandes interesses econômicos, a criação do G20 e dos BRICS, guinada e a interrupção da construção de soberania brasileira que estava em curso. Aproveite.