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Tag: delação premiada

  • Lula é condenado novamente e defesa recorre mais uma vez à ONU

    Lula é condenado novamente e defesa recorre mais uma vez à ONU

    A juíza Gabriela Hardt, da 13ª Justiça Federal de Curitiba, condenou nesta quarta-feira, 6, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a 12 anos e 11 meses de prisão pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, referentes a obras realizadas por empreiteiras em um sítio em Atibaia (SP), no processo da Operação Lava Jato. Lula ainda foi condenado ao pagamento de R$ 423.152,00, equivalente a 212 dias-multa no valor de 2 salários mínimos por dia, e proibido de exercer cargo público ou integrar a direção de empresas pelos próximos 24 anos e 2 meses. Outros 10 réus também foram condenados.

    Em nota, o advogado de Defesa do ex-presidente, Cristiano Zanin, afirmou que a decisão é totalmente arbitrária, e só reforça, mais uma vez, o uso perverso das leis e dos procedimentos jurídicos para fins de perseguição política, prática reputada como “lawfare”. E disse ainda que vai levar, mais uma vez, ao conhecimento do Comitê de Direitos Humanos da ONU em Genebra, na Suíça, que poderá julgar o comunicado ainda neste ano — e eventualmente auxiliar o país a restabelecer os direitos de Lula. Como ele vem fazendo desde 2016.

    Segundo Zanin, a sentença segue a mesma linha proferida pelo ex-juiz Sérgio Moro, que condenou Lula por convicção e delação premiada, sem ele ter praticado qualquer ato de ofício vinculado ao recebimento de vantagens indevidas, ou seja, sem ter praticado o crime de corrupção que lhe foi imputado. “Novamente, a Justiça Federal de Curitiba atribuiu responsabilidade criminal ao ex-presidente tendo por base uma acusação que envolve um imóvel do qual ele não é o proprietário, um “caixa geral” e outras acusasões referenciadas apenas por delatores generosamente beneficiados”.

    O advogado explica que a decisão, mais uma vez desconsiderou as provas de inocência apresentadas pela defesa de Lula nas 1.643 páginas das alegações finais protocoladas há menos de um mês, no dia sete de janeiro desse ano, — com exaustivo exame dos 101 depoimentos prestados no curso da ação penal, laudos técnicos e documentos anexados aos autos. “Chega-se ao ponto de a sentença rebater genericamente a argumentação da defesa de Lula fazendo referência a “depoimentos prestados por colaboradores e co-réus Leo Pinheiro e José Adelmário” (p. 114), como se fossem pessoas diferentes, o que evidencia o distanciamento dos fundamentos apresentados na sentença da realidade”, cita em outro trecho da nota.

    O fato de Lula ter sido condenado “pelo recebimento de R$ 700 mil em vantagens indevidas da Odebrecht” mesmo a defesa tendo comprovado, por meio de laudo pericial elaborado a partir da análise do próprio sistema de contabilidade paralelo da Odebrecht, que tal valor foi sacado em proveito de um dos principais executivos do grupo, o presidente do Conselho de Administração, é um absurdo para Zanin. “Esse documento técnico foi elaborado por auditor e perito com responsabilidade legal sobre o seu conteúdo, e comprovado por documentos do próprio sistema da Odebrecht, mas foi descartado sob o censurável fundamento de que “esta é uma análise contratada por parte da ação penal, buscando corroborar a tese defensiva” — como se toda demonstração técnica apresentada no processo pela defesa não tivesse valor probatório”. Ou seja, não valesse como prova.

    Em outro trecho da nota, Zanin diz que Lula foi condenado pelo crime de corrupção passiva por afirmado “recebimento de R$ 170 mil em vantagens indevidas da OAS” no ano de 2014, quando ele não exercia qualquer função pública, e que a despeito do reconhecimento já exposto, não foi identificado pela sentença qualquer ato de ofício praticado pelo ex-presidente em benefício das empreiteiras envolvidas no processo. “Foi aplicada a Lula uma pena fora de qualquer parâmetro das penas já aplicadas no âmbito da própria Operação Lava Jato — que segundo julgamento do TRF4 realizado em 2016, não precisa seguir as “regras gerais” — mediante fundamentação retórica e sem a observância dos padrões legalmente estabelecidos” finaliza.

     

     

     

  • Folha: Não dá pra não ver a manipulação!

    Folha: Não dá pra não ver a manipulação!

    Os repórteres Bela Megale, de Brasília, e Mario Cesar Carvalho, de São Paulo, produziram neste domingo um petardo mortal contra o tucano José Serra, que já foi editorialista da “Folha de S.Paulo”.

    Na reportagem “Odebrecht diz ter repassado € 2 milhões de caixa dois a José Serra”, publicada à página A9, deste domingo (9/04/2017), os dois contam e minúcias, como foi a delação premiada do ex-presidente do grupo Odebrecht Pedro Novis. Segundo Novis, foram repassados € 2 milhões (o equivalente a 5,4 milhões) ao caixa dois de José Serra (PSDB), a partir de 2006, quando o tucano disputou e venceu a eleição para o governo de São Paulo.

    A delação inclui a informação de que o dinheiro foi depositado entre 2006 e 2007 em contas na Suíça indicadas pelo empresário José Amaro Pinto Ramos, próximo ao PSDB.

    Apesar da riqueza de detalhes e da riqueza do valor que teria sido entregue a Serra, entretanto, a reportagem não mereceu nem uma mísera linha na capa do jornal, ocupando pouco mais de meia página, no fundão da cobertura de política.

    Quanta diferença em relação ao escândalo promovido pelo mesmo jornal, em 30 de janeiro do ano passado!

     

    Naquela ocasião, a pretexto de denunciar a compra de uma barco furreca de alumínio por dona Marisa Letícia Lula da Silva, mulher de Lula, o jornal consumiu quatro páginas internas. O barco, arrematado em uma loja de materiais de construção no valor de R$ 4.126, REPETINDO R$ 4.126!, tornou-se a manchete do jornal e o espaço de quase meia página da capa, numa edição de sábado, foi preenchido pela “denúncia” do fato gravíssimo. Marisa Letícia havia comprado um barco de R$ 4.126, com nota fiscal emitida em seu próprio nome.

     

    A “Folha” acaba de lançar a nova versão de seu Projeto Editorial, dizendo-se, como sempre, pluralista, apartidária e independente. SQN!

    O dinheiro que o delator afirma ter depositado na conta suíça de um testa de ferro de Serra daria pra comprar 1.308 barquinhos da dona Marisa. Se o espaço consagrado a cada uma das denúncias fosse proporcional ao montante em dinheiro, Serra teria de conviver com o assunto dos R$ 5,4 milhões, ecoando durante vários dias. Mas ele pode ficar tranquilo porque a pauta, apequenada no jornal de ontem, já sumiu do jornal de hoje (10/04/2017).

    Como é bom ser tucano!

    Entendeu o que é manipulação da mídia?

     

  • Rodrigo Janot e o fim do sigilo das delações da Odebrecht

    Rodrigo Janot e o fim do sigilo das delações da Odebrecht

    Por Jornalistas Livres
    Na segunda-feira (30), à tarde, o Procurador Geral da República, Rodrigo Janot,  fez um rápida visita à Ministra Cármem Lúcia. Não sabemos o teor do que foi tratado, mas ante toda a pressão da sociedade civil para que se retire o sigilo das delações da Odebrecht, como a manifestação do presidente da OAB,  este assunto pode ter sido comentado.
    Como o Supremo Tribunal Federal não retirou o sigilo delações, caberia a Rodrigo Janot fazer este pedido.
    Em 19 de dezembro de 2016, Rodrigo Janot já havia declarado a parlamentares que pediria o fim do sigilo das delações da Odebrecht.
    Este ato de Janot, pedindo o fim do sigilo, teria um grande apoio da sociedade –que cobra enfaticamente  o direito de saber tudo e todos que foram citados na denúncia da Odebrechet. O povo brasileiro tem este direito, pois sustenta com seu trabalho cotidiano todas estas instituições que para ele estas deveriam trabalhar.
    No final do ano, a delação de Cláudio Melo Filho que foi vazada pela imprensa, quase impediu o seguimento das 77 delações da Odebrecht.
    Para se impedir o prosseguimento de vazamento seletivos, nada melhor que a transparência, até para permitir a defesa e de que não se cometam injustiças, como já ocorreu.
    Já é publico que esta delação envolve a figura do usurpador que se intitula Presidente da República, e todo o núcleo de golpistas que o apoiam, como Eliseu Padilha, Romero Jucá, Geddel Vieira Lima, Eduardo Cunha, Renan Calheiros, entre tantos outros.
    O mais grave é que os dois candidatos apoiados pelo Governo usurpador ao Senado (Eunício Oliveira) e Câmara dos Deputados (Rodrigo Maia) são citados e, se investigados, podem sair da linha sucessória da presidência da República, ou seja, podem se tornar novos “Renans” e “Cunhas”.
    A Odebrecht era a líder do cartel da empreiteiras, e a homologação da sua delação já estava levando a que a Camargo Correia e Andrade Gutierrez tomassem o mesmo caminho. Inclusive porque, em muito contratos, todas atuavam em conjunto.

    Tucanos no lance

    A delação da Odebrecht, com a da Camargo Correa e a Andrade Gutierrez, também apavora os tucanos paulistas e mineiros, especialmente porque os contratos com o cartel das Empreiteiras com o governo paulista chegam a  R$ 210 bilhões.
    Já se sabe que a Odebrecht  irá atingir José Serra e seus esquemas, que envolveram R$ 23 milhões, ou ao Santo, ninguém menos do que o governo Gerando Alckmin. Além disto, já se publicou que vários secretários serão atingidos.
    O  simples gesto de pedir a quebra de sigilo das Odebrecht  pode finalmente mostrar toda a atuação do cartel das  empreiteiras  e do financiamento privado de campanha, que beneficiou todos os partidos, e assim, poderemos pelo menos  acabar com a hipocrisia no debate político  e a seletividade da mídia.
    Esperamos do Procurador Geral da República, Rodrigo Janot, uma atitude firme para impedir que se concretize o famoso diálogo de Romero Jucá com Sérgio Machado, segundo o qual o golpe era necessário para “estancar a sangria” da Lava Jato.
    Que todos pressionemos Rodrigo Janot a pedir o fim do sigilo das delações da Odebrecht e para que cumpra aquilo que declarou aos parlamentares. A verdade e a democracia agradecerão.
  • A Lava Jato está morta – Suicídio ou Delcídio?

    A Lava Jato está morta – Suicídio ou Delcídio?

    A delação premiada do imaculado Delcídio do Amaral foi vazada na quinta-feira (03 de março) para excitar os ânimos e preparar a violência contra o ex-presidente Lula no dia seguinte, sexta-feira, 04 de março. Foi o que, com todas as letras e mais algumas, disse Jânio de Freitas em sua coluna. Pode-se fazer um pacto com Mefistófeles e sair dele ileso? A enxurrada de críticas recebidas pelas Lava Jato, a maioria esmagadora vindas de juristas respeitáveis, membros do STF, ex-ministros de FHC e setores da comunidade acadêmica, que vamos detalhar a seguir, parecem indicar um fim inglório. Quase tão inglório quanto o foi reduzir os 283 anos de prisão, a que foram condenados os peixes mais graúdos dos negócios alcançados pela Operação Lava Jato, a apenas 7 anos, pela distribuição generosa de benefícios da delação premiada.

    Que intimidação, que combate efetivo se pode fazer à corrupção, com tamanha benevolência? Por ai o resultado será muito mais estimular que erradicar. Ou o objetivo seria não o combate à corrupção mas sim a detenção de Lula?

    Foram dois anos, 24 meses, 730 dias, 17.520 horas de trabalho intensivo para provar que o ex-presidente Lula sabia e, de fato e de direito, era o comandante do esquema de mega corrupção da Petrobras. Vamos repetir: por dois anos, 24 meses, 730 dias, 17.520 horas de trabalho ininterrupto, exaustivo, intenso, uma multidão de promotores, investigadores, analistas e técnicos trabalhou para obter uma prova. Tudo foi vasculhado, revirado, esquadrinhado. Cada milímetro do mundo real e cada pixel do mundo virtual. Nada foi encontrado. Ou melhor, foi encontrado um pedalinho, um barco, e talvez alguma outra quinquilharia. E agora?

    Como se poderá manter uma Operação Lava Jato cujos promotores e o juiz são acusados de conspiração óbvia (por Jânio de Freitas), de preconceito de classe e criação de ineditismos vergonhosos (por Fábio Wanderley Reis), de sujar a Constituição, o Código Penal e a cultura jurídica do país (por Tales Castelo Branco), de erguer invencionices e abuso do poder para ludibriar a opinião pública (por Beatriz Vargas), de praticar violências típicas dos regimes ditatoriais que recorrem ao paredão (por Marco Aurélio de Mello), de agir com arbitrariedade (por José Gregori), de ilegalidade (Alamiro Velludo), de se valer de métodos de gangsters (por Vladimir Safatle), de agir autoritariamente estimulando confrontos e brigas (por Paulo Sérgio Pinheiro), de desvio da legalidade (por Walter Maierovitch), de colocar em risco a ordem pública, deixando aberto o espaço para que o Brasil ingresse numa espiral de violência social generalizada (diversos analistas)? Todas essas acusações eclodiram após a condução forçada do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, sem motivação e sem precedentes na história do país, para depor em Congonhas.

    Os promotores da Lava Jato, tentando reagir à unânime reprovação ao procedimento de condução coercitiva, acabaram por lançar uma nota infeliz, em que o debate público foi desqualificado como sendo “falsa controvérsia”,  destinada apenas a lançar “uma cortina de fumaça sobre os fatos investigados”. Ou seja, chegamos a um ponto tal em que exercer o direito de pensar e opinar se tornou ofensa à Lava Jato. Direitos garantidos na Constituição, não esqueçamos. A emenda piorou o soneto, que já era execrável.

    Deixando de lado o tema concernente ao que há de abusivo e desrespeitoso nessa investida arrogante contra a esfera pública, fica a pergunta sobre quem seria a turma do fumacê? Quem está fumegando os olhos da população contra a operação Aletheia? A firme repulsa aos métodos do MPF teve início com o Ministro do STF, Marco Aurélio de Mello, com declarações muito contundentes em entrevista à coluna de Mônica Bergamo.

    Eu só concebo condução coercitiva se houver recusa do intimado para comparecer. É o figurino legal. Basta ler o que está no código de processo. Deve ser o último recurso. Você hoje é um cidadão e pedem que você seja intimado para prestar um depoimento. Em vez de expedirem o mandado de intimação, podem conduzir coercitivamente, como se dizia, debaixo de vara?

    Temos aqui uma cortina de fumaça? O ministro do STF é um carbonário ou um sapador lulista? Ao que saibamos, este ministro não mantém vínculos cordiais com Lula ou com o PT. Se fosse necessário criar um neologismo para estabelecer sua relação com esse partido seria o caso de dizer que ele é “um antipatizante do PT”. E que interesse teria em lançar cortinas de fumaça para confundir a opinião pública?

    Além dele, ex-ministros e secretários de FHC, alguns até francos adversários do PT, vieram a público expressar seu repúdio aos métodos do juiz Sérgio Moro. Um desses foi  José Gregori, ministro da Justiça (2000-2001) e secretário de Direitos Humanos (1997-2000), quem afirmou que…

    “Você (fazer) logo a condução coercitiva é um exagero. E na realidade o que parece é que esse juiz (Sergio Moro) queria era prender o Lula. Não teve a ousadia de fazê-lo e saiu pela tangente.”

    Não é extremamente desmoralizante para a Lava Jato uma avaliação desse tipo? Gregori não falou em causa própria ou de seu partido. Ao contrário. Manifestou-se, como dizia Hegel, no interesse daquilo que todo jurista deveria priorizar, a saber, preservar antes de tudo a justiça. Pois é. O filósofo dizia que a justiça não é desinteressada mas, antes, se orienta por um interesse essencial ─ o de impedir que a justiça se traia em justiçamento. Essa é uma deformação que sobrevém toda vez que um interesse externo (de política, de vingança, de ódio, etc.) alcança se impor sobre as finalidades da justiça. Nada poderia ser mais grave e danoso. E foi justamente isso que Marco Aurélio apontou:

     “Quando se potencializa o objetivo a ser alcançado em detrimento de lei, se parte para o justiçamento, e isso não se coaduna com os ares democráticos da Carta de 88.”

    Ora, “o objetivo a ser alcançado” mencionado por Marco Aurélio é evidente: prender Lula e destruir o PT. Mas era lícito afundar na lama da vergonha, para chegar a esse objetivo, manipulando as prerrogativas de uma instituição-chave para a vida democrática, o Ministério Público Federal? Segundo o criminalista Tales Castelo Branco, ex-presidente do Instituto dos Advogados de São Paulo e conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), autor de diversas obras em Direito Criminal, como “Da prisão em flagrante” e Teoria e prática dos recursos criminais”, a condução coercitiva do ex-presidente Lula para depor na Polícia Federal foi totalmente desnecessária:

    “Essa ação é drástica e suja a constituição brasileira, o código de processo penal e, principalmente, a cultura jurídica do país”.

    Como é possível que tenhamos chegado ao ponto em que um juiz e os procuradores da Lava Jato tenham que ouvir a acusação de que sujaram a constituição do país, o código de processo penal e, sobretudo, a cultura jurídica do país? Será que esse rebaixamento do MPF não fere um patrimônio que também nos pertence? Não mancha uma instituição do Estado? Isso enche de estupor porque, para tamanho desequilíbrio, para que o pião gire tão fora do eixo, como ocorre com um pedestre trôpego, é preciso um tonificante muito forte. De onde veio o combustível para tamanho desvio da isenção e do estrito interesse pela justiça?

    Paulo Sérgio Pinheiro, também como Gregori, ex-ministro de FHC, descreveu a decisão de Moro com as mesmas cores:

    “Não há nenhuma defesa que caiba para essa decisão desnecessária e autoritária do juiz Moro. Com a desculpa de evitar confrontos, estimulou tumultos e brigas”. 

    Certamente, o MPF não dirá que Paulo Sérgio Pinheiro busca interferir, obscurecer, ou lançar cortinas de fumaça em benefício dos investigados pela Lava Jato.

    Observe-se que aqui nem sequer menciona-se aquilo que Demétrio Magnoli, outro antipatizante renitente do PT, apontou, ainda que para o justificar, como interferência da política na justiça: que a humilhação de Lula seria a resposta de Moro à saída do ministro da justiça, José Eduardo Cardozo, supostamente por pressões do ex-presidente:

    O “timing da condução coercitiva de Lula foi ditado pela política. Aqui não existem coincidências. A Operação Aletheia eclodiu na sequência da troca de guarda do Ministério da Justiça.”

    Mas se é assim, não estamos diante de clara retaliação, isto é, vingança? E o uso dos poderes da república, dos poderes conferidos ao MPF pela Constituição do poder público, não estão sendo deformados, desviados do âmbito da sua validade, usados para a vindita? Mas se for isso, e parece ser isso, não estaríamos diante da confirmação da perplexidade expressa por outro analista, Vladimir Safatle: “É briga de gângsteres ou é transformação política?” Ou seja, é olho por olho ou é procedimento regulado pelas normais legais vigentes?

    Outro crítico inteiramente alheio à família petista, Walter Maierovitch, ex-secretário Nacional Antidrogas de FHC, também destacou o “desvio de legalidade” no ato do juiz Moro.

    “Acho que buscas e apreensões são atividades normais em investigação. Agora, o que eu estranho, como jurista, é a condução coercitiva do Lula. É algo surpreendente e preocupante”.

    A mesma acusação de ilegalidade, de violência, vamos encontrar dentro da comunidade acadêmica. Para Alamiro Velludo, professor de Direito da USP, Lula tinha razão em se recusar a depor na Justiça estadual de São Paulo. Não decorre daí que pudesse ser obrigado a depor na Justiça Federal sem mais:

    Ninguém está acima da lei. Porém existe uma lei que define como as pessoas devem ser convocadas. O que houve ali (na decisão de Moro) foi uma ilegalidade.

    Moro ofereceu um show romano aos plebeus ao jogar Lula na arena dos leões. Para isso, dançou funk ostentação em cima do Código Penal e se arrogou poderes que não possuía. A invenção de procedimentos inexistentes, assim como o mitomaníaco inventa fatos jamais ocorridos, passou à ordem do dia como declara Beatriz Vargas, professora da Direito Penal da UnB:

    Manutenção da ordem pública é um fundamento da prisão preventiva e não da condução coercitiva. Moro está fazendo uma leitura inventiva, criativa da norma que acena para um abuso de poder. É como criar uma categoria light da prisão preventiva. Isso não existe.

    Ao menos no plano das suas fantasias conceituais, o juiz já transferiu Lula para a órbita da prisão (preventiva), como se vê. Mas a serviço de que se coloca esta invencionice que tomou um fundamento da prisão preventiva e o desviou para a condução coercitiva? A serviço da vingança política pela saída de Cardozo? Certamente, mas também se parece com uma espécie de desforra institucional, tomando as dores do MP de São Paulo. A própria nota do MPF menciona um fato que, por desnecessário no contexto, nos obriga a refletir:

    “Após ser intimado e ter tentado diversas medidas para protelar esse depoimento [no MP de São Paulo], incluindo inclusive um habeas corpus perante o TJSP, o senhor Luiz Inácio Lula da Silva manifestou sua recusa em comparecer.”

    Em comparecer? Em comparecer onde? Isso deveria ter sido explicitado na nota dos procuradores para não confundir o leitor. Em comparecer ao MP de São Paulo que, em verdade, não tinha poderes para convocá-lo. Foi o que o procurador Cássio Conserino do MP de São Paulo (depois de ameaçar ignobilmente o ex-presidente com a polícia civil e a militar) disse com soberba placidez ─ que, simplesmente, havia cometido um erro.

    Mas aqui chegamos a algo de gritante gravidade, colocado para a discussão pública também por um membro da comunidade acadêmica acima de qualquer suspeita de vínculos, atuais ou pretéritos, com o PT. É Fábio Wanderley Reis, cientista político, professor emérito da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), quem diz, do alto dos seus oitenta anos incompletos e da sua vasta produção sobre o Brasil, que a Lava Jato bateu numa encruzilhada. O que é pior, o fez dando corda solta ao preconceito e à violência de classe. Realizou, ao conduzir à força o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, um ato inédito e inusitado ─ nenhum outro ex-presidente foi tratado assim:

    “Há uma coincidência importante do ineditismo disso com o fato de que se trata do primeiro ex-presidente da República de origem social mais humilde. É evidente que essas duas coisas estão relacionadas. Seria muita ingenuidade sociológica, para não dizer o mínimo, pretender que se trata de uma mera coincidência”.  

    O nome disso não será covardia também? De fato, a palavra covardia (assim como a palavra ignorante, e algumas outras do português) tem dupla face. Em uma, se aproxima do que disse José Gregori, ou seja, tem a ver com a coragem, ou melhor, com a falta dela, que, segundo ele, o juiz Sérgio Moro teria manifestado ao não ter ousadia de prender Lula e ter buscado uma tangente. Mas, por outro, é covardia em outro sentido do vocábulo, isto é, no sentido de linchamento praticado por um grupo forte contra um (ao menos era o que esperavam) mais fraco. Nesse caso o ineditismo de se ter levado para depor um ex-presidente, e com uma corda amarrada ao pescoço, mas o fazendo apenas porque se trata de alguém “de origem social mais humilde”.

    Certamente a reação de Lula, que a covardia já tomava por um cachorro morto, assustou. Como avaliou também Jânio de Freitas:

    Em paralelo, o pronunciamento de Lula, revivendo o extraordinário mitingueiro, não apenas deixou pasmos os que esperavam vê-lo demolido, a ponto de que também a Globo transmitiu-o ao vivo. Calmo, desafiador, o pronunciamento abriu a única perspectiva conhecida de restauração do PT, com Lula em campo pelo país afora, e já enfrentando os que pretendem extinguir os dois.

    A cobra está viva. Mas a questão é o que virá agora. O pânico que levou à correria e dispersão dos perseguidores é temporário. Há uma máquina e há maquinações que estão pulsando nos bastidores, e que vão muito além dos seus procuradores e juízes, esses são peças das engrenagens, e não as mais importantes. Logo que os encorajamentos, as congratulações, os apoios, os editoriais, os cumprimentos, os desagravos, forem se multiplicando, a coragem voltará às faces agora lívidas que novamente recobrarão um rosado saudável. E aí voltarão, ou tentarão voltar, para uma nova investida. É a máquina que está operando.

    Quem pôs a nu uma das engrenagens da trama não foi nenhum robusto cutista, mas o mesmo comedido e elegante decano da imprensa brasileira que acabamos de citar, Jânio de Freitas. Ele apontou que o vazamento da delação do imaculado Delcídio no dia 03 foi arquitetado como prévia ao ato de violência contra o ex-presidente no dia 04, a “sexta-feira quase santa”:

    O que se passou de quinta (3) para a sexta (4) passadas não foram ocorrências desconectadas. Foram fatos combinados para eclodirem todos de um dia para o outro, com preparação estonteante no primeiro e o festival de ações no segundo. O texto preparado na Lava Jato para entrega ao Supremo Tribunal Federal, como compromisso de delação de Delcídio do Amaral, está pronto desde dezembro. À espera de determinada ocasião. (…)

    Por que a intermediação para o momento especial foi da “IstoÉ”, desprezada pela Lava Jato nos dois anos de sua associação com “Veja” e “Época”? É que estas duas, na corrida para ver qual acusa e denuncia mais, costumam antecipar na internet os seus bombardeios.

    Enfim, agora que a paulada na jararaca virou uma varada n’água, qual a situação da Lava Jato?

    Presos num transe obsessivo, numa espécie de alucinação, insistirão em provar, mesmo que com as “provas” as mais fajutas, o objetivo (a culpabilidade de Lula) para alcançar o final apoteótico (sua prisão)? O que pode resultar do encarceramento de “seu objetivo” a qualquer custo? Ousarão jogar o país no abismo?  Provocarão um confronto de grandes proporções, que se sabe como começa (como na Espanha em 1936 ou na Síria em 2011), mas não se tem a mais remota ideia de como terminará? Não tenhamos ilusões. O Brasil não corre o risco de entrar numa guerra. Ele já entrou, e a situação de rebaixamento econômico, moral, institucional, que vive agora, já é consequência dessa guerra não declarada. Se vai chegar às vias de fato, se a coisa vai degenerar para enfrentamentos, e se terminaremos reduzidos a escombros como a Síria, ninguém pode saber. Mas só um débil mental jogaria gasolina sobre os ânimos neste momento.

    Em certas ocasiões, basta um tiro (como o que matou João Pessoa), uma provocação, um ato ignóbil, para que se passe da febre ao incêndio social. Como disse em entrevista à BBC por esses dias o historiador britânico Kenneth Maxwell, nesse instante, há ingredientes para um grande risco no Brasil: “Existem antagonismos profundos –regional, racial e de classe– envolvidos.” Ou seja, trocando em miúdos para não deixar dúvidas: existe o Sul e o Nordeste, os brancos e os negros, os ricos e os pobres, a elite dos Jardins e os desvalidos do Jardim Ângela. Tudo isso, foi potencializado pela crise econômica, e exasperado pela crise política.

    O ressentimento social nunca foi tão vasto. As Highlux, os SUVs, as BMWs, os Camaros podem despertar um dia cercados por uma multidão de Chevettes, Corcels II, Fiats 147, Dell Reys e Monzas  à frente de uma infantaria de motoboys. A teoria da panela de pressão do sociólogo Hélio Jaguaribe anda esquecida, mas não foi superada. Ela foi uma das profecias que velaram o berço da Nova República e a principal tarefa do PT, para quem não sabe, tem sido a de lançar nessa panela de pressão bolsas família para amenizar sua combustão. O Brasil, continua, como há trinta anos atrás, às vésperas de uma explosão social e com o estômago queimando.

    Mas o que, num instante tão delicado, fez o juiz Sérgio Moro?  Promoveu os acontecimentos que acabamos de vivenciar, sequer guardando o jejum do mês de março, mês de recordações tão funestas na história política brasileira. E tão significativo para quem quisesse enxergar em sua ação um atentado contra a democracia. E muita gente enxergou assim e fez críticas muito duras como já mostramos. Ainda mais por verem nas ruas centenas de homens com uniformes camuflados.

    Os fatos elencados para levar o ex-presidente coercitivamente para depor, devem ser usados para um pedido de desculpas. Basta de imaginar que o ex-presidente é um gênio do mal e que, a qualquer preço, deve ser desmascarado. A genialidade de Lula é política e não de outra natureza. O MPF tem que concluir que após 24 meses, 730 dias, 17.520 horas de trabalho ininterrupto, exaustivo, intenso nenhuma prova efetiva que comprometa Lula foi encontrada. Nada justifica investir numa aventura que, além de todas as críticas que mencionamos, venha a colocar fogo no pouco que ainda resta do Brasil hoje.

     

    *Bajonas Teixeira de Brito Jr. é doutor em filosofia, professor universitário e escritor