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  • Ex-guerrilheiro político desaparece em Florianópolis

    Ex-guerrilheiro político desaparece em Florianópolis

    Desaparecido desde sábado (1/6), e procurado com a ajuda de cães farejadores por toda Florianópolis (SC), ele faz parte importante da memória da luta contra a ditadura militar. A maior parte das pessoas que reproduzem o anúncio sobre seu desaparecimento ignora, contudo, que Antônio José da Luz Amaral Filho, 83 anos, é um guerrilheiro sobrevivente da repressão. Ex-secretário do Partido Comunista Brasileiro no Paraná, onde atuou como advogado e procurador, passou por perigos inimagináveis. Participou de operações  arriscadas das guerrilhas urbanas, a exemplo do assalto ao navio argentino Missiones, aportado em Paranaguá.

    O desaparecimento de Antônio José da Luz Amaral Filho há quatro dias mobiliza a família, a polícia e as redes sociais em Florianópolis em uma busca sem trégua. A Delegacia de Polícia de Pessoas Desaparecidas (DPPD) e a Guarda Municipal de Florianópolis trabalham desde o final da manhã de terça-feira, 4, procurando pistas do senhor que gosta de caminhar pela cidade. Cães farejadores, estimulados pelo odor de uma peça de roupa da vítima, auxiliam os policiais na busca pelos matagais e na praia do Campeche, onde foi visto pela última vez no sábado à tarde.

    Seu desaparecimento está sendo amplamente anunciado pelo G1 e por vários veículos de comunicação de Santa Catarina como o sumiço de um senhor de saúde frágil, que toma remédios para diabetes, pressão alta e perda de memória. O que a maior parte das pessoas ignora é a biografia corajosa deste homem que foi protagonista importante da história da resistência no Brasil.

    Foto mais recente do advogado desaparecido que atuou na guerrilha do Paraná (Acervo familiar)

    Amaral, como é conhecido na memória da luta contra a Ditadura Militar, foi militante e secretário geral do Partido Comunista Brasileiro no Paraná. Em Curitiba,  atuou profissionalmente como procurador e como advogado durante 50 anos. Passou por perigos inimagináveis, participando de ações arriscadas das guerrilhas urbanas, como o assalto ao navio Missiones, da Argentina, fundeado no Panamá. Embora não faça segredo sobre sua trajetória política, a biografia clandestina de Amaral é mais conhecida dos familiares e amigos próximos. Integrou ações pela derrubada da ditadura de 64 ao lado de figuras como Luiz Carlos Prestes, Carlos Lamarca, Dilma Rousseff e seu marido na época, Cláudio Galeno Linhares e Aguilberto Vieira de Azevedo, militante do PCB desde a Intentona Comunista de 1935.

    Nascido em uma família culta e abastada, ele arriscou a carreira, o conforto e a própria vida para lutar por justiça social. Ajudou a construir a resistência não só com sua inteligência e vitalidade física, mas empregando recursos financeiros para garantir a sobrevivência de outros lutadores.

    Amaral, no pátio do Diretório Estadual do PT, em 18/09/2018, na recepção ao candidato Fernando Haddad. Foto: Raquel Wandelli

    BRAÇOS DADOS COM O GUERRILHEIRO

    Encontrei Amaral em 18 de setembro de 2018 a caminho da recepção a Fernando Haddad no Diretório Estadual do PT/ SC, quando me dirigia para a entrevista coletiva ao candidato à presidência da República, antes do seu comício em Florianópolis. Um amigo me parou para apresentá-lo e pedir para acompanhá-lo até o evento que ele queria muito presenciar. Tomei-o sem demora pelo braço e o conduzi por um percurso de quase dois quilômetros pelo centro da cidade até o local da coletiva. Depois do pronunciamento de Haddad, o ex-guerrilheiro falou com orgulho e altivez. em entrevista ao vivo aos Jornalistas Livres. Também  colaborou com a luta pela redemocratização do Brasil, no lado1 de outros célebres lutadores, 111

    Ao ver os anúncios de jornal e de televisão que comunicavam seu desaparecimento, reconheci-o imediatamente e recordei nossa conversa. O ex-secretário do PCB contou um pouco sobre a operação do navio argentino Misiones, fundeado na baía de Paranaguá, quando ele atuava na  guerrilha paranaense.  Questionei-o por que nunca foi pego pela repressão, e ele respondeu, bem humorado, que escapou à prisão e à tortura graças à extensão do seu nome:

    “No assalto ao navio Missiones, da Argentina, estavam comigo judeus muito ricos de Curitiba que caíram [presos no DOPS] em São Paulo. Mais tarde eles me contaram: ‘Amaral, levei uns 30 paus de arara; estava para te entregar, mas não consegui lembrar o seu nome’. Eles tentavam entregar meu nome, mas esqueciam”.

    Os três geradores e a casa de rádio, tirados do navio, foram, segundo Amaral, doados ao guerrilheiro Carlos Lamarca para que pudesse organizar a resistência brasileira em contato com os comitês internacionais. Da mesma forma, os fuzis e granadas resultantes do saque ao quartel de Alto Piquiri, também no Paraná, foram transferidos ao capitão, que desertou do Exército Brasileiro para comandar o movimento revolucionário armado. Adepto a um socialismo de viés democrático, fez questão de ressaltar que a luta armada foi necessária para fazer frente às atrocidades dos militares de 64, mas não a considera mais a estratégia correta – ao menos não a considerava no cenário pré-eleição de Bolsonaro.

    Amaral estava com esta jaqueta quando visto pela última vez no restaurante Vizu (Foto: arquivo pessoal)

    CÃES FAREJAM RASTROS ATÉ PONTO DE ÔNIBUS PRÓXIMO

    Visto pela última vez no bairro Campeche, por volta das 15 horas desse sábado, seu sumiço pode estar, segundo o delegado Wanderley Redondo, da Delegacia Especializada em Pessoas Desaparecidas de Florianópolis,  relacionado ao quadro de saúde que inclui princípio de diabetes, pressão alta e perda de memória. Ele almoçava com a família no restaurante e bar Vizu quando avisou que sairia para dar uma caminhada enquanto os demais acompanhantes terminavam a refeição. E não voltou mais.

    Após as primeiras buscas na região do desaparecimento, o delegado informou que os cães farejadores da Guarda Municipal levaram os policiais até um ponto de ônibus, localizado a 100 metros de distância do restaurante, onde ele foi visto pela última vez. Isso pode ser um indício de que o militante entrou num ônibus e saltou em local ainda ignorado, segundo Wanderley Redondo. Na quarta-feira, a DPPD teria acesso as imagens da empresa Fênix, que presta serviço de vigilância eletrônica para o sistema de ônibus da região. As imagens ajudariam a investigar o destino do advogado, caso tenha mesmo tomado uma condução.

    Já no domingo, no dia seguinte ao sumiço, a família registrou Boletim de Ocorrência na 2ª Delegacia de Polícia Civil. A notícia do desaparecimento começou a mobilizar a cidade a partir de um comunicado do neto de Amaral em sua página no Facebook:

    Reprodução de foto de anúncio nas redes sociais

    “Olá. Meu avô desapareceu na Avenida Campeche, próximo ao Vizu Bar e Restaurante, ontem (1/6) às 15h/16h. Não temos nenhuma notícia dele desde então. Divulgamos sua foto em muitos grupos de Whatsapp e Facebook. Estamos sem chão. Ele é conhecido como Dr. Amaral. É um senhor de 84 anos e precisa tomar remédios diariamente. Peço, em nome de toda a nossa família, que vocês nos ajudem a encontrar alguma pista de onde ele possa estar, divulgando o desaparecimento. Ele é um cidadão de bem, advogado aposentado, muito querido por diversos amigos e conhecidos.
    Contato: (48) 99668-0771 – Nicolas”

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

    Pai de três filhos adultos e morador do bairro Agronômica, Amaral não dormiu em casa no sábado. Conforme a família, durante o dia ele gosta de passear de ônibus pelos arredores da Ilha e Continente, mas sempre retorna para casa no final da tarde. Em depoimento à polícia, familiares disseram suspeitar que ele tenha caído ou perdido os documentos, em razão da perda de equilíbrio em sua idade avançada.  Como ele advogou em Curitiba durante 50 anos, o filho Antonio da Luz Amaral Neto considera a possibilidade – e a esperança – de ter viajado para o Estado do Paraná. Os parentes também recorreram ao Grupo de Apoio a Familiares de Desaparecidos de Santa Catarina (GAFAD-SC). Conforme a agente Márcia Hendges, da DPPD, em entrevista ao G1, até a tarde de ontem não havia pistas do Dr. Amaral, como é carinhosamente chamado.

    “Nenhuma informação até agora foi repassada, nem para família, para
    polícia ou autoridades. Isso causa estranheza na gente. Ele é um
    senhor que caminha devagar, não tem telefone. Então a gente trabalha
    com a possibilidade de estar perdido em alguma mata ou ter tido um mal
    súbito”.

     

     

     

     

    A ADMIRAÇÃO POR PRESTES, ANITA E DILMA ROUSSEFF

    Nascido no Recife, Amaral se formou em Direito em Curitiba. Atuou como procurador no Estado do Paraná e transferiu-se com a família para Florianópolis aos 76 anos, em 2012, quando ficou viúvo. Ele próprio se intitula um comunista nascido em berço de ouro, mais propriamente num palácio da Ilha do Retiro, onde hoje está instalado o estádio de futebol do Sport Club Recife. Os pais eram ricos, mas mantinham ligações contraditórias com militares e pessoas influentes no poder de um lado e, de outro, cultivavam vínculos de amizade com intelectuais e militantes de esquerda.

    Amigo e admirador de Prestes, mas também de Brizola, Dilma Rousseff, Oscar Niemeyer, João Saldanha, João Goulart e Mário Lago, seu caminho é cruzado por amigos e camaradas com um traço semelhante ao dele: apesar da origem burguesa, firmaram um compromisso inquebrantável com as classes oprimidas e com a revolução. De Curitiba trouxe na bagagem um valioso espólio de correspondências com militantes históricos e recortes de jornais sobre acontecimentos políticos.

    Nesse relicário, há um lugar de destaque para a amizade com a família de Prestes, o Cavaleiro da Esperança, que percorreu 30 mil quilômetros de Norte a Sul do Brasil, comandando a coluna tenentista. Mantém uma coleção de cartas manuscritas ou datilografadas trocadas com Prestes e com sua filha Anita Leocádia, por quem nutre verdadeira veneração. Algumas cartas de Prestes fazem análises da conjuntura política e econômica; outras, de Anita, falam de decisões pessoais após a morte do pai; outras ainda convocam para os eventos em comemoração ao aniversário do revolucionário, em 1983. Uma mensagem, assinada pelo líder comunista, tem um significado especial para o destinatário:

    “Ao companheiro e amigo Antônio J. da Luz Amaral Filho, nossos votos de boas festas e feliz ano novo e de paz no mundo. Abraço fraternal”

    Apesar de tomar remédios para o controle de diabetes, cujo uso contínuo causam a perda transitória de memória, o Antônio José da Luz Amaral Filho que conheci mostrou-se um homem forte, lúcido, inteligente, culto e de uma franqueza desconcertante. Apoiado em meu braço, caminhou com a firmeza e a determinação de um velho camarada até o local da recepção a Fernando Haddad. Grande estudioso da história do Brasil, conhece também a história internacional moderna e antiga. É capaz de entrelaçar os trunfos e as derrotas do comunismo com interpretações políticas, econômicas e religiosas sobre a ascensão do fascismo no mundo. Falando baixo e com certa dificuldade de ser compreendido devido à perda da arcada dentária superior, analisou o quadro das eleições na entrevista ao JL:

    “A eleição do Brasil é perigosa porque a maioria não consegue compreender a sua grandeza. Os políticos populistas não conseguem viver a grandeza da eleição. Eles não conseguem sentir como realmente a eleição é mais do que popular; ela é a vida do povo. Uma eleição no Brasil é a vida do próprio povo no momento eleitoral.”

    Informações sobre o paradeiro de Antônio José da Luz Amaral Filho devem ser prestadas através do telefone da DPPD: (48) 3665-5595.

     

     

    Entrevista com o ex-guerrilheiro a partir do ponto 11:25

  • Zé Dirceu percorre Brasil para lançar memórias e estratégias de resistência

    Zé Dirceu percorre Brasil para lançar memórias e estratégias de resistência

    Entrevista exclusiva a Nícolas Horácio/EstopimColetivo

    “O povo brasileiro não é como Bolsonaro. Dos 55% de votos que ele teve, seguramente, o núcleo duro dele é de 15 a 20 milhões de votos. Esse é o eleitorado que abraça as teses de violência pra resolver o problema da segurança, de preconceito, de racismo, de desqualificação da mulher, de desprezo pela democracia, pela liberdade de expressão, a visão pró norte-americana e esse abraço de urso ao neoliberalismo de mercado, que é, na verdade, entregar o país ao capital financeiro, na nossa opinião, evidentemente. Acho que nós temos que fazer essa disputa também com o eleitorado dele. O eleitorado não vai ficar com ele” (José Dirceu)

    Ele esteve no centro do poder no governo Lula e foi cogitado para a sucessão presidencial depois de chefiar a Casa Civil, um dos mais estratégicos ministérios do país. Condenado a mais de 30 anos de prisão, teve a trajetória política interrompida e, no estilo Graciliano Ramos, escreveu um livro de memórias no período do cárcere. Fundador do PT, ex-militante do PCB e da luta armada, José Dirceu responde os processos em liberdade como um dos mais polêmicos personagens da política brasileira na atualidade. Por fora do tabuleiro político, continua atuando como um importante intelectual para a militância do PT, através de sua força e influência.

    Em Florianópolis desde o dia 15 de novembro, foi recepcionado pela amiga e ex-ministra Ideli Salvatti, conversou com lideranças de outros partidos da esquerda, como PSOL e PCdoB, com militantes da juventude do PT e dos partidos aliados. Na segunda-feira (19/11), realizou sessão de autógrafos do livro “Zé Dirceu – Memórias Volume 1”, no qual narra momentos importantes da história brasileira e deixa seu ponto de vista sobre a conquista do poder pelo Partido dos Trabalhadores, o legado dos seus dois governos e a análise do processo intervencionista que culminou com a violação da democracia.

    Em entrevista ao Estopim Coletivo, de Florianópolis, Dirceu conta detalhes do livro que será lançado em pelo menos 25 capitais brasileiras e indica como o PT, agora na oposição, deve se comportar nos próximos anos.

    A Entrevista

    No lançamento do seu livro em Brasília, você disse que o PT está em uma defensiva e precisa de estratégia política. Qual deve ser essa estratégia? E qual a sua participação nela?

    Zé Dirceu: Minha participação vai ser como filiado. Eu não pretendo, nem devo voltar para a direção do PT e muito menos participar diretamente do partido.

    Eu quero andar pelo Brasil, lançar meu livro, fazer palestras e participar de seminários. Quero estar com os movimentos, com a CUT, o MST, os partidos aliados. Eu tenho diálogo com PCdoB, com PSB e quero estar com a juventude. Eu tenho priorizado esses três eixos.

    Quando eu digo que estamos em uma defensiva, não é só o PT.

    Essa coalizão que elegeu Bolsonaro não é só uma coalizão religiosa, com os setores militares e partidos. Ela tem uma cabeça que é o capital financeiro internacional e tem uma política que é pró Estados Unidos.

    É uma coalizão que pretende fazer grandes mudanças no Brasil, basta olhar a pauta dele. Começa pela política externa, que ele vai virar totalmente, não só a nossa política externa, como a dos tucanos também. Por isso que pelo menos alguns tucanos estão contra.

    Nós temos força, mas nós viemos sofrendo derrotas desde 2013.

    Você se refere às grandes manifestações de 2013?

    Zé Dirceu: Sim, porque eram manifestações contra o aumento das tarifas em São Paulo e foram capturadas, com papel muito forte da Rede Globo e dos setores que financiaram aquela mobilização, para um movimento contra o governo da Dilma, o PT e que com a Lava Jato fez uma escalada de criminalização do PT e do próprio Lula, levando ao impeachment da Dilma e a prisão do Lula, que culmina com a eleição do Bolsonaro.

    Nesse sentido, nós temos que reconhecer a derrota, ao mesmo conhecer as nossas forças e a necessidade de repensar o que vamos fazer nos próximos anos.

    Temos algumas tarefas óbvias: a liberdade do Lula; a oposição a pautas como Escola sem Partido que, na verdade, é escola com partido, o deles.

    Por outro lado, o governo vai anunciar uma série de medidas, nós temos que apontar alternativas. Não podemos apenas ficar contra. Se ele vai fazer uma Reforma Tributária, temos que apresentar nossa visão e para a Reforma na Previdência, a mesma coisa.

    Você vem articulando essas conversas nos estados?

    Zé Dirceu: Não. Eu não articulo. Eu Tenho relações, porque desde 1965 eu sou militante político e eu participei dos principais eventos do país a partir de 1979.

    Participei da clandestinidade, da luta armada, participei da geração de 1968, fui do PCB, depois, fui um dos fundadores do PT, então tenho muitas relações.

    Procuro, sou procurado e converso, exponho a minha opinião e tentando ajudar nesse sentido, nessa linha.

    Mas exerce influência, certo?

    Zé Dirceu: É. Influência eu exerço, mas não significa que eu vá participar de direções do PT, disputar mandatos ou participar de governos. Eu nem posso, porque estou inelegível.

    Aqui em Santa Catarina você fez algumas conversas com militantes de outros partidos. Sentiu possibilidade de unificação da esquerda aqui? Há caminhos pra isso?

    Lançamento e palavra de resistência em Florianópolis

    Zé Dirceu: Eu acredito que há sim, na base. Temos que começar pelas lutas concretas em cada cidade, em cada estado, pelas agendas que estão colocadas.

    Acho que a Reforma da Previdência é uma questão fundamental, a Escola sem Partido é outra, a defesa da liberdade de manifestação, esses ataques ao MST, ao MTST, ao João Pedro Stédile e ao Guilherme Boulos, nós não podemos aceitar.

    A agenda da anulação da condenação do Lula é importante e nós devemos construir uma agenda a partir dos sindicatos e da juventude, da luta das mulheres.

    Nós devemos construir uma agenda de oposição, porque temos legitimidade e fomos para oposição por decisão do eleitorado. Nós temos 47 milhões de brasileiros e brasileiras para representar e, no caso do PT, um mínimo de 30 milhões, que foi a votação do Haddad no 1° turno em aliança com PCdoB e com o PROS.

    Então, nós temos obrigação de exercer essa oposição, essa fiscalização, apresentando propostas e alternativas e temos que resolver nossos problemas, como a debilidade na área das redes.

    Quais redes? As redes sociais?

    Zé Dirceu: Isso. Elas são importantes desde 2008, na eleição de Obama, depois na eleição do Trump, que gerou uma crise internacional, e quando chega a eleição aqui nós não estamos preparados?! Alguma coisa tá errada.

    Mesma coisa a nossa presença nos bairros, na luta do dia a dia do povo trabalhador no bairro. Temos que analisar e tomar medidas com relação a isso.

    Você acha que faltou ser mais presente nas redes sociais para ganhar o público?

    Zé Dirceu: Sem dúvida nenhuma. A rede social é um potencializador e quando você tá ausente também lá no bairro, o potencial aumenta, porque você não tem como contraditar e responder. Se você não responde nas redes, não responde nas casas, na igreja, na lotérica, no açougue, no cabeleireiro, no supermercado.

    Depois que nós saímos na rua com o Vira Voto, nós crescemos muito. Porque é sempre importante o contato pessoal, o diálogo, o olho no olho, o debate, a reunião, a experiência de vida em comum. Eu aposto muito também na juventude nesse sentido. Acho que ela pode e dever ter um papel importante.

    Você disse recentemente que o PT perdeu a eleição ideologicamente. O povo brasileiro é como o Bolsonaro?

    Zé Dirceu: O povo, não é como Bolsonaro. Dos 55% de votos que ele teve, seguramente, o núcleo duro dele é 15 a 20 milhões de votos. Esse é o eleitorado que abraça as teses de violência pra resolver o problema da segurança, de preconceito, de racismo, de desqualificação da mulher, de desprezo pela democracia, pela liberdade de expressão, a visão pró norte-americana e esse abraço de urso ao neoliberalismo de mercado, que é, na verdade, entregar o país ao capital financeiro, na nossa opinião, evidentemente.

    Acho que nós temos que fazer essa disputa também com o eleitorado dele. O eleitorado não vai ficar com ele. Essa questão dos médicos cubanos, que é uma coisa totalmente estúpida que ele fez, porque os médicos nunca se envolveram em política no Brasil, nunca participaram de nenhuma atividade que não fosse trabalho médico, ele não pensou nos 30 milhões de brasileiros, brasileiras, as famílias, as mães, os idosos, as crianças que são atendidos por esses médicos.

    Essa história de que os médicos cubanos foram nomeados no lugar dos brasileiros, todo mundo sabe que não é verdade, porque os médicos não querem ir para essas cidades.

    Dois terços [dos recursos] vão para o governo, mas os filhos deles estudam em escolas públicas até o ensino universitário. Eles têm hospitais públicos fantásticos. Em Cuba tem atendimento, o país não tem violência. O país tem segurança e um bem estar básico.

    As dificuldades e a escassez ocorrem em parte por causa do bloqueio e por uma série de questões que os cubanos estão procurando resolver agora.

    Poucos sabem que os cubanos estão fazendo uma Constituinte, agora, que se discute em todos os bairros, fábricas, escritórios, lojas, no campo. Milhões e milhões de cubanos estão discutindo a Constituição do país. Poucos sabem disso.

    O que o Brasil vai descobrir no seu livro? O que há de novo nele, por exemplo, em relação ao seu processo?

    Zé Dirceu: Eu procuro contar a história do Brasil, contando a minha história e da minha geração, que lutou contra a ditadura e foi pra clandestinidade, participou de ações armadas de resistência.

    Depois as vitórias do MDB, o que foram os governos militares, particularmente, o governo Geisel e, depois, o que foi o surgimento da luta contra a carestia, das pastorais, das comunidades eclesiásticas de base, do sindicalismo autêntico, do PT, da CUT.

    O livro passa pelas Diretas, o Collor e o impeachment dele e conta a trajetória das eleições até o Lula ser presidente. Eu procuro sempre mostrar como o Brasil era no cinema, no teatro, na música, como eram os meios de comunicação.

    Existe algum fato na sua biografia que ninguém sabia ainda?

    Zé Dirceu: Tem fatos que eu relato pela primeira vez, como o dia em que eu pedi demissão e eu conto como foi a reunião. Chorei naquele momento e explico o que significava aquilo para mim. Foi uma reunião com Lula feita para concretizar minha demissão.

    O depoimento do Carlos Cachoeira, que mostra toda a operação Valdomiro Diniz, CPI dos correios, mensalão, hotel Naoum, foram tudo escutas telefônicas dirigidas contra o PT negociadas com a direção da Veja, o Policarpo Jr. com o Cachoeira, com os Arapongas, com escutas ilegais para montar fatos políticos negativos pra fazer matérias contra os adversários deles.

    Veja passou impune. A CPI não teve condições de convocar o Roberto Civita. O Policarpo Jr. nunca respondeu perante a justiça sobre isso.

    Contando o que vivi, busco contar a história do Brasil, tentando tirar lições disso. Conto, por exemplo, como foi possível lutar e derrotar uma ditadura e de onde surgiu a luta.

    Nós vamos enfrentar esse problema agora. Como lutar? De que forma lutar? Com quem lutar? Eu procuro, na verdade, transmitir para as novas gerações a minha experiência, com erros, acertos e a experiência do PT, da esquerda, inclusive recontando a experiência do Brasil com relação à esquerda, o papel do PCB.

    Os tenentes, qual foi o papel dos tenentes? O que foram as Forças Armadas da República até a Constituição de 1988? Elas sempre foram uma força determinante na disputa política brasileira.

    A revolução de 1930 foi uma revolução militar e civil. Toda a luta dos tenentes, a Coluna Prestes também é, 1935 é, 1932 é, 1937 é, 1946 é.

    Em 1950 e 1955 eles tentam dar o golpe. Em 1961, eles tentam dar o golpe e a resistência popular armada impede e, em 1964 eles dão, governam o país até 1985 e voltam agora a exercer um papel moderador no país.

    Transmissão em Porto Alegre (SC): https://www.facebook.com/blogdozedirceu/videos/335362210574885

    Transmissão da palestra de lançamento do livro em Florianópolis (SC)

    https://www.facebook.com/PTdeSantaCatarina/videos/333184410568854/