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  • A ‘facada’ de Trump e o esquecimento da cloroquina

    A ‘facada’ de Trump e o esquecimento da cloroquina

    A notícia de que Donald Trump e sua esposa, Melania, testaram positivo para o coronavírus caiu como uma bomba na política estadunidense e global. Além das implicações práticas que esse acontecimento traz para as eleições americanas em novembro, a divulgação dessa notícia/evento e suas repercussões são um bom exemplo da condição atualista de nosso tempo.

    Mateus Pereira, Valdei Araujo, Walderez Ramalho, professores da Universidade Federal de Ouro Preto em Mariana*

    Foi o próprio Trump quem deu a informação, por meio de sua conta no Twitter, na madrugada da última sexta-feira, 2 de outubro. Após subestimar, durante meses, a gravidade da pandemia, o atual presidente americano recebeu o diagnóstico de COVID-19, precisou ser internado e permanecer sob cuidados médicos, depois de apresentar sintomas sérios da doença. Portanto, Trump agora sente, na própria pele, a capacidade de contaminação do vírus que ele tanto subestimou. Só nos EUA, quase 7,5 milhões de pessoas foram atingidas, e mais de 200 mil morreram. De imediato, a imprensa conservadora tratou a questão como o ataque de um inimigo invisível. Certamente, para aqueles que desde o começo se recusaram a percebê-lo.

    A notícia da infecção do candidato republicano é mais um ingrediente no caldeirão agitado e cheio de incertezas das eleições presidenciais americanas. Desde o momento em que Trump veio a público informar sobre o seu diagnóstico, muitos se perguntaram se era realmente verdade, ou se seria mais uma fake news do agitador, para mais uma vez conturbar as eleições e alimentar a guerra cultural. Talvez nunca tenhamos uma resposta satisfatória para o fato, porque, paradoxalmente, apesar de sermos parte de um tempo que promete a total transparência e exposição, a verdade ainda é capaz de se esconder.

    Nossas dúvidas são mesmo justificáveis, considerando o histórico de mentiras e desinformação do presidente estadunidense. Como mostra a pesquisa feita pela Cornell University, Trump foi a principal fonte para a difusão de desinformação a respeito da pandemia de COVID-19. A pesquisa demonstra que dos 38 milhões de artigos analisados sobre a pandemia, 1,1 milhão continham desinformação, e destes, 38% citavam algo que Trump teria afirmado.[1]

    Ainda que os principais veículos de notícias tenham confirmado o diagnóstico positivo de Trump para o coronavírus, não tem sido possível dissipar a densa nuvem de confusão e incerteza que rodeia esse acontecimento.

    Argumentamos em livro recente, Almanaque da Covid-19 [2] que uma das características do atualismo é a explosão de notícias em fluxo contínuo, no qual o valor de verdade da informação se confunde com o seu valor de novidade, ou seja, sua atualização. A expansão dos canais de notícia 24 horas e das novas plataformas digitais se alimentam justamente dessa pulsão atualista pela atualização constante. Confirma o nosso argumento o tweet de Trump a respeito da sua contaminação pelo coronavírus: diversas empresas jornalísticas dos EUA disponibilizaram na internet serviços de “atualizações ao vivo” dedicadas somente a esse fato, misturando nessas plataformas informações verificadas, opiniões e especulações sobre o estado clínico do atual presidente e suas repercussões para o processo eleitoral americano.

    Sob a estrutura atualista surge a crença de que estar atualizado com as notícias é o mesmo que estar certo. No entanto, ao diluir as fronteiras entre fato e opinião, e pelo próprio fluxo acelerado de produção e circulação da informação – consequência da concorrência feroz por ser mais rápido do que os outros – o resultado é acentuar o ambiente de dúvidas e incerteza, visto que essa estrutura dificilmente contribui para a criação de referências estáveis por meio das quais possamos nos orientar no mundo.

    Um sintoma claro desse ambiente atualista é a grande confusão com relação ao real estado clínico do presidente. Inicialmente, a equipe médica de Trump afirmou em entrevista coletiva, no último sábado, dia 3, que o presidente se encontrava em bom estado de saúde, sem dificuldades para respirar ou caminhar, sem a necessidade de suporte de oxigênio, embora sem apresentar alguma previsão de alta.[3]

    O próprio Trump gravou um pequeno vídeo, com a clara intenção de despertar a empatia do público, dizendo que estava se sentido bem e disposto a “fazer a América grande de novo”, e que retornará às atividades de campanha em breve.[4] Acrescentou que lutará contra o vírus em nome das milhões de pessoas infectadas nos EUA e no mundo, e afirmou: “Nós vamos derrotar esse coronavírus, ou como quer que queiram chamar isso”. O candidato ainda caracterizou os medicamentos que tem tomado para enfrentar a doença como “milagrosos” – dentre os quais não se encontra a cloroquina, substância xodó da extrema-direita.

    Na nova ordem da informação, a cloroquina sai de cena sem que Trump e seus apoiadores façam qualquer autocrítica aos seus discursos anteriores. Assim, ela foi relegada ao museu dos bagulhos, para usarmos uma expressão da tradução brasileira do romance que serviu de base para o filme Blade Runner. No romance, bagulho é explicado como um tipo de lixo futurista, que ganha vida própria e entulha o mundo conhecido tornando-o inabitável para os humanos. Hoje, replicantes são as fake news e estamos todos em busca de bons caçadores.

    Nessa situação, a cloroquina guarda também alguma semelhança com a ideia de obsolência programada, tal como é definida pela Wikipédia, a saber: “Obsolescência programada é a decisão do produtor de propositadamente desenvolver, fabricar, distribuir e vender um produto para consumo de forma que se torne obsoleto ou não funcional especificamente para forçar o consumidor a comprar a nova geração do produto.” No caso, o vendedor é o presidente da maior democracia do mundo.

    No livro Espaços da Recordação, Aleida Assmann, desenvolve uma interessante relação entre o arquivo e o lixo a partir da ideia de que, em nosso tempo, o que não é guardado é descartado. A esse respeito ela cita o trabalho do artista russo-americano Ilya Kabakow que criou um pequeno museu de “bagulhos” e “lixo”, onde encontramos objetos esquecidos e rejeitados. Parece ser o destino da cloroquina, que afetou, das mais diversas formas, a vida de inúmeras pessoas? Talvez. Mas, só depois que algumas “autoridades” mundiais conseguiram “descartar” a superprodução do medicamento. Sabemos que, em um grande país do sul do mundo, o exército nacional tem um estoque para 18 anos, considerando a produção dos anos anteriores, utilizada para o combate contra a malária.[1]

    Mas, no mesmo sábado, dia 3, surgiu uma notícia divergente sobre a saúde do presidente estadunidense. Desta vez, o chefe de gabinete da Casa Branca, Mark Meadows, disse a repórteres que Trump não estava em um caminho claro de recuperação da COVID-19, e que, nas últimas 24 horas, alguns de seus sinais vitais eram “muito preocupantes”.[5] Além disso, o jornal The New York Times divulgou a informação, coletada a partir de duas fontes próximas ao presidente americano, que Trump teve problemas para respirar durante a última sexta-feira, levando os médicos a darem a ele oxigênio suplementar e, por esse motivo, levaram-no para o hospital militar Walter Reed, em Maryland, onde o presidente encontrava-se internado.[6]

    No fim da tarde de segunda-feira, dia 5, Trump recebeu alta hospitalar e deixou o hospital Walter Reed. A partir de agora, o presidente dos EUA seguirá com o tratamento na Casa Branca. Chegando na residência oficial, Trump posou para os fotógrafos e tirou a máscara. Mas o médico oficial da Casa Branca, Sean Conley, declarou que a saúde de Trump ainda não está totalmente controlada. 

    Diante de informações tão confusas e discrepantes, como podemos nos situar com relação à infecção de Trump pelo vírus a partir de uma base de referência minimamente estável e segura? Frente a esse quadro, somos empurrados a continuar acompanhando o fluxo de notícias a respeito de como o atual presidente americano efetivamente está, pois essa questão é decisiva para o modo como o processo eleitoral americano irá transcorrer daqui em diante.

    Aliás, os impactos do diagnóstico de Trump para a campanha eleitoral é tema de muitas dúvidas e especulações entre os analistas estadunidenses e brasileiros, pois uma das bases fundamentais de sua campanha era, justamente, a realização de comícios com a presença física de seus apoiadores – inclusive, Trump se gabou desse fato durante o último debate presidencial, sugerindo que Joe Biden não fazia o mesmo porque “ninguém quer ouvi-lo”. Nesse sentido, a contaminação do atual presidente pelo vírus traz certamente grandes impactos para a sua campanha, pois afeta a sua agenda de comícios e o força a se ausentar durante o período de quarentena.

    Mas, como falamos em nossa última coluna [7], Trump é um exímio surfista em nosso tempo atualista. Apesar de ver seu plano de campanha colapsado, em função do coronavírus, esse fato dá a ele uma superexposição na mídia, ao passo que a campanha de Biden e seu nome tendem a perder bastante espaço na cobertura dessas eleições. Isso permite, ao atual presidente, a chance de chegar ao dia da eleição como o assunto principal do país, em uma pauta que não é diretamente negativa, em especial, entre seus apoiadores e potenciais simpatizantes.

    Se por um lado, pode-se cobrar de Trump a prestação de contas por sua conduta de menosprezo à gravidade do vírus, por outro, o seu diagnóstico pode motivar a sua base de apoiadores a comparecer às urnas e a engaja-los, ainda mais, na tarefa de convencer alguns eleitores indecisos. Isso pode ser decisivo em um processo eleitoral tão caótico e acirrado, como o dos EUA. Votos que podem ajudar Trump a questionar uma eventual vitória apertada de Biden, produzindo uma crise sem precedentes e com impactos no Brasil, inclusive. Afinal, ele tem ameaçado dar um golpe caso perca de forma apertada. E é justamente disso que se trata.

    Guardadas as devidas proporções, podemos traçar uma relação entre o diagnóstico de Trump, isto é, o acontecimento dele ter se contaminado pela COVID-19 a menos de um mês da eleição e o episódio da facada de Jair Bolsonaro, durante a campanha de 2018, no Brasil. Além de ter provocado a empatia em parte importante do eleitorado brasileiro, que o viu como uma vítima, aquele fato colocou Bolsonaro no centro das atenções da mídia por muito tempo. Essa superexposição midiática o fez ser mais conhecido entre o eleitorado nacional, e foi um fato decisivo para a sua vitória na última eleição – como afirmou o cientista político Jairo Nicolau em entrevista recente.[8]

    Há, certamente, diferenças importantes entre o episódio da facada de Bolsonaro e a infecção de Trump pelo novo coronavírus. A começar pelo fato de Trump já ser o atual presidente do país. Mas a questão é que, em nosso mundo atualista, estar constantemente exposto na mídia pode ser definidor. Assim, a própria confusão a respeito de seu estado clínico, como dissemos acima, contribui para a sua superexposição, pois na configuração atualista, a produção constante de notícias (verdadeiras ou simuladas) é o que importa. E mesmo dentro de um hospital, e em tratamento, o presidente americano conseguiu alcançar esse objetivo.

    Em pouco tempo saberemos as consequências, pois ao contrário do que a condição atualista pode querer nos iludir, as ações têm consequências. O problema é que a “névoa”  produzida pela desinformação, simbolizada aqui pela exposição da cloroquina no “museu dos bagulhos”, tem como um de seus objetivos nos impedir de perceber as consequências de determinadas ações – mesmo que seja muito difícil imaginar hoje a extensão de tais consequências, dada as especificidades do atual desenvolvimento técnico, em especial, em tempos de revolução digital. Como destaca o filósofo Günther Anders, nós somos cada vez mais incapazes de imaginar o que estamos de fato produzindo em termos de técnica e governo. As vidas perdidas, tanto nos EUA como no Brasil, durante essa pandemia, são uma prova disso, infelizmente. A democracia está em risco em muitos lugares, inclusive no Império Norte-Americano! E para terminar: os familiares das vítimas da ilusão da cloroquina jamais esquecerão esse crime!

     (*) Mateus Pereira e Valdei Araujo escreveram o Almanaque da Covid-19: 150 dias para não esquecer ou o encontro do presidente fake e um vírus real com Mayra Marques. Mateus Pereira e Valdei Araujo são professores de História na Universidade Federal de Ouro Preto em Mariana. Também são autores do livro Atualismo 1.0: como a ideia de atualização mudou o século XXI e organizadores de Do Fake ao Fato: (des)atualizando Bolsonaro, com Bruna Klem. Walderez Ramalho é doutorando em História na mesma instituição.


    [1] https://www.youtube.com/watch?v=bYz-D0mefxI

    [2] https://www.amazon.com.br/Almanaque-COVID-19-esquecer-hist%C3%B3ria-presidente-ebook/dp/B08BX1CX55/ref=sr_1_1?__mk_pt_BR=%C3%85M%C3%85%C5%BD%C3%95%C3%91&dchild=1&keywords=almanaque+da+covid&qid=1601822251&sr=8-1

    [3] https://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2020/10/03/donald-trump-covid-19-coronavirus-medicos-eua.htm

    [4] https://www.youtube.com/watch?v=0n4D8QyRmsQ

    [5] https://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2020/10/03/trump-saude-covid-19.htm

    [6] https://www.nytimes.com/2020/10/03/us/politics/trump-covid-updates.html

    [7] https://jornalistaslivres.org/o-primeiro-debate-presidencial-nos-eua-e-a-crise-da-democracia/

    [8] https://brasil.elpais.com/brasil/2020-09-27/jairo-nicolau-bolsonaro-e-uma-lideranca-inequivoca-e-um-lula-da-direita.html


    [1] https://extra.globo.com/noticias/brasil/exercito-brasileiro-tem-estoque-de-cloroquina-para-18-anos-rv1-1-24500378.html

  • Dilma: As 12 falsificações do discurso de Bolsonaro na ONU

    Dilma: As 12 falsificações do discurso de Bolsonaro na ONU

    Por Dilma Rousseff

    Praticamente não há uma sentença no discurso de Bolsonaro na ONU que não cometa pelo menos uma falsificação, uma manipulação, uma adulteração dos fatos. O Brasil que Bolsonaro descreve não existe, e não existe por causa dele.

    As maiores florestas brasileiras ardem em chamas, com recordes de incêndios, e ele culpa os índígenas, que são as primeiras vítimas desses crimes ambientais.

    Os maiores biomas do país são consumidos pelo desmatamento ilegal, e ele diz que exerce controle rigoroso sobre a ação dos destruidores das florestas, o que é falso.

    O Brasil voltou a registrar a mazela da fome, que maltrata mais de 10 milhões de pessoas, e ele se jacta de estar alimentando o mundo.

    Quase 140 mil brasileiros já morreram de Covid-19, e ele diz que agiu com rigor para combater a doença. ao mesmo tempo em que culpa os governadores pelas mortes.

    Bolsonaro dissimula de maneira contumaz e o faz por cálculo, não por ignorância. Mesmo quando fala na ONU, não é ao mundo que está se dirigindo, mas ao seus seguidores mais radicalizados, que ele mantém mobilizados à base de fake news e deturpações da verdade. Seu objetivo é manter a iniciativa política e a polarização. Foi assim que, na Itália dos anos 1910 e 1920 e na Alemanha dos anos 1930, o fascismo e o nazismo cresceram até chegar ao poder: mobilizando permanentemente uma minoria de seguidores agressivos, capazes de intimidar o campo democrático da sociedade.

    O mundo já não acredita em Bolsonaro. Parte dos brasileiros já não acredita nele. Mas não há sinal de que ele pretenda parar. Terá de ser parado.

    No texto a seguir, é possível verificar pelo menos 12 falsificações que Bolsonaro apresentou ao mundo, ontem, no seu discurso.

    Por Nei Lima

    1

    A fala – “Desde o princípio, alertei, em meu país, que tínhamos dois problemas para resolver: o vírus e o desemprego, e que ambos deveriam ser tratados simultaneamente e com a mesma responsabilidade.”

    A verdade – Bolsonaro negou a gravidade da doença. Tratou-a com desdém, afirmando que era uma gripezinha. Não tomou medidas efetivas para garantir o emprego, propôs R$ 200 de auxílio emergencial e foi apenas diante da pressão da sociedade e da iniciativa da oposição no Congresso que acabou sendo aprovado o valor de R$ 600. Por culpa do governo, o Brasil foi o país que menos aplicou testes. Bolsonaro foi contrário ao isolamento e distanciamento social, ele próprio promovendo e participando de aglomerações e desprezando o uso de máscaras. Defendeu e expandiu a produção de cloroquina, enquanto deixava de adquirir analgésicos para a implantação de tubos respiratórios nos doentes graves.

    2

    A fala “Por decisão judicial, todas as medidas de isolamento e restrições de liberdade foram delegadas a cada um dos 27 governadores das unidades da Federação. Ao Presidente, coube o envio de recursos e meios a todo o País.”

    A verdade – Bolsonaro vem se escondendo por trás de uma decisão do STF que, supostamente, transferia o poder de enfrentar a Covid-19 para estados e municípios. Trata-se de uma versão inverídica e absurda, pois há uma clara obrigação constitucional da Presidência da República de coordenar ações diante da gravidade da crise sanitária, que já matou 138 mil pessoas; também somos uma Federação e, assim, há o dever intransferível de a União articular a ação dos 26 estados, o Distrito Federal e os 5.570 municípios. O Supremo nunca eximiu o governo federal do dever de agir, nem transferiu seu poder. Apenas deu a estados e municípios o direito de também tomar decisões sobre medidas sanitárias, de isolamento e de distanciamento social, segundo suas circunstâncias específicas.

    3

    A fala – “Nosso governo, de forma arrojada, implementou várias medidas econômicas que evitaram o mal maior: concedeu auxílio emergencial em parcelas que somam aproximadamente 1000 dólares…”

    A verdade – Não houve arrojo, mas mesquinharia. Bolsonaro tentou impor um auxílio emergencial de apenas R$ 200 por mês. O auxílio só foi de R$ 600 por decisão do Congresso, proposta pelo PT e demais partidos de oposição, impondo uma derrota ao governo. Bolsonaro insinua, na fala, que pagou mil dólares por mês. Mas mesmo somadas, as parcelas do auxílio emergencial estarão longe de totalizar mil dólares. Se cumprir o que anunciou, o governo terá pago, até o fim de dezembro, 5 parcelas de R$ 600 e no máximo 4 parcelas de R$ 300. Isto totalizará, na melhor hipótese, R$ 4.200, muito abaixo de mil dólares, que são R$ 5.470. A iniquidade do governo também se fez sentir no tratamento dado aos que têm direito ao auxilio emergencial, na forma de milhões de exclusões injustificadas, atrasos, filas e aglomerações nas agências da Caixa, aplicativos que não funcionam — um labirinto burocrático que transformou a busca por ajuda num grande sofrimento.

    4

    A fala – “[Nosso governo] assistiu a mais de 200 mil famílias indígenas com produtos alimentícios e prevenção à Covid.”

    A verdade – Do projeto aprovado no Senado de apoio às comunidades indigenas, Bolsonaro vetou artigos que obrigavam o governo federal a fornecer água potável, material de higiene e limpeza e cestas básicas às aldeias. Em outro momento, proibiu a entrada de equipes da organização Médicos sem Fronteiras nas comunidades indigenas.

    5

    A fala – “Não faltaram, nos hospitais, os meios para atender aos pacientes de covid.”

    A verdade – O governo federal falhou fragorosamente no planejamento e na distribuição de máscaras, EPIs e respiradores aos hospitais de todo o país. A testagem é uma das mais baixas do mundo. A falta de testes suficientes é uma das causas de o Brasil ter se tornado um dos epicentros da doença no mundo. A maior parte dos recursos federais destinados ao combate à pandemia nos estados não foi liberada de fato, segundo várias reportagens. A maioria das máscaras e equipamentos prometidos não chegou aos hospitais e os estados e prefeituras foram obrigados a agir por conta própria. Faltaram equipamentos e medicamentos nos hospitais, sobrou cloroquina nas prateleiras do ministério da Saúde, comandando por um militar especializado em logística.

    6

    A fala – “O caboclo e o índio queimam seus roçados em busca de sua sobrevivência, em áreas já desmatadas. Os focos criminosos são combatidos com rigor e determinação.”

    A verdade – Praticamente todos os casos de incêndios na Amazônia e no Pantanal identificados ou suspeitos de ação criminosa foram cometidos por fazendeiros, grileiros e invasores de terras públicas e reservas florestais e terras indigenas. Sentiram-se autorizados para tal diante do desmonte das políticas de contenção do desmatamento e da fiscalização. Os caboclos e os indígenas são, sabidamente, vitimas dos incêndios e do desmatamento criminosos, não seus autores. Dados obtidos pelo sistema de monitoramento da NASA mostram que 54% dos focos de incêndios na Amazônia estão relacionados ao desmatamento. No Pantanal, organizações de proteção ambiental informam que incêndios iniciado em 9 fazendas particulares destruiram 141 mil hectares, quase a área da capital de São Paulo. Cinco destas fazendas estariam sendo investigadas pela PF.

    7

    A fala “Lembro que a Região Amazônica é maior que toda a Europa Ocidental. Daí a dificuldade em combater, não só os focos de incêndio, mas também a extração ilegal de madeira e a biopirataria. Por isso, estamos ampliando e aperfeiçoando o emprego de tecnologias e aprimorando as operações interagências, contando, inclusive, com a participação das Forças Armadas.”

    A verdade – A extração ilegal de madeira e os incêndios criminosos não são combatidos devidamente por causa da leniência deliberada do governo Bolsonaro, que desde ao assumir desautorizou, fragilizou e desmontou a fiscalização, assim como cometeu ataques contra o INPE, tendo, inclusive, demitido seu diretor, um dos cientistas mais respeitados do Brasil. O ministério do Meio Ambiente não apenas suspendeu o trabalho de fiscalização, e cancelou operações, como tem protegido os verdadeiros criminosos ambientais. Chegou a trazer a Brasília, em aviões da FAB, para reunião com o ministro, um grupo de garimpeiros ilegais que atuava em reserva indígena. Em famosa reunião ministerial, filmada e divulgada, o ministro defendeu que o governo aproveitasse a distração criada pela pandemia para, como disse, “passar a boiada” de decretos e portarias que facilitem os crimes ambientais.  

    8

    A fala “Somente o insumo da produção de hidroxicloroquina sofreu um reajuste de 500% no início da pandemia.”

    A verdade – No Brasil e no mundo, a comunidade científica séria e conceituada alertou o tempo todo, desde o início da pandemia, para o fato de que a cloroquina e a hidroxocloroquina não têm eficácia contra a Covid-19, em nenhum estágio da doença, e podem, ao contrário, acarretar efeitos colaterais que levam à morte. Até mesmo Trump, a quem Bolsonaro imitou agindo como garoto-propaganda de um remédio perigoso, abandonou a defesa da cloroquina e, para livrar-se do medicamento que parou de indicar, despachou o estoque para o Brasil.

    9

    A fala “No campo humanitário e dos direitos humanos, o Brasil vem sendo referência internacional.”

    A verdade – Só se for referência negativa. Desde a posse de Bolsonaro, a situação dos Direitos Humanos no Brasil vem se deteriorando, a ponto de provocar advertências da Alta comissária de Direitos Humanos da ONU, Michelle Bachelet, que denunciou a miliarização de instituições civis, a violência policial, e ataques a ativistas, líderes comunitários e jornalistas.

    10

    A fala “Em 2019, o Brasil foi vítima de um criminoso derramamento de óleo venezuelano, vendido sem controle.”

    A verdade – Não há nenhuma conclusão ou prova de que a Venezuela tenha contribuído para o derramamento de óleo no Atlântico, trazido pelas correntes marítimas à costa brasileira. O que ficou demonstrado, sobejamente, foi a demora e a inação do governo brasileiro, que levou quase três meses para tomar as primeiras providências em relação ao desastre que atingiu o litoral de 10 estados.

    11

    A fala “No primeiro semestre de 2020, apesar da pandemia, verificamos um aumento do ingresso de investimentos, em comparação com o mesmo período do ano passado. Isso comprova a confiança do mundo em nosso governo.”

    A verdade – A imprensa informa hoje que do ano passado para cá houve, na verdade, uma queda de 30% nos Investimentos Estrangeiros Diretos no Brasil. E nos primeiros oito meses deste ano o Brasil sofreu uma fuga recorde de capitais, que chegou a US$ 15,2 bilhões. Outra notícia dá conta de que, por causa do estado de paralisia do MEC desde a posse de Bolsonaro, o país deixou de receber os repasses de um empréstimo de US$ 250 milhões do Banco Mundial para dar suporte à reforma do ensino médio.

    12

    A fala “O homem do campo trabalhou como nunca, produziu, como sempre, alimentos para mais de 1 bilhão de pessoas. O Brasil contribuiu para que o mundo continuasse alimentado.”

    A verdade – O Brasil de fato continua sendo um grande produtor e exportador agropecuário, mas dilapidou a agricultura familiar, que até 2014 era responsável pela produção de 70% dos alimentos consumidos pelo povo brasileiro. Por esta e outras escolhas de índole neoliberal, o Brasil voltou a registrar a calamidade da fome, que aumentou em 43,7% em cinco anos, atingindo mais de 10 milhões de brasileiros.

  • Os efeitos da ivermectina, por Dirce Waltrick do Amarante

    Os efeitos da ivermectina, por Dirce Waltrick do Amarante

    Tudo não passa de especulação, mas o fato é que muitos integrantes do governo desapareceram, entre eles, o secretário de Cultura, o ministro da Saúde e o ministro da Educação. O próprio presidente aos poucos está desaparecendo (ultimamente só é visto nos finais de semana ou no gramado entre as emas). Têm-se atribuído esses sumiços aos efeitos do uso da ivermectina, que, como se sabe, elimina vermes e parasitas. Se o presidente ainda não sumiu de vez é porque, presume-se, sua dose diária do vermífugo ainda é baixa, uma vez que ele tem priorizado o uso da cloroquina que, como todos sabem, até as emas, não tem efeito nenhum.

    *Dirce Waltrick do Amarante é escritora, ensaísta e tradutora.

  • Seria a covid do Boçalnaro uma fake news?

    Seria a covid do Boçalnaro uma fake news?

    Que Bolsonaro é tosco, burro e idiota, poucos duvidam.
    Agora todas essas facetas do capitão testaram positivo.
    Quinze dias após ele anunciar que havia contraído a covid-19, a secretaria de Comunicação da Presidência divulgou que o presidente, após realizar um novo teste, continua com o novo coronavírus.
    O que prova que o efeito da cloroquina é zero.
    Podem argumentar que o medicamento impediu que ele fosse para um respirador.
    Mas, segundo Boçalnaro, a cloroquina fabricada pelo Exército, e exaltada por seu comandante, tem efeito curativo.
    O fato é que o capitão continua com o vírus. Ou não.

    Por Dacio Malta*

    Como vivemos em um país sem ministro da Saúde, sem médico da presidência, sem boletim diário do chefe do Governo, ou seja, às escuras, tudo que se sabe sobre essa doença presidencial é mera especulação.


    Os sintomas da Covid são febre, perda do paladar e olfato, coriza, diarreia, dor abdominal, tosse, fadiga, dores musculares e cefaléia.


    Boçalnaro disse que teve febre no primeiro dia. E só.


    Nunca mais se teve notícia se a febre persistiu ou se os outros sintomas se manifestaram.


    O que sabe apenas é que ele faz três eletrocardiogramas por dia e uma ambulância, com CTI, está na porta do Alvorada para qualquer emergência.


    Como tudo que ele diz é duvidoso, sua covid-19 também pode ser posta em dúvida.


    Já foi dito que quando ele testou negativo, ninguém acreditou. E quanto testou positivo, todos também duvidaram.


    Quando fez três testes negativos, o Boçal usou nomes falsos.


    Quando testou positivo, ele utilizou o nome verdadeiro.


    A covid de Bolsonaro hoje é um mistério.


    Como tantos outros mistérios que cercam sua facada, sua eleição, seu patrimônio, seu governo etc, etc, etc.

    *Dacio Malta trabalhou nos três principais jornais do Rio – O Globo, Jornal do Brasil e O Dia – e na revista Veja.

    Leia mais Dacio Malta em:

    HTTPS://JORNALISTASLIVRES.ORG/BOLSONARO-FACILITA-FUGA-DE-ABRAHAM-WEINTRAUB-PARA-OS-ESTADOS-UNIDOS/

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  • Com Bolsonaro, Brasil se torna o paraíso do Coronavírus

    Com Bolsonaro, Brasil se torna o paraíso do Coronavírus

    Por Dacio Malta*

    O auxiliar de coveiro e ministro da Covid, Eduardo Pazuello, general paraquedista que usou o dispositivo para pousar no cargo que ocupa, não entende nada de Saúde. Sua especialidade no Exército é logística de munição – uma função pomposa mas totalmente inútil para um país que não está em guerra.

    Para auxiliá-lo no ministério, Pazuello convocou mais de uma dezena de coronéis e oficiais de menor patente para preencher cargos que deveriam ser de médicos, cientistas, sanitaristas e infectologistas. Mas ele achou mais fácil trabalhar com os seus “cães de guerra”, como já declarou.

    Nos finais de semana, o auxiliar de coveiro veste um jeans e uma camiseta e, ao lado do chefão, participa das manifestações antidemocráticas junto à boiada, defendendo o fechamento do Congresso e do STF, e pedindo a implantação do AI-5 e uma intervenção militar com Bolsonaro no poder.

    Pazuello não é o que existe de pior neste governo.

    Não porque seja um estranho no ninho onde pousou, mas porque é mesmo difícil dizer o que existe de pior em uma administração que ignora a ciência, combate à imprensa, despreza as pessoas, protege os fascistas, blinda os filhos milicianos, se cerca de desqualificados, não tem programa para nenhuma área. E, quando se reúne, como no dia 22 de abril, é para filmar uma conversa de botequim e selecionar os melhores momentos para inflamar seus adeptos com uma propaganda barata e sem o menor pudor.

    Mas o general da Covid – que será julgado e, certamente, condenado pela História – decidiu agora convocar um civil, tão despreparado para a função como os militares que o cercam.

    Carlos Wizard, do cursinho de inglês para um dos cargos mais importantes do Ministério da Saúde. E daí?
    Carlos Wizard, do cursinho de inglês. E daí?

    Um tal Carlos Wizard, de sobrenome conhecido para quem faz esses cursinhos de inglês, é o secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos em Saúde (SCTIE), um dos cargos mais importantes do ministério, e que estava sendo ocupado pelo professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Antonio Carlos Campos de Carvalho, um dos poucos nomes indicados pelo ex-ministro Nelson Teich.

    Sua secretaria terá a incumbência de formular políticas nacionais de ciência e inovação em saúde, assistência farmacêutica, além do fomento à pesquisa, desenvolvimento e educação.

    Sua experiência é zero. Mas como diz o capitão: “E daí?”

    Wizard era proprietário do curso de inglês que leva seu nome, vendeu-o para um grupo estrangeiro, e hoje dedica-se às marcas Mundo Verde e Pizza Hut.

    Paralelamente às questões sanitárias, vai importar o Taco Bell “um fast-food com muitos fãs no Brasil”.

    Wizard é filho de família humilde – pai caminhoneiro e mãe costureira – que frequentavam a igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias. Por conta dos contatos que teve com missionários norte-americanos, aprendeu inglês.

    Aos 17 anos viajou para os EUA levando 100 dólares no bolso e, sabe-se lá como, tornou-se “bilionário”, como ele se declara em perfil no Wikipedia.

    No Instagram, o espertalhão gosta de postar fotos com Bolsonaro, com a terceira primeira dama Michelle, com Eduardo Bananinha e a ministra da goiabeira.

    Antes da posse, prometeu entupir a população de cloroquina.

    Se uma pessoa apresentar algum sintoma da Covid, basta se dirigir a um hospital para começar o tratamento preventivo. E a droga será ministrada ainda a todos os que o cercam, como esposa, filhos, empregados, vizinhos e afins.

    Para a próximo mês, Wizard fez uma promessa mais diabólica: ele quer recontar o número de mortos pelo coronavírus – já que os dados divulgados até agora são “fantasiosos ou manipulados”.

    A Bela Megale, de ‘O Globo’, ele sentenciou:

    – Tinha muita gente morrendo por outras causas e os gestores públicos, puramente por interesses de ter um orçamento maior nos seus municípios, nos seus estados, colocaram todo mundo como Covid. Estamos revendo esses óbitos.

    Para o coveiro da nação e morador do Alvorada, seu novo contratado está se saindo melhor que a encomenda.

    *Dacio Malta trabalhou nos três principais jornais do Rio – O Globo, Jornal do Brasil e O Dia – e na revista Veja.

    Leia mais Dacio Malta em:

    Cadê o Queiroz? Braço direito de Bolsonaro tem a senha pra derrubar o presidente

  • Sem ‘bala de prata’, com cloroquina do Paulo Guedes

    Sem ‘bala de prata’, com cloroquina do Paulo Guedes

    ARTIGO

    Daniel Pinha, professor do Departamento de História da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)

     

    A divulgação do vídeo da reunião ministerial de Bolsonaro não foi a “bala de prata” para derrubar o governo, muito menos enfraquecer o bolsonarismo. E o problema não está no conteúdo do material divulgado, mas na expectativa gerada em torno dele: nem o presidente nem a ideologia que lhe sustenta caem com uma “bala de prata”. Para cair o governo por meio de impeachment, como sabemos, o caminho é longo e depende do procurador Geral da República e do Congresso, um um processo que é jurídico e político. Para a queda do bolsonarismo, o percurso é ainda mais longo e tortuoso, algo que nem a circunstância hipotética do impeachment será capaz de derrubar.

    Contraditoriamente, o vídeo enfraquece o governo e fortalece o sentimento político que o sustenta. O ponto central que levou à divulgação do vídeo é a acusação de Moro, mas há outros aspectos laterais que nos ajudam a entender a lógica e o funcionamento do governo, para além da exposição dos lunáticos olavistas, como mostrou o artigo de Valdei Araujo e Mateus Pereira aqui no Jornalistas Livres.

    Dois aspectos, no entanto, aparecem de maneira “lateral” na contenda com Moro, mas são fundamentais para o nosso contexto atual: enfrentamento da pandemia de Covid (1) e crise econômica dela decorrente (2). A ausência do primeiro e a presença do segundo na reunião nos ajudam a entender os próximos passos e é um termômetro decisivo para o enfraquecimento do governo.

    Sem bala de prata, com provas

    O vídeo não deixa dúvidas de que a acusação de Moro é procedente. Bolsonaro queria usar a Polícia Federal para proteger a si, seus amigos e sua família. Mais grave ainda, como ferramenta de polícia política para perseguir e atacar adversários, como fica claro nos momentos em que ele reclama de falta de acesso a sistema de investigação e informação. Assistindo a reunião completa, fica claro que a fala de Bolsonaro sobre a necessidade de substituição do “chefe, do diretor e do ministro” é, na verdade, a conclusão de uma longa “bronca”, toda ela direcionada a Moro, que já contava cerca quase dez minutos.

    Para “Bozo”, Moro não usava seu prestígio social e jurídico para defender aguerridamente o governo em meio aos ataques de todos os lados. Na hora de colher os louros, Moro colhia; na hora de defender o governo de ataques, se escondia. Bolsonaro cita o episódio de sua participação nas manifestações antidemocráticas de 19 de abril, e suas repercussões negativas na Imprensa e no Judiciário. Pedindo mais engajamento político de seus subordinados, insinuou que era o momento de ministros, com bom trânsito no Judiciário e na Opinião Pública, se apresentarem para a luta. Era óbvio que ele falava de Moro, um bolsonarista de última hora que, tal e qual um bom lava-jatista, apoiou o projeto sem fechar com um “pacote completo” que incluía “terra-planismo”, negacionismo científico, gestos milicianos e ataque ao STF.

    Moro foi para o governo com nome próprio e histórico de parceria com o núcleo lava-jatista do STF – sobretudo Barroso, Carmem Lúcia, Fachin e Fux (In “Fux we trust”, lembram?). Ao seu modo, autoritário e esbravejante, Bolsonaro pedia a Moro que submetesse sua imagem ao bolsonarismo. Se tivesse consciência democrática, Moro sequer aceitaria o convite de Bolsonaro, depois de condenar à prisão o principal líder de oposição ao governo; tampouco aceitaria continuar se subordinando a um presidente que se soma a manifestações políticas que pedem retorno do AI-5. Isso para citar apenas dois exemplos.

    Não é este o Sérgio Moro, mas dessa vez ele apresentou provas concretas: está lá, na voz de Bolsonaro, que exigia acesso a investigações de órgãos de inteligência. Que fique claro: ele não reivindicava a prerrogativa constitucional de demitir ministro nem nomear diretor, mas, sim, o acesso às investigações. Prometeu e fez. Demitiu Moro, Valeixo e o superintendente do Rio. Queria tornar oficial o que já é sua prática oficiosa (e criminosa), e ele esbravejou isto para quem quisesse ouvir no último dia 22, após a divulgação do vídeo. Se o governo cairá, diante de tantas provas e confissão, não sabemos. Dilma caiu por pretensas “pedaladas fiscais”; Temer não caiu, mesmo depois de ter sua voz exposta consentindo com crimes praticados por empresário corrupto (para dizer o mínimo). O processo de impeachment é político e juridico.

    Cloroquina de Paulo Guedes

    Paulo Guedes é uma das figuras mais representativas da mudança política que conduziu Bolsonaro da Câmara dos Deputados ao Planalto. Enquanto deputado, defendia um programa econômico nacional desenvolvimentista, alinhado ao modelo implementado pela Ditadura Militar. Orgulhava-se das obras monumentais, do padrão de desenvolvimento ancorado no Estado. Como candidato, já no quadriênio 2014-2018, enquanto exercia seu mandato, se alinhou ao discurso neoliberal como forma de agradar aos mercados e de polarizar com o governo Dilma, disputando o eleitorado de Aécio Neves, que em 2014 somara 49% no segundo turno.

    Paulo Guedes era o nome ideal, com a experiência de quem atuou no regime ditatorial chileno de Augusto Pinochet. No governo, tal como Sérgio Moro, o “Posto Ipiranga” virou um elo entre governo e grande imprensa. Como forma de diferenciar Guedes e sua agenda econômica do restante do governo, comentaristas da Globo News cunharam o termo “ala ideológica”, como se Guedes não estivesse nela, mas, um quadro “técnico”, distante da política. Assim impôs-se um consenso em torno da necessidade da reforma da previdência como único caminho possível para uma modernização econômica. Paulo Guedes foi bastante poupado pela grande imprensa na cobertura sobre o vídeo e a reunião. Ali ele defendeu o turismo sexual em nome do livre mercado e a privatização da “porra” do Banco do Brasil, só para citar dois exemplos. Lamentou que o governo seja obrigado a subsidiar pequenas empresas para saída da crise – estas, as maiores geradoras de empregos do país.

    Não há motivos, portanto, para não considerarmos ele também um lunático. Mais do que isso. Na reunião ficou claro que há dois programas econômicos em disputa no governo. Um encampado pelos generais, Rogério Marinho e Tarcísio Freitas; e outro defendido pelo Posto Ipiranga. O motivo central daquela reunião, aliás, era apresentar e discutir o “Pro-Brasil”, coordenado pelo general Braga Netto, ministro Chefe da Casa Civil. O programa recebeu o apelido de novo Plano Marshall (prontamente atacado por Guedes) pela injeção de investimento público na economia em contexto de reconstrução, comparando o pós-pandemia ao pós-guerra. Nada muito diferente da tendência mundial atual, entre países de economia neoliberal, como França, Alemanha e Estados Unidos.

    Para Paulo Guedes, a saída continua sendo a radicalização das reformas neoliberais, privatizações (inclusive da “porra” do Banco do Brasil), cortes de direitos e retração econômica. Rogério Marinho, ministro da Integração Nacional, ressaltou que a crise econômica gerada pela pandemia não admite a reafirmação de dogmas, destacando a tendência internacional de maior intervenção econômica do Estado. Em resposta, Guedes reafirmou seu dogma: a saída para a crise da Covid é, ainda, a solução neoliberal, estreita e unilateral. Esta não conhece contexto, circustância, conjuntura internacional. Paulo Guedes revelou ali a sua própria cloroquina. Haverá um antídoto anti-bolsonarismo?

    Um governo como este não cai por meio de uma “bala de prata”. A geração da expectativa da “bala de prata” é motivada pelo ritmo temporal acelerado e ansioso que caracteriza o público de internet (de esquerda e de direita). Um tempo atualista, como denominam Valdei Araujo e Mateus Pereira em suas pesquisas. Acompanham a cena política nacional como se estivessem assistindo uma série de Netflix em final de temporada. O tempo real da política, entretanto, é outro, conhece outros ritmos. O bolsonarismo, enquanto fenômeno político e cultural mais amplo, não termina com o governo Bolsonaro, como gosta de lembrar o historiador Rodrigo Perez. Ele se alimenta das manifestações golpistas de Weintraub, da fala de Damares sobre as feministas do Ministério da Saúde, da exaltação armamentista do presidente da Caixa, da fala de Ricardo Salles que vê na crise do corona ótima oportunidade para passar projetos anti-ambientais.

    No vídeo, o bolsonarista-raiz reafirma o seu próprio modo de ver o mundo, a besta fascista que carrega em si. É o público que hoje se diz muito satisfeito com a atuação de Bolsonaro na pandemia, girando em torno de 25 a 30% pelas últimas de opinião. Para eles não há remédio a curto prazo; a solução imediata é colocá-los em minoria, diminuindo sua capacidade de capilarização no seio da sociedade. Infelizmente a pandemia de Covid atinge a todos. E a população brasileira está sentido na pele o que é ter um governo sem compromisso com as vidas. Países com situação sócio econômica como a nossa, como Argentina, tem números muito menores de infectados e mortes.

    A reunião ministerial retratou, pela ausência, este descaso. Sobre as vítimas e ações de combate ao virus, nada. Em meio a maior epidemia dos últimos cem anos, a reunião deixou claro para qualquer brasileiro que o enfrentamento da pandemia e das vítimas não é prioridade neste governo. Uma política de morte posta a prova. A cloroquina de Paulo Guedes, por sua vez, aponta para uma política econômica “anti-povo” e altamente destrutiva para os mais pobres. Não é necessário ser de esquerda para chegar a essas conclusões. Não haverá bala de prata, mas há crise. Há mito capaz de sobreviver a ela?