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  • IGREJA UNIVERSAL: UM REINO ACIMA DE TODOS

    IGREJA UNIVERSAL: UM REINO ACIMA DE TODOS

     Por Márcia Mendes de Almeida * | resenhista dos Jornalistas Livres

     

    Formidável este livro reportagem de Gilberto Nascimento, a ser premiado, é lógico. Sejam fatos ou depoimentos, todos tem sua respectiva referência. O texto é equilibrado, sereno, contrastando com as realidades e opiniões . Um assunto tabu de nossa medrosa imprensa como um todo, a saber, as fabulosas negociatas das drogas, também não escapa, para bons entendedores. A partir de 1985, as fraudulências do pequeno grande homem – o supremo Edir Macedo – e da Universal ( IURD ),  contaram com o auxílio luxuoso de uns quarenta escroques, diferentes no tempo e no espaço. Enfrentando um “colosso de acusações e de denúncias”, como esmiúça Nascimento.

    Até as pedras sabem (diz Mino Carta) que nada é mais eficiente para lavar dinheiro da corrupção e do narcotráfico do que associar-se a uma igreja evangélica bem azeitada, com imunidade tributária e pouca fiscalização. Além disso, bancos e empresas offshore agradecem penhoradas. Ora, o atual conglomerado de noventa e sete empresas ligadas à Universal, em 35 anos, não poderia ser fruto exclusivo dos sacrificados dízimos de seus fiéis, cuja renda durante décadas não ultrapassou dois salários mínimos.

    Eis o colosso das denúncias, cada qual narrada pelo autor em suas tortuosas tramas: charlatanismo, curandeirismo, sequestro de bens, vilipêndio, incêndio criminoso, ataque a homossexuais, racismo, incitação ao crime, preconceito religioso, calúnia e difamação, exploração da boa-fé do povo, corrupção ativa, remessas ilegais e lavagem de dinheiro, evasão de divisas, formação de quadrilha, estelionato, sonegação fiscal, falsidade ideológica, sonegação de bens, crimes outros contra a ordem tributária, empréstimos para empresas fantasmas, gestão temerária. Sempre empalmando o comando, o todo-poderoso bispo Macedo tratou desde cedo de se proteger via um vasto laranjal, não aparecendo nominalmente como sócio da maioria das empresas do grupo. Era e é tido como magnata das comunicações assim como tycoon da Universal, a multinacional da boa-fé dos infindáveis incautos, ignorantes e desvalidos –por exemplo, os presidiários e dependentes químicos em busca de salvação. Biltre empedernido, o bispo Macedo, pseudo ungido por um Deus oportunista, alimentou com capricho a mistificação de sua excelsa personalidade. Proclamou no início do século XXI:


    “ Todo santo dia eu oro por todos os servos de Deus ( … ) Eu peço a Deus não só pelos meus ( sic ) pastores, os pastores que estão conosco, como os pastores de outras igrejas, porque (…) eu estou trabalhando para o Reino de Deus ”


    Foi refutado de imediato, mas era daqueles que dizia mentiras que não podia provar e, encontrando resistência, cuidava de “melhorar a imagem”, acentua Nascimento. Num ataque de sincericídio, confessou ao pastor Caio Fábio que cada um pescava como podia, até com fezes, como ele:


    “Tem gente que só gosta do que eu ofereço. O povo que eu quero não vai te ouvir. É gente que ninguém quer. Eu quero. É o pessoal que eu consigo pescar do meu jeito”


    Salvo engano, não há pesquisas que avaliem a escala de evasão dos evangélicos neopentecostais, é segredo de Estado. No início dos anos 80, Edir Macedo arvorou-se em organizar a formação teológica dos pastores. Desistiu incontinente, alegando que precisava de pastor “com boa conversa, que saiba argumentar, convencer as pessoas, comandar uma boa sessão de milagres e exorcismo e fazer a coleta”.  Em um de seus inúmeros livros que não escreveu, mas leu e assinou, definiu como fúteis todos os ramos da teologia. 

    “Não passam de um emaranhado de ideias que nada dizem ao inculto; confundem os simples e iludem os sábios (…) nada fazem pelo homem senão talvez aumentar sua capacidade de discutir e discordar”. 

     

    Sempre ficou claro, para pastores e bispos, que todos deviam tratar Macedo com subserviência e curvar-se às suas ordens, pois como líder “era um ente superior, um ser divino, acima do entendimento humano” como o autor pondera. Pois bem, a Universal (IURD) através de Edir Macedo pronunciou-se a favor do aborto, em caso de gravidez indesejada ou extrema pobreza, salientando que a legalização do aborto diminuiria a violência, e mais:  “O que é menos doloroso: aborto ou ter crianças vivendo como camundongos nos lixões de nossas cidades, sem infância, sem saúde, sem alimentação e sem qualquer perspectiva de um futuro melhor ?” Irretocável não?

    Envolvente na dissimulação, Edir Macedo declarou-se contra a homossexualidade, mas não contra os gays, por respeitar o direito de escolha, aí incluídos os vários parceiros do mesmo sexo (!). Estaria pensando, talvez, nas polpudas coletas para a Universal ?

    Os inimigos de dentro da IURD –pastores, bispos, executivos– em muitas e muitas ocasiões foram habilmente manipulados pelo bispo Macedo, zeloso de seu absoluto poder e para que a teologia da prosperidade se restringisse a ele, seus familiares e uns poucos escolhidos a dedo, homens de sua confiança. Ao longo dos anos instaurou-se a confusão entre o que era patrimônio da igreja, do bispo e de sua família. Macedo, um santo, convicto de que colocava o dinheiro a serviço da obra de Deus, teve sucesso em engabelar, como se tudo da Universal fosse dele também. Recebeu salários exorbitantes – por exemplo, em Portugal – e em 2013 adquiriu um jato particular, permitindo viagens diretas de Nova York a Tóquio, ou do Brasil à Ásia, com uma só escala. Tinha e tem, à sua disposição e da família, apartamentos luxuosos em Miami.

    Os pastores e bispos, uns traindo os outros, abocanhavam e disputavam as migalhas da magnificência de Macedo, incessante. A capacidade de arrecadar era a principal condição para ascender e ser recompensado em porcentagens na coleta – de 2% a 10% – prêmios em dinheiro, bons salários, carros modernos, roupas de grife e moradias aprazíveis. Havia porém os que sem cumprir as metas, se davam mal. Eram punidos com “prêmios negativos”, tinham bons descontos em seus rendimentos. 

    O modus operandi  usual do bispo Macedo era lançar na política alguém de quem queria livrar-se no dia a dia da Universal, que sabia muito e conquistava poder. Os melhores bispos emergentes ou os laranjas contrafeitos de suas empresas – em descomunal crescimento – o solerte Macedo deslocava para postos estratégicos no exterior: Portugal, Angola, Moçambique, Espanha, Los Angeles, Argentina e Chile. O que vinha muito a calhar para seus projetos futuros. O autor não nos informa se tais expedientes mudaram.

    Assim o bispo colecionou dissidentes, arquirrivais, inimigos fidagais ou não declarados, assistindo a muitas defecções na feroz guerra interna da Universal. É só prestar muita atenção na carreira de Roberto Lopes, Carlos Magno de Miranda, Mario Justino, bispo Carlos Rodrigues, Ronaldo Didini, Waldir Abrão, Marcelo Pires, Alfredo Paulo Filho, João Batista Ramos da Silva, entre outros.

     

    Os métodos sumários do reino

     

    A Universal experimentou até um dos clássicos métodos dos hoje banais milicianos, em que se especializaram igualmente membros do tráfico de drogas, as PMs e os assassinos de aluguel em geral.

    Em 2003, o pastor e deputado estadual Valdeci Paiva de Jesus, carismático pastor das multidões, mas “rebelde”, foi executado com dezenove tiros por quatro homens. Em 2009, o vereador João R. Monteiro de Castro foi executado da mesma forma, num carro blindado. O ex-vereador e ex-dirigente da Universal e laranja da TV Record, Waldir Abrão foi encontrado em sua casa com um ferimento na cabeça e, após dois dias de hospital, não resistiu e morreu aos 81 anos. A polícia abriu inquérito, que não prosperou, e tratou o caso como suspeita de homicídio. Abrão dias antes registrara um documento oficial junto a seus advogados, com denúncias graves, após ser pressionado e humilhado durante bom tempo.

    Como brincou Edir Macedo, para seus desígnios, até “gol com a mão” valia, apesar de ter o desplante de criticar certa vez “a podridão do sistema no país “

    Até hoje nada impede que, de má-fé, a Universal utilize em suas práticas que são um pastiche religioso, elementos do catolicismo, do kardecismo e do (venerado) judaísmo. De maneira torpe, apropriou-se de rituais do candomblé e da umbanda, apesar dos ataques contínuos contra os cultos afro-brasileiros.

    O duvidoso batalhão de advogados defensores de Edir Macedo, da TV Record e da Universal não é muito citado por Nascimento. Diga-se que se pode bem supor terem  sido necessários oceanos de dinheiro para que as denúncias se arrastassem por anos. Os crimes prescreveram, muitos culminando em arquivamento por falta de provas. A Justiça brasileira, em sua  crescente venalidade e leniência, condenou bem pouco o contumaz bispo Macedo e a Universal. Quando o bispo buzinou impávido que cedo ou tarde a Justiça chegaria, fazendo acontecer o que tinha de ser feito, certamente não se referia ao Brasil e à Universal, e ao seu irreconciliável embate contra a lei.

     

    Ficha técnica : NASCIMENTO, Gilberto.
    O reino: a história de Edir Macedo e uma radiografia da Igreja Universal.
    Companhia das Letras, 2019

     

    Marcia Mendes de Almeida é jornalista e resenhista, tendo colaborado com a revista Senhor, o Jornal da Tarde e com a Carta Capital.
    O projeto de resenhas de livros para os Jornalistas Livres vai incluir não apenas lançamentos, mas também livros interessantes disponíveis em sebos virtuais.

     

    +LINKS

    https://jornalistaslivres.org/o-economista-impar/

  • Lançamento dos Diários de Celso Furtado #SP

    Lançamento dos Diários de Celso Furtado #SP

    A Cia das Letras está lançando desde outubro Diários Intermitentes 1937-2002 de Celso Furtado, organizado por Rosa Freire D’Aguiar, viúva de Celso.

    Rosa reiterou, no evento de 04.11.2019, na Livraria da Vila em Pinheiros (São Paulo) que os cerca de 13.000 livros da biblioteca de Celso (7 toneladas por sinal), estão a caminho do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB-USP), para se tornarem parte deste acervo público. 

    Além do lançamento, estão acontecendo palestras sobre Celso Furtado, um bom prenúncio da comemoração dos 100 anos de nascimento do autor em 2020.

    O lançamento desta segunda-feira em São Paulo, contou com a participação de Rubens Ricupero (jurista, historiador e economista  que foi ministro do governo de Itamar Franco) e de Luiz Felipe de Alencastro (historiador e cientista político). 

    Lançamento do livro, Diários Intermitentes 1937-2002, de Celso Furtado, com a presenças de Luiz Felipe de Alencastro (á esq.), Rosa Freire D’Aguiar e Rubens Ricupero (á dir), em #SP.

    Rosa explica que o título Diários Intermitentes, reflete o fato de que Celso Furtado os escrevia em alguns momentos com mais intensidade do que em outros. Ela  definiu alguns como desabafo e outros como testemunhos históricos. Exemplos : quando voltou ao Brasil depois da segunda guerra, ou quando trabalhou na implantação da Sudene no Nordeste durante o governo Juscelino Kubitscheck, e em períodos do exílio. 

    Mesmo sendo o livro uma importante fonte de pesquisa histórica, como afirmou Rubens Ricupero, ele não contém tantas revelações de bastidores e fofocas, como é comum neste gênero de livro, disse Rosa. Mas tanto ela como Rubens, citaram algumas  importantes passagens, revelações mesmo, durante o período da Constituinte (1988), no governo de José Sarney.

    Os diários

    Rosa destacou a qualidade literária dos diários, assim como as reflexões intelectuais de Celso. Contou também que ele tinha o hábito de fazer balanços anuais, e alguns dos textos do livro oferecem esta oportunidade, assim como os perfis de personalidades com as quais o autor conviveu, ou que são muito simbólicas do seu tempo. O livro também contém três trechos que seriam esboços de romances do autor. 

    É importante destacar que Celso Furtado foi um  economista e intelectual brasileiro, que se propôs a executar o desenvolvimento com suas ideia concretas, e por isso foi extremamente perseguido. 

    Sua participação na implantação da Sudene Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste, que criou em 1959, no governo de Juscelino Kubitschek, incomodou profundamente as oligarquias do Nordeste e seus coronéis. assim como sua participação como ministro do Planejamento em 1962, no governo de João Goulart. O nome de Celso Furtado era o número 20 na lista de cassação do AI-1, no golpe militar de 1964. Segundo Luiz Felipe de Alencastro, nem o embaixador americano Lincoln Gordon, figura crucial no golpe de 1964, concordava com essa cassação, já que ele não era ligado a nenhum partido, nem organização e tinha certa visibilidade internacional na época.

    Ricupero falou da falta que ele faz no Brasil de hoje. Celso furtado morreu em 2004. Por sua visão crítica às “doutrinas do norte” e neoliberais, e pela sua capacidade visionária, Celso é “o símbolo de um outro Brasil, que acreditava em si mesmo”,  “o último gigante do desenvolvimento”, afirmou Ricupero.

    Rosa comentou duas situações que considera bem simbólicas no que se refere a destruição da memória de Celso Furtado. Primeiro a mudança do nome do centro acadêmico da Universidade Federal de Santa Catarina, que curiosamente homenageava Celso Furtado, e foi rebatizado como Centro Acadêmico Roberto Campos , opositor ideológico de Celso. E segundo, a atitude da Petrobrás, sob o comando do atual governo, que resolveu rebatizar as termoelétricas, que no governo Lula tinham recebido  nomes de esquerda, entre elas Celso Furtado, Luiz Carlos Preste, Leonel Brizola.

    Rosa, além deste livro, é responsável pela edição de diversas obras de Celso Furtado, entre elas a coleção temática Arquivos do Celso Furtado, e também é responsável pela organização do Banco de Artigos de Celso Furtado, que podem ser acessado por este NESTE LINK. 

    A obra deste autor também pode ser acessada pelo em seu acervo online no Centro Internacional Celso Furtado NESTE LINK http://www.bibliotecacelsofurtado.org.br/

    Os Jornalistas Livres convidaram Márcia Mendes de Almeida para ser livre na coluna de resenhas, e ela escolheu esta obra.  Sua primeira colaboração que deve ser publicada em breve. Márcia fez resenhas de livros nas décadas de 80 e 90 principalmente, contribuiu na revista Senhor, no Jornal da Tarde, e para a Carta Capital, mais recentemente.