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  • Justiça confirma denúncias contra delegada Erika Marena e suspende censura à blog

    Justiça confirma denúncias contra delegada Erika Marena e suspende censura à blog

    Ex-delegada da PF, Erika Marena disse à Justiça que reportagens sobre ela se baseavam em “notícias falsas”, Segundo a Turma Recursal, ela é quem mentira
    Decisão da 1ª Turma Recursal dos Juizados Especiais de Curitiba, afirma que não configuram crime de honra as duas reportagens publicadas pelo Blog Marcelo Auler em 2016 criticando a ação da delegada da Polícia Federal Erika Marena à frente da Lava-Jato em Curitiba. A sentença considera informativa e fundamentada em fatos reais as denúncias sobre a condução espetacularizada e abusiva da Operação Lava-Jato pela delegada.
     
    Mesmo censurado, no final de 2017, o Blog mostrou que a mesma estratégia de vazamento de informações sobre investigação da PF empreendida pela delegada provocou o linchamento moral do reitor da UFSC, Luiz Carlos Cancellier. Preso e humilhado sem direito à defesa prévia e vendo sua reputação destruída pela grande mídia e redes sociais, o professor acabou cometendo suicídio, sem chance de provar o que a própria justiça provou recentemente: o reitor não tinha qualquer implicação com as suspeitas de irregularidades na concessão de bolsas do Programa Universidade Aberta cometidas em períodos anteriores ao seu.

     

    Por Marcelo Auler

    Após três anos, a Justiça do Paraná considerou que as acusações que o jornalista Marcelo Auler noticiou em seu Blog sobre a delegada federal Erika Mialiki Marena, então coordenadora da Operação Lava Jato na Polícia Federal do Paraná, são verdadeiras e estão calçadas em provas. Em consequência, a 1ª Turma Recursal dos Juizados Especiais de Curitiba acolheu, por unanimidade, o voto da juíza Maria Fernanda Scheidemantel Nogara Ferreira da Costa e refez a sentença que condenou o Blog a pagar R$ 10 mil à delegada. Acompanhando o parecer da relatora do processo, o juizado decidiu que não procede a queixa da delegada por crime contra a hora, alegando que o jornalista se baseava em falsas informações.

    A decisão do Tribunal Recursal (leia íntegra ao final) suspende a censura imposta ao Blog, desde março de 2016, pelo 8º Juizado Especial Civil de Curitiba. Ela era fruto de decisão liminar do juiz Nei Roberto de Barros Guimarães, sem ouvir a parte contrária, isto é, o autor das reportagens. Embora o Supremo Tribunal Federal (STF), em junho de 2018, tenha derrubado essa decisão liminar, o juiz não atendeu à ordem da 1ª Turma do STF, alegando que já existia sentença mantendo a proibição das reportagens. Ao refazer a sentença, a Turma Recursal elimina a proibição inconstitucional que vetou as matérias e permite aos leitores terem acesso a elas: Novo ministro Eugênio Aragão brigou contra e foi vítima dos vazamentos (16/03/2016) e Carta aberta ao ministro Eugênio Aragão (22/03/2016).

    No julgamento do recurso do advogado Rogério Bueno da Silva, em 9 de maio, a relatora e presidente da turma, Vanessa Bassani, e o juiz Nestario da Silva Queiroz, acolheram a tese da defesa de que o Blog apenas noticiou fatos. Em seu voto, a juíza relatora deixou claro:

    Após a análise das provas constantes dos autos, tenho que o requerido logrou êxito em comprovar que as matérias apenas retrataram fatos que efetivamente teve ciência por pessoas e dados reais, sendo as reportagens meramente informativas”.

     

     

     

     

    Em outro trecho, o voto registrou que o reportado tinha embasamento concreto, tal como sustentou Bueno da Silva:

    Portanto, concluo que restou comprovado que o requerido se utilizou de embasamentos concretos para transcrever suas reportagens, de modo que não houve abuso à liberdade de expressão. Ainda, tenho que a autora não logrou êxito em comprovar os alegados danos morais suportados em decorrência das matérias, ônus que lhe incumbia, nos termos do art. 373, inciso I, do CPC.”

    Ministro Luiz Fux: “Delegada deveria ter maior  tolerância à exposição pela mídia e opinião pública”

    A decisão do Tribunal Recursal segue o entendimento já reafirmado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) de que não pode haver censura. Mesmo entendimento mantido pela 1ª Turma do STF ao acolher a Reclamação 28.747 que o Blog, junto com a Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) e o Instituto Vladimir Herzog, apresentaram àquela corte contra a decisão do Juizado Especial de Curitiba, tal como noticiamos em STF, ao rever censura ao Blog, criticou a DPF Érika.

    Nesta decisão a favor do Blog – não acatada pelo juiz de primeiro grau – os ministros voltaram a deixar claro que agentes públicos estão sujeitos a críticas prevalecendo a liberdade de expressão e da liberdade de imprensa acima de qualquer direito individual. O ministro Luiz Fux, autor do voto divergente que derrubou a censura que o juiz Barros Guimarães insistiu em manter, chegou a tecer críticas à delegada Érika:

    “As circunstâncias concretas deveriam sujeitar a Delegada a um maior nível de tolerância à exposição e escrutínio pela mídia e opinião pública, e não menor. É dizer, seu cargo público é motivo para que haja ainda maior ônus argumentativo apto a justificar qualquer restrição à liberdade de informação e expressão no que toca à sua pessoa e o exercício de suas atividades públicas.”

     

    A tese de que agentes públicos estão sujeitos a críticas foi encampada também pela relatora da 1ª Turma Recursal, no Paraná:

    Ressalto, também, que à época da publicação das reportagens, a autora, enquanto Delegada da Polícia Federal atuando em uma das maiores investigações anticorrupção do Brasil, tornou-se pessoa pública, conhecida da maioria dos brasileiros, portanto, sujeita a críticas decorrente de sua atuação.

    Logo, tenho que no presente caso, sob a análise do conflito entre a liberdade de expressão, opinião e crítica e entre a liberdade individual, não restou demonstrado qualquer abuso ou excesso apto a ensejar a condenação do requerido ao pagamento de danos morais e supressão de conteúdo jornalístico.”

    Como a Justiça do Paraná comprovou, as duas postagens do Blog censuradas judicialmente a pedido da delegada Erika estavam corretas, com informações verdadeiras.

    Negando a realidade – Os abusos e excessos, na realidade, ocorreram por parte da delegada e de sua irmã, Márcia Eveline Mialiki Marena, que atuou como advogada no processo.

    Elas, na inicial, acusaram o Blog de narrar fatos que teriam sido “construídos sem embasamento probatório MÍNIMO” (grifo do original). Classificaram ainda as informações, que agora a Justiça comprovou reais, como “acusações delirantes”.

    Tentaram negar a realidade. Sobre uma representação contra o então subprocurador da República Eugênio Aragão, provocada por documento que a delegada assinou, em 2005, junto com outros policiais federais, disseram que o Blog “idealiza sobre uma representação que a Autora teria feito contra o ministro, sem, no entanto, provar (ou averiguar minimamente) essa informação”.

    E sustentaram: “A Autora afirma que nunca representou contra o atual Ministro da Justiça, por isso que o Réu sequer tem cópia de tal representação”.

    Na reportagem publicada e por elas censurada o próprio Eugênio Aragão, na época da publicação ministro da Justiça do governo Dilma Rousseff, narrou a existência da representação. Ele e o ex-diretor-geral da Polícia Federal, delegado Paulo Lacerda, foram ouvidos antes da publicação das matérias. Os dois, em depoimento judicial como testemunhas do Blog, confirmaram tal fato – terem sido consultados antes da publicação da reportagem – e a veracidade do que foi noticiado.

    Erika e outros delegados da Polícia Federal queixavam-se por ter Aragão, em missão oficial a Nova Iorque, interferido junto a autoridades americanas para que documentos oficiais só fossem entregues a polícias e procuradores da República por vias diplomáticas. Medida imposta para se evitar a anulação de provas importantes.

    As queixas dos delegados antes mesmo de chegarem ao Ministério Público Federal vazaram para a imprensa e foi manchete do jornal Folha de S. Paulo. A partir deste documento, houve representação contra Aragão que acabou respondendo a uma sindicância administrativa. Nela, foi inocentado.

    No seu voto, a juíza Maria Fernanda constata o que sempre defendemos, ou seja, a veracidade das informações do Blog, ainda que tenha feito reparos à forma narrada:

    Veja-se que, pelas provas dos autos, restou comprovado que a autora, enquanto Delegada de Polícia, encaminhou relatório de missão (mov. 123.3, págs 24 a 28), juntamente com outros cinco Delegados da Polícia Federal.

    Em que pese não ter sido a autora quem representou contra o Min. Eugênio Aragão, certo é que o relatório encaminhado pela mesma e por seus colegas foi o ponto de partida para que a Corregedoria-Geral do MPF apresentasse referida representação.

    Portanto, tenho que houve mera inexatidão técnica nas palavras utilizadas pelo requerido.

    Ademais, deve-se constatar que o fato de ser publicado que alguém representou outro alguém, por si só, não traz qualquer abalo aos atributos da personalidade. Até porque, se assim tivesse-o feito, a autora apenas estaria agindo em seu exercício regular de direito de representar um superior hierárquico, conforme comprovado pelo depoimento da testemunha Paulo Fernando da Costa Lacerda”.

    Depoimento do delegado federal Paulo Renato Herrera, de cujo conhecimento pelo blog a delegada duvidou

    A delegada e sua irmã/advogada também se insurgiram contra a informação de que ela era considerada por colegas seus como “estrategista de vazamento da Operação Lava Jato”.

    Isto, como noticiamos, foi dito em depoimento por um delegado federal de Curitiba, não identificado na reportagem.

    Tratava-se de Paulo Renato Herrera, delegado então sob investigação, acusado injustamente – como depois ficou comprovado no inquérito 737/2015 -, de aprontar dossiês contra a Lava Jato.

    As duas duvidaram da capacidade desta apuração pelo Blog pois o inquérito tramitava em segredo de justiça.

    Para elas, seria impossível ao Blog ter conhecimento do depoimento por se tratar de “um inquérito de extremo sigilo, sobre o qual nem a CPI da Petrobrás obteve acesso ao conteúdo, e nem o Réu, que se tivesse tido acesso, com certeza publicaria informações mais substanciais, não meras fábulas e especulações de uma pessoa qualquer depondo ao vento.”

     

    Ao analisar esta queixa a juíza constatou, mais uma vez, a veracidade da informação reportada:

    De igual forma em relação a alegação de que a autora era uma das “estrategistas dos vazamentos na Operação Lava Jato”. Isso porque, ao mencionar que a autora foi citada em um depoimento no Inquérito Policial 737/2015, tenho que o requerido se cercou das cautelas necessárias, inclusive apresentando a origem de tal informação. Conforme documentos de mov. 52.3 a 52.6, a autora foi sim citada em um depoimento como a responsável pelos vazamentos, de modo que a notícia do requerido apenas se baseou em tal fonte.

    Danos morais inexistentes – Confundindo as obrigações de um agente público com as do jornalista, a delegada e sua irmã acharam que o Blog, ao reportar o conteúdo de um inquérito que tramitava em segredo de justiça estaria incorrendo no crime de vazamento de informações. Na ação apresentada no 8º Juizado Especial, afirmaram:

    “Pois bem, as afirmações do Réu referente a Autora são vazias e desconexas da realidade, principalmente quando usa como embasamento o IPL 737/2015, porém se fossem verdadeiras, estaria o Réu fazendo exatamente aquilo do qual acusa a Autora, tornando público detalhes de investigação sigilosa (…)”.

    Parece desconhecerem que jornalistas têm por obrigação divulgar fatos que tome conhecimento, desde que comprovadamente verdadeiros. O próprio Supremo Tribunal já deixou claro que aos jornalistas não cabe respeitar segredos de justiça em documentos que tomam conhecimento.

    No voto apresentado à Turma Recursal em que acolheu as teses defendidas pelo advogado Bueno da Silva, a juíza Maria Fernanda esclareceu:

    Ainda, em que pese restar comprovado que, quando da publicação da reportagem, o referido inquérito corria em Segredo de Justiça, tal fato, por si só, não impede o requerido de utilizá-lo como embasamento para a notícia, vez que juntou prova testemunhal da existência do referido inquérito. Inclusive, frisa-se que a Constituição Federal resguarda ao jornalista o direito de sigilo da fonte”.

    Não apenas por comprovar que o Blog noticiou fatos reais, mas também recorrendo a decisões antigas do Supremo Tribunal Federal, como no julgamento da ADPF 130, de abril de 2009, na qual o relator, o então ministro Carlos Ayres Brito, destacou a possibilidade de agentes públicos serem criticados, a juíza Maria Fernanda negou os danos morais que a delegada e sua irmã queriam indenizados. Ela transcreveu parte do voto de Ayres Brito:

    Em se tratando de agente público, ainda que injustamente ofendido em sua honra e imagem, subjaz à indenização uma imperiosa cláusula de modicidade. Isto porque todo agente público está sob permanente vigília da cidadania. E quando o agente estatal não prima por todas as aparências de legalidade e legitimidade no seu atuar oficial, atrai contra si mais fortes suspeitas de um comportamento antijurídico francamente sindicável pelos cidadãos“.

    Blog continua censurado – A prevalecer o enunciado da Súmula 7 do Superior Tribunal de Justiça, que impede o reexame de provas em recursos àquela corte, o processo se extingue com a sentença da Turma Recursal, ainda mais por ela ter sido acolhida por unanimidade.

    A mesma delegada, porém, move outras duas ações contra o editor deste Blog por conta de reportagem publicada na revista CartaCapitalcom teor idêntico ao das reportagens publicadas no Blog que a Justiça do Paraná reconheceu como verdadeiras.

    No Rio de Janeiro tramita ação criminal na qual o juiz Elder Fernandes Luciano, da 10ª Vara Federal Criminal, em janeiro passado, afastou a possibilidade de crimes de calúnia e difamação. Resta sob análise o possível crime de injúria.

    No Paraná há uma ação de indenização por dano moral e à imagem em tramitação na 10ª Vara Cível. Nela a delegada reivindica R$ 50 mil de indenização. Na inicial ela também pediu a censura do site da revista, mas não obteve êxito junto à juíza Carolina Fontes Vieira.

    Como o Tribunal Recursal concluiu, as reportagens não poderiam ter ofendido a delegada na medida em que apenas relataram fatos reais, devidamente comprovados. As ações, portanto, servem apenas para dificultar a vida do Blog além de gerarem despesas seja com custas processuais, viagens – foram várias a Curitiba e a Brasília – e ainda o tempo gasto na preparação da defesa. Servem também como tentativa de intimidação aos jornalistas.

    Apesar da decisão do Tribunal Recursal suspendendo a censura das duas matérias – que a partir de agora estão disponibilizadas aos leitores – o Blog continua censurado em outras reportagens por decisões judiciais que contrariam o Supremo Tribunal Federal. Decisões contra as quais estamos recorrendo.

    Os leitores permanecem sem acesso às reportagens “Juíza perdeu jurisdição e haitianos visitaram filhos“; “Juíza do PR imita Trump e separa haitianos“; “PM mineira: extorsão, sequestro e tortura“; “PMs de MG torturam a céu aberto; de dia“; e “PM de MG na trilha da PM do Rio: e agora, Pimentel?“.

    Ou seja, nossa luta contra a censura continuará.

    Uma luta que travamos com o apoio da FENAJ e do Instituto Vladimir Herzog que conseguiram enxergar neste caso um risco não apenas ao Blog e seu editor, mas ao jornalismo como um todo.

    Infelizmente, o apoio pedido à antiga diretoria da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e à Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI) resultaram apenas em notas de protesto. Elas, assim como a Associação Nacional dos Jornais (ANJ), não quiseram endossar a Reclamação levada ao Supremo, cuja decisão reforçou a liberdade de imprensa e o direito de críticas aos agentes públicos, a favor de toda a categoria e dos leitores.

    Nesta luta contra a censura tem sido fundamental também o apoio e o incentivo de leitores, seguidores e amigos do Blog. Apoio, inclusive, financeiro. As doações feitas por estes é que ajudaram a bancar os custos que todos os processos nos têm trazido, bem como a nossa sobrevivência. Mais uma vez renovo o agradecimento a todos.

    Abaixo, a íntegra do acórdão que reconheceu como verdadeiras as denúncias noticiadas pelo Blog

    Tribunal Recursal confirma denúncias do Blog contra Delegada Erika

    Leia os detalhes e a íntegra da decisão em: https://marceloauler.com.br/justica-comprova-denuncias-do-blog-contra-dpf-erika-marena/

     

     

  • Jornalistas denunciam censura na EBC

    Jornalistas denunciam censura na EBC

    A Empresa Brasil de Comunicação (EBC) tem sido alvo de censura pelo governo de Jair Messias Bolsonaro. As palavras “Golpe” e “Ditadura” estão excluídas da matérias produzidas pelos jornalistas.

    Em nota veiculada pelo sindicato Jornalistas e Radialistas do DF, RJ e SP, jornalistas denunciam que só é possível descrever o golpe que levou o Brasil para um ditadura de vinte e um anos quando “as matérias trazem declarações do presidente para negar o fato: ‘para Bolsonaro, não houve ditadura no Brasil’. A palavra “golpe” é ainda mais escondida. No lugar de ‘aniversário do golpe’, se usa ‘comemoração de 31 de março de 1964’.” denuncia a nota.

    A censura afeta todos os formatos produzidos pela EBC, desde rádio, matérias televisivas e textos escritos. As palavras deixaram de ser usadas para descrever a ditadura após o presidente ter incitado os quartéis a comemorarem a data.

    Na nota é colocado que a fonte da censura é incerta. Não há certeza se é uma ordem direta do planalto ou se uma busca por não provocar o presidente, por parte da diretoria.

    É feita uma convocação para os profissionais da EBC irem “trabalhar de roupa preta na segunda-feira, dia 1 de abril”.

    Leia a nota na integra abaixo:

    NA TENTATIVA DE REESCREVER A HISTÓRIA, EBC CENSURA “DITADURA” E “GOLPE” EM REPORTAGENS

    Com a proximidade do aniversário de 55 anos do golpe de 1964, que deu início a uma ditadura militar com 21 anos de duração, a Empresa Brasil de Comunicação (EBC) vem impedindo o uso das palavras “golpe” e “ditadura” para classificar esse episódio da história brasileira. A censura ocorre nas reportagens de TV, rádio e agências.

    A cobertura que evidenciou a proibição teve início quando o presidente da República, Jair Bolsonaro, afirmou que os quartéis deveriam comemorar a data. Houve repercussão na sociedade civil, no Congresso Nacional e em outros espaços de poder. O Ministério Público Federal recomendou que os comandos militares desistissem da celebração, e a Defensoria Pública da União entrou com uma ação para impedir os planos comemorativos, entre outros fatos com claro valor de noticiabilidade – e amplamente divulgados pela imprensa em geral.

    Nas reportagens e títulos que tratam sobre o assunto, o termo “ditadura” está sendo sistematicamente substituído por “regime militar”, a não ser quando as matérias trazem declarações do presidente para negar o fato: “para Bolsonaro, não houve ditadura no Brasil”. A palavra “golpe” é ainda mais escondida. No lugar de “aniversário do golpe”, se usa “comemoração de 31 de março de 1964”.

    Há relatos, ainda, da não veiculação de reportagens sobre a ação da DPU e da recomendação do MPF (uma estratégia é a substituição da matéria por uma “nota”, para fingir equilíbrio, quando se sabe o valor de cada formato dentro de um jornal), da retirada, redução ou desvalorização de relatos de vítimas da ditadura e até mesmo de dados já amplamente divulgados sobre o número de mortos e desaparecidos no período.

    Não se sabe se a orientação veio do governo ou se os gestores da EBC se adiantaram a um possível desconforto governamental e implantaram a censura prévia que, mais do que tentar agradar os governantes utilizando para isso a comunicação pública, tentam reescrever e amenizar os fatos históricos.

    Como trabalhadores da comunicação, temos compromisso com o Estado democrático de direito, com a narrativa honesta dos fatos e com a pluralidade de vozes da sociedade. É danoso ao Brasil que as reportagens da EBC, distribuídas gratuitamente para o país e o mundo, tentem esconder ou minimizar os crimes contra a humanidade praticados no período da ditadura militar.

    Nos 21 anos que se seguiram ao golpe de 1964, milhares de pessoas foram exiladas, torturadas, estupradas, demitidas, perseguidas, presas e censuradas pelo Estado, entre outros prejuízos à dignidade humana e coletiva. Jornalistas, artistas, professores, advogados, políticos, operários, líderes populares, indígenas, crianças e até mesmo militares das Forças Armadas estão entre as vítimas, que sofreram por não concordarem com a ditadura. É nosso dever lembrar e contar o que aconteceu neste país.

    Para que nunca mais se repita. Inclusive a censura.

    OBS: Para protestar contra essa situação, conclamamos os colegas a virem trabalhar de roupa preta na segunda-feira, dia 1o de abril.

  • Jornalista de Mato Grosso é perseguido por enfrentar oligopólio da mídia

    Jornalista de Mato Grosso é perseguido por enfrentar oligopólio da mídia

    No país da delação premiada, infelizmente não é de se estranhar que uma condenação judicial relativa à reparação de danos morais tome por desrespeito à lei a divulgação de trechos de uma colaboração oficializada junto às instâncias do próprio poder judiciário.

    A situação piora ainda mais quando, entre os argumentos da decisão, está a menção a uma lei que foi considerada incompatível com a Constituição Federal. Pois é o que ocorreu com a sentença assinada pelo juiz Gilberto Lopes Bussiki, que condenou o jornalista independente Enock Cavalcanti ao pagamento de R$ 28 mil, acatando pedido do empresário João Dorileo Leal, filiado ao MDB e dono do Grupo Gazeta de comunicação, que reúne o principal jornal em papel do estado, quatro emissoras que veiculam o conteúdo da Rede Record, seis rádios, uma empresa de dados e uma gráfica.

    A decisão em desfavor do profissional, que atua em Cuiabá e edita o blog Página do E (www.paginadoenock.com.br), se deu porque ele mencionou o que a maior parte da Grande Mídia de Mato Grosso deixou de divulgar: que, em delação premiada em 2017, o ex-governador do estado, Silval Barbosa (então no PMDB), informou ter pago uma dívida de campanha mediante contratação pós-eleição de um serviço de gráfica que não foi realizado. O relato é oficial e está disponível na Internet para quem quiser ler (em https://www.conjur.com.br/dl/delacao-silval-volume.pdf) 

    Outros veículos de mídia menores também mencionaram a delação de Barbosa, como por exemplo os sites Olhar Direto (http://www.olhardireto.com.br/juridico/noticias/exibir.asp?id=36619&noticia=silval-afirma-que-secom-foi-utilizada-em-esquema-de-lavagem-para-pagar-dividas-com-grafica) e Cacetão Cuiabano (http://cacetaocuiabano.blogspot.com/2017/08/mais-bombas-de-silval-barbosa-etico.html).

    Além disso, o caso teve prosseguimento em 2018, com operação da Delegacia Fazendária junto à sede do Grupo Gazeta de Comunicação, em Cuiabá (http://www.hipernoticias.com.br/policia/defaz-cumpre-dez-mandados-de-busca-e-apreensao-em-cuiaba/100270), o maior integrante do oligopólio midiático de Mato Grosso.

    O texto da decisão pontua a importância da liberdade de imprensa, de divulgar o que é de interesse público, contudo que tal direito social não pode ceder ao abuso e à ofensa à honra das pessoas. A sentença busca até estabelecer o limite entre a sadia e a abusiva liberdade de imprensa, tendo a primeira o condão meramente informativo e a segunda, “o alvoroço da análise/opinião”, conforme a Lei de Imprensa (5.250/1967).

    Ocorre que a Lei de Imprensa foi classificada como incompatível com a Constituição Federal em 2009 pelo Supremo Tribunal Federal (STF) (http://www.stf.jus.br/portal/cms/vernoticiadetalhe.asp?idconteudo=107402). A maioria dos ministros da corte que apreciou a matéria enxergou a lei demarcada pelo período da ditadura e incongruente com a nova ordenação jurídica estabelecida a partir de 1988 no Brasil. O desfecho não foi tão positivo assim, pois basta ver que, com a decisão, o STF também pôs por água abaixo o dispositivo do direito de resposta, deixando o cidadão mais fragilizado ainda perante a relação com o oligopólio da comunicação.

    Não fosse a empreitada liderada pelo senador Roberto Requião (PMDB-PR) em defesa de um projeto de lei de direito de resposta e a sua sanção em 2015 pela presidenta Dilma (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13188.htm), a situação permaneceria a mesma.m Porque a concentração de poder no setor de mídia prejudica a diversidade de opiniões e o exercício da democracia. Inibe o processo educativo junto à população que mostre, por exemplo, que emissoras de rádio e TV, não são propriedades privadas, mas, sim, concessões públicas.

    A concessão das outorgas é regulada por contratos com prazos definidos e enfoque no interesse coletivo da sociedade, que, se forem descumpridos constantemente, podem gerar inclusive cassação de licença. Portanto, informar sem contextualizar é impossibilitar o debate bem informado junto à sociedade. Afinal, como Enock pontuou em seu blog, o Grupo Gazeta de Comunicação possui emissoras de rádio, TV, portal, instituto de pesquisa e jornal e despontou enquanto empreendimento durante as gestões Dante de Oliveira, nos anos 90. No período, a relação ficou tão evidente que no meio jornalístico a Gazeta ganhou o apelido “órgão oficial do governo”.

    Em nível nacional, constituem o danoso oligopólio as famílias Marinho (Globo), Saad (Bandeirantes), Frias (Folha de São Paulo), Civita (Grupo Abril), o empresário e pastor Edir Macedo (Record) e alguns outros, de acordo com estudo das ongs Intervozes e Repórteres Sem Fronteira (http://brazil.mom-rsf.org/br/). Esse distúrbio no processo comunicativo brasileiro se entrelaça ao oligopólio transnacional contemporâneo, liderado por Google e Facebook (http://monopoliosdigitais.com.br/site/).

    Então, é papel do jornalista, sobretudo aquele que dispõe de maior liberdade por tocar o próprio veículo e conduzi-lo a partir de uma linha contra-hegemônica, problematizar as informações, e não apenas reproduzi-las. Pois uma das ferramentas capazes de transformar a sociedade é a leitura crítica da realidade concreta, e isto exige mostrar as entranhas do sistema. Assim como exige prosseguir na luta, apontando a retórica falaciosa desse modelo de sociedade e o uso pernicioso de suas estruturas de poder.

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    PS do editor dos Jornalistas Livres: No momento em que preparávamos essa matéria para publicação, a conta do blog de Enock Cavalcanti havia sido suspensa do servidor (http://paginadoenock.com.br/cgi-sys/suspendedpage.cgi). Estamos aguardando um posicionamento oficial do jornalista para saber o motivos. Enquanto isso, repassamos abaixo um dos seus últimos textos, felizmente salvo no cache do navegador:

    O Sr. João Dorileo, o empresário que comanda o conglomerado que é o Grupo Gazeta de Comunicação, em Mato Grosso, resolveu me processar, eu, o blogueiro Enock Cavalcanti. O sr. Dorileo alega que eu ataquei sua honra, em 3 de setembro do ano passado quando, aqui nesta PAGINA DO E, publiquei o artigo intitulado ” APONTE O DEDO PARA A CORRUPÇÃO – Dorileo Leal, citado por Silval em sua delação, teria recebido R$ 4 milhões”.

    O que o Sr. Dorileo, através dos seus representantes legais, do escritório de advocacia comandado por Cláudio Stábile, alega? O Sr.Dorileo tenta fazer crer, entre outras alegações, que eu, Enock Cavalcanti, afirmei naquele artigo que ele está envolvido em esquema de corrupção, capitaneado pelo ex-governador Silval Barbosa, que é atualmente investigado em Mato Grosso. Ao contestar na Justiça, diante do juiz Gilberto Bussiki, da 9ª Vara Civel de Cuiabá, o pedido inicial do sr. Dorileo, reafirmei os termos efetivos de meu artigo, em que eu não acusava Dorileo de nada, simplesmente chamava a atenção para o que o ex-governador Silval Barbosa, esse sim, afirmara em depoimentos ao Ministério Público e à Justiça mato-grossense. Ora, não é essa atribuição do jornalista atento às suas responsabilidades?

    Vejam que o Sr. Dorileo, manipulando a realidade do meu texto, ao que considero, tentou, o tempo inteiro, atribuir a mim, acusações que partiram efetivamente do Sr. Silval Barbosa e que eu, cumprindo minhas responsablidades como jornalista, volto a destacar, me limitei a reproduzir, chamando a atenção dos leitores para este fato que, sem dúvida nenhuma merece destaque: que o chefe do maior grupo de comunicação de Mato Grosso fora alvo de larga citação por parte do Sr. Silval Barbosa, ex-governador que, a partir do episódio de sua delação, passou a ser um corrupto confesso, disposto a devolver parte do que surrupiara dos cofres públicos mas também a nomear tantos e tantos que porventura tenham se beneficiado de seu governo. Publiquei isso com a ressalva de que o fazia porque certamente os veiculos vários de comunicação controlados pelo Sr. Dorileo não dariam o devido destaque ao caso e a esta citação específica.

    Para melhor conhecimento daqueles que acompanham a PAGINA DO E, divulgo aqui, mais uma vez, a integra da ação em que o Sr. Dorileo reclama de minha parte uma indenização de R$ 50 mil contra possíveis danos que lhe teria causado, como também o inteiro teor da minha contestação, com os documentos que a ela juntei. Poderão, assim, os leitores, terem uma ideia mais dos fatos e das argumentações que o juiz Bussiki tem expostos diante de si, antes de proferir sua decisão sobre o caso.

    Vejam que, depois de uma detalhada análise das acusações inverídicas contra mim dirigidas pelo Sr Dorileo, encerro minha contestação deixando para o julgador os seguintes pedidos:

    Diante do exposto, é esta CONTESTAÇÃO para, REQUERER:

    a) o indeferimento da inicial por, como demonstrado ficou, não ter qualquer relação entre a publicação imputada e a capitulação legal que lhe
    foi dada.

    b) em consequência, que o valor da indenização pedida, e seus corolários [verba honorária, custas processuais etc.], seja indeferido uma
    vez que inexiste qualquer relação entre o noticiado pelo Querelado (eu, Enock Cavalcanti) e a repercussão que tal possa ter causado ao Autor (ele, Sr. Dorileo).

    c) que o Autor – por abusar do direito de petição, atirando -se a uma aventura judiciária, na qual pretende se utilizar do já assoberbado Poder Judiciário para fins claramente intimidatórios e de indevido enriquecimento – seja considerado litigante de má-fé, com todas as consequências legais advindas.

    d) que, em decorrência, seja o mesmo condenado a indenizar o Requerido em quantia a ser arbitrada por Vossa Excelência, porém, não inferior ao valor que atribuiu à causa com multa por ato repleto de ma -fé.

    e) que seja condenado em sucumbência no percentual de 20% (vinte por cento) do montante que atribuiu à causa ou em valor a ser arbitrado por Vossa Excelência.

    f) que o mesmo seja condenado a publicar na íntegra em seu jornal e a veicular na sua mídia televisiva, sob pena de multa, a Sentença e o v. acórdão.

    Ler a contestação exigirá um pouco de paciência dos internautas que acessam esta página do E, que que o PDF que divulgo arrola também os documentos que juntei à ela, tal qual a denuncia do Ministério Público de Mato Grosso contra o Sr. Dorileo no episódio também recente do Escândalo das Gráficas e cópias de reportagens que relembram detalhes do Secomgate que muitos esqueceram ou fazem questão de abafar.

    Agora é aguardar pela decisão da Justiça, em primeira instância.

    Enock Cavalcanti rebate Dorileo Leal, dono de conglomerado de midia que tenta calar blogueiro em MT by Enock Cavalcanti on Scribd