Gileno da Silva Alves, de 47 anos, é de Guanambi (BA) e viajou 380km para ver e prestigiar Lula no ato realizado em Montes Claros, na noite de 27 de outubro, mesmo dia em que o ex-presidente completou 72 anos. “O aniversário é dele, mas o presente quem ganha são todos nós brasileiros, com sua volta à presidência”, afirmou ele.
“Eu não poderia deixar de homenagear o melhor presidente que o país já teve, que tornou o país respeitado nacionalmente e internacionalmente e que olhou para os menos favorecidos”, declarou Gileno, que teve a oportunidade de se tornar técnico segurança do trabalho há 5 anos por meio do Proeja, Programa Nacional de Integração da Educação Profissional, criado em 2006. “Sou filho de agricultor e produtor rural, me formei e hoje tenho orgulho de estar empregado e de ser disputado pelas empresas da minha região”.
O professor da Unimontes, Rodrigo Pessoa, 43 anos, deixou uma mensagem para o ex-presidente pelo seu aniversário. “Quero parabenizá-lo por todos esses anos de dedicação ao povo brasileiro”. Rodrigo trouxe o filho Bernardo para acompanhar o ato. “Quero que ele se torne um cidadão de verdade e conheça a militância. No momento atual, não podemos ficar parados. Lula tem a capacidade de juntar gente que pensa de maneira progressista e não podemos perder a eleição em 2018, senão o golpe fica consolidado”.
Quando informado sobre o aniversário de Lula, Túlio Fróes Júnior, de 76 anos, disse: “Gostaria que ele vivesse 200 anos pois ele é um homem de coragem”. O técnico em eletricista, que hoje se encontra em situação de rua, contou que recebe um salário por invalidez, devido a um acidente de trabalho, e que atualmente o dinheiro não é suficiente para pagar todas as despesas. “Na época do governo de Lula, o dinheiro tinha um poder aquisitivo, foi um governo que impulsionou o país. Ninguém fez um plano tão completo quando ele. Remédios que eu conseguia no posto, hoje tenho que comprar. Além disso, marcar uma consulta atualmente é muito mais difícil”. Túlio também reclamou da dificuldade de conseguir uma casa do programa Minha Casa Minha Vida. O seu cadastro no programa foi realizado em 2014.
A trabalhadora rural Rosa Clarice Ferreira Soares, de 56 anos, saiu do município de Coração de Jesus, a 82km de Montes Claros, para ouvir o ex-presidente. “Eu sou fã demais dele. Eles fazem crítica a Lula, mas não têm provas. Ele tirou o pobre da humilhação e os ricos não gostam disso. Com o governo de agora, o Norte de Minas está esquecido. Desejo que Deus multiplique os anos de vida dele, que ele tenha muita felicidade e paz. Vou orar muito por ele”.
No início do ato, Lula disse que se fosse seguir a lógica de um aniversariante, ele estaria com os filhos fazendo uma festa. “Eu não quis fazer comemoração este ano, pois faz menos de um ano que a Marisa morreu”.
Ao final, o público cantou um “parabéns para você” caloroso, com direito a acompanhamento musical em ritmo de um forró animado e bolo, que deixou Lula emocionado.
A cobertura da caravana “Lula pelo Brasil” é realizada por meio da parceria entre Brasil de Fato, Mídia Ninja e Jornalistas Livres
Após 5 mil quilômetros percorridos por mais de 30 cidades dos nove estados nordestinos, a Caravana “Lula pelo Brasil”, que teve início no dia 17 de agosto, chegou ao fim nesta quarta-feira (5), em São Luís do Maranhão.
Foto: Mídia Ninja
A Caravana, como foi falado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em diversos momentos, teve como principal objetivo vivenciar o grande desenvolvimento pelo qual a região passou durante os 13 anos de governo do Partido dos Trabalhadores. E, principalmente, entender de que forma o Nordeste vem sofrendo com os desmontes sociais do governo de Michel Temer, exatamente um ano depois do golpe que tirou do poder a presidenta Dilma Rousseff, e aprovou uma série de medidas que restringem o investimento em políticas públicas e flexibilizam os direitos dos trabalhadores, como a PEC 55 e a Reforma Trabalhista.
Entre as principais mudanças na região durante a última década, que a Caravana mostrou, está a interiorização do ensino superior brasileiro, a construção de cisternas para armazenamento de água, e a distribuição de renda e direitos básicos através de programas como o Luz para Todos e o Bolsa Família. Foram 63 campi universitários, 150 novas escolas técnicas e sete novas universidades construídas no Nordeste pelo governo do PT; 1/,2 milhão de cisternas para consumo instaladas em casas do semiárido nordestino, e milhões de pessoas beneficiadas pelos programas sociais.
O contexto político atual é essencial para entender a importância histórica dessa Caravana, e marcou boa parte dos discursos do ex-presidente, assim como os depoimentos do povo que o recepcionou. Difamado diariamente pela grande imprensa, réu em primeira instância pela Operação Lava Jato, e aguardando uma decisão em segunda instância que pode barrar sua candidatura em 2018 – para uma eleição que já é antecipada como uma das mais polarizadas da história do país – Lula encontrou na Caravana o apoio e reconhecimento das milhares e milhares de pessoas beneficiadas pelo seu projeto de país.
Apoio esse que, mais uma vez, tentou ser apagado por veículos da mídia empresarial que descaradamente insistiam em fotografar praças esvaziadas horas antes dos atos marcados, ignorando fatos noticiosos como cidades que reuniram um número de pessoas (algumas vindas de regiões próximas) que somavam mais da metade de sua população para assistir às falas do ex-presidente, como Currais Novos (RN), que tem 35 mil habitantes e aglomerou pelo menos 30 mi pessoas.
Nesse sentido, tivemos a decisão de fazer uma cobertura colaborativa entre três dos maiores veículos da mídia alternativa, assumindo o desafio de construir em conjunto uma narrativa, acompanhando todas as atividades dos 20 dias de Caravana, contando os relatos, lembranças e sonhos daqueles que tiveram suas vidas transformadas, mas são os últimos a serem ouvidos pela mídia hegemônica. Produzimos textos, fotos, vídeos, matérias para rádio, transmissões ao vivo, memes, em quatro comunicadores no dia a dia da Caravana, mas contando com o apoio das equipes das bases e de colaboradores em diversas cidades pelas quais passamos. A nossa cobertura atingiu cerca de 30 milhões de pessoas.
Assim, acompanhar a jornada de Lula pelo mesmo Sertão que ele deixou há 64 anos, como retirante, foi uma das mais comoventes experiências vivenciadas por cada uma e cada um de nós. De tudo que presenciamos e contamos, algumas cenas foram especialmente marcantes, como a travessia de Lula pelo Rio São Francisco, quando centenas de pessoas aguardavam para recebê-lo no estado de Alagoas, às margens do rio, ao por do sol. Ou também em uma noite, na pequena cidade de Acari (RN), quando fomos surpreendidos por uma multidão deixou a missa, que acontecia naquele momento, para assistir à passagem da Caravana dos degraus de uma igreja.
Essas paradas não programadas em cidades onde os habitantes espontaneamente se reuniam e se mobilizavam para encontrar com o ex-presidente, foram, talvez, os momentos mais emocionantes da viagem. No trajeto original de cinco horas entre Quixadá (CE) e Juazeiro do Norte (CE), onde foram realizados atos programados, por exemplo, a Caravana parou em oito pequenas cidades do interior, demorando o dobro de tempo para chegar.
Nesses momentos, Lula descia com o apoio de alguns seguranças e era engolido por uma multidão de pessoas que fazia questão de seguir os ônibus para tocá-lo e agradecê-lo, segurando bandeiras vermelhas improvisadas com paus, lençóis e outros tecidos, em cenas que pareciam histórias de realismo fantástico. Após duas semana de Caravana, as mãos e braços do ex-presidente já estavam bastante arranhadas, sua voz havia praticamente sumido, mas ele continuou com o impressionante esforço de cumprimentar e abraçar as pessoas em cada lugar que o recebia.
A presença incansável do povo marcou desde a primeira atividade da Caravana, a visita de Lula ao recém-inaugurado metrô de Salvador (BA), até o última fala do ex-presidente em São Luís do Maranhão. Nesse meio tempo, Lula participou de atividades inesquecíveis como a colação de grau dos estudantes brasileiros e africanos da primeira turma do curso de Humanidades da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-brasileira (Unilab), criada durante seu governo para promover a integração Sul-Sul, e agora ameaçada de cortes de bolsas para seus estudantes. Ou o almoço no acampamento Valdir Marcedo do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), em Jandaíra (BA), onde centenas de acampados e assentados se reuniram para recebê-lo. Ou os cinco títulos de Doutor Honoris Causa que o ex-presidente recebeu durante a Caravana, apesar de, como ele disse diversas vezes, não ter tido a oportunidade de ter uma formação universitária.
Foto: Guilherme Imbassahy
Outro ponto marcante que notamos foi a presença das mulheres em cada uma dessas manifestações. Mais afetadas pelas políticas públicas de distribuição de renda e reparação histórica dos governos do PT, e consequentemente as maiores vítimas dos desmontes sociais de Temer, elas foram as protagonistas de cada uma das atividades organizadas pela Caravana. Nossa cobertura decidiu contar a história de algumas dessas mulheres, já que elas apareciam como presentes a cada parada da Caravana, com suas histórias comoventes e que traduzem toda a força e peleja de suas vidas.
Assim, contamos a história da jovem Iva Mayara, que devolveu seu cartão de beneficiária do programa Bolsa Família à Lula em Aracaju (SE), afirmando não precisar mais dele após ter se graduado pelo PROUNI e se tornar cadastradora do próprio programa. Narramos a vida da peixeira Simone Virgínia e da lavadeira Alzira de Souza, moradoras do bairro de Brasília Teimosa, no Recife, desde quando ele sofria com a falta extrema de saneamento básico, antes da visita de Lula ao local, em 2004.
Também tivemos a honra de conversar com a lendária militante da reforma agrária Elizabeth Teixeira, que aos seus 92 anos não deixou de comparecer ao ato de recepção de Lula em João Pessoa (PB), e com a fundadora do MST no Ceará, dona Maria Lima, hoje com 80 anos. Conversamos também Solange Saldanha, a Sol, que esteve presente em Currais Novos (RN) para agradecer Lula pela possibilidade de ter entrado no curso de letras da Universidade Federal do Rio Grande do Norte aos 35 anos, através do mesmo sistema de cotas raciais que colocou sua filha mais velha – e colega de classe – na mesma universidade.
Após 20 dias acompanhando Lula pelo Nordeste, voltamos, cada um para seu respectivo estado, com a certeza de que somente por termos estado debaixo do sol com o ex-presidente, durante ao menos 10 horas diárias, pudemos entender a dimensão do desenvolvimento trazido pelo seu governo, e das injustiças que tentam diminuir uma das maiores lideranças políticas da América Latina. É preciso estômago para ignorar e deslegitimar os relatos de pessoas que representam o primeiro diploma de suas famílias, que relatam com propriedade o fim dos saques nas épocas de seca após as políticas de Lula, que agradecem com lágrimas nos olhos pela atenção que lhes garantiu sobrevivência.
Deixamos o Maranhão sabendo que, independente da linha editorial de cada veículo da nossa cobertura compartilhada, e da opinião política de cada comunicador, tivemos a chance de vivenciar e entender a proporção mais bruta das medidas tomadas em Brasília e da intensificação da luta de classes no país.
Por esse motivo, voltamos acreditando ainda mais no potencial de uma mídia independente, ativista ou popular, e da importância de oferecer contra-narrativas, com o apoio de um povo que hoje não apenas tem o que comer e onde morar, mas possui a consciência política e os meios tecnológicos necessários para disseminar essas informações. Como disse Lula, em uma entrevista coletiva realizada no terceiro ônibus da Caravana, que durante as três semanas nos abrigou, temos alternativas à mídia hegemônica: “Nós não precisamos deles”.
A cobertura da caravana “Lula pelo Brasil” foi realizada por meio da parceria entre Brasil de Fato, Mídia Ninja e Jornalistas Livres.
A fé é um sentimento que está intimamente ligado à esperança. Ambos quase nunca têm explicações; nós sentimos e pronto. Agarramo-nos a algo que jamais nos questionamos se é real ou imaginário e seguimos – por vezes firmes e por vezes titubeando – pelos sinuosos caminhos da vida. Afinal, precisamos de algo que nos faça ir além, que nos faça olhar pro amanhã com a certeza de será melhor que o hoje.
Essa fé – e a esperança que ela carrega – muitas vezes está relacionada a alguém. Você pode ter fé de que tal pessoa vai melhorar de saúde, que aquele seu primo ou irmão mais novo consiga um emprego mesmo com toda essa crise ou, ainda, que você próprio possa alcançar algo que ainda não alcançou. O responsável por isso? Para alguns é Deus, para outros, Alá; para os individualistas nada além deles mesmos. E tem gente cuja fé aparece por causa de outrem, de carne e osso.
Uma senhora de setenta e tantos anos, cabelos grisalhos, pele escura do sol, cujas mãos e o rosto carregam as marcas de uma vida sem regalias, segura um cartaz escrito com caprichada letra cursiva: “Juntos terra livre estar com você Lula!”. Encostada na grade ao lado do palco, quase sendo engolida pela multidão que luta para chegar o mais perto possível do ex-presidente, a senhora escuta atenta às falas de Lula e comemora cada frase como se fosse o gol do seu time do coração.
Um pouco afastado, mas na mesma situação de “esmagamento”, um senhor igualmente grisalho, usando boné surrado, agarra-se à sua muleta como se fosse à própria vida. Atento, vibra menos do que a senhorinha do cartaz, talvez porque tenha mais dificuldade de mostrar seus sentimentos; talvez porque tenha naquele momento a esperança de conseguir uma lembrança do ex-presidente que levará consigo para sempre.
Cada um à sua maneira, demonstram de forma clara de que têm na fé a força motriz para superarem mais uma dificuldade em suas vidas e aguentarem, com sorrisos nos lábios e emoções à flor da pele, mais de duas horas de pé, espremidos no meio da multidão, num calor humano de 45ºC. A fé, como dizem, move montanhas. Mas nesse caso, serve para aguentar a simples – porém dura – tarefa de permanecerem parados.
Passada a fala de Lula, a senhora grita desesperada pela atenção daquele que já havia mostrado a ela que sua fé não é vã. Que a esperança que venceu o medo em 2002 para transformar a vida de milhões de brasileiras e brasileiros pulsa ainda forte nos corações de quem ali está. Prevendo o insucesso de suas tentativas, não lhe resta outra opção senão correr para a rua —quem sabe ali ela encontre Lula. Já o homem da muleta, um pouco mais tímido – embora não menos impetuoso –, invade o palco e assiste de longe a uma multidão sumir em segundos com o querido ex-presidente. Mancando sobre seus chinelos tão velhos quanto seu boné, o homem vira-se com dificuldade para a multidão e, com lágrimas nos olhos, diz baixinho para sua companheira, que carrega um quadro com a foto presidencial de Lula: “É, meu bem… Não foi dessa vez.”
Foi a fé que os fez enfrentar multidões para chegar mais perto de quem, mais de uma vez, reacendeu a chama da esperança de uma vida melhor para eles e para todo Brasil.
E, no fim das contas, é de fé que se alimenta o pequeno nordestino de 71 anos, que, gentilmente, nos devolve essa fé em forma da esperança necessária para continuarmos fortes, como aquele senhor e aquela senhora, certos de que juntos, fé e esperança, nós e ele, transformaremos de novo nossas vidas.
Dizem que falar sobre as coisas melhora tudo. Eu falo muito sobre tudo e pouco sobre o que sinto sobre as coisas. Minha mãe diz que sou isso desde sempre. Então vou escrever.
A passagem por Penedo foi pra mim uma catarse de sentimentos e sensações.
A única coisa que sabia sobre a cidade até alguns meses atrás era que meu pai havia nascido ali. Meu velho se foi no dia 25 de dezembro, as 2h da manhã, na única noite em que ficou sozinho no hospital. Insistiu que eu passasse a noite de natal com a família, a mesma que cresceu sem sua presença por quase três décadas. Essas separações nunca ficam impunes e ficamos afastados por anos.
Descobri mais sobre meu pai em seus últimos três meses do que em toda minha vida. As circunstancias da morte de meu avô em Penedo, a infância dolorida alimentada por pombos em São Paulo e as memórias, de meu pai e minhas tias, da dolorosa travessia de Alagoas para São Paulo. A coragem de minha avó, recém-viúva, em colocar todos os filhos em uma viagem duríssima em busca de vida em São Paulo.
Em seu velório ouvi histórias fantásticas sobre o orgulho que mantinha dos filhos. A vontade de conhecer a própria terra, a honra do homem que, duro demais com a família, criara outra vida com a comunidade do Grajaú em São Paulo. Foi pai para tantos outros. Descobri também que, como eu, ele falava pouco sobre as angústias da vida.
Prometi ao meu velho que visitaríamos, todos juntos, sua terra natal, assim que saísse do hospital. Bem perto do fim disse que iria de qualquer forma. Ele tinha uma curiosidade comovente sobre sua terra.
E cá estou eu poucos meses depois desse diálogo. Chegando ao barco que faria a travessia entre Sergipe e Alagoas, pelo “Velho Chico”, pensei ainda mais no meu pai enquanto estava hipnotizado por Lula, que olhava emocionado aquela imensidão de rio. Pensei nas semelhanças entre os dois e no quanto Lula carrega em si um pouco de todos os brasileiros que, como diria meu pai, não tem tempo pra ficar triste.
Meu pai nunca demonstrou toda tristeza que sentia pela afastamento dos filhos. Tivesse demonstrado, provavelmente esse afastamento seria menor. Criou pra si uma armadura que lhe garantiu sobreviver à infância miserável e à juventude sofrida. Meu pai virou homem com uma mulher forte e irmãos generosos, unidos até hoje. Mas trazia a dureza daqueles que por quase toda vida apenas sobreviveu. Viveu pouco. E nos momentos de felicidade parecia nem saber direito como se comportar. O álcool (fuga da euforia da dura ou feliz realidade) foi mais parceiro que os filhos.
Minha mãe certamente também engoliu o choro outras tantas vezes, enquanto faxinava a casa de alguma madame e rezava em silêncio para que Deus iluminasse a filha que aos 13 anos cuidava sozinha dos seus irmãos mais novos. Duvido que minha avó tenha tido tempo de sofrer a viuvez precoce enquanto atravessava o país de trem, ônibus e caminhão, com filhos e meu pai em seu colo.
Quantos e quantas, principalmente mulheres, abriram mão de sofrer a própria tristeza por falta de tempo. Pela necessidade de lutar pela próxima refeição para os filhos. Essa é uma história comum nesse país tão injusto.
Lula parece ter criado para si um personagem parecido. Assim como meu velho e as mulheres da minha vida, Lula “não tem tempo pra ficar triste”. A impressão que tenho é que vive aos poucos o luto de Dona Marisa. De vez em quando se pega pensando, lembrando e embarga a voz. Para logo em seguida seguir em frente.
É uma pena que uma parte do Brasil, que apenas odeia Lula e tudo o que ele representa, não possa enxergar essa viagem de Lula com os olhos de quem vai até o ex-presidente tocá-lo, abraçá-lo ou simplesmente para agradecer. A maioria nunca foi beneficiada por um programa social do governo, mas diz que a vida deles nunca foi tão boa. Uma demonstração tão comovente de carinho e afeto é tratada por setores da sociedade como alienação ou, pior, clientelismo barato. Quando é, na verdade, o contrário.
Os milhares de “Silvas” como meu pai, que dependiam da boa vontade de coronéis pra trabalhar, de forma quase escrava e por quase cinco séculos, ganharam liberdade para mandar ao diabo uma oligarquia rural que determinava quem vivia e morria no Brasil profundo. Quem poderia ficar na terra e quem deveria atravessar o Brasil e se aglomerar nos grandes centros.
Em Penedo existe agora um campus da Universidade de Alagoas. Existem famílias que, graças aos programas sociais criados por Lula, romperam o miserável e desgraçado ciclo da fome, que perdurou por gerações. O seguro safra e o incentivo à produção dos pequenos produtores tirou a exclusividade do cuidado com a terra do latifundiário. Mas, desgraçadamente, isso são políticas descartáveis para parte da sociedade brasileira.
A linda cidade de Penedo passou por transformações profundas. Assim como o Brasil. Você não precisa gostar de Lula ou achá-lo perfeito para perceber isso.
Ao fim e ao cabo, fiquei miseravelmente feliz com o fato de a doença que vitimou meu velho ter me dado tempo de vê-lo chorar, lamentar, se reconciliar com minha mãe e com os filhos. Lamento ele não estar naquele barco comigo hoje, no cemitério, na igreja maravilhosa da família Lemos que está ali há quase 300 anos e foi, provavelmente, freqüentada por meus antepassados. E poder tomar aquela gelada às margens do Velho Chico ao lado do Wagnão, presidente do sindicato que ele ajudou a construir no ABC paulista.
Lamento profundamente o que tem passado o maior líder popular do meu tempo. Lamento ele ser tão “povo” brasileiro em seu sofrimento. Lamento ele também não ter tempo pra ficar triste pela perseguição contra si e contra seus filhos, pela triste circunstância da morte de sua esposa, pela perda de amigos tão próximos e queridos e pela doença de outros. Torço para que, nos momentos mais duros, o carinho do povo seja o suficiente para confortá-lo, como espero ter confortado meu pai nos seus piores momentos.
Não deve ser fácil, sobretudo, ver parte da sua obra sendo tão atacada. As tentativas de fechar universidades e tirar dinheiro dos programas sociais devem doer nele tanto quanto suas outras dores.
Espero que Lula ache um tempinho pra sofrer. E espero que, depois, siga sendo essa fortaleza desencontrada e imperfeita de sonhos e esperanças, que pode colocar em movimento, novamente, a energia do povo brasileiro para escrever a própria história. Para que tantos outros “Antonios” possam viver com felicidade na própria terra, junto com seu próprio povo. E –sobretudo– tenham um tempinho pra sofrer e ficar triste.