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  • A insustentável agenda ambiental do presidente

    A insustentável agenda ambiental do presidente

    DO LE MONDE DIPLOMATIQUE –  POR Carlos Rittl           

     

    Bruno Kelly:Reuters

    Quando Dilma Rousseff assumiu a  Presidência, em 2011, ela ouviu do padrinho político, o ex-presidente Lula, um único conselho sobre a área ambiental: “Dilma, só não pode deixar o desmatamento subir”. Lula sabia o quanto a imagem internacional do Brasil e a avaliação do ocupante do Planalto dependiam de um controle efetivo da devastação, principalmente na Amazônia.

    Sabia também que sua sucessora era provavelmente a presidente com menor apreço pelo meio ambiente desde a redemocratização, e ele não queria ver o próprio legado – foi no primeiro governo Lula que o desmatamento na Amazônia começou a cair – atirado ao vento.

    Oito anos depois, temos uma situação inédita na história recente do país: o gabinete presidencial é ocupado por uma pessoa que, mais do que desprezar a área ambiental, faz-lhe oposição ativa, como se exercitasse contra a natureza alguma vingança pessoal. Talvez, antes daquela multa por pesca ilegal em Angra, tenha caído da jabuticabeira ou tomado picada de marimbondo; Freud há de explicar. Seja como for, Jair Bolsonaro parece dormir e acordar com a obsessão de pôr abaixo até a última árvore, extinguir até a última unidade de conservação e desalojar até o último índio do Brasil. Cada um desses desejos tem consequências. Para um país cuja balança comercial depende da venda de produtos agrícolas e minérios, consequências sérias.

    Os movimentos da cruzada antiambiental de Bolsonaro e de seu subministro da Agricultura, Ricardo Salles, são conhecidos. Salles seccionou a medula da governança ambiental brasileira, desarticulando políticas construídas cuidadosamente desde pelo menos a Rio-92. Acabou com as áreas de mudanças climáticas e a responsável pelos planos de prevenção e controle do desmatamento. Deixou o Ibama acéfalo na maioria dos Estados e amarrado em Brasília, perseguindo e desautorizando seus agentes – que acusa de “ideológicos” e “ineficientes”.

    Ao mesmo tempo, em nenhum momento contrapôs o discurso do chefe de empoderar criminosos ambientais, como no caso em que Bolsonaro molhou os pés no crime de responsabilidade ao gravar um vídeo ordenando a suspensão da destruição de equipamentos de bandidos que roubavam madeira numa área protegida em Rondônia. Salles poderia ter ficado quieto, mas ameaçou editar uma portaria vedando a destruição.

    Os resultados disso tudo têm sido o espraiamento da sensação de impunidade na ponta e o franco descontrole sobre o crime ambiental. O número de multas por desmatamento até maio deste ano foi o menor em uma década, e o número de operações do Ibama na Amazônia caiu 70% de janeiro a abril deste ano em relação ao mesmo período ano passado. Bolsonaro foi eleito prometendo “tirar o Estado do cangote de quem produz”. O efeito real foi tirar o Estado do cangote de quem depreda.

    A navalha de Occam – princípio filosófico que afirma que, se um fenômeno tem várias explicações, a mais simples costuma ser a correta – faria supor que tudo isso levaria a um aumento do desmatamento na Amazônia e no Cerrado. De fato, é o que se verifica. Após um primeiro trimestre de redução expressiva nos alertas de desmatamento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), provavelmente devido à grande cobertura de nuvens sobre a floresta, os meses secos de maio e junho mostraram uma aceleração. Maio teve o pior índice para o mês desde que o sistema do Inpe passou a operar com satélites mais precisos, em 2016. É cedo para dizer qual será o impacto na taxa oficial de 2019, que será conhecida após agosto. A depressão econômica pode frear o desmatamento especulativo, deixando o índice mais ou menos empatado com o trágico 2018, na casa dos 8 mil km2, ou, pouco provável, até reduzi-lo um pouco. Mas um eventual crescimento terá nome e sobrenome: Jair Messias Bolsonaro.

    Imagem por Daniel Kondo

     

    E nada indica que vá parar por aí. Bolsonaro, neste momento, briga com o STF pelo direito de violar a Constituição e empurrar a demarcação de terras indígenas para o Ministério da Agricultura, já barrada pelo Congresso. Salles anuncia a revisão de todas as áreas protegidas federais do Brasil. E o filho 01 do presidente, o senador Flávio Bolsonaro, tenta aprovar no Senado nada mais, nada menos que o fim da reserva legal, o que abriria uma área equivalente a quatro estados de São Paulo ao desmatamento. Como se para provar uma aliança de sangue com o setor mais atrasado do ruralismo, o senador ainda propôs – em afronta direta a pelo menos dois artigos da Constituição – eliminar a função social da propriedade rural. É uma espécie de fetiche de certa facção do ruralismo, que nunca engoliu a Carta de 1988 e talvez ainda tenha problemas em aceitar as leis de 1888.

    A leitura que os mercados internacionais e os clientes das commodities brasileiras fazem disso tudo é simples: o agronegócio do Brasil não pode prescindir de desmatamento nem de acesso livre a terra barata. Para quem quer impor barreiras não tarifárias às commodities brasileiras e adiar acordos comerciais, trata-se de um prato cheio. Para o ministro da Economia, Paulo Guedes, mais um motivo de preocupação. A destruição ambiental pode ser o maior tiro no pé da economia nacional.

    O Brasil já teve uma amostra dos prejuízos que crises de imagem acarretam, com a suspensão das importações de carne brasileira por alguns países na esteira da Operação Carne Fraca, em 2017, que detectou corrupção na inspeção sanitária. Em junho deste ano, uma rede sueca de supermercados iniciou boicote a produtos brasileiros por conta de mais um problema de mindset do governo – a liberação recorde de agrotóxicos. Dois rounds importantes da luta contra o desmatamento serão travados nos próximos meses, no acordo comercial União Europeia-Mercosul e nas negociações para a entrada do Brasil na OCDE.

    A UE está sob pressão doméstica para barrar o acordo por conta do impacto que o governo Bolsonaro pode ter sobre a consecução das metas do Acordo de Paris. Em abril, mais de seiscentos cientistas europeus e duas organizações indígenas brasileiras pediram à UE que vinculasse o acordo a salvaguardas socioambientais. Em junho, mais de 340 organizações da sociedade civil pediram suspensão das negociações diante da deterioração do meio ambiente e dos direitos humanos no Brasil. O presidente da França, Emmanuel Macron, já prometeu eliminar o desmatamento das importações francesas até 2030 e vinculou o acordo comercial à adesão ao acordo do clima.

    Embora o Brasil tenha permanecido formalmente no Acordo de Paris, alguém já deveria ter dito a Bolsonaro que também é preciso cumpri-lo – e isso vai de encontro à sua cruzada contra a floresta. Cientistas brasileiros estimaram que um cenário de descontrole sobre o desmatamento causaria emissões anuais só na Amazônia de 1,3 bilhão de toneladas de gás carbônico, ou 3% do que o mundo emite por queima de combustíveis. Nesse cenário, não apenas o Brasil não cumpriria suas metas, como também poderia colocar fora de alcance o objetivo global de estabilizar o aquecimento global em 1,5 °C, preconizado pelo Acordo de Paris.

    Da mesma forma, o chanceler Ernesto Araújo vem fazendo, aparentemente sem muita convicção, uma ofensiva de greenwashing do Brasil para acalmar a OCDE, cujos critérios de compliance ambiental são rigorosos.  Será muito difícil brandir a linha de defesa padrão do governo – dizer, usando dados falsos, que “o Brasil é o país que mais preserva no mundo” – quando onze sistemas de alerta por satélite contam a história oposta.

    Talvez os indícios mais claros de que a situação está indo longe demais sejam manifestações recentes de representantes do setor agroexportador contra, por exemplo, o projeto de Flávio Bolsonaro e outras propostas de mudanças no Código Florestal. Mas defender a lei florestal e a segurança jurídica que ela traz não vai salvar a imagem – e os mercados – das commodities brasileiras. Se o agro que quer ser pop quer se diferenciar do ogro que não se importa de não o ser, tem de levantar a voz contra todo o desmonte ambiental de Bolsonaro. E também contra quem faz lobby pela terra arrasada, que não respeita limites, que acha ser possível destruir leis e florestas e engabelar a comunidade internacional vendendo uma sustentabilidade que não existe.

    Carlos Rittl é doutor em Biologia pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e secretário executivo do Observatório do Clima, rede de organizações da sociedade civil.

  • Quando os cocares se unem

    Quando os cocares se unem

    Foi no Clube Hebraica, no Rio, em 3 de abril de 2017, que o deputado Jair Bolsonaro, em palestra infame, prometeu acabar com todas as reservas indígenas e quilombolas caso fosse eleito presidente.

     

    Em 2019, nesta terça-feira, 23 de julho, em prédio com formato inusitado, que conota o livro sagrado Torá, o  antigo Centro Cultural Judaico , agora Unibes Cultural, em São Paulo, entre cocares dos índios Guajajara, onde muitos se reuniram para ouvir os indígenas, resistir às ameaças insanas do presidente. Acreditam nos institutos, nos conselhos, nas universidades e na inteligência.

    Povos indígenas isolados na Amazônia brasileira, de repente, inundam a ideia na cidade. Se há cercos e resistências nos rincões, é no sertão dessa gente de metrópoles que forma-se uma rede de apoio, consciência, ciência do saber, mais do que nunca necessária à nação de governo cego. 

    Tantos querem saber o que acontece na terra vasta do país e os olhos daqui não veem.  Dizia o padre Antônio Vieira, perdem-se as repúblicas porque os seus olhos veem o que não é, não veem o que é.

     

    O lançamento do livro Cercos e Resistências: Povos indígenas isolados na Amazônia, e o documentário Ka’a zar ukyze wà – Os donos da floresta em perigo, que apresenta o encontro inesperado de um grupo de Guajajara, na Terra Indígena Araribóia, com isolados Awá-Guajá que compartilham o mesmo território, revela a todos nós a delicadeza e persistência desse povo oculto nas matas.

    O que diz o olhar do jovem Awá-Guajá, sua visão surpresa de nós, a nos enquadrar na tela de cinema na metrópole? Há profundo silêncio no auditório lotado, há um silêncio quase eterno na floresta distante que assistimos.

     

    A arte de viver e nossos assombros.

     

    Nosso gigante adormecido e a mão feroz que acolhe ou estrangula. Apesar de tudo, ainda cantam e dançam esses povos.

    Sonia Guajajara canta e dança junto aos guardiões da floresta: Flay Guajajara, Edivan Guajajara, Olimpio Guajajara Erisvan Guajajara.

    Mais do que nunca, é preciso dar visibilidade à questão indígena e à situação de extrema vulnerabilidade dos povos isolados e de recente contato no Brasil, afirma o médico sanitarista Douglas Rodrigues, do Projeto Xingu/Unifesp. É fundamental que a sociedade civil seja informada das graves ameaças às quais estão expostos. O risco de que novos genocídios aconteçam é real, conclui.

     

    *imagens por Helio Carlos Mello©

     

     

     

  • Terra e comida

    Terra e comida

     

    Sidney Wilfred Mintz, antropólogo estadunidense, escreveu que comer é uma atividade humana central não só por sua freqüência, constante e necessária, mas também porque cedo se torna a esfera onde se permite alguma escolha. Para cada indivíduo representa uma base que liga o mundo das coisas ao mundo das idéias por meio de nossos atos. Assim, é também a base para nos relacionarmos com a realidade. A comida “entra” em cada ser humano. A intuição de que se é de alguma maneira substanciado – “encarnado” – a partir da comida que se ingere pode, portanto, carregar consigo uma espécie de carga moral. Nossos corpos podem ser considerados o resultado, o produto, de nosso caráter que, por sua vez, é revelado pela maneira como comemos.

     

    O Brasil sempre foi grande produtor de alimentos e seu povo é grande conhecedor de refinada culinária, desenvolvida na fusão de muitos povos e apetites. Hoje vemos a expansão da produção agrícola e um presidente a negar que haja fome no país. Produzimos grãos para engordar boi, galinha, porco, pato ou tudo que anda, se cria e se come no planeta.

     

    Nessa expansão dos negócios do campo, muita terra nova segue sendo destocada por grandes máquinas, dizimando florestas e cerrado, numa onda de liberação de agrotóxicos para controlar as pragas que querem sucesso entre a monocultura. Em 2019 já foram liberados para uso 262 novos produtos. 

     

    Que morram fungos, vírus, bactérias, joaninhas, larvas, borboletas, formigas tenebrosas.

     

    Abelhas? Para que abelhas!

    Diz estudo da FAPESP, fundação que logo será desacreditada por Bolsonaro, que 84 mil pessoas sofreram intoxicação após exposição a defensivos entre 2007 e 2015. 

     

    Ah, como estava boa aquela picanha assada no final de semana. Aquelas asinhas de frango, aquele porco com a maçã na boca, tão engraçadinho.

     

    O homem quer carne, e essa carne toda comerá a carne da gente por dentro, nos condenará à tantas fomes diversas.

     

    Teremos fome de beija-flores um dia. Teremos desnutrição de borboletas, do canto dos pássaros em noite fria. Saudades do canto da siriema teremos nos fins das tardes.

     

     

    É de 2013 excelente artigo publicado pela organização não governamental Grain, que apóia camponeses e agricultores na América do Sul:

     

    “Em 2003, a Corporação Syngenta publicou um aviso publicitando seus serviços nos suplementos rurais dos jornais argentinos Clarín e La Nación, batizando com o nome de “República Unida da Soja” os territórios do Cone Sul em que a soja foi plantada. -Integrado pelo Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai e Bolívia. A partir de então, essa declaração explícita de neocolonialismo permaneceu como uma “marca registrada” do projeto que estava sendo implementado pelas corporações.

    Em 2012, houve uma onda de empresas do agronegócio nesses países em territórios e instituições que impuseram novos transgênicos, riscos maiores devido à aplicação de agrotóxicos e mudanças nas políticas que só têm precedentes na primeira imposição de transgênicos, durante a segunda metade da década de 1990. Este novo crescimento corporativo ocorre em um quadro diferente, como ocorre agora com a presença em toda a região (pelo menos até junho do ano passado) de governos “progressistas” críticos do neoliberalismo e que em algumas de suas políticas, eles começaram a modificar as políticas neoliberais impostas nos anos 90 com uma maior presença do Estado regulando a economia e assumindo um papel ativo nos aspectos sociais, educacionais e de saúde.

    No entanto, em termos de modelo agrícola e produção de alimentos, não só não houve uma mudança no modelo ou uma autocrítica dos problemas causados ​​pela introdução maciça de soja transgênica com altos níveis de uso agro-tóxico. Pelo contrário, este modelo foi consolidado e é defendido à risca por todos os governos da região que o assumem como política de Estado, em todos os casos. Os graves problemas surgidos ou agravados, como os impactos dos agrotóxicos, o deslocamento de camponeses e indígenas, a concentração de terras ou a perda de produção local, são considerados “efeitos colaterais” e são abordados, quando a pressão social alcança-a de maneira fragmentada e pontual. Nós não incluímos Bolívia nesta análise, porque embora a região da “medialuna”, com Santa Cruz de la Sierra no comando, seja parte da “República Unida da Soja” as posições, políticas e debates levantados pelo Governo Evo Morales são amplamente diferenciados do resto dos governos (e isso vale o confronto com esses setores do poder do crescente que claramente aumentaram sua intenção separatista).

    Já temos denunciado que esse progresso estava consolidando a imposição do modelo produtivo do agronegócio, e o Cone Sul tornou-se a região onde a maioria das culturas transgênicas é plantada no mundo e em que mais Agroquímicos são aplicados per capita globalmente. Neste A Contrapelo, tentaremos fornecer algumas luzes que ajudem a entender como esse avanço está ocorrendo e suas conseqüências ao nível das comunidades camponesas e da sociedade em geral.

    Os impactos do “modelo” não reconhecem fronteiras entre o campo e a cidade e são sentidos profundamente em ambos os espaços: as populações fumigadas nos territórios rurais e nas áreas periféricas das cidades, os camponeses deslocados que dia após dia eles migram para aumentar as cadeias de pobreza das grandes cidades, as economias regionais destruídas com seus correlatos dos altos preços dos alimentos nas cidades, a comida contaminada repugnando um e outro. Em suma, uma catástrofe socioambiental que faz a água em toda parte e que não permite mais “olhar para o outro lado”.

    Os responsáveis ​​por essa cadeia destrutiva são um punhado e têm nome e sobrenome: a Monsanto e algumas empresas de biotecnologia na liderança (Syngenta, Bayer); latifundiários e plantações que controlam milhões de hectares (Los Grobo, CRESUD, El Tejar e Maggi são alguns dos principais); Cargill, ADM e Bunge transportando os grãos para o outro lado do mundo. E, claro, os governos de cada um dos países que apoiam entusiasticamente este modelo. Eles são acompanhados por um grande número de empresas que aproveitam o “derramamento” e fornecem serviços, máquinas agrícolas, fumigações, suprimentos, etc.

    Em números específicos, essa região cobre atualmente uma área de mais de 46 milhões de hectares de monocultura de soja transgênica, fumigada com mais de 600 milhões de litros de glifosato e provoca um desmatamento de pelo menos 500 mil hectares por ano.

    Queima de uma floresta perto de Mariscal Estagarribia, na região de Boquerón, no Paraguai. A agricultura industrial nesta região muito seca está transformando esta vasta floresta em terra macia. (Foto: Amigos da Terra)

    Embora as conseqüências desse modelo sejam expressas em nível regional de maneira contundente e interconectada, tentaremos dissecar seus impactos para analisá-los de maneira mais profunda. O pano de fundo do golpe de Estado no Paraguai é inevitável, pois é aí que os poderes de facto agiram de maneira mais brutal e explícita. No entanto, sua natureza exemplar é válida para toda a região e, sem dúvida, tentou definir um curso e limitar os governos da região.

    Vamos rever um decálogo (com complementos) dos resultados concretos e indiscutíveis deste último ataque ao agronegócio.

    Agronegócio mata

    Esse fato foi expresso continuamente durante esses últimos anos e, como já dissemos, foi no Paraguai que seus impactos foram sentidos de maneira mais dura. Talvez possamos localizar o pico da violência no massacre de Curuguaty, perpetrado em 15 de junho de 2012, onde – e como resultado de tensões e repressão estatal e paraestatal – onze camponeses e seis policiais morreram. O massacre foi usado para iniciar o impeachment e dar o golpe institucional que terminou com a gestão do presidente Lugo.

    Antes do golpe, e ainda mais tarde, uma onda repressiva foi desencadeada sobre os líderes camponeses que – na nova etapa – começaram a se expressar na forma de assassinatos seletivos que tiravam a vida dos líderes camponeses Sixto Pérez, Vidal Vega e Benjamín. Lezcano, crivado em um período de 8 meses do governo de Federico Franco.  CONAMURI (Coordenadora Nacional de Mulheres Rurais e Indígenas) disse que no caso do assassinato de Benjamín Lezcano, “o mesmo modus operandi que foi praticado nos casos de Sixto Pérez – em 1 de setembro, em Puentesiño ( Dep. Concepcion) – e Vidal Vega – no dia 1 de dezembro passado, em Curuguaty (Departamento Canindeyú). O objetivo, também, parece ser comum: decapitação de organizações camponesas “. 

    Marcha de protesto em Buenos Aires pelo assassinato de Cristian Ferreyra, novembro de 2011 (Foto: GRAIN)Na Argentina, três assassinatos de camponeses diretamente ligados ao avanço do modelo da soja (Sandra Ely Juárez, Cristian Ferreyra e Miguel Galván) ocorreram em Santiago del Estero durante os últimos três anos e nas províncias de Formosa e Salta o assédio das comunidades é permanente e sustentada. 

    No Brasil, também o movimento camponês e especialmente o MST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra) sofreram a violência do agronegócio e recentemente a Comissão Pastoral da Terra (CPT) divulgou um relatório preliminar da violência em 2012 contabilizando 36 mortes motivadas por conflitos agrários.  Durante 2013 já foram assassinados três líderes do MST (Cícero Guedes dos Santos, Regina dos Santos Pinho e Fábio dos Santos Silva).

    Tudo isso ocorre no âmbito de um avanço na criminalização das lutas sociais, que não se expressa apenas na perseguição e estigmatização dos movimentos, mas também na forma concreta do avanço das leis repressivas. O caso da aprovação da Lei Antiterrorista na Argentina em dezembro de 2011 é adicionado às leis existentes em vários países da região.

    O agronegócio polui

    Uma das grandes mentiras das corporações, dos meios de comunicação e de um setor da academia foi usada para justificar a introdução de sementes transgênicas, é que elas ajudariam a usar menos agrotóxicos na agricultura. Como muitas organizações anunciaram durante as últimas duas décadas, a realidade marcou absolutamente o oposto e hoje o aumento no uso de agrotóxicos é cada vez mais alarmante e seus impactos em toda a região são cada vez mais difíceis de esconder.

    Tudo isso não pode surpreender se assumirmos o fato óbvio de que aqueles que promovem sementes transgênicas são as corporações dedicadas à venda de agrotóxicos, com a Monsanto à frente, e que as sementes transgênicas que mais crescem têm a característica diferencial da resistência a herbicidas. .

    O Brasil está na vanguarda da estatística, tornando-se o maior consumidor per capita de agrotóxicos do mundo desde 2008 e responsável por 20% de todos os agrotóxicos utilizados no planeta; com um consumo per capita de 5,2 litros de pesticidas por ano. 8 9 . A assustadora cifra de 853 milhões de litros de agrotóxicos utilizados durante o ano de 2011, com um crescimento do mercado brasileiro de 190% na última década, é mais do que eloquente. 55% desse consumo de agrotóxicos foi utilizado nas lavouras de soja e milho, sendo a soja responsável por 40% do consumo total. Apenas o glifosato representa cerca de 40% do consumo de agrotóxicos no Brasil.

    A Argentina não foi deixada para trás. Durante 2011, foram aplicados 238 milhões de litros de glifosato, o que implica um aumento de 1190% em relação ao montante utilizado em 1996, ano em que a soja transgênica resistente ao glifosato foi introduzida no país. 

    No Paraguai, que é o sexto produtor mundial de soja transgênica, o uso do glifosato em 2007 significou a aplicação de mais de 13 milhões de litros desse agrotóxico. 

    No Uruguai, também na mão do avanço da soja transgênica, os números chegam a um mínimo em 2010 de mais de 12 milhões de litros.  É precisamente no Uruguai que, atualmente, e como resultado da poluição da água na cidade de Montevidéu, a população urbana começa a reagir com alarme diante da falta de disponibilidade de água potável para consumo.

    O equilíbrio regional nos permite assumir uma aplicação mínima de mais de 600 milhões de litros de glifosato, uma figura arrepiante que tem sua contrapartida nas inúmeras queixas que ocorrem a cada dia pelos danos acima mencionados à saúde, ecossistemas, agricultura e as comunidades que tal banho de pesticidas produz.

    Silvino Talavera, de onze anos, filho de Petrona Villasboa, morreu em consequência de ter sido pulverizado com pesticidas durante uma fumigação, enquanto andava de bicicleta numa estrada que liga dois campos de soja, a 80 metros da sua casa em Pirapey, Itapúa, Paraguai. (Foto: Glyn Thomas / Amigos da Terra)O glifosato, amplamente divulgado por sua “baixa toxicidade” pela Monsanto, está sendo questionado por várias razões, entre as quais devemos destacar:

    – O impacto nas comunidades já é impossível de esconder e milhares de pessoas das “aldeias fumigadas” denunciam os problemas de saúde que sofrem devido à sua aplicação: nascimentos com malformações crescentes, intoxicações agudas fatais, problemas respiratórios, doenças neurológicas, aumento em casos de câncer, abortos, doenças de pele, etc.

    – Pesquisas científicas independentes confirmam este grave problema e os estudos que relacionam o glifosato com o desenvolvimento de tumores e malformações no desenvolvimento de embriões foram publicados nos últimos anos nas revistas científicas de maior prestígio.

    – Os efeitos na saúde dos “adjuvantes” utilizados na preparação do Roundup, principalmente o surfactante Poea (polioxietilamina), também são comprovados e associados a danos gastrintestinais e no sistema nervoso central, problemas respiratórios e destruição de hemácias em humanos

    – O dano ambiental do glifosato também é amplamente confirmado na realidade dos territórios e na pesquisa realizada: sua ligação com a destruição da biodiversidade é inegável, ao mesmo tempo em que seu efeito tóxico sobre os anfíbios é demonstrado e publicado.

    Mas tão sérios quanto esses números, são o aumento no uso de outros agrotóxicos que são usados ​​associados ao glifosato ou para compensar sua falta de ação diante do inevitável surgimento de ervas daninhas resistentes. Foi assim que o uso do paraquat cresceu, chegando a 1,2 milhão de litros na Argentina e 3,32 milhões nos cinco países produtores de soja. É importante lembrar que o paraquat está ligado a distúrbios neurológicos e, por essa razão, foi proibido em 13 países da União Européia em 2003.

    Sem dúvida, o uso de agrotóxicos é outra das formas que o agronegócio tem que matar.

    Agronegócio impõe transgênicos

    A introdução de novos transgênicos ligados ao uso de novos agrotóxicos faz parte da estratégia das corporações, e tem sido a ordem do dia durante o ano de 2012.

    O anúncio oficial da presidente argentina, Cristina Fernández, no Conselho das Américas, em 15 de junho de 2012, sobre os novos investimentos da Monsanto na Argentina prenunciou o que seria uma catarata de projetos, anúncios e tentativas de modificar a legislação durante o resto do ano. que marcou a agenda oficial e corporativa nos meses seguintes.

    Assim, em agosto de 2012, o ministro da Agricultura, Norberto Yahuar, anunciou com os executivos da Monsanto a aprovação da nova soja rr2 “Intacta”, que traz como novidade o acúmulo de resistência ao glifosato com a produção da toxina Bt. seja que a única novidade seja a combinação das únicas duas características que a indústria de biotecnologia conseguiu colocar no mercado em 20 anos de existência.

    Mas, além deste anúncio, há aprovações e testes de campo de outras culturas transgênicas, incluindo soja e milho resistentes a novos herbicidas, incluindo glufosinato e 2,4 D. Andrés Carrasco, pesquisador do CONICET (Consejo Nacional de Pesquisa Científica e Técnica) da Argentina levantou o problema há alguns meses com clareza: “há um aspecto interessante a ser considerado imediatamente na Argentina, é que 5 desses 10 eventos transgênicos aprovados, 3 de milho e 2 de soja, combinam o resistência ao glifosato com outro ao glufosinato-amônio (um bloqueador da síntese do aminoácido glutamina) para reforçar os efeitos disso. A necessidade de associar o glifosato ao glufosinato nas novas sementes explica as inconsistências na tecnologia dos transgênicos tanto em sua construção quanto em seu comportamento ao longo do tempo. No entanto, continuamos fugindo tentando remediar as fraquezas conceituais da tecnologia transgênica, com soluções que tendem a ser cada vez mais perigosas “. 15

    No Paraguai, poucos meses após o golpe institucional, o Ministério da Agricultura aprovou o milho transgênico que havia sido resistido pelas autoridades do governo deposto e que enfrenta uma rejeição explícita e contundente das organizações camponesas, devido à ameaça que ele representa para o país. as muitas variedades locais de milho cultivadas por povos indígenas e camponeses. Assim, em outubro de 2012, quatro variedades de milho transgênico foram aprovadas pela Monsanto, Dow, Agrotec e Syngenta.  Já em agosto, o presidente Franco de fato havia autorizado por decreto a importação de sementes de algodão Bt-rr, provando claramente para quem ele governava.

    No Brasil, a escalada começou no final de 2011, quando a aprovação foi anunciada pela CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança) do primeiro feijão comercial transgênico “totalmente desenvolvido no Brasil” e resistente ao mosaico dourado do feijão. Este evento, desenvolvido por uma instituição pública como a Embrapa e com características diferenciadas dos transgênicos mais difundidos (Bt e rr), foi utilizado como bandeira pró-transgênica, ressaltando sua importância “social e nutricional”.  No entanto, sua aprovação tem sido fortemente questionada por funcionários públicos, pela comunidade científica e pela sociedade civil. Por isso, Renato Maluf, presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), questiona sua rápida liberação em relação ao princípio da precaução.“Acreditamos que é uma temeridade a pressa em lançar um produto que consuma toda a população e sobre o qual não temos certeza da segurança alimentar e nutricional”, lamentou.Enquanto isso, Ana Carolina Brolo, assessora jurídica da organização humanitária Tierra de Derechos, concordou com Maluf, afirmando que “foi uma aprovação comercial que foi caracterizada pela falta de respeito pela legislação nacional e internacional de biossegurança”.

    O balanço geral é que a avalanche de novos transgênicos se intensificou e na maioria dos casos implica seu cultivo ligado a agrotóxicos, em alguns casos os mesmos que já estão sendo utilizados (fundamentalmente o glifosato) e, em outros, introdução de novos herbicidas ainda mais tóxicos e perigosos (dicamba, glufosinato, 2,4 D). No Brasil, o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), membro da Via Campesina, denunciou em abril de 2012 a aprovação antecipada de sementes de soja e milho transgênicas resistentes ao herbicida 2,4 D. Essas mesmas sementes já estão em fase de experimentação de campo na Argentina.

    O agronegócio pretende controlar absolutamente as sementes

    A imposição de novas leis de sementes também tem sido a ordem do dia em toda a América Latina, mas tinha na Argentina, e com uma ligação direta ao acordo com a Monsanto mencionado acima, um dos focos de ação mais visíveis e ativos. No mesmo dia do anúncio da aprovação da soja rr2 “intacta” o Ministro da Agricultura anunciou o envio de uma Seed Bill para ser discutida no Congresso até o final de 2012.

    O projeto nunca foi oficialmente tornado público, nem submetido a um amplo debate, mas foi discutido a portas fechadas no Ministério da Agricultura por uma seção dos setores de agronegócios argentinos. No entanto, seu conteúdo transcendeu as fronteiras do Ministério e sua análise confirmou o que poderia ser presumido após o anúncio oficial: a nova Lei busca subordinar a política nacional de sementes às demandas da UPOV e das transnacionais.

    O Movimento Nacional Indígena de Camponeses (MNCI) denunciou que “A lei proposta não protege o conhecimento ou a biodiversidade, apenas encoraja a privatização e protege a propriedade sobre o que é uma herança coletiva de povos, especialmente comunidades camponesas e povos indígenas. ; abre as portas para aprofundar a expropriação e a privatização da biodiversidade agrícola e silvestre da Argentina; restringe ilegalmente ou severamente as práticas que estão em vigor desde o início da agricultura, tais como selecionar, melhorar, obter, poupar, multiplicar e trocar sementes livremente da colheita anterior; Fortalece as condições para o aprofundamento da introdução de novas culturas transgênicas e sua expansão, garantindo a propriedade sobre as variedades sem exigir provas efetivas de melhoria e com base na simples expressão de um caráter e confere às empresas de sementes o poder policial, que está em suas mãos para garantir que as disposições da lei sejam devidamente observadas “. 

    A mobilização de diversos setores conseguiu postergar sua apresentação e debate no Congresso Nacional; mas a ameaça de sua imposição permanece latente.

    É muito claro que o controle desse primeiro elo na agricultura é um dos principais objetivos das corporações, a fim de ter controle sobre todo o sistema agroalimentar e, assim, garantir um monopólio sem fissuras. E também está claro que esse controle tem um impacto direto sobre as pessoas, impedindo o exercício da soberania alimentar e condenando milhões de pessoas à fome.

    O agronegócio destrói florestas

    O desmatamento em toda a região tomou uma escala dramática e, mesmo com medidas que tentam impedi-lo (como a Lei de Florestas na Argentina ou as regulamentações geradas no Brasil), não só não parou, mas nos últimos anos tem sido intensificou-se, tendo como principal impulsionador o avanço da fronteira agrícola (ou o deslocamento da fronteira do gado como conseqüência do acima exposto).

    Mais uma vez, o Brasil lidera as posições com 28 milhões de hectares de perdas florestais líquidas no período 2000-2010 com o desaparecimento de 641.800 hectares de florestas amazônicas entre agosto de 2010 e julho de 2011  comemorado como um grande triunfo para a região. autoridades nacionais.

    Os números para a Argentina nos dizem que “entre 2004 e 2012 as escavadeiras destruíram 2.501.912 hectares, o equivalente a 124 vezes a superfície da Cidade de Buenos Aires. Outra maneira de dizer o mesmo: na Argentina, 36 campos de futebol por hora são destruídos. Os dados surgem do cruzamento de pesquisas oficiais e ONGs. O último relatório da Secretaria de Meio Ambiente da Nação aliviou o período 2006/2011 e contou que 1.779.360 hectares de mata nativa foram devastados “. 

    No Paraguai, a situação é talvez uma das mais sérias em termos de porcentagem de desmatamento: por um lado, desmatamento histórico na região leste, o que significa que entre 1945 e 1997, 76,3% da cobertura florestal original foi perdida devido à sua conversão para terras para produção agrícola.  E, de outro, o desmatamento atual na região oeste (floresta do Chaco), onde o ano de 2011 terminou com uma perda de 286.742 hectares de florestas, que superaram em 23% o número de 232.000 hectares desmatados durante 2010. 

    Um olhar global sobre essa tragédia nos permite ter mais em conta o que está acontecendo: um estudo publicado pela FAO em 2011  indica que a perda líquida média anual de florestas no período de 1990 e 2005 é de cerca de 5 milhões. de hectares (no mundo), dos quais 4 milhões na América do Sul.

    Aqui também o agro negocio volta a matar: aos ecossistemas únicos da região e a todas as cidades que durante milênios viveram, cultivaram e conviveram com as florestas, cuidando delas e alimentando-as.

    Agronegócio concentra terras em poucas mãos

    A concentração da terra é outro dos fenômenos que caracterizaram os últimos anos de implantação da soja transgênica em todo o Cone Sul. Países nos quais a concentração de terras já era enorme viu durante esses anos como essa concentração se aprofundou e o número de mãos que a controlavam diminuiu.

    Foi também o Paraguai, um dos países com a pior distribuição de terras na América Latina, onde o impacto foi mais sentido e hoje detém a figura arrepiante de 2% dos produtores controlando 85% da área agrícola. Essa situação se agrava ainda mais quando, dos países vizinhos – principalmente o Brasil, mas também a Argentina – há uma investida em seus territórios para avançar no cultivo de soja transgênica.

    Vamos ver algumas das figuras em cada um dos países  :

    Aldeias precárias ao lado da estrada, ocupadas por pessoas expulsas de suas terras por monoculturas de soja no Alto Paraná, no Paraguai. (Foto: Glyn Thomas / Amigos da Terra)
    Aldeias precárias ao lado da estrada, ocupadas por pessoas expulsas de suas terras por monoculturas de soja no Alto Paraná, no Paraguai. (Foto: Glyn Thomas / Amigos da Terra)

    – No Paraguai, em 2005, 4% dos produtores de soja administravam 60% da área total com essa cultura.

    – No Brasil, em 2006, 5% dos produtores de soja administravam 59% da área total destinada a essa cultura.

    – Na Argentina, em 2010, mais de 50% da produção de soja era controlada por 3% do total de produtores, através de extensões de mais de 5.000 hectares.

    – No Uruguai, em 2010, 26% dos produtores controlavam 85% do total da terra com soja. Nesse mesmo ano, 1% do total de produtores era responsável por 35% da área cultivada com soja.

    O modelo imposto significou uma profunda transformação na forma como a concentração da terra é produzida desde então e, na maior parte, não é adquirida se não for alugada pelos grandes produtores. Por outro lado, os produtores não são mais pessoas físicas identificáveis, mas sim grupos de produtores alimentados principalmente por grupos de investimentos especulativos.

    As conseqüências para as comunidades locais, camponeses e indígenas são sempre as mesmas: a expulsão de seus territórios, em muitos casos pelo uso direto da violência, como já havíamos compartilhado, analisando outras facetas desse modelo.

    Embora os números dos expulsos sejam difíceis de avaliar porque não há estatísticas precisas para cada país e muito menos no nível regional, alguns pesquisadores descobriram, por exemplo, que no Paraguai o avanço da soja levaria a um número de famílias camponesas expulsas. que chegaria ao número de 143 mil, mais da metade das 280 mil fazendas com menos de 20 hectares cadastradas no censo agropecuário de 1991  em decorrência do avanço da soja para atingir os 4 milhões de hectares propostos pelo agronegócio. Para a Argentina, esse modelo gerou um êxodo rural sem precedentes que, em 2007, já implicou a expulsão de mais de 200.000 agricultores e trabalhadores rurais de suas famílias da agricultura argentina (26). No Brasil, desde a década de 1970, a produção de soja deslocou 2,5 milhões de pessoas no estado do Paraná e 300.000 no Rio Grande do Sul. 

    O agronegócio busca consolidar-se como ditador na República Unida da Soja

    O golpe institucional no Paraguai demonstra como o agronegócio, com corporações agindo ao lado de proprietários de terras e cúmplices em nível nacional, não se detém nos avanços e limites que, mesmo timidamente, tentam implementar alguns governos.

    No Paraguai, o governo do Presidente Lugo, ainda com uma minoria parlamentar, tentou de algumas áreas do governo (Ministério da Saúde, Ministério do Meio Ambiente, Serviço Nacional de Qualidade e Saúde de Sementes e Plantas – Senave) estabelecer limites para algumas questões sérias como Os impactos das fumigações e a aprovação de novos transgênicos, especialmente o milho rr e o algodão Bt, também estabeleceram um diálogo com organizações camponesas na tentativa de deter a violência histórica no campo, como resultado da tremenda concentração de terra que existe no país.

    Os poderosos setores do agronegócio, agrupados na UGP (União das Guildas de Produção), que conta com o apoio de empresas como Monsanto e Cargill, desencadearam uma guerra contra as autoridades responsáveis ​​por essas áreas, pedindo sua cabeça e ameaçando e executando ações públicas. nesse sentido.

    O massacre de Curuguaty foi a desculpa que eles descobriram para derrubar o presidente Lugo em menos de duas horas, a fim de derrubar seus interesses em todas as áreas.

    Foi assim que, junto com o presidente Lugo, saíram todos os funcionários comprometidos com esses processos de mudança e rapidamente as medidas que o agronegócio buscou foram colocadas: os limites das fumigações foram encerrados, a aprovação de novos transgênicos, promessas de mudança na Lei de Sementes etc.

    A recente eleição que consagrou o empresário Horacio Cartés como o novo presidente trazendo o governo de volta ao partido Colorado foi o último passo para consagrar a impunidade e o poder ilimitado do agronegócio.

    No entanto, no resto dos países da região, a situação – embora não apresente a dura realidade do Paraguai – também é evidente na maneira como o agronegócio estabelece políticas públicas sobre questões relacionadas à agricultura e à alimentação e interfere na qualquer tentativa de modificá-los de outras perspectivas que não as dos seus interesses corporativos.

    Tudo isto confirma algo que a nível global se torna evidente e que é denunciado em todo o mundo: a democracia é incompatível com o domínio do controlo empresarial e é necessário desmantelar as suas estruturas para pensar e avançar em qualquer processo de democratização que privilegie o bem comum.

    Agronegócio sujeita e coloniza instituições de pesquisa e regulamenta ciência e tecnologia em cada país

    Universidades e institutos de pesquisa em toda a região, com exceção de honrosas exceções, são colonizados pelo poder e pelos recursos das empresas do agronegócio que as utilizam como uma forma de impor seus modelos de produção transgênica e industrializada.

    Durante o ano de 2012, um status público foi registrado e a sociedade civil denunciou o acordo da Monsanto com o INIA (Instituto Nacional de Pesquisa Agropecuária) no Uruguai para incluir no germoplasma de soja local gerenciado pelo instituto de transgenes de propriedade da empresa.  A assinatura do acordo foi questionada pela Comissão Nacional de Desenvolvimento Rural (CNFR), sindicato que agrupa e representa produtores familiares no Conselho de Administração do INIA e por várias organizações da sociedade civil, incluindo REDES-Amigos de la Terra O acordo, não acessível ao público, provocou a solicitação de relatórios dos legisladores da Frente Ampla (FA).

    Também após o golpe no Paraguai, o novo Ministro da Agricultura e Pecuária do país Guarani, Enzo Cardozo, anunciou que “o Paraguai produzirá sua própria semente transgênica que estará disponível a todos os produtores”. A produção ficaria a cargo do Instituto Paraguaio de Tecnologia Agropecuária (IPTA), que receberia “transferência tecnológica” da Monsanto, para a qual o governo comandado pelo presidente de fato Federico Franco pagaria um valor a ser acordado. 

    Mas a Monsanto já tem acordos de “cooperação” com instituições públicas na Argentina, Paraguai, Uruguai e Brasil desde muito antes deste último avanço e os usa como mão de obra barata para suas investigações e como uma cadeia direta para realizar a “extensão rural”. seus transgênicos Da mesma forma, muitos dos funcionários políticos atuam como o braço ideológico das corporações em suas tentativas de se impor, sendo um caso paradigmático do ministro argentino de Ciência e Tecnologia, Lino Barañao, que não perde a oportunidade de exercer seu descarado lobby pró-transgênico.

    O agronegócio é outra forma de extrativismo que está saqueando os territórios

    A agricultura industrial é uma actividade extractiva porque os seus princípios baseiam-se em considerar os solos num substrato inerte do qual extraem nutrientes (proteínas e minerais) com base na utilização de tecnologia e produtos químicos sem respeitar o solo como organismos vivos ou reabastecer os nutrientes extraídos naturalmente.

    Esse extrativismo se expressa de forma brutal com o cultivo de soja transgênica, porque mesmo o discurso da “semeadura direta” não consegue abranger a dura realidade de que a soja não remete remotamente a quantidade de nutrientes extraídos ao solo, nem a semeadura suporte direto a estrutura e capacidade de retenção de água deles.

    Em outros documentos, já dividimos a forma como o solo está sendo degradado na Argentina e milhões de toneladas de nutrientes e bilhões de litros de água estão sendo extraídos. 

    Vamos ver alguns dos números concretos apenas para a Argentina (os valores não estão disponíveis para os outros países):

    A monocultura de soja repetida ano após ano nos campos produz uma intensa degradação dos solos com uma perda entre 19 e 30 toneladas de solo, dependendo do manejo, da inclinação do solo ou do clima.

    Soja produzida durante a safra 2006/2007 (com uma produção de 47.380.222 toneladas) uma extração líquida de:

    – 1.148.970,39 toneladas de nitrogênio,

    – 255.853,20 toneladas de fósforo,

    – 795.987,73 toneladas de potássio,

    – 123,188.58 toneladas de cálcio,

    – 132.664,62 toneladas de enxofre e

    – 331,66 toneladas de boro.

    Além disso, cada safra de soja exportada consome 42 mil e quinhentos milhões de metros cúbicos de água por ano (dados para a safra 2004/2005).

    O agronegócio atua em cumplicidade com os meios de comunicação de massa

    Todo esse processo de tributação tem um poderoso aliado em toda a região: mídia corporativa e dominante que atua como um braço de comunicação incondicional do agronegócio (a única condição são os anúncios milionários que enchem páginas e horas de rádio e televisão). .

    Os mecanismos com os quais essa aliança funciona são reduzidos a algumas diretrizes básicas que podemos resumir em:

    – A ponderação absoluta da agroindústria como uma panacéia para a produção de alimentos, criando uma ligação absoluta com o “progresso”, “desenvolvimento” e o bem-estar da sociedade.

    – A cooptação do discurso do desenvolvimento sustentável para converter, da propaganda, em “sustentável” qualquer iniciativa a partir de visões parciais e fragmentárias.

    – Negação absoluta de qualquer debate ou informação sobre lutas sociais de resistência, debates científicos ou econômicos ou impactos nas comunidades e no meio ambiente.

    – A estigmatização e criminalização dos movimentos e organizações sociais, mostrando-os como “subversivos”, violentos, antissociais ou “ligados ao passado”.

    Talvez um dos países onde esta aliança é mais evidente seja no Paraguai, onde a mencionada UGP está ligada ao Grupo Zuccolillo, dono do poderoso jornal ABC Color, que foi um dos meios para a montagem da campanha do golpe contra Lugo. Zuccolillo é também presidente da SIP Inter-American Press Association. 

    E se isso não bastasse: o agronegócio muda o clima

    A ligação entre a crise climática global e a agricultura industrial é amplamente demonstrada e apresenta números alarmantes: no mínimo, entre 44 e 57% dos Gases de Efeito Estufa (GEE) se devem à cadeia de produção agroindustrial em suas diferentes etapas.

    É evidente que um território onde a agricultura industrial foi imposta de maneira brutal tem de ser um dos principais contribuintes para esta crise global. Mas também é evidente em toda a região que a conjunção de problemas globais com os regionais, como o desmatamento, está trazendo consequências muito sérias, que são sofridas em áreas rurais com longos períodos de seca e ciclos de enchentes, e em cidades chuvosas. Fenómenos climáticos extremos e inundações para os quais não existe uma infra-estrutura capaz de conter e cujas principais vítimas são precisamente as expulsas do campo.

    Considerações finais

    Essa realidade dramática encontra em toda a região uma mobilização ampla e articulada que enfrenta a desapropriação da resistência local, a mobilização, a denúncia pública, a construção de alternativas e a luta em todas as frentes possíveis que vão desde os caminhos legais até os desobediência civil e recuperação de territórios pelas comunidades carentes.

    Embora seja verdade que ainda há uma grande fragmentação das lutas sociais, também é uma realidade que nenhuma delas permanece na análise, na mera luta pontual, mas que uma visão integral está sendo construída que coloca a soberania alimentar em o centro das lutas e autonomia e o bem comum como horizontes.

    Esperamos que este Contrapelo acrescente uma semente às novas culturas e culturas que estão germinando no Cone Sul.”

    Leia o artigo original e as referências em:

    https://www.grain.org/es/article/4739-la-republica-unida-de-la-soja-recargada 

     


     

  • Gunga-muxique

    Gunga-muxique

    Pedaços do mundo ficarão nos muros, fotografias penduradas, 

    saudades daquilo que éramos.

    O meio ambiente migra para as paredes das casas, 

    seus aposentos. 

    .

    As imagens da Terra ocuparão Marte um dia, 

    planeta árido, vazio, os horizontes distantes daqui, 

    o jeito que fomos um dia.

    É o homem guardador de arquivos, antigos rebanhos? 

    Gente a numerar risos perdidos no tempo?

    .

    Desmontam o país e toda legislação para o meio ambiente,

    sufocarão os povos da terra. 

    .

    A fotografia é grande invento,

    descoberta fundamental.

    Os dinossauros não tiveram tal sorte, deixaram pegadas,

    um ovo de pedra aqui, outro ali

    nada mais.

    Chegamos naquele momento em que joga-se

    a moeda para cima:

    ou é cara ou coroa, amor ou pavor.

    .

    O que de fato importa é a linha da costura,

    delicados pontos, furos nos dedos,

    sangue

    e coágulos.

    O que mancha ou faz calos,

    o que se escreve e deixa sua marca, 

    palavra no livro, rumo ou rota.

    .

    Ficam os joanetes.

    A terceira margem é senda

    onde vou com tantos, vento absorto,

    cismarento.

    .

    Não sei se o chefe, o gunga-muxique,

    tal um imperador que crê nos filhos, 

    sabe dos meandros da história e sua cunha,

    fatos de afogamento e sucuri.

     

    .

    Nós, os outros, canhotos,

    morreremos em paz, plenos no nado

    e vacinados.

     

    imagens por helio carlos mello

  • Tariq Ali: “Você olha para Sergio Moro e não vê a cara da Justiça”

    Tariq Ali: “Você olha para Sergio Moro e não vê a cara da Justiça”

    Publicado originalmente em  Pública – Agência de Jornalismo Investigativo   l  Por Natalia Viana no dia 11 de julho de 2019          

     

    Defender Julian Assange é defender o direito que as pessoas têm de saber como estão sendo governadas. É essa a opinião de Tariq Ali, intelectual e escritor paquistanês que lança em agosto o livro “Em Defesa de Julian Assange” (In defence of Julian Assange), que reúne textos de Noam Chomsky, Daniel Ellsberg, Chelsea Manning, Ai Weiwei e Slavoj Žižek, entre outros autores, analisando a situação do australiano fundador do Wikileaks. A autora desta entrevista também colaborou para o livro, que está em pré-venda, em inglês, no site da editora ER Books. Toda a renda será revertida para a organização Courage Foundation, que auxilia Assange e apoia pessoas que vazam informações.

    Julian está atualmente preso na Inglaterra e aguarda o desfecho de uma batalha na justiça britânica sobre um pedido de extradição feito pelos Estados Unidos com base em seu trabalho de divulgação de documentos referentes às guerras do Iraque, do Afeganistão e das embaixadas americanas pelo mundo.

    Nessa entrevista à Pública, Tariq Ali associa a perseguição a Assange à reação de governos contra os movimentos revoltosos que se seguiram à crise de 2008, e afirma que sentiu que era preciso fazer algo para mostrar que ainda hoje há pessoas que não acreditaram nos repetidos ataques à reputação do criador do Wikileaks. “Eles querem punir as pessoas que fornecem informações para as pessoas comuns, porque as elites que controlam nosso mundo hoje tratam as pessoas como crianças. Então o motivo principal é criar um exemplo e deixar as pessoas com muito medo, dizendo, se você vazar algo é isso que vai acontecer”. Tarik também comentou a polícia brasileira e o atual momento do país. Para ele, a vitória de Jair Bolsonaro “foi o crime mais devastador da direita e ultradireita Latinoamericana”.

    Sobre a política brasileira, que eu sei que você acompanha. Qual sua visão sobre o governo Bolsonaro?

    A vitória de Bolsonaro foi o crime mais devastador da direita e ultradireita Latinoamericana. Não se pode dizer que Bolsonaro faz parte da direita tradicional que existe no Brasil. Ele é um personagem cujas ideias vêm da ultradireita, que defende a ditadura militar, e o mais chocante é que a Justiça brasileira participou disso. Pelo amor de Deus, Lula não é nenhum santo ou anjo, mas a maneira em que armaram para ele e o trancaram para não haver nem um candidato confiável no Brasil é parte da tendência de fechar os espaços para o dissenso, e as vozes dissonantes na mídia. Está ligado a tornar extremamente difícil para líderes de esquerda questionarem o sistema. Especialmente líderes como ele, que aprendem com seus erros, pelo menos é o que ele diz. E a coisa interessante é que a maioria dos brasileiros que não são ricos ainda confiam em Lula mais do que em outros políticos, e confiam em Lula mais do que no PT, como um partido. Então prender o Lula foi a única maneira de se livrar dele e isso agora foi exposto.

    Eu me lembro, por exemplo, a maneira como Sergio Moro foi tratado pela mídia, as manchetes na Globo, o apoio da Folha e outros jornais. E agora sabemos o que estava acontecendo. Você olha para a cara de Sergio Moro e não vê a cara da Justiça mas de um político envergonhado, corrupto e enganador, que é o que ele sempre foi. Acho que o PT pagou um preço muito alto assim como o país ao não fazer nenhuma tentativa séria de alterar, de fato, as estruturas políticas e constitucionais do Brasil.

    Então você acha os últimos governos não mudaram o país?

    Acho que a única coisa significativa foi o Bolsa Família, um subsídio para os pobres, e isso foi muito importante, mas não foi estrutural. Ninguém consegue formar uma maioria, então o que você faz? Você compra políticos. E foi um grande erro que Lula e os outros líderes do PT fizeram ao decidir seguir como antes, administrar o mesmo sistema, mas quem iria administrar seriam eles. E toda essa política fracassou. Mas para mim a chave agora é essa: pode o PT ser ressuscitado? Eu não sei.

    Agora falando do livro, por que você decidiu fazer? Quando você começou, no final do ano passado, Assange ainda não tinha sido preso….

    Eu senti que Julian estava sendo isolado globalmente, a combinação dos ataques contra ele de diferentes senadores e políticos nos EUA, o fato que a mídia liberal havia efetivamente deixado de cobrir as suas condições dentro da embaixada… O ex-secretário da embaixada do Equador me disse que as condições estavam muito ruins para ele na embaixada. Então sentimos que tínhamos que fazer algo. Alguma coisa precisava ser feita, dramaticamente e publicamente, para Julian. Também em nome da solidariedade, para mostrar que ainda havia alguns de nós que não tínhamos sido convencidos pelos ataques à sua reputação, pelas calúnias. E nesse sentido o Ministério Público sueco teve um papel extremamente ruim, e o livro demonstra isso, acusando ele de estupro quando havia evidência muito limitada, se é que havia alguma, depois se recusando a vir entrevistá-lo em Londres, insistindo que ele fosse extraditado para a Suécia. Tudo isso foi usado para difamá-lo e prejudicar sua reputação.

    Me deixou muito bravo que ele tenha sido levado para a prisão de Belmarsh, que é uma prisão de segurança máxima, onde são levadas pessoas acusadas de terrorismo. E agora, o governo aceitou que a Justiça britânica poderá julgá-lo e decidir se ele deve ou não ser extraditado para os Estados Unidos. A situação é extremamente séria e acho que as pessoas têm que perceber isso. Mesmo aquelas que não gostam de Julian por razões pessoais têm que ver isso de maneira política e o fracasso em fazer isso é chocante.

    Como as pessoas deveriam ver esse pedido de extradição?

    Basicamente que o governo dos Estados Unidos quer fazer de Assange um exemplo, quer trancá-lo em isolamento como fizeram inicialmente com a Chelsea Manning, e o principal propósito disso, como eu explico na introdução do livro, é criar um efeito dissuasório. É para dizer para as pessoas novas ou velhas que trabalham em agências governamentais: “isso é o que acontece se você vazar ou publicar informação sem permissão legal”. Acho que eles não conseguiram fazer isso com o Snowden, que é diferente de Julian, que jamais trabalhou para governo americano – ele era um jornalista online. Por sorte, Snowden está na Rússia, e eles não vão permitir que alguém o retire de lá. Eles querem punir quem fornece informações para as pessoas comuns, porque as elites que controlam nosso mundo tratam as pessoas como crianças. E como os adultos dizem uns para os outros: “Shhh… Não diga isso na frente das crianças”. Eles não querem que os cidadãos saibam toda a verdade. E a grande imprensa, que publicou algumas coisas do Wikileaks, se afastou muito rapidamente e não publicou todas as revelações, como nós sabemos. Então o motivo principal é criar um exemplo e deixar as pessoas com muito medo, dizendo, se você vazar algo é isso que vai acontecer.

    Você acha que a ideia é também desincentivar jornalistas que publicam material vazado?

    Sim, muito. Mas a maioria dos jornalistas que trabalham para a grande imprensa fazem algum tipo de autocensura. E até mesmo pessoas muito boas. Eles sabem até onde podem ir, mas não vão além. Jornalistas investigativos sérios, online, ainda têm um grande papel a cumprir, mas querem desencorajá-los.

    Das 18 acusações contra Julian na Justiça americana, 17 são relacionadas a publicar o material das embaixadas, da guerra do Afeganistão e do Iraque. Além disso, Assange não estava nos Estados Unidos e nem é cidadão americano. Essa busca por ele pelo governo americano significa um novo patamar?

    Usualmente, governos locais punem jornalistas que fazem isso em seus países. O que é novo é que o governo americano está alvejando jornalistas agora, e não importa a nacionalidade ou de onde eles são. Mas eles já fizeram isso, sob as leis de terrorismo, em toda a Europa. Por exemplo, eles arrancaram pessoas das ruas de muitos países europeus e levaram para países árabes para serem torturados, e depois para Guantánamo. Esse princípio, uma vez aceito que governos podem fazer isso, pode ser usado para tudo. Agora estamos em uma situação em que cada vez mais as elites globais tendem a considerar a liberdade de expressão e a liberdade da imprensa como dispensáveis. Então, o autoritarismo tem crescido nos últimos 20, 25 anos. E afeta até mesmo a imprensa liberal.

    A origem disso foi a Guerra ao Terror e os ataques de 11 de setembro?

    Acho que foi uma desculpa usada para isso. No Reino Unido eu estava escrevendo artigos no Guardian regularmente, apontando que era previsto que os Estados Unidos seriam atacados. Então nos primeiros dias depois de 11 de setembro era possível debater e aguentar, mas devagar esse espaço começou a ser reduzido, e a nossa visão começou a ser menos importante. E o mesmo aconteceu na imprensa brasileira, eu escrevia para a Folha, era entrevistado pela Globo sobre esses temas. Mas como se tivesse sido combinado internacionalmente, por comum acordo, o espaço para vozes dissidentes se tornou cada vez menor.

    Qual a sua visão sobre a cobertura sobre Assange pela imprensa?

    O descrevem como hacker e como uma pessoa acusada de estupro, e a palavra jornalista é raramente usada. E o fato de que o Wikileaks foi criado para publicar material que as pessoas enviavam para eles e que era, efetivamente, uma organização de jornalismo investigativo — e que continua a ser — sumiu da narrativa oficial. Então o direito das pessoas saberem quem está governando seu mundo e o que estão fazendo está sendo deixado de lado.

    Por que essa narrativa mudou tanto?

    Por causa da crise capitalista de 2008, quando muitos grupos se formaram e questionaram quase tudo. E não se quer que isso seja incentivado. Então uma coisa que eles [as elites] preservam de maneira muito forte é o monopólio da informação. Para eles isso é muito importante, por causa da digitalização do mundo. Quem controla o monopólio? Essa é uma questão muito importante. Então todas as vozes alternativas, em especial aquelas que têm acesso a materiais importantes, têm que ser neutralizados, e há diferentes maneiras de lidar com eles. E lidaram com o Julian de uma maneira específica, que estamos vendo agora: a prisão. E com “eles” não quero apenas dizer o establishment americano, mas o Europeu também. Fora a Alemanha, o apoio tem sido muito fraco dos outros países europeus. O Reino Unido é virtualmente um estado cliente dos Estados Unidos, os italianos e franceses não estão interessados na questão de Assange, o único país onde há ainda algum debate sobre Assange é a Alemanha, e até ali está se enfraquecendo. Em Berlin erigiram uma estátua para Snowden, Assange e Manning, então fizeram algumas coisas. Mas o serviço de inteligência alemão está completamente envolvido com as outros serviços de inteligência europeus e com os americanos. Eles agem coletivamente.

    Como se estruturou essa campanha de assassinato de reputação contra Assange?

    Acho que não há dúvida de que os representantes dessas agências de inteligência se reúnem regularmente para discutir qual é a ameaça, onde está, e eu acho que, especialmente, durante a campanha eleitoral dos Estados Unidos [2016] em que disseram que Assange havia vazado informações para Trump, a grande maioria disso foi baseada em mentiras, segundo o que descobrimos. Então “hackeamento” e “hackers” se tornaram grandes questões recentemente. Eu não concordo com Putin na maior parte das coisas, mas transformar a campanha pós-eleição nos Estados Unidos na qual Trump venceu, e dizer que se não fosse pelos Russos ele não teria vencido é um esforço dos Democratas para dizer que foram derrotados por forças externas e não internas. Eles não aceitaram que Trump ganhou, e o desespero político e psicológico foi culpe Assange, culpe os russos, culpe todo mundo menos você mesmo! Porque se eles tivessem culpado eles mesmos, teriam que olhar suas políticas, que são neoliberais, pró-guerra.

    Então tudo isso acabou misturado na questão do Julian Assange, e a campanha contra ele é execrável. É assim que eles operam. E agora os Estados Unidos são muito abertos sobre isso — exigir que ele seja extraditado para os EUA para ser questionado pelo FBI — e se fizeram isso com Assange eles farão com outros jornalistas também! Como pode Assange violar a segurança nacional americana quando ele não está naquele país e nem é um cidadão americano. É bizarro!

    Qual é o legado do WikiLeaks, em sua opinião?

    Acho que o legado do Wikileaks é 100% positivo. Qual é a principal coisa que eles fizeram? Publicaram documentos relativos às relações do império americano em relação ao resto do mundo! E o que é muito interessante é que em privado, muitas embaixadas americanas no exterior enviavam mensagens para o Departamento de Estado admitindo coisas que nós da esquerda estávamos falando em público. Nesse sentido, tornar públicas essas mensagens privadas é incrivelmente importante para democratizar a política. Como uma população vai decidir em quem votar se não tem nem 50% da informação? Desse ponto de vista todo o Wikileaks foi positivo. E grupos online como Intercept etc nasceram da experiência do Wikileaks.

    Qual é sua expectativa do impacto do livro?

    Quem sabe? Eu espero que circule, seja traduzido em todo o mundo. É um livro muito forte. Espero que alerte as pessoas para que defendam Assange e façam campanha em seu nome.

  • Troca troca

    Troca troca

     

    Quem ainda quer realizar um sonho, tem melhores chances de sobreviver, ouvi numa cena de filme, durante a madrugada. Perdoem, não sei dizer o título do tal, vi a cena e dormi novamente depois da frase.

     

    Acordei com aquilo na cabeça, pensando se sonhara. A tv ainda ligada, oferecendo tagarela informações do cardápio do dia, no início da manhã já dizia o presidente sobre fritar hamburguer, do filho embaixador e tal, coisas de embrulhar o estômago quando se acorda.

     

    Pesadelo.

     

    Enfim, após escovar os dentes e o café de sempre, dei de cara com texto de Mestrando em Comunicação Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, de Heleno Rocha Nazário,  sobre hermenêutica de profundidade, assunto interessante sobre o sentido das palavras, sua interpretação e reinterpretação geradas pelo indivíduo, sendo apenas mais uma interpretação possível.

     

    Jürgen Habermas, filósofo alemão recente,  situa a linguagem como uma de muitas dimensões da vida social, uma dimensão sujeita a deformações provocadas pelo exercício do poder, e assim indica que a análise deve identificar as distorções ideológicas que constrangem a linguagem, ligando esses casos e contrapondo-os com uma comunicação ideal e livre de restrições. 

    Salvador Dalí – construção mole com feijões cozidos

    Gente sonha tanto, coisas bacanas, um cacho de bananas amarelas, coisa doce, boa. A mídia joga imagens, palavras que insistem, renovam a cada dia aquilo que pensamos querer. Há a vontade dos senhores. Sonhos também? 

    Nem sei dizer. Dizia Raul do sonho que se sonha só é só um sonho que se sonha só, mas sonho que se sonha junto é realidade.