Islam Hamed, um palestino-brasileiro de 30 anos, se mantém em greve de fome há 55 dias em sua cela, na Palestina ocupada. Ele havia sido preso pela Autoridade Nacional Palestina em 2010, sem nenhuma acusação, tendo sua pena expirada em 2013.
Islam foi também preso em 2002 por Israel, aos 17 anos, por jogar pedras contra os tanques das forças de ocupação. Em 2007, somente nove meses após sua soltura, foi mais uma vez preso por Israel, sob a acusação de que apresentava uma “ameaça à segurança”, sendo libertado três anos depois. O estado de saúde do palestino-brasileiro tem se deteriorado, e, de acordo com membros de sua família, ele tem sofrido tortura física e psicológica. Na última quarta-feira a prima de Islam, Aline Baker, e a ativista Soraya Misleh concederam entrevista durante coletiva de imprensa realizada em São Paulo.
Aline Baker segura foto de primo ‐ Foto: Pedro Marin / Revista Opera.
Aline afirmou que a Embaixada Palestina havia prometido libertá-lo até a última terça-feira (2), o que não ocorreu. Segundo a ANP, Islam segue preso para que se evite uma nova prisão por parte de Israel, e exige salvo-conduto para libertá-lo. Aline afirmou também que o Governo brasileiro declarou estar “intensificando as negociações”. A família pede que ele seja levado até a Embaixada brasileira até que se resolvam os trâmites para seu retorno ao Brasil.
Como ensinar a sua filha a ter orgulho da própria cor no país da falsa Abolição
Ontem, dia da Abolição, deveria ser feriado Nacional. Deveria ser um dia de comemoração, um dia para ser lembrado. Mas acho que sei porquê o dia 13 de maio não está em vermelho no calendário: por mais que a escravidão tenha sido oficialmente abolida do nosso país, ela continua dentro das pessoas.
Sou negra, nunca fui obrigada a trabalhar em troca de comida ou moradia, mas sei o que é entrar em um algum lugar e ser olhada como diferente, sei o que é ouvir piadinhas (todas sem graça nenhuma) pelo fato de sua pele ser de uma pigmentação mais escura, ter apelidos por causa da minha etnia, perguntarem por que não faço uma progressiva.
A escravidão acabou oficialmente, mas o racismo não. O que me deixa extremamente abalada é ver que para muitas pessoas isso é normal. Vemos na televisão e nos cinemas que as empregadas domésticas são negras, que os bandidos são negros, que a maioria dos mortos são negros. E me pergunto: quando isso irá mudar? Quando isso deixará de fazer parte da cultura brasileira?
Frases como: “Tinha que ser preto!”, “Viu aquele neguinho?”, “Cuidado, é preto e corinthiano!”, são ditas com a maior naturalidade, sem constrangimentos. Aceita-se esse tipo de abordagem. Não apanhamos mais de senhores feudais, não temos mais navios negreiros. O que temos é a NEGAÇÃO da nossa cor no dia a dia.
Ao olhar na periferia, vemos que ali estão os pretos e pardos. Numa construção, os serventes e pedreiros são negros, assim como as faxineiras. Claro que o Brasil evoluiu um pouco, já temos muitos negros na universidade, muitas cotas oferecidas (por mais que a USP se negue a participar), temos o PROUNI, o FIES, mas também temos o Senado querendo aprovar a PEC 171 para reduzir a maioridade penal. Quem perde com a diminuição da idade penal são os “neguinhos da quebrada”. Nossos presídios estão lotados de negros.
Lembro de quando estava na 5ª série (atualmente, 6º ano) e meu apelido era “Poodle”, pois meu cabelo não era do padrão de beleza estabelecido. Recordo-me que todos os empregos que minha mãe obteve foram como empregada doméstica. E foi assim, com o suor e a batalha, limpando tantos banheiros, que ela criou meu irmão e eu.
Quanta vezes presenciei amigos serem abordados dentro de bares, padarias ou até mesmo na rua, simplesmente por serem negros e nossos amigos brancos, nunca. A desculpa era de que estavam em “atitude suspeita”. Mas estávamos juntos fazendo as mesmas coisas.
Ao olhar para minha sala de aula na faculdade vejo que sou uma das poucas negras (na verdade, minha sala, que tem 50 alunos, tem apenas dois negros) e sou a única negra bolsista. Isso não é novidade dentro de uma universidade reconhecida como a minha.
Hoje estou com 26 anos, sou casada e tenho uma linda filha, a Isabella, que mesmo com 5 anos sabe bem o que é ser uma menina negra. Sempre ouço (até de nossos próprios parentes): “Nossa, criança, que cabelo é esse?”, ou “Quando ela crescer pode fazer uma [escova] progressiva!”, ou, ainda, “Tinha que puxar justo o seu cabelo e o seu nariz?”. Sim, nosso nariz batatinha também sofre na nossa sociedade preconceituosa. Mas me enche de orgulho de ouvir ela sempre dizer:
“Amo meus cachos, são iguais aos da minha mãe!”
Claro que isso não é nada perto de tantos negros que já foram presos, espancados, mortos. Meu relato não chega perto de tantas mães que viram seus filhos saírem de casa sem nunca mais voltar. Ou daqueles que percebem as pessoas que atravessam a rua com medo, puxando suas bolsas, porque um negro está ali. E te olham com nojo.
Certa vez ouvi que o dia 20 de Novembro não era uma data que deveria ser comemorada, afinal todos nós temos Consciência Negra. Me indignei com isso, pois se TODOS NÓS realmente tivéssemos essa consciência, esse meu texto não precisaria ser escrito, não haveria tantos jovens negros assassinados.
No dia 13 de Maio de 1888 a lei Áurea foi assinada. Mas a verdadeira Abolição ainda não aconteceu. Gostaria muito de dizer que a escravidão se foi há 127 anos, mas apenas posso dizer que ela continua de uma forma mais camuflada — e igualmente cruel.
Michelli Cristini C M de Oliveira, 26 anos — é estudante de Letras na Universidade Presbiteriana Mackenzie, casada com William Freitas de Oliveira e mãe de Isabella Cardoso de Oliveira. Faz parte da rede Jornalistas Livres.
Com 23 anos de repórter, jamais havia me defrontado com uma situação como essa. Como escrever um texto no qual meus 12 entrevistados mentiram? Poderia expô-los, relatando as mentiras, depois as incoerências e desinformações e, também, as verdades que me disseram. Mas sempre adotei como norma de repórter ignorar o depoimento de um personagem que tentava me enganar
O 15 de março de 2015 foi histórico, mas forjado na mentira. Ou em meias verdades, se preferir. Histórico porque pela primeira vez desde a redemocratização a elite paulistana saiu em massa para protestar nas ruas. Já o “histórico”, para os manifestantes, tinha outros sentidos: vociferar palavrões contra a presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, culpar o PT por todos os problemas do Brasil, inclusive o 11 de setembro (nos Estados Unidos), chamar de “bundão” o prefeito paulistano Fernando Haddad, exigir intervenção militar, entre outros protestos difusos.
Manifestante segura cartaz que revela seu alvo no protesto — Fotos: Eduardo Nunomura
A primeira das minhas entrevistadas foi uma muher de 43 anos, comerciante da rua Augusta que vestia uma calça justa amarela e uma camisa azul de seda. Tinha joias que chamavam a atenção, mas podiam ser bijuterias. Dizia que só decidiu ir até a avenida Paulista depois que viu, na GloboNews, que o ato era pacífico. Sentiu-se feliz em ver que lá só havia “pessoas bonitas e honestas, trabalhadoras, e não um monte de vagabundos que podem protestar na sexta-feira”. Vou anotando tudo. Quando pergunto o que gostaria que acontecesse no país após essa manifestação, ela responde: “Que o Brasil fosse um país sem diferenças sociais.”
Talvez não fosse exatamente uma mentira, mas a última frase dessa personagem me soou deslocada. Insisti com uma outra pergunta, mas ela voltou a chamar os apoiadores de Dilma, que na sexta-feira estiveram na mesma avenida Paulista para apoiar a presidenta, de “vagabundos”. Agradeci e risquei o nome dela — desde meus tempos de Folha de São Paulo, Veja e O Estado de São Paulo costumo fazer isso quando sinto que o personagem não diz a verdade.
Ao contrário do que fiz na sexta-feira, decido não expor os nomes dos meus 12 personagens. De que adiantaria? Isso é o que costumam fazer os jornalistas que se escudam no mantra “liberdade de imprensa” para acabar com reputações alheias. Antes de falar em liberdade deveríamos nós, profissionais da comunicação, pensar no nosso dever de informar a verdade. E o que vi, antes mesmo de sair às ruas, é que a “verdade” já estava sendo fabricada no noticiário televisivo.
A cobertura da TV e do rádio pela manhã é convocatória (leia aqui um relato sobre isso). Na rádio BandNews FM, o próprio locutor se espanta quando atualiza os números de participantes e afirma que saltara de 9 mil para 200 mil pessoas na avenida Paulista. O jornalista apenas reproduzia os dados da Polícia Militar de São Paulo, subordinada ao governador tucano Geraldo Alckmin, que depois de anunciar mais de 1 milhão de pessoas foi desmentida pelos 240 mil manifestantes aferidos pelo instituto Datafolha.
O Hino Nacional é tocado mais uma vez na Paulista. Nos primeiros 30 minutos de apuração jornalística, é a quarta vez que eu o ouço — desisto de fazer essa contagem. Encontro uma mulher de 27 anos, que logo se identifica como “médica do SUS”. Ergue cartazes com dizeres como “Fora corruPTos” e “Dilma, vai tomar no cu”. Trabalha no Hospital do Tatuapé. Mas no meio da entrevista afirma que vai fechar a clínica particular, na Vila Nova Conceição, porque a presidente está acabando com a medicina privada. Os convênios estão pagando muito pouco…
Dou mais uma chance à personagem. Ela explica que não adianta pedir o impeachment de Dilma, porque tem de tirar “todos os políticos que o PT colocou no Congresso”. Afirma que o Brasil só irá para frente quando a sociedade investir em valores éticos, assim como tornar prioridades a educação e a saúde. Tem o rosto pintado de verde-e-amarelo. Pergunto se é uma referência à época de Fernando Collor, o presidente deposto em 1992. “Claro, eu estava lá e erguia cartazes pedindo o PT no poder.” Confirmo a idade dela, 27 anos. Ela teria, portanto, apenas 4 anos de idade. Talvez estivesse acompanhando os pais, como tantas milhares de crianças estiveram neste domingo. “Não, eu estava lá, sim. Eu me lembro de tudo. O Collor não foi em 1992.”
Na esquina da Paulista com a alameda Campinas, um caminhão de som anuncia a chegada do jogador de futebol Ronaldo. Um dia antes, ele conclamava os brasileiros a protestarem nas ruas, via Twitter: “Este domingo vamos todos pra rua mudar o Brasil! #movimentobrasillivre.” O locutor avisa que o pentacampeão mundial de futebol joga muito,mas fala pouco. Eis uma verdade:
Estamos cansados. Estamos cansados de tanta corrupção, de tanta impunidade. Nós temos que mudar o Brasil, gente. Muda Brasil!
O locutor socorre o jogador e lembra que Ronaldo é eleitor de Aécio Neves. A multidão vai ao delírio. Um engenheiro usa uma camiseta em que diz “A culpa não é minha, eu votei no Aécio”, a mesma que o atleta veste. Ele afirma que foi ao protesto por estar cansado de notícias de corrupção, inflação e desemprego. Afirma não defender o impeachment de Dilma, que o problema é a falta de credibilidade das instituições e que só uma reforma política seria a solução. Pergunto se é correta a estratégia do governo de querer caracterizar essa manifestação como sendo uma espécie de terceiro turno, composta em sua maioria de eleitores do senador tucano. “Não, eu nem votei nele.” E a camiseta? “Ganhei de um cara que estava passando.” Verdade?
Poderia prosseguir nessa narrativa, mas as mentiras não merecem mais espaço. Pode ter sido apenas uma gigantesca falta de sorte. Um dia ruim. Uma conspiração contra alguém que, politicamente, não se identifica com o teor dos protestos. Ou outro motivo que não consigo enxergar agora.
Como repórter, vi brasileiros revoltados contra a presidenta Dilma e se sentindo felizes por botar para fora, ao lado de tantas pessoas com pensamentos semelhantes, todos os impropérios possíveis contra ela e contra o ex-presidente Lula. É como se os uniformizados de camisetas da seleção tivessem feito do 15 de março de 2015 uma desforra da derrota de 7 a 1 contra a Alemanha, no dia 8 de julho de 2014 — será que havia alguma placa culpando Dilma pelos 7 a 1?
Há, sim, pessoas de todas as classes sociais, embora seja visível a presença maciça da elite branca. É excepcional que os ricos tenham saído às ruas para participar de um ato público e não tenham criado camarotes VIPs para evitar se misturar com os manifestantes pobres. Ao mesmo tempo, é triste que tenham dado uma aula de mau comportamento a tantas crianças presentes ao protesto, com xingamentos dos mais variados tipos. Mas a cena que não sai da minha cabeça é o selfie de uma família que leva uma babá para o protesto. Eis uma mentira de que o Brasil-Colônia que prega menos corrupção e justiça social jamais se libertará.
Babá chama atenção das crianças para que pai possa fazer selfie da família