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Tag: Brasil

  • O dia em que a índigena Djuena Tikuna fez do palco sua aldeia

    O dia em que a índigena Djuena Tikuna fez do palco sua aldeia

    A noite do dia 23 de agosto de 2017 ficou marcada por um encantamento e diversidade jamais vistos no centenário Teatro Amazonas, em Manaus. Subiram ao palco, com suas vestimentas e instrumentos tradicionais, grupos de dança das etnias Sateré-Mawé, Tukano, Dessana e Tikuna para um pré-show do espetáculo inédito do lançamento do CD “Tchautchiüãne” (significa em português “minha aldeia”) da cantora e compositora indígena Djuena Tikuna, que canta na língua do seu povo, Tikuna – autodenominado Magüta.

     

    Um público de 823 pessoas, incluindo 300 indígenas convidados de diversas etnias, lotou o teatro, fundado 1896. No palco, a artista Djuena foi acompanhada pelo marido, Diego Janatã (na percussão e flautas), e pelos músicos Poramecú Tikuna (maracá e voz), Anderson Tikuna (violão), Antón Carballo (violino) e Agenor Vasconcelos (contrabaixo).

    Dividiram o espetáculo com ela a cantora Yra Tikuna, na canção “Ewaré”, e Marlui Miranda, na música “Maraká´Anandé”, canção tradicional do povo Ka´apor (do Maranhão). Marlui, que é etnomusicóloca, cantora e uma referência e pioneira em música indígena no Brasil, cantou ainda com Djuena a música “Araruna”, uma canção que fez parte do seu disco “Vozes da Floresta”, de 1996, inspirada na música tradicional dos índios Parakanã (Pará).

    O CD “Tchautchiüãne” de Djuena Tikuna tem 12 faixas, incluindo o Hino Nacional. Foi com a interpretação do hino brasileiro na língua Tikuna que a artista abriu sua apresentação no Teatro Amazonas acompanhada de crianças da comunidade Wotchimãücü e do imitador de pássaros Cleudilon de Souza Silveira, conhecido como Passarinho. Ele, que acompanhou a cantora em outras canções ao longo do show, assovia os cantos de 37 diferentes espécies da fauna amazônica, entre elas o bacurau, o sabiá-laranjeira e o tucano.

    As composições no CD “Tchautchiüãne” falam da resistência cultural, da identidade indígena, dos rituais e das ameaças aos direitos indígenas. O espetáculo foi dirigido por Djuena em parceria com o diretor de teatro Nonato Tavares, da Companhia Vitória Régia.

    Djuena Tikuna (“a onça que pula no rio”) nasceu na Terra Indígena Tikuna Umariaçu, município de Tabatinga, no Amazonas, região do Alto Rio Solimões, na fronteira entre o Brasil, Colômbia e Peru. O gosto pela música ela herdou da avó, Awai Nhurerna (em português Marilza), já falecida, a quem a cantora fez uma homenagem durante o espetáculo no Teatro Amazonas.

    Texto: Kátia Brasil / Amazônia Real

    Direção: Christian Braga
    Fotografia: Robert Coelho
    Câmeras: Christian Braga e Robert Coelho
    Produção: Renata Frota
    Assistente de Produção: Nadyne Oliveira
    Apoio: Jornalistas Livres, Greenpeace e Amazônia Real

  • O LENÇOL ESCRAVOCRATA DO AGRO É TOALHA DE MESA DO GOLPE

    O LENÇOL ESCRAVOCRATA DO AGRO É TOALHA DE MESA DO GOLPE

    A abolição e denuncia do trabalho escravo que insiste, imagens que não querem sair de cena em tempos de golpe. ©João Roberto Ripper

    Quem imaginaria dez anos atrás que hoje estaríamos novamente falando do significado de trabalho escravo ou pensando em futuras alforrias? O trabalho escravo que aproximou índios e pretos, os negócios no campo e toda a costura política de favores e benefícios políticos na configuração da turma liberal .

    O professor Alfredo Bosi, certa vez, em texto no final da década de 80 sobre os meandros da escravidão no Brasil, aventou como se  estabeleceu a palavra liberal em nosso meio pela história:

     

    Uma análise semântico-histórica aponta para quatro significados do termo, os quais vêm isolados ou variamente combinados:

    1) Liberal, para a nossa classe dominante até os meados do século XIX, pôde significar conservador das liberdades,conquistadas em 1808, de produzir, vender e comprar.

    2) Liberal pôde, então, significar conservador da liberdade, alcançada em 1822, de representar-se politicamente;ou, em outros termos, ter o direito de eleger e de ser eleito na categoria de cidadão qualificado.

    3) Liberal pôde, então, significar conservador da liberdade (recebida como instituto colonial e relançada pela expansão agrícola) de submeter o trabalhador escravo mediante coação jurídica.

    4) Liberal pôde, enfim, significar capaz de adquirir novas terras em regime de livre concorrência, alterando assim o estatuto fundiário da Colônia no espírito capitalista da Lei de Terras de 1850. ,

    …Analisando a conduta autodefensiva dos liberais, comentava Saint-Hilaire no ano em que se fazia a Independência:

    “Mas são estes homens que, no Brasil, foram os cabeças da Revolução; não cuidavam senão em diminuir o poder do Rei, aumentando o próprio. Não pensavam, de modo algum, nas classes inferiores”

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

    Agora, na segunda década do XXI, o Brasil foi notícia em várias manchetes e advertido em várias instâncias internacionais  durante a semana passada. Os elos das correntes que nos prendem não apontam para o futuro, mas no ferro querem nos marcar. Entre velhos grafismos estampados em nossas cavernas e o DNA colonialista de nossa economia, onde o Agro dá as cartas nas transações de governo e o comando restringe todos investimentos em ciência e cultura necessários, Temer e os seus parceiros de latifúndios querem redefinir a palavra escravidão e trabalho, educação e saúde.

     

    Não iremos em direção ao espaço sideral ou andaremos em carros voadores, elétricos, tudo nos direciona ao passado agora. Para  o país querem as liteiras de volta, enquanto a soja germina no campo. Venderão praias, parques e reservas, ensaiam mazelas ao futuro. Irão ensinar o índio a pescar e plantar. No quilombo farão grandes condomínios. O aquífero será todo tragado pois a sede de poder dessa gente não tem sertão.

     

    O jornalismo não irá calar-se, segue denunciando e unindo, queremos o futuro, os humanos, a democracia e um planeta Terra para viver.

     

  • A ÁGUA  PASSA, A AREIA FICA

    A ÁGUA PASSA, A AREIA FICA

    A tarde segue quente e o corpo pede pensamentos, ideias, sugestões ou segredos. Dentro do carro, na rua Rangel Pestana, vou vendo pelas calçadas tantos pretos, tão grandes, tão pretos, tão fortes, resolutos. Tantos imigrantes e o país inteiro parece andar na calçada, entre lojas, bancos, bares e igrejas. Sinto-me num cais, todos querendo viver, lançar-se.

    Buscando também, meti-me na Marginal e cheguei à USP LESTE, a universidade nos limites da cidade. O solo aqui, ouvi dizer, é contaminado, mas escola se fez e chama. Vim ao encontro de  Ailton Krenak, índio das margens do Watu, o Rio Doce do Espírito Santo, das Minas Gerais, que tingiram de vermelho sangue do ferro.  Enferrujaram o rio até o mar, lágrima salgada, tingiram a água na cor da vergonha. A vergonha talvez tenha a cor da política desse momento, esse tom meio sujo que emudece e arregala os olhos.

    Ai, dói, a parte da ideologia colonial entrou como um vento forte no território de nossas almas. Meu Brasil é sim o irmão mais velho do colonialismo, diz Ailton Krenak, o país não sabe conviver com a ideia de autonomia dos territórios indígenas ou toda diversidade sábia de nossos padrões ancestrais. Krenak é pensador,  esse tipo de gente que te descompassa e te encaixa em outras vias, tal guia, tal vento transcontinental que remete palavras aos ouvidos como areia entre eixos, pedra nos sapatos.

    Em toda desconexão que a vida agora apresenta, em que falecidos comportamentos ressuscitam, um país obsceno entre temerosas transações nos assola, mas também por isso sonha-se aqui. Gravados a fogo, temos que nos descorromper, inventar palavras, projetar um olhar infantil para detrás dos montes, por mais inútil que seja pensar em uma sociedade alternativa hoje. Uma nação é mais que um território, ouço no auditório. Ainda caminhamos em esforços de inclusão, cotas. Paralisamo-nos em nossa capacidade de indignação. Somos uma sociedade tão discricionária que damos à inclusão o status de direito.  As falsas garantias do Estado e o falso sorriso da cordialidade nos condenam, todos. Tudo garante a desigualdade, pois os territórios gritam contra a uniformidade. É o veneno e o remédio, todos seguem reféns do mercado. Krenak afirma que o uso comum do território é uma ofensa ao capital, pois este divide a terra em lotes para uso privado, querem um país Agro, global.

    Solidariedade não é tolerância, não é inclusão. Solidariedade é entender a perspectiva do outro. É escandaloso que ainda temos que falar disso. Garantir a continuidade da vida é assunto que foge à ordem e lógica do mercado, põe em jogo a ideia colonialista e o projeto religioso para Pindorama. Se acaso criam crises, golpes sem juízo no momento atual, apenas justificam o culto à mercadoria que nos envolve. Há um eclipse mental entre os homens e enterram a sociedade alternativa que tanto queríamos. A ironia é essa prática de ameaçar os diferentes grupos, de tempos em tempos, tal tática terrorista, onde o poder doente quer imprimir sua marca entre tantos diversos grupos e lugares distintos. Terras indígenas, quilombos, reservas extrativistas e áreas de preservação são os únicos lugares onde esse poder doente ainda não imprimiu sua marca.

    Solidariedade é entender a perspectiva do outro. Querem domesticar o pensamento, querem configurar a exclusão, somos um arranjo conservador de gente que veio para acampar na América, alerta o índio, o pensador.

    Um sol queima nossas faltas, estanca e seca os rios.

  • GIGANTE É A VERDADE

    GIGANTE É A VERDADE

    Essa semana boas matérias sobre os índios Panará, os Kreen-Akarore de antes, comemoraram os 20 anos da volta dessa etnia para as terras tradicionais, após quase desaparecerem, entre tantos outros, da história do país. Brasil, país para desaparecimentos, triste sina.

    Gigante sempre é o homem que sobrevive. Talvez por isso, em 1973, tantas manchetes tenham determinado que os Kreen- Akarore, os índios gigantes, tenham sido encontrados entre tantos outros que padeciam. Mato Grosso, um estado para se morrer, um estado de covas. Curioso perceber que sempre sobrepujamos o ser entre nossas surpresas no dia a dia. Carecemos de gigantes, mas logo nos cai a ficha que é tudo gente mesmo, que no mesmo saco sofre.

    Hoje, em tempo tão desanimador àqueles que neste planeta agora se envolvem, onde ração é oferecida aos famintos da pátria celeiro do mundo ou onde em terras de refugiados vemos tantos migrando para salvar a vida, de Myanmar à Somália, da Síria à Venezuela; quem resiste agiganta-se.

    Conheci os Panará em 2006, na grande aldeia Nãsepotiti. Retornei em 2007, sempre acompanhando profissionais de saúde da Escola Paulista de Medicina, que desde 1973 zelaram, entre tantas dificuldades, pelos cuidados ao grupo. Há dez anos eles haviam saído das terras do Xingu e reconquistavam as terras ancestrais. Todos grandes homens de média estatura, tantas crianças e mulheres fortes. Gigantes eram os medos que a todos cerceavam, vi bem, gigante era a vontade de vencer.

    Em 1973, as ditaduras ardiam na América Latina e no Brasil também se contatava povos isolados, nunca vistos. Em 2017 o país nem tanto mudou seus métodos. As lavouras agigantaram-se, é verdade, e várias etnias ainda evitam o ocidente, se recolhem. Ah, triste saber que as terras vastas alimentam o planeta e inventam ração na metrópole mor para os famintos. Ah, o índio foge, o mato desce, a água seca. O agro será tudo.

    Panará vive gigante hoje. Queriam tirar o índio, o índio voltou, insiste. Viva.

    Links para se informar sobre o tema:

     

    https://panara.socioambiental.org/

    http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0034-77011998000100011&script=sci_arttext

    http://vml029.epm.br/handle/11600/1114

    http://vml029.epm.br/bitstream/handle/11600/22984/Tese-14201.pdf?sequence=1&isAllowed=n

     

     

     

    https://www.youtube.com/watch?time_continue=66&v=4nQD0ey-6HQhttps://www.youtube.com/watch?v=Wwr_SA2ou3k

     

  • DITADURA VENEZUELANA – “MAIOR FAKE NEWS DA HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA”

    DITADURA VENEZUELANA – “MAIOR FAKE NEWS DA HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA”

    Por Juliana Medeiros para os Jornalistas Livres

    Neste domingo (15), a Venezuela realiza suas Eleições Regionais, para governadores, em 23 Estados nesta que é sua 22ª eleição em 18 anos de chavismo, o que de pronto classifica o país como a “ditadura” que mais realizou sufrágios na história contemporânea.

    Toda a imprensa mundial acompanha de perto a disputa, ávida por encontrar evidências de fraude ou captar imagens para sua narrativa de impacto sobre a diariamente pautada “crise econômica e política” do país.

    No entanto, ao mesmo tempo em que a presidenta do Conselho Nacional Eleitoral (CNE), Tibsay Lucena, informa em coletiva de imprensa que todas as etapas para o pleito vem sendo cumpridas com a participação de observadores internacionais e membros de TODOS os partidos, que também fiscalizam o processo, os correspondentes credenciados no país tratam unicamente de noticiar as supostas “fraudes” cometidas pelo governo Maduro, ainda que representantes de cada corrente política estejam validando o mesmo processo que a oposição (e a mídia) procuram deslegitimar.

    Mas do que se trata essa tal crise na Venezuela? Essa é a pergunta que muitos se fazem nesse momento. Para responder, é preciso antes se perguntar o que faz com que um pequeno país caribenho de repente se torne o assunto dos almoços de domingo de boa parte dos países do mundo, onde seus cidadãos muitas vezes sequer conhecem seu cenário local mas sabem o nome de políticos venezuelanos e falam sobre a tal “crise” como se fossem conhecedores profundos do tema.

    Charge do Latuff

    Antes ainda, é necessário perguntar se Nicolás Maduro – ao invés de denunciar constantemente a ingerência norteamericana e se recusar terminantemente a seguir suas ordens – fosse um amigo de Washington, será que o país continuaria nos noticiários?

    O mais provável é que ele poderia ser de fato o “ditador” que querem que ele seja, por exemplo, oprimindo cruelmente as mulheres como o rei Abdullah bin Abdul Aziz Al-Saud da Arábia Saudita; ou deixando mais de 1 milhão de pessoas morrerem de fome, cólera e bombardeios de aviões aliados em seu próprio solo, como Addrabbuh Mansour Hadi do Yemen; ou ainda usando de maneira violenta e extremada sua polícia contra manifestações pacíficas pelo direito de votar, como Rajoy da Espanha; ou inaugurando uma nova era de presos e desaparecidos políticos como Macri, na Argentina; ou mantendo sob barbárie a última colônia do mundo em um campo murado e minado no meio do deserto do Sahara, como o Rei Mohamed VI do Marrocos; ou pior, fazendo tudo isso, com direito a malas de dinheiro em contas ilegais no exterior e mais uma série de delitos (com Supremo com tudo) como naquele país, vocês sabem onde. Bastaria à Maduro ser menos “guapero” em linguagem latina, aceitando condições comerciais injustas, acordos políticos nefastos e uma ou outra base militar em seu território e tudo estaria resolvido.

    Ou seja, no fundo o mundo inteiro sabe que não se trata de motivos humanitários e que a OEA ou o (atual) Mercosul, just don’t give a damn para o que acontece realmente na Venezuela. Se assim fosse, as “guarimbas” – espécie de barricada montada pela oposição como estratégia recorrente de ataque – seriam tão conhecidas quanto todos os outros fatores que parecem fazer com que simples eleições regionais na Venezuela sejam mais importantes para a mídia do que, por exemplo, a possibilidade cada dia mais real dos EUA iniciarem uma nova guerra mundial.

    Sem precisar recorrer à estatísticas, é muito provável que você, leitor(a), jamais tenha ouvido falar sobre as tais “guarimbas” com homens armados até os dentes com fuzis e bombas caseiras, fios de arame que decapitam motoqueiros, ou os “poopootov” (lançamento de garrafas cheias de excremento humano), ou ainda pessoas sendo queimadas vivas nas ruas e filmadas enquanto agonizam até o fim. Ou pior, você até já ouviu falar em tudo isso, mas acredita na versão de que foram crimes cometidos pela Guarda Nacional Bolivariana.

    A verdade é que a ditadura (ou a crise) na Venezuela, como bem definiu seu Ministro das Comunicações, Ernesto Villegas, não passa do “maior fake news da história contemporânea”.

    Por mais que a própria oposição venezuelana declare publicamente em suas páginas oficiais que todas as estratégias citadas acima (e outras) são aceitáveis, ninguém lê porque é invisível até para os pauteiros da grande mídia. E ainda que muitas vezes as críticas à violência do governo Maduro não tenham sequer uma imagem para fundamentar, essas são as notícias que interessam ao mainstream.

    Aliás, muitas vezes há imagens sim, como as que a imprensa espanhola produziu horas depois de uma guarimba explodir cerca de 8 policiais em suas motos no meio de uma avenida de Caracas. O frame convertido em instantâneo, foi retirado de um vídeo produzido por uma das câmeras dos próprios policiais que vinham atrás dos que foram atingidos. A mesma imagem foi reproduzida nas capas de vários veículos, sem crédito, com títulos que criticavam a “repressão” de Maduro. Uma notável e descarada manipulação.

    Nesse mesmo dia, o jornalista venezuelano Luis Hugas, que acompanhava o grupo de militares em uma das motos (e quase foi atingido também), flagrou em video produzido para o Canal La Iguana TV, os correspondentes de meios internacionais escondidos atrás de uma das barricadas, ou seja, já preparados, poucos antes da explosão, no melhor estilo “se por acaso acontecer algo aqui”.

    Não se trata de dizer que não há problemas, a Venezuela vem sofrendo uma pesada guerra econômica precisamente por um equívoco do próprio projeto chavista. Quando Hugo Chávez chegou ao poder, todo o recurso bilionário do petróleo venezuelano era destinado unicamente à elite que controlava o país. A radical transferência de renda iniciada por ele, produziu uma mudança profunda em uma sociedade miserável. A questão é que Chávez não só reduziu drasticamente a desigualdade no país, levando educação ou saúde gratuitos para a população, mas também iniciou um processo de conscientização política. No entanto, a manutenção da dependência econômica sobre uma única commoditie, fez com que a nação caribenha continue precisando importar quase todos os produtos que consome, porém usando como moeda os mesmo barris de petróleo que agora estão em baixa no mercado mundial. E são justamente os comerciantes – boa parte estrangeiros – a usarem a estratégia de retirar os produtos das prateleiras ou colocá-los a preços surreais, como única ferramenta política da direita que tradicionalmente não possui habilidade para construir bases de outra maneira.

    Em uma série de vinhetas produzidas pelo canal venezuelano VTV, uma jornalista fala de sua indignação pelas últimas declarações do Depto de Estado norteamericano acerca da lisura das eleições venezuelanas e finaliza dizendo: “Venezuela é garantia de paz na América Latina”. De fato, esse é o ponto.

    Depois de passar décadas com pouco interesse sobre o que ocorria na América Latina (mais concentrados em regiões como o Oriente Médio e o Norte da África), os EUA sob Trump decidiram redirecionar seus canhões para nosso continente. Não é coincidência que, ao mesmo tempo em que o mundo está tremendamente interessado em saber qual será o novo governador de Táchira, os EUA tenham reiniciado sua política de bloqueio econômico-financeiro impondo o chamado “Nica Act” à Nicarágua, sob o batido pretexto de promover a “democracia” no país centro-americano. O problema dos EUA com a Nicarágua, Venezuela, Bolívia, ou Cuba é o mesmo: controle dos recursos e combate ideológico.

    E a Venezuela parece ser a peça que pode colocar em xeque toda a região, agora que Trump vem ameaçando com uma intervenção armada, que aliás, parte da oposição venezuelana tem a indecência de pedir textualmente em canais de TV privados pelo país. Subserviência e vira-latismo que mais parecem a nova epidemia desses tempos.

    Foto: Guilherme Imbassahy

    O fato é que mudam os presidentes mas a estratégia yankee não muda. Num primeiro momento, financiam grupos opositores protofascistas na tentativa de promover golpes parlamentares que permitam um alinhamento à sua geopolítica de interesse para a região, como é o caso do Brasil ou Paraguai (que por casualidade tinham nesses momentos a mesma embaixadora norteamericana, que também por acaso foi por anos quem esteve à frente da USAID para América Latina).

    E assim como ocorrido no Iraque ou na Líbia, quando a intervenção via “revoluções laranjas” não é suficiente e torna-se necessário recorrer às armas, a primeira a atingir o país-alvo da vez é sempre a propaganda, difundida com muita eficiência (e cumplicidade) pela imprensa internacional.

    Convencida a opinião pública de que é preciso intervir, não há problema caso depois alguém se dê conta de que se equivocou ou “pesou a mão”, basta recorrer à indústria Hollywoodiana e produzir algum enlatado (com cara de mea culpa e jeito de planejado) ou apenas, como é o caso da Líbia, jogar no limbo do esquecimento midiático o país que estava todos os dias no noticiário enquanto era importante convencer a todos de que era necessário destruí-lo, sob o irônico pretexto de “salvá-lo”. O problema com essa estratégia em relação à Venezuela (para aqueles que desde fora defendem essa absurda possibilidade), é que um ataque ao país certamente vai ter consequências regionais graves e cuja extensão é difícil de prever, inclusive para o Brasil e todos os países que lhe fazem fronteira.

    O mais curioso, é observar como a narrativa hegemônica faz com que qualquer país que demonstre ter um forte sentido de soberania enraizado em sua cultura, passa a ser ridicularizado e seus líderes tratados como loucos. O mundo parece mesmo convencido bovinamente de que o único país ao qual é permitido esse sentimento é aquele que por décadas vem tentando controlar todos os outros.  Resta saber se vamos mais uma vez assistir impassíveis a tudo isso.

  • JORNALISTAS LIVRES NA COBERTURA DAS ELEIÇÕES REGIONAIS VENEZUELANAS

    JORNALISTAS LIVRES NA COBERTURA DAS ELEIÇÕES REGIONAIS VENEZUELANAS

     

    Por Juliana Medeiros para os Jornalistas Livres

    No próximo domingo a Venezuela escolhe governadores de 23 estados em eleições marcadas por um passado recente de tensão e atos de violência por parte de organizações ligadas à oposição que tentaram, sem sucesso, impedir a realização da eleição para a Assembleia Constituinte em 30 de julho deste ano (veja em nosso site a cobertura especial dos Jornalistas Livres sobre o tema).

    O nível extremado de violência perpetrado pelos partidos que integram a chamada MUD (Mesa de Unidade Democrática), parecem ter surpreendido até mesmo aqueles cidadãos que se posicionavam contra o governo de Nicolás Maduro. O fato ficou evidenciado depois que se verificaram os números de votantes em estados tradicionalmente dominados pela oposição (na Venezuela o voto não é obrigatório) indicando que apesar de não terem reconhecido oficialmente, não puderam impedir que suas bases legitimassem o processo constituinte.

    Para esse pleito, também o discurso dos candidatos oposicionistas se modificou, já que passaram a chamar o povo a votar, ao contrário do que fizeram no anterior. O ex-candidato à presidência, Henrique Capriles, é um dos mais frequentes a convocar na TV, seus eleitores a saírem de casa.

    A antecipação da convocação para essas eleições (a 22ª em 18 anos de chavismo), prevista inicialmente para dezembro, foi uma decisão justamente dos membros da Assembleia recém-eleita, como destacou nesta sexta-feira a presidenta do órgão constituinte Delcy Rodríguez.

    Segundo ela, com isso se pretendia consolidar a paz lograda quase que imediatamente depois de 4 de agosto, quando tomaram posse os membros eleitos da Assembleia Constituinte.

    “Para nós é muito importante, como poder constituinte, sermos vigilantes sobre a garantia de paz na Venezuela. Nossas últimas eleições, como se sabe, foram marcadas por muita violência e também pela negativa da oposição em participar, tentando impedir que suas bases fizessem parte desse exercício pacifico e democrático”, acentuou Rodríguez.

    Apesar dos protestos iniciais, a estratégia de fato serviu para uma espécie de trégua geral, já que candidatos de direita e de esquerda precisaram se concentrar em suas campanhas.

    Além disso, os líderes opositores parecem ter se dado conta de que não foi uma boa estratégia ter optado por ficar fora do processo e, apesar de terem tentado desde sempre deslegitimar o CNE, inscreveram seus candidatos imediatamente após o início do prazo para registro eleitoral.

    Em todos os canais (a esmagadora maioria, privados e de oposição), foi possível ver os spots de propaganda eleitoral obrigatória – encerrada nesta quinta-feira (12) – de candidatos das várias correntes políticas e partidos. Com destaque para os de oposição que concentram os discursos não em suas regiões, mas na disputa ideológica presente no cenário político nacional, com frases como “abaixo a esquerda”.

    Além disso, 1.200 observadores nacionais e 67 acompanhantes internacionais, de 22 países, participam de todo o processo para garantir a transparência.

    O pleito, marcado para o próximo domingo, vai eleger governadores em todas as regiões da República Bolivariana, exceto na capital, Caracas. Isso se deve à Constituição do país que considera o presidente a maior força política do chamado “Distrito Capital” – sede de todos os órgãos do Poder Nacional – e que por isso, não possui governador, sendo a função acumulada pelo presidente.

    No entanto, com o objetivo de evitar que se repitam os atos de violência ocorridos durante a eleições anteriores, o Ministro da Defesa, Vladimir Padrino López, afirmou nesta sexta-feira (13) em coletiva de imprensa que será garantida a tranquilidade do país, “não importa qual seja o resultado eleitoral”.

    Já a Presidenta da Assembleia Constituinte, Delcy Rodriguez, chamou a oposição à razoabilidade: “para os que buscam refúgio em poderes antinacionais ou imperiais, novamente lhes dizemos que esta é a via, o caminho eleitoral, o caminho democrático, tal como está contemplada em nossa Constituição”

    Na coletiva de imprensa realizada hoje, as autoridades venezuelanas também aproveitaram para rechaçar completamente a declaração do Departamento de Estado norteamericano que questiona a transparência do CNE.

    “Preocupa os Estados Unidos que uma série de ações por parte do Conselho Nacional Eleitoral (CNE) questionem a imparcialidade do processo eleitoral”, afirmou Heather Nauert, porta-voz do Departamento de Estado.

    A resposta veio forte da presidenta do CNE, Tibsay Lucena: “essa agressão coincide com uma campanha de permanentes agressões ao poder popular, fundamentada em mentiras e manipulações”.

    Nas últimas eleições regionais em 2012, o PSUV conquistou 20 dos 23 governos estaduais, mas a derrota na composição da Assembleia Nacional abalou o chavismo e abriu caminho para a crise que vem sendo aos poucos, controlada pelo presidente Nicolás Maduro.

    A grande pergunta no ar, em razão da aparente calmaria, contrastante com o último período eleitoral, é sobre qual será a reação popular refletida nas urnas, em um país onde o povo está culturalmente habituado a participar de consultas, referendos e processos eleitorais e evidentemente, cansado de guerra.