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  • Para além da austeridade: as “heresias” das Nações Unidas

    Para além da austeridade: as “heresias” das Nações Unidas

    “A economia global parece travada em seu caminho para a recuperação”, aponta novo estudo das Nações Unidas, Para além da austeridade, que contradiz grande parte do que advogam membros do governo do Temer e os economistas brasileiros conservadores que palpitam diariamente na mídia tradicional. A austeridade fiscal é apontada como o principal entrave à retomada mais vigorosa da economia mundial.

    O estudo carrega pouco mais nas tintas e decreta que “a prosperidade para todos não pode ser proporcionada por políticos com fixação na austeridade, por empresas que buscam ganhos monopolistas (rent-seeking) e por banqueiros especuladores”. Em outro termos, o relatório afirma que as promessas, de sociedades mais justas e de menor desigualdade, entre as nações não foram cumpridas.

    Rentismo e rent-seeking estão entre as causas. Mas o que querem dizer esses termos?

    O termo rentista é, normalmente, usado no Brasil para designar aqueles que obtêm renda por emprestar seu capital financeiro a terceiros, especialmente ao governo. “Viver de renda”, dizia-se. Renda astronômica de R$ 428 bilhões é a que o Brasil pagou sob a forma de juros, nos últimos 12 meses terminados em julho de 2017, àqueles rentistas que emprestaram seu capital para o governo.

    Rent-seeking é usado no texto, não somente para designar ganhos derivados da simples propriedade ou controle de ativos, mas também ganhos de posições monopolistas. O feirante não consegue cobrar o preço que quiser pela dúzia de bananas, pois a concorrência o destruiria. No entanto, há empresas monopolistas, ou quase monopolistas, que têm capacidade de fixar seus preços acima do que conseguiriam em um mercado concorrencial. Rent-seeking é a busca dessa renda extra para engordar os lucros.

    As privatizações, muitas vezes, não aumentam a eficiência

    A busca por essa renda extra não para por aí: “outros [ganhos são] conquistados pela predação do setor público, inclusive por privatizações de larga escala – que simplesmente deslocam recursos dos contribuintes para administradores e acionistas de empresas privadas – e subsídios a grandes empresas, frequentemente sem resultados para a eficiência econômica ou geração de renda”. Saliente-se que essa conclusão do estudo é oposta ao discurso privatizante do grupo no poder no país hoje.

    “Fortemente encorajada por muitas instituições internacionais, esperava-se que as privatizações melhorassem as práticas administrativas, aumentassem a eficiência e quebrassem monopólios, gerando, assim, ganhos de bem-estar. Todavia, ao invés disso, muitos programas de privatização foram altamente eficientes em promover ganhos extras (rent) para empresas monopolistas.” É preciso ressaltar que essa renda extra se dá em detrimento de outras empresas e, especialmente, às custas dos consumidores, com forte impacto na concentração de renda.

    O relatório sublinha esse ponto pois, embora a atenção tenha, corretamente, ido para as empresas do mercado financeiro, “cujo retorno é absurdamente desproporcional ao retorno social que geram”, as empresas não-financeiras também se adaptaram à busca desse tipo de renda e “surgiram como fonte disseminada de desigualdade”. Essa atitude das empresas, financeiras ou não, e o apego extremado pela austeridade fiscal, inibem a retomada do crescimento econômico e aprofundam a desigualdade de renda.

    Quais são as medidas-chave propostas no relatório?

    Para tentar corrigir as graves consequências da hiperglobalização (“desigualdade e instabilidade estão conectadas à hiperglobalização”), da retirada de controle dos fluxos financeiros, das privatizações, da precarização do trabalho, entre outros efeitos perversos da cartilha econômica ortodoxa, o relatório sugere as seguintes medidas-chave:

    • Pôr fim à austeridade por meio de investimento público, maior e melhor, com uma forte dimensão assistencial, incluindo vultosos programas que aprimorem a infraestrutura e gerem emprego.

    • Aumentar a receita governamental: um maior recurso a impostos progressivos (inclusive sobre a propriedade e outras formas de renda).

    • Dar mais voz ao trabalho (os salários precisam subir em linha com a produtividade; a insegurança no emprego precisa ser corrigida por meio de ações legislativas e medidas ativas no mercado de trabalho).

    • Domar o capital financeiro: regular de forma apropriada o setor financeiro.

    • Melhorar a capitalização dos bancos de desenvolvimento multilaterais e regionais.

    • Manter o controle sobre o “rentismo” empresarial.

    Seriam heresias?

    Como “heresia” final, há um trecho sobre a importância dos bancos públicos: “Um sistema financeiro que harmonize um papel significativo para bancos públicos de diversos tipos e bancos privados menores com influência política limitada e com fiscalização mais dura, estará menos sujeito a gerar excessos especulativos, ciclos de grande expansão seguidos por colapsos e austeridade.” Música para meus ouvidos!

    Nota

    As citações estão em: UNCTAD, Trade ad Development Report, 2017: Beyond Austerity – Towards a Global New Deal (

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    , Relatório de Comércio e Desenvolvimento 2017: Para além da austeridade – rumo a um novo pacto global) disponível em http://unctad.org/en/PublicationsLibrary/tdr2017_en.pdf.

  • Um ano do golpe. E a economia?

    Um ano do golpe. E a economia?

    Quando o canal de TV e o jornal apoiam o governo, a notícia econômica ruim é dada acrescentando-se ao final: “mais há sinais de que vai melhorar”. Quando a notícia é boa, mas a mídia é oposição ao governo, acrescem: “mas pode piorar”. Você, provavelmente, tem ouvido que nossa economia está mal das pernas, mas que vai melhorar.

    Mostramos, aqui os dados mais recentes, divulgados pelo IBGE, relativos ao desemprego, à produção industrial, ao comércio varejista, ao setor de serviços e à inflação. Encerramos com um breve comentário sobre o caminho que ora trilhamos.

    Vamos ver se há motivos para comemorar.

    1 O desemprego chegou a 14,2 milhões de pessoas e bateu o recorde da série histórica

    “Essa foi a maior taxa de desocupação da série histórica”, afirma o comunicado da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD – que mostrou que, no trimestre janeiro, fevereiro e março de 2017, o desemprego chegou a 13,7% da força total de trabalho do Brasil, estimada em pouco mais de 103 milhões de pessoas.

    A população desocupada chegou a 14,2 milhões no primeiro trimestre de 2017 (jan-fev-mar) e bateu o recorde da série histórica. No trimestre anterior (out-nov-dez de 2016), o contingente de desempregados era de 12,4 milhões de pessoas. Mais de 1,8 milhão de pessoas passaram à condição de desempregados, um crescimento percentual de 14,9%.

    No mesmo trimestre de 2016 (jan-fev-mar), a pesquisa apresentava 10,9% de desemprego, ou seja, 11,1 milhão de desempregados. Houve, do primeiro trimestre de 2016 para o primeiro trimestre de 2017, um acréscimo de 3,1 milhões de pessoas, o que representa um crescimento percentual de 27,8% no contingente desempregado.

    É possível reparar no quadro acima que o desemprego atual é mais do que o dobro do verificado durante quase todo o ano de 2014 e só cresceu nos últimos meses.

    “O número de empregados com carteira de trabalho assinada (33,4 milhões de pessoas) recuou em ambos os períodos de comparação: frente ao trimestre outubro / dezembro de 2016 (-1,8% ou menos 599 mil pessoas) e ao trimestre janeiro / março de 2016 (-3,5% ou menos 1,2 milhão de pessoas). Este foi o menor contingente de trabalhadores com carteira assinada já observado na série histórica da pesquisa”, nas palavras do IBGE.

    2 Produção industrial cai 3,8% nos últimos 12 meses

    Os índices da produção industrial costumam apresentar surpresas de um mês para outro, no entanto quando olhamos comparações anuais temos melhor ideia da tendência que está em curso. O quadro abaixo nos mostra que, em 12 meses terminados em março de 2017, houve queda na produção em todas as quatro categorias: bens de capital (-2,3%), bens intermediários (-4,2%), bens de consumo duráveis (-5,5%) e bens de consumo semiduráveis e não duráveis (-5,5%).

    Na comparação de março de 2017 com fevereiro também foi observado recuo de 1,8% da atividade industrial. Dos 24 ramos da indústria pesquisados, 15 tiveram desempenho negativo. “Entre os setores, as principais influências negativas foram registradas por veículos automotores, reboques e carrocerias (-7,5%), produtos farmoquímicos e farmacêuticos (-23,8%) e coque, produtos derivados do petróleo e biocombustíveis (-3,3%)”, aponta o IBGE.

    3 Comércio varejista ampliado cai 7,1% em 12 meses

    A tabela abaixo nos mostra os dados do varejo e do varejo ampliado, que engloba veículos e material de construção. O altíssimo número de desempregados nos explica fielmente os dados do comércio: quando a renda cai, a família tenta manter a alimentação e medicamentos, abrindo mão dos outros itens de consumo. Isso explica que as menores quedas, em 12 meses terminados em março de 2017, são relativas às vendas de hipermercados, supermercados, produtos alimentícios, bebidas e fumo (-3,2%) e às vendas de artigos farmacêuticos (-3,4%).

    As compras descartadas e adiadas se agrupam, principalmente, em i) livros, jornais, revistas e papelaria (-13,2%); ii) equipamento e material para escritório, informática e comunicação (-10,8%) e iii) veículos, motos, partes e peças (-12,8%).

    4 Setor de serviços cai 5,0% em 12 meses

    O setor que mais emprega trabalhadores no Brasil, o setor de serviços, teve queda de 5,0% nos 12 meses encerrados em março de 2017. O ciclo vicioso atual fica evidente através desse setor: milhões de desempregados consomem menos, as empresas aumentam as demissões pela queda no volume de serviços, o que vem agregar mais trabalhadores ao contingente desempregado.

    A maior queda se verificou nos serviços de transporte (-7,2%), seguida pelo setor de serviços profissionais, administrativos e complementares (-6,1%).

    Sobre o mais recente dado publicado, o IBGE informa: “em março, o setor de serviços apresentou queda de 2,3% no volume de serviços prestados frente ao mês anterior (série com ajuste sazonal), após ter registrado crescimento de 0,4% em fevereiro (revisado) e 0,0% em janeiro (revisado). Essa é a maior queda da série iniciada em 2012”.

    5 Inflação tem a menor taxa acumulada em 12 meses desde 2007

    A inflação, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – IPCA – ficou em 4,07% no período de 12 meses terminado em abril de 2017. Segundo o IBGE, constituiu-se “na menor taxa em 12 meses desde julho de 2007, quando se situou em 3,74%”.

    A tabela abaixo nos mostra que, em abril, os preços do item alimentação foram os que mais subiram (0,15%) e os preços do item habitação foram aqueles que mais caíram (+0,17%), especialmente por conta da queda do preço da energia elétrica (6,39%).

    6 Considerações finais

    Houve um tempo em que o combate à inflação não era a principal meta das áreas de política econômica do governo, Banco Central, Ministérios da Fazenda e do Planejamento. O emprego e o crescimento eram mais importantes. Houve, é claro, exageros e “irresponsabilidades” fiscais.

    Mas, ao sairmos do oitenta, dos governos militares, em direção ao oito, dos governos pós Plano Real, perdemos a noção de que o que realmente importa na economia é o bem-estar que é possível proporcionar ao conjunto da população.

    Achar que, para crescer e voltar a dar emprego aos brasileiros, é preciso deixar mais de 14 milhões de trabalhadores desempregados, com a política de austeridade atual, é de uma miopia criminosa. A estabilidade política com um governo legítimo é o caminho para voltarmos aos trilhos, o único caminho.

    Notas

    1 PNAD – comunicado do IBGE em 28/04/2017 em:

    http://saladeimprensa.ibge.gov.br/noticias.html?view=noticia&id=1&idnoticia=3420&busca=1&t=pnad-continua-taxa-desocupacao-vai-13-7-trimestre-encerrado-marco-2017

    2 Produção Industrial – Comunicado do IBGE em 03/05/2017 em:

    http://saladeimprensa.ibge.gov.br/noticias.html?view=noticia&id=1&idnoticia=3422&busca=1&t=producao-industrial-cai-1-8-marco

    3 Vendas no varejo – comunicado do IBGE em 1/05/2017 em:

    http://saladeimprensa.ibge.gov.br/noticias.html?view=noticia&id=1&idnoticia=3429&busca=1&t=vendas-varejo-caem-1-9-entre-fevereiro-marco

    4 Serviços – comunicado do IBGE em 12/05/2017 em:

    http://saladeimprensa.ibge.gov.br/noticias.html?view=noticia&id=1&idnoticia=3430&busca=1&t=marco-setor-servicos-cai-2-3-relacao-fevereiro

    5 Inflação – comunicado do IBGE em 10/05/2017 em:

    http://saladeimprensa.ibge.gov.br/noticias?view=noticia&id=1&busca=1&idnoticia=3427

  • De economia e medicina medievais

    De economia e medicina medievais

    No final de novembro ocorreu mais uma reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central do Brasil (BCB). Essa reunião avalia o estado geral da economia, notadamente, o risco de alta inflação para determinar a taxa de juro básica da economia brasileira. Esse comitê tem, portanto, o poder de determinar o piso dos juros no país e, por consequência, determinar quanto o governo pagará para aqueles que tem dinheiro investido em títulos da dívida pública.

    “Em doze meses, os juros nominais atingiram R$406,8 bilhões (6,61% do PIB)”, afirma a Nota de Política Fiscal do BCB de 28/11/2016. Uma montanha de dinheiro que sai do orçamento do governo diretamente para os bolsos de que empresta dinheiro para o governo, ao mesmo tempo responsável pelo agravamento da desigualdade de renda e invisível. Em nenhuma conversa sobre “austeridade” se fala sobre esse que é o maior gasto do Estado brasileiro.

    Contudo, há um efeito ainda pior: ao ter direito a esse montante de juros, o detentor de recursos não investe seu dinheiro em bens que contribuiriam para o crescimento econômico. Ele tem um resultado ótimo, sem risco e com liquidez, a qualquer momento pode vender seus títulos e ter o dinheiro livre de volta. É o melhor dos mundos. Para que investir numa fábrica?

    Juntando, então, na mesma cumbuca a taxa de juros, a instabilidade política e a política de “austeridade” temos a recessão que estamos vivendo. Veja como a ata do Copom explica os dados que colheu até novembro:

    O conjunto dos indicadores divulgados desde a última reunião do Copom sugere atividade econômica aquém do esperado no curto prazo. Houve reduções nas projeções para o PIB em 2016 e 2017 e interrupção na recuperação dos componentes de expectativas de índices de confiança. Após ter interrompido uma longa sequência de quedas no segundo trimestre, a medida de investimento nas contas nacionais voltou a recuar no terceiro trimestre.

    A ata revela, em linguagem suave e bem medida, que estamos em uma recessão maior do que esperávamos, que as projeções indicam queda maior nesse ano e no próximo, que as pesquisas mostram queda na confiança na recuperação da economia e que o investimento voltou a cair. Continua a ata:

    A economia segue operando com alto nível de ociosidade dos fatores de produção, refletido nos baixos índices de utilização da capacidade da indústria e, principalmente, na taxa de desemprego.

    A indústria vem produzindo, assim, menos do que poderia e trabalhadores que buscam emprego e não encontram rondam a casa dos 12 milhões.

    Após os recuos dos indicadores de atividade econômica relativos a agosto, a ausência de uma reversão nos meses seguintes torna menos provável o cenário em que esses movimentos refletiriam oscilações naturais da atividade econômica em torno de momentos de estabilização. Aumenta, portanto, a probabilidade de que a retomada da atividade econômica se já mais demorada e gradual que a antecipada previamente.

    Em outras palavras, a economia não vai voltar a crescer nos próximos meses. Para não dizer que não há notícias boas, a inflação tem mostrado menos força, a ponto de reduzirem a taxa de juros em mirabolantes 0,25 ponto percentual. Cabe perguntar se para o conjunto da população brasileira vale a pena pagar esse custo para reduzir o ritmo da inflação.

    Ilustração Joana Bra sileiro
    Ilustração Joana Brasileiro

    Na Idade Média, era muito comum usar sangrias e sanguessugas para todos os males que afligiam a humanidade. Como o sangue “transportava” a doença, melhor era tirar o sangue. A forma como as autoridades econômicas brasileiras pensam a economia é igual: “O dinheiro é problema? Austeridade é a salvação, retire-se o dinheiro de circulação. Vamos ter uma fraqueza, mas logo todos voltarão a ter confiança de que estamos no rumo certo.”

    O desemprego derruba o consumo, a taxa de juros e a incerteza derrubam o investimento privado e, o governo, com sua política de “austeridade”, derruba seus gastos e seus investimentos. Em regozijo estão apenas os do mercado financeiro, nacionais e estrangeiros. E os especialistas da vez nos pedem calma. É preciso ter muita fé nesses economistas medievais!