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  • BOLSONARO SIGNIFICA APAGÃO ADMINISTRATIVO

    BOLSONARO SIGNIFICA APAGÃO ADMINISTRATIVO

    Por Gilberto Maringoni*

    Os cortes de verbas lineares nas Universidades e outras unidades de ensino federal, o desmonte do SUS, a várzea em que se transformou a Apex (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos), o bate-cabeças entre quase duas centenas de oficiais militares acostumados a mandar e olavistas alucinados, o vandalismo que acomete o BNDES, o anunciado fim do Minha Casa Minha Vida, a extinção dos financiamentos para agricultura familiar etc. etc. expressam um misto de incompetência com um bem definido projeto nacional.

    Sim. Bolsonaro tem projeto claro, límpido e cristalino. O que ele não tem é política.

    O EXTREMISMO inaugura nova fase para a direita brasileira. Em quase toda a República, as classes dominantes deram vazão sem freios à sua brutalidade contra as classes populares. Apesar – ou por causa – disso, há algo que tais setores fizeram muito bem ao longo do último século e meio: a gestão do Estado.

    O que moveu distintas frações burguesas nessa senda foi o fato de esse Estado ser ferramenta essencial para a manutenção de sua dominação de classe. As engrenagens tinham de funcionar para possibilitar a reprodução ininterrupta de capital. Não poderia haver apagão. Gerir o Estado significa gerir o capitalismo.

    O TOPO DA PIRÂMIDE SOCIAL sempre conduziu o Estado de forma competente, ao montar uma burocracia profissional – vide Vargas 1930-45 -, com competentes políticas para tocar seu projeto nacional. Política e gestão de Estado são inseparáveis. Não existe gestão pública neutra.

    Bolsonaro tem projeto nacional. Este se materializa na inserção ainda mais subordinada do Brasil à nova divisão internacional do trabalho, surgida pós-anos 1970-80. Essa nova configuração tem como métrica o dólar flexível – sem lastro -, a financeirização econômica e a globalização capitalista lastreada inicialmente na unipolaridade estadunidense.

    A AÇÃO MAIS CLARA para essa nova inserção é a redução brutal do preço da força de trabalho, o desmonte de qualquer sombra de soberania industrial e a repressão interna.

    Vamos repetir a questão central: há um projeto sem política. Aqui estão os problemas do governo atual. A demonização da atividade política, impulsionada por Bolsonaro e pela Lava Jato batem de frente com o que existe de público e participativo nesse Estado.

    O DESMONTE SÓ É POSSÍVEL por conta das profundas mudanças pelas quais passou a sociedade brasileira nas últimas décadas. A diretriz macroeconômica que tem sua mola mestra na sobrevalorização cambial e em juros estratosféricos só pode resultar em desindustrialização.

    O real valorizado tornou as importações predatórias e levou centenas de ramos industriais à falência. Antigos capitães de indústria viraram rentistas ou especuladores estrito senso. Voltamos a importar tecnologia e capital e a exportar bens primários e transformamos o país num dos mais atraentes cassinos financeiros do planeta.

    Há uma lumpenização acelerada nas duas pontas da sociedade. Embaixo, pela desregulamentação e informalização do trabalho. Em cima, pelo surgimento de um empresariado que não empresaria nada e cujos objetivos maiores são vender seus negócios e viver de juros.

    NUM QUADRO DESSES, QUAL O PAPEL DO ESTADO?

    Que atividades deve regular? Para que servirá?

    Servirá para garantir a rentabilidade do capital especulativo – em cujo altar devem ser queimados todos os ativos públicos – e pela invulnerabilidade das decisões econômicas, que começam pela autonomia do Banco Central.

    A política, a democracia e a participação de quem quer que seja atrapalham. Também não serão necessários serviços eficientes ou políticas sociais. São gastos inúteis nesse maravilhoso mundo novo. Haverá um país “sobrando” à margem dos negócios. E daí? Daí dane-se. Witzel e seus helicópteros de caça estão no ar para botar ordem na casa.

    O APAGÃO ADMINISTRATIVO será efeito colateral no quadro que se desenha adiante. Vigorará durante um tempo. A partir de um indeterminado ponto, o colapso de gestão tenderá a ser disfuncional para o capital, quebrando suas próprias garantias de reprodução.

    Deter o apagão significa deter o projeto. Para quem tem o mau costume de pensar em futuro, não há saída a não ser encarar uma luta pesada.

    Qual a esperança? Embora o projeto do grande capital seja consenso entre os de cima, sua execução no mundo real – o da política – fraciona até mesmo as falanges que o aplicam. A base de apoio de Bolsonaro não é uniforme. As inúmeras nuances empresariais e dos setores populares que o sustentam não estarão nem de longe contempladas se o plano for executado a ferro e fogo.

    *Gilberto Maringoni de Oliveira é um jornalista, cartunista e professor universitário brasileiro. É professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC, tendo lecionado também na Faculdade Cásper Líbero e na Universidade Federal de São Paulo.

  • VENEZUELA SOB ATAQUE: 7 PONTOS SOBRE O APAGÃO ELÉTRICO

    VENEZUELA SOB ATAQUE: 7 PONTOS SOBRE O APAGÃO ELÉTRICO

    Confira a tradução do artigo original, que pode ser encontrado no link: http://misionverdad.com/La-Guerraen-Venezuela/venezuela-bajo-ataque

     

    Entre a tarde de 8 de março e a madrugada do dia 10, a Venezuela foi vítima de outro ataque de sabotagem, o maior de sua história republicana. Desta vez, foi na usina hidrelétrica de Guri, que deixou sem eletricidade pelo menos 80% da população. O objetivo da sabotagem: minar o propósito do governo venezuelano de estabilizar a economia e conter o quadro insurrecional que os Estados Unidos e seus representantes, como Juan Guaidó, tentam completar com sucesso no país.

     

    1. A preparação do choque. Antes da sabotagem que sacudiu todo o Sistema Elétrico Nacional, deixando sem luz boa parte do país nos últimos dois dias, vários movimentos e declarações anunciaram que recorreriam à ação de força bruta.

    O retorno falsamente épico de Guaidó durou menos do que o esperado. Ante a chegada do “presidente interino” não houve deserções críticas nas Forças Armadas Nacionais Bolivarianas (FANB), que misturadas com uma revolta social generalizada conseguissem instalá-lo em Miraflores (o palácio presidencial) para que, enfim, pudesse exercer o poder. Esse round (sua “gloriosa chegada” ao Aeroporto de Maiquetía), após a derrota de 23 de Fevereiro, dia em que decretou o ingresso da “ajuda humanitária” no País, não teve efeito além de um frenesi temporário da mídia. Como resultado, Guaidó retornou ao desconfortável ponto de partida de há dois meses. Desgastado pela derrota de 23 de fevereiro e sem ações concretas de mando presidencial que o catapultem internamente, a orquestração das operações seguintes correria inteiramente por conta dos Estados Unidos.

    Excitado como de costume é, Marco Rubio anunciava horas antes do apagão que “os venezuelanos viverão a mais severa escassez de alimentos e gasolina”, revelando que ele sabia que algum tipo de ação de choque se daria nas horas seguintes. O governo russo, por sua vez, emitiu um comunicado alertando que “os Estados Unidos estão preparando um plano de apoio que tenta introduzir grupos armados ilegais na Venezuela, treinados para realizar atividades de sabotagem”. A guerra suja em curso foi transmitida por ambos os lados do conflito geopolítico sobre a Venezuela.

    A profecia auto-realizável de Rubio se tornou realidade em um apagão generalizado que teve um impacto ampliado na rede bancária, de telecomunicações e de serviços públicos vitais do país (hospitais, abastecimento de água, transporte etc.), dificultando de forma prolongada seu funcionamento e paralisando as atividades rotineiras da população. Em resumo, um ataque encoberto ao centro gravitacional do sistema elétrico venezuelano, planejado para agudizar o mal-estar social e econômico e retomar a narrativa da “crise humanitária” e do “Estado falido”, com a qual eles esperam reativar a liderança aleijada de Guaidó.

    Mas esta tendência de apelar para opções antipolíticas e de guerra não convencional, quando os recursos políticos não dão resultado, não é nova nem recente (basta recordar os ataques elétricos continuados quando as revoluções coloridas de 2014 e 2017 entraram em declínio). A seu modo, a agência de notícias Bloomberg insinuou em sua última reportagem que o desgaste de Guaidó, sua incapacidade de encabeçar um processo de transição mais ou menos sério, limpou o terreno para que os ataques como o ocorrido em Guri, a violência armada, a guerra irregular ao estilo dos “contra” nicaraguenses, se tornem alternativas “legítimas” e “urgentes” para enfrentar o Chavismo. Destas formas de guerra tem amplo conhecimento o delegado de Trump para a Venezuela, Elliott Abrams, pai da guerra mercenária contra a Nicarágua na década de 1980.

    2. Embargo e sanções: armas de destruição em massa. Às vulnerabilidades históricas de um sistema
    de eletricidade dependente do rendimento da receita petroleira, se somou uma feroz política de sanções financeiras que diminuiu a capacidade de investimento público em ramos estratégicos do Estado. Já se contabiliza em 30 bilhões de dólares o dinheiro venezuelano embargado pelos Estados Unidos, que utilizando como ferramenta o “governo paralelo” de Guaidó, deixou o país sem recursos líquidos para
    enfrentar as dificuldades causadas pelas sanções. Enquanto isso, Guaidó usa o dinheiro embargado, segundo ele, para amortizar sem transparência alguns juros da dívida externa.

    O sistema elétrico nacional tem estado sob ataque por uma mistura explosiva de desinvestimento reforçada pelo bloqueio financeiro, a perda de pessoal técnico especializado para a desvalorização dos salários e operações de sabotagem sistemáticas, estas últimas sempre colocadas em  vigor quando o chavismo recupera a ofensiva política. Razão tinha Chris Floyd, autor do livro “The Empire Burlesque” que designou as sanções financeiras como um “holocausto”: o uso desta arma de destruição em massa em países como o Iraque, o Irã e a Síria evidencia que os danos à infra-estrutura crítica são semelhantes a uma intensa campanha de bombardeios com mísseis de cruzeiro.

    Nesse sentido, o apagão é uma extensão do embargo contra a Venezuela, da política estadunidense de restringir importações, bloquear contas e impedir o acesso ao dinheiro líquido no mercado financeiro internacional e em seu próprio mercado petroleiro, proibindo o pagamento das exportações para a Venezuela. O blecaute também é uma metáfora para o estado de sítio em que o país é mantido – assim como o bloqueio financeiro, que dificulta o uso do dinheiro para recuperar um sistema nacional de eletricidade já debilitado, que sustenta a atividade petrolífera e econômica do país – é o substituto das armas de guerra.

    3. A modalidade do golpe cibernético e crime contra a humanidade. A princípio, e é isso que Guaidó quis dizer com seu chamado a uma “greve nacional” na última terça-feira diante de alguns sindicatos da administração pública, uma ação de força viria a precipitar essa anunciada paralisia. A modalidade de fabricação de uma situação de colapso, como quando a plataforma de pagamento da Credicard, em 2016, cancelou seu sistema para interromper todas as atividades comerciais e econômicas do país, desta vez foi
    executada pela ampliação de seu raio de impacto. E a carga de estresse e descontentamento que busca induzir na população, como um combustível para estimular uma situação de anarquia generalizada, que de alguma forma poderiam ser canalizados para violentos protestos a favor de Guaidó, indica que a estratégia de caos (mediante sabotagem cibernética e artesanal focada em infraestruturas críticas que fazem o país funcionar) é usada como uma ferramenta de choque massivo com o objetivo de desgastar a população. A operação não é apenas de guerra elétrica, já que suas conseqüências cobrem todas as atividades rotineiras da sociedade venezuelana, o que dificulta o acesso a alimentos, serviços hospitalares e comunicações básicas. Os focos violentos que eles tentaram desencadear foram rapidamente extintos por um clima de exaustão coletiva que aguardava a chegada da eletricidade.

    Um crime contra a humanidade visto à luz do Estatuto de Roma e do direito internacional, enquanto buscavam a destruição física de um grupo populacional utilizando como armas de guerra os elementos básicos de sua subsistência.

    Marco Rubio e Mike Pompeo reagiram de forma jocosa ao blecaute, imprimindo-lhe uma carga de humilhação e sadismo que reflete com precisão as motivações e a estratégia subjacente do golpe contra a Venezuela: à medida que o “plano Guaidó” falha em seus objetivos de alcançar a fratura da FANB que possibilite depor Maduro, a população civil (sem discriminação ideológica) é alçada a vítima de primeira ordem das contínuas agressões militares encobertas, lideradas pelos Estados Unidos.

    Este golpe cibernético contra o sistema elétrico nacional implica uma agressão militar de fato, uma extensão da que ocorreu na fronteira colombo-venezuelana em 23 de fevereiro.

    4. Não é um fim em si mesmo: condições para a guerra irregular. Desde o retorno de Guaidó, sua projeção na mídia tornou-se marginal. Esta deliberada redução de sua visibilidade, contrasta com o peso cada vez maior que tem a orientação de mudança de regime do Comando Sul dos EUA, John Bolton, Marco Rubio e Mike Pompeo. Neste sentido, os efeitos nocivos do apagão se encaixam perfeitamente com a narrativa de “crise humanitária”, sob o qual o Comando Sul e a ultra-direita na Venezuela, desde 2016, mobilizam a “urgência” de se ativar um dispositivo de “intervenção humanitária” que neutralize a proibição do Congresso estadunidense, do Conselho de Segurança da ONU e do consenso pragmático pela não-intervenção que ocorreu na América Latina.

    Sem dúvida, o apagão, como tal, não é um fim em si mesmo. Em nível operacional, pareceria mais, sobretudo por causa do blecaute que gerou a interrupção do sistema elétrico, que se trata de uma manobra para agudizar as vulnerabilidades do país e medir a capacidade de resposta militar dos sistemas defensivos da República frente a uma ação militar irregular e mercenária, que aproveitaria o contexto do bloqueio de informações para encobrir incursões armadas, seu mapa operacional e os responsáveis diretos em campo.

    Por fim, ao nível do teatro de operações de guerra contra a Venezuela, o apagão se traduz na geração de um panorama difuso e de confusão que favoreceria a realização de operações de falsa bandeira, incursões paramilitares e outras ações violentas que precipitariam um estado de comoção generalizado, que possa ser apresentado como o fato gerador de uma intervenção militar preventiva, seja para “estabilizar o país pela crise humanitária” ou para “salvar os venezuelanos de uma situação de Estado falido” em “crise humanitária”. Nessa estrutura narrativa, Julio Borges, Antonio Ledezma, Juan Guaidó e o gabinete de guerra contra a Venezuela em Washington apertam as mãos e trabalham juntos amparados pela doutrina do caos controlado de metodologia estadunidense.

     

    Com o apagão, eles buscam dar concretude física à “crise humanitária”, não apenas no nível da propaganda, mas aproveitando as perdas humanas e complicações de toda sorte, geradas pela operação de sabotagem .

    5. Características da agressão. Desta vez, não foi um ataque a subestações ou linhas de transmissão, como se havia ensaiado várias vezes, de acordo os com manuais de sabotagem da CIA contra a Nicarágua Sandinista dos anos 80, já tornados públicos.

    Cabe ressaltar que o software utilizado (chamado Scada) no Sistema de Controle Automatizado (SCA) que opera os motores é o que foi criado pela empresa ABB, que não trabalha no país há anos. Esta empresa ABB, que na Venezuela trabalhou como Consórcio Trilateral ABB (ABB Venezuela, ABB Canadá, ABB Suíça), desenhou um projeto de modernização da Central de Guri no final da década passada, durante o governo de Hugo Chávez, no qual descreve em profundidade tanto o sistema atacado quanto a organização básica do Guri.

    O analista geopolítico Vladimir Adrianza Salas, em entrevista à TeleSur, relaciona o ataque ao consórcio. Ele explicou que a barragem de Guri “requer um sistema de controle que tecnicamente é chamado de ‘sistema SCADA’, que nada mais é do que um sistema de monitoramento, controle e requisição de dados que permite, a partir da perspectiva da tecnologia da informação, controlar todos os elementos de geração de energia. Quem sabota isso, sabota o funcionamento. Mas para sabotar isso, são necessárias duas coisas: ou se deve ter acesso do lado de fora ou é necessária cumplicidade interna para modificar os processos “.

    Precedentes desse tipo são encontrados em países atacados ou diretamente pressionados pelos Estados Unidos, como Iraque e Líbano, onde os blecautes foram sistemáticos e consecutivos, um após o outro, por dezenas de horas. As “réplicas” na interrupção do fornecimento de energia responderiam a essas sequências de ofensivas que já foram experimentadas em outros contextos de guerra assimétrica e irregular.

    A criação de exércitos de hackers e de materiais de ciberguerra pela CIA e pela NSA tem sido documentada por esta tribuna: resenhamos um documentário em que se explicava a origem do vírus Stuxnet, que revela as pegadas destas agências da inteligência americana. Aquele instrumento de ciberataque teve como objetivo tanto a sabotagem das instalações de pesquisa nuclear no Irã, com o objetivo de instalar um quadro circunstancial que pudesse culminar em um ataque contra à rede nacional automatizada de eletricidade iraniana (sistema análogo ao de Guri), em caso de guerra declarada entre Washington e a República Islâmica.

    O Presidente Nicolás Maduro, no final da tarde de 9 de Março, assegurou que este era o maior ataque contra a Venezuela dos últimos 200 anos republicanos, depois de ampliado, de forma intermitente, o ataque ao sistema elétrico nacional para 60 horas.

    6. Frear as tendências de recuperação. O apagão ocorre em meio a tendências de recuperação em diferentes escalas, a nível econômico, uma baixa dos preços dos alimentos sensíveis reduziu a tensão do início deste ano, enquanto financeiramente a reestruturação do mercado de câmbio conseguiu conter uma das variáveis de inflação induzida: o aumento do preço das moedas no mercado negro. Estas tendências têm favorecido a estabilidade política do país em meio a agressões não convencionais e ameaças de intervenção militar, tirando de Guaidó não só o poder de convocação, mas de manobra para capitalizar sobre o mal-estar causado pelas sanções.

    Assim, o apagão visa frear estas tendências na recuperação social, política e econômica, agravando mediante um boicote generalizado os meios de pagamento, o acesso aos alimentos e aos hospitais e o desenvolvimento normal da sociedade venezuelana. Da mesma forma, a agressividade do ataque visa enfraquecer a produção petrolífera e industrial do país.

    7. A consciência do país (recordar 2002-2003) e o pulsar da intervenção. Assim como em 2002, a
    população venezuelana passou por uma prova de fogo generalizada. Uma operação de sabotagem destinada a precipitar um caos generalizado que ponha em risco a saúde e a nutrição das pessoas, a atividade econômica do país, suas telecomunicações e nossas rotinas mais básicas, nos remete ao cenário da sabotagem do petróleo dos anos 2002- 2003, onde a oposição daquele momento, os mesmos que
    administram uma intervenção junto aos Estados Unidos e Colômbia, executaram um estado de sítio paralisando a indústria petrolífera.

    A reação da população, atacada psicologicamente nos últimos anos a fim de estimular uma guerra civil que permita uma intervenção, tem sido adversa ao cálculo da sabotagem. Se impôs a calma, o uso de fogões a lenha nos edifícios e bairros para cozinhar, a mobilização dos recursos físicos do país para enfrentar as emergências mais urgentes; mas acima de tudo, a vocação generalizada do país de não cair em uma provocação que visa levar a um confronto civil e armado. A violência foi derrotada como em 2002-2003, essa paisagem que marca nossa história contemporânea hoje oferece a lição de que, depois de uma prova de fogo superada, onde a brutalidade do golpe é de impacto massivo, a coesão do povo se reafirma.

    Juan Guaidó tenta canalizar o impacto do apagão para “declarar uma emergência extraordinária” na Assembleia Nacional, porque segundo ele “chegou o momento de dar o próximo passo”, flertando com a ideia de usar a Constituição para legitimar a intervenção. Precisamente neste sentido, como um fechamento de ciclo de sabotagem, se pode perceber que o fim do apagão tenta fabricar as condições de anarquia, caos e falta de serviços vitais, para pressionar por uma “intervenção humanitária” em solo venezuelano, com a aprovação da Assembléia Nacional e da “coalizão de países latino-americanos”, prontos para uma ação de força, que está sendo montada por John Bolton.

    Essa pressão, sem dúvida, é específica e escalonada. Ante a chegada da missão técnica do Alto Comissariado para os Direitos Humanos, o apagão procurará ser canalizado para uma engorda do expediente da “crise humanitária” na Venezuela, que bem agenciado e promovido na mídia, possa resultar em uma mudança de posturas a nível regional, da mesma ONU, do Congresso estadunidense, sobre a “urgência” de
    uma ação de “ajuda humanitária” solicitada pelo “governo paralelo”.

    Uma manobra que baixa a cortina para Guaidó, prisioneiro de um plano mal concebido e dependente da cadeia de comando do gabinete de guerra contra a Venezuela em Washington. Ele, deve ser sacrificado para abrir a porta para a guerra. Imagem suficientemente convincente do sacrifício, é que um político use um palanque do poder do Estado, neste caso, a Assembleia Nacional, para legitimar uma intervenção militar estrangeira. Um suicídio acompanhado por setores da ultra-direita caraquenha, filhos diretos dos primeiros colonizadores espanhóis, que clamam para que se ative a “Responsabilidade de Proteger” (R2P) que destruiu Kosovo, Líbia, Iraque e outros lugares que os Estados Unidos tem saqueado para manter seu status de potência.

    Mas o apagão deve ter outra lição, e deve obrigar-nos a olhar para os códigos sociais e hábitos coletivos e de solidariedade que surgiram em 2002-2003, nossas armas como comunidade histórica e espiritual disponíveis para manter o fio da vida de nossa história pátria.

    Tradução: Juliana Medeiros

  • Energia elétrica: o fantasma do apagão passado e a bandeira vermelha de hoje

    Energia elétrica: o fantasma do apagão passado e a bandeira vermelha de hoje

    A capacidade nacional de armazenamento de energia do Brasil, hoje, está em 26,3%. É o que aponta o relatório de ontem do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). E daí, se em época de estiagem chove menos e as termoelétricas estão a todo vapor, graças a investimentos massivos nos governos Lula e Dilma? Nada que impeça os jornalões de anunciarem, sem estardalhaço, que o Governo Temer deverá liberar a bandeira vermelha nas tarifas de energia elétrica já no mês que vem.

    Bandeira vermelha cria um custo adicional de R$ 3,00 por cada 100 quilowatts-hora (se for estabelecida no Patamar 1) ou de R$ 3,50 (Patamar 2).

    No final de 2013 e no decorrer de 2014, Dilma foi perseguida pelo fantasma do apagão, criado pelos mesmos jornalões. Um apagão que nunca houve nem poderia, como repetia Dilma com a convicção que tem um Governo que construiu 11 mil km de novas linhas de transmissão e ampliou de 80 gwt para 132 a capacidade de geração nacional.

    Na época do fantasma que assombrou o natal de Dilma, a crise hídrica gerada por dois anos de seca no semiárido nordestino mal foi levada em conta quando a capacidade nacional de armazenamento começou a cair, dando asas à invenção de manchetes como “má gestão de Dilma cria risco de apagão”.

    Nos textos de hoje, os mesmos jornalões preparam o espírito da família brasileira (que gasta, em média, 150 kWh por mês) para o aumento com frases como “autoridades do setor elétrico anunciam” (note que nem Governo nem empresários são sujeitos da frase). E o motivo é simples: “a falta de previsão de chuvas nessa época do ano”.