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  • López Obrador: a mudança será pacífica, mas será profunda

    López Obrador: a mudança será pacífica, mas será profunda

    Os trechos que seguem foram selecionados da mensagem e entrevista coletiva de Andrés Manuel López Obrador, virtual presidente eleito do México, após a reunião com o atual presidente, Enrique Peña Nieto, no Palácio Nacional, na Cidade do México, em 03 de Julho de 2018.

    Sobre sua reunião com o presidente Peña Nieto

    Ao longo deste período, temos que concordar em muitas questões, especialmente para garantir que a transição ocorra de maneira ordenada e pacífica, para que não haja surpresas; para que exista confiança nas questões econômicas e financeiras, com o compromisso i) de que seremos respeitosos com a autonomia do Banco do México; ii) de que será mantida uma política macroeconômica com equilíbrio fiscal; iii) de que não haverá interferência no câmbio, que tem a ver com a paridade do peso com o dólar. Questões que, repito, são atribuições do Banco do México.

    Autonomia, equilíbrio macroeconômico e continuidade dos programas em andamento, que não se interrompa nenhuma atividade e, sobretudo, que se garanta a paz e tranquilidade neste período de transição.

    Sobre a intervenção do aparelho de Estado nas eleições

    Eu sofri com esse intervencionismo faccioso, que não é característica dos sistemas políticos democráticos. E agora tenho de reconhecer que, neste processo eleitoral, o Presidente Peña agiu com respeito e as eleições foram, em geral, livres e limpas.

    Sobre a luta de décadas que o levou a esse triunfo atual

    O que estamos colhendo tem a ver com a semeadura que foi feita nos anos anteriores, em décadas. Estamos falando do movimento estudantil de 68, do movimento dos professores, liderado pelo professor Othon Salazar; estamos falando do movimento ferroviário de Demetrio Vallejo; estamos falando da luta de Valentín Campa.

    A luta de muitos líderes e muitos mexicanos que ajudaram a criar esta nova situação política no país, o que nos permitirá realizar a quarta transformação do México. Estamos comprometidos com eles, com os precursores desse movimento.

    Sobre o uso de aviões e helicópteros do governo

    Já tomamos a decisão de não usar o avião presidencial. Não vou viajar em aviões do governo, nem viajarei em helicópteros do governo.

    Quando tiver que viajar, vou fazê-lo sempre em aviões comerciais e por terra. Isso não foi discutido com o presidente Peña, porque essas são posições que já foram decididas, são definições.

    Sobre a revisão do Tratado de Livre Comércio da América do Norte

    Trabalharemos juntos em relação à revisão do Acordo de Livre Comércio com os Estados Unidos e o Canadá, e vamos nos acertar para que a equipe que realizou esse processo de negociação seja mantida e possamos, com os técnicos, especialistas, acompanhar este processo, claro, sempre apoiando o atual governo, o governo do México. Até o final, seremos respeitosos com o presidente Enrique Peña Nieto, presidente constitucional do país.

    Sobre o que quer o povo mexicano

    Como o presidente Juarez disse: com o povo, tudo, sem o povo, nada. Eles nos deram seu apoio, seu respaldo. Não foi apenas o voto em minha candidatura, não foi apenas o voto nos partido da coalizão Juntos Haremos Historia; foi o voto também e, acima de tudo, no programa de transformação.

    As pessoas querem uma mudança real e é isso que vamos colocar em prática, de maneira ordenada, de maneira pacífica. Mas vai haver uma mudança profunda. Nós não lutamos por cargos. Não é “saia do caminho”, porque eu quero. Não é a parafernália do poder; não é a ambição de poder pelo poder, ou a ambição de ganhar dinheiro.

    O que nos motiva a lutar é mudar essa amarga realidade que padece nosso país. Queremos realizar uma transformação, mudar o regime corrupto, de injustiça, de privilégios. E vai haver uma mudança real, uma mudança profunda.

    Já disse em outras ocasiões e repito agora: vai ser uma mudança radical.

    E que ninguém se assuste porque a palavra radical vem de raiz, e o que vamos fazer, juntos, todos os mexicanos, é arrancar desde a raiz o regime corrupto, de injustiças e de privilégios.

    Sobre o planejamento e a nova caravana pelo país

    Neste período trabalharei mais no escritório, não farei muito trabalho de campo, primeiro elaboraremos os programas de desenvolvimento em detalhe. Vou me encontrar com os membros do gabinete, vamos fazer muito trabalho de planejamento nesses dois meses e meio.

    E pretendo visitar o país novamente, todos os distritos, as regiões do México, de meados de setembro até o final de novembro, para apresentar, em cada região, o plano de desenvolvimento integral, que o Governo Federal realizará em cada uma das regiões do país.

    Sobre a relação com os Estados Unidos

    Vamos ter uma reunião em breve, não com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Ontem, combinamos que quem vem visitar o México será o chefe do Departamento de Estado.

    Sobre a residência oficial da presidência em Los Pinos

    Isso já é conhecido. Vamos transformar Los Pinos em um espaço para as artes e a cultura do povo do México. Eu não vou morar em Los Pinos.

    Sobre o Estado-Maior da Presidência

    O Estado-Maior Geral da Presidência não desaparecerá. Ele será incorporado integralmente à Secretaria de Defesa.

    Sobre o plano para a segurança

    Começa agora, hoje à tarde eu tenho uma reunião com a equipe de segurança, que cuidará de tudo relacionado ao modo como vamos enfrentar o grave problema da insegurança e da violência.

    E hoje vamos conversar sobre a convocação de líderes religiosos do mundo, e do México também, líderes de organizações sociais, defensores dos direitos humanos, o convite para a ONU para começar este encontro, em conjunto, com o objectivo de alcançar paz em nosso país.

    Acho que é a partir de agora até o final de novembro que já vamos ter o programa para garantir a paz no país.

    Vamos convidar o Papa Francisco.

    Sobre o aumento das pensões e programas sociais.

    O Orçamento de 2019 já refletirá o programa que foi proposto durante a campanha; isto é, já no orçamento de 2019, constará o aumento da pensão para os idosos.

    Haverá apoio aos jovens para garantir-lhes o direito de estudar, o direito ao trabalho. Também estará no orçamento o ajuste que vai ser feito, esclareço, nos salários dos altos funcionários públicos, começando com o salário do presidente.

    Eu vou ganhar menos da metade do que o presidente Peña Nieto ganha, sem compensação.

    Tudo isso já será incluído no novo orçamento.

  • Vai Obrador!

    Vai Obrador!

    Toda reconstrução histórica é um pouco arbitrária e imprecisa. Mas feita esta ressalva, se pode afirmar que o “desenvolvimentismo” latino-americano nasceu no México, durante o governo do presidente Lázaro Cárdenas, na década de 1930. Cárdenas foi nacionalista e seu governo fez uma reforma agrária radical; estatizou a produção do petróleo; criou os primeiros bancos estatais de desenvolvimento industrial e de comércio exterior da América Latina; investiu na construção de infraestrutura; praticou políticas de industrialização e proteção do mercado interno; criou uma legislação trabalhista e adotou uma política externa independente e anti-imperialista.

    José Luís Fiori

    Essa semana foi publicado um admirável artigo no New Yorker, uma revista estado-unidense de ensaios, com o título Uma nova revolução no México – fartos da corrupção e de Trump, eleitores abraçam o político independente de esquerda Andrés Manuel López Obrador.

    Com um pedido de perdão pela presunção, e falta de modos, Jon Lee Anderson está certo ao propor que eles não aguentam mais a corrupção e Trump. Não me parece que seja uma revolução de fato, mas não é essa a principal divergência. Ele desconsiderou um ponto essencial: o povo mexicano está cheio é do conto do vigário do neoliberalismo. O México vem, há quase quarenta anos, cumprindo a agenda proposta pelos luminares do neoliberalismo e não colheu nenhum dos benefícios prometidos.

    O México está certamente entre os melhores alunos da cartilha que determina que o Estado deve ser reduzido, que a carga tributária deve ser baixa, que o país deve abrir-se ao comércio exterior reduzindo os impostos de importação e expondo a indústria nacional à concorrência internacional, que as leis do trabalho devem ser flexíveis.

    O México tratou, da mesma forma, de assinar o tratado de livre comércio com Canadá e Estados Unidos, deu liberdade ao mercado financeiro, desregulamentou a torto e a direito, privatizou mais de 1.000 empresas, reformou o ensino contrariamente ao que advogavam alunos e professor. Bem, brasileiros, sabemos bem como é essa agenda.

    O que mexicanos sabem melhor do que nós, são os resultados desastrosos. Ao contrário do prometido crescimento, estão submersos em corrupção, em violência pelo tráfico, em desigualdade e pobreza. Estima-se em cem mil as vidas tolhidas pela violência do tráfico e da guerra estúpida contra ele, sem qualquer resultado que indique acerto no caminho trilhado.

    Quando venderam para os mexicanos o Tratado de Livre Comércio da América do Norte (TLCAN ou NAFTA, na sigla em inglês), usavam como argumento principal que o acordo propiciaria a convergência econômica entre os três países, o que desmotivaria a emigração de mexicanos para os EUA. Em outras palavras, venderam que México, Canadá e Estados Unidos se tornariam países com nível semelhante de desenvolvimento. Se a qualidade de vida do trabalhador mexicano fosse minimamente comparada à dos vizinhos ninguém em sã consciência arriscaria a vida em fazer a travessia.

    Discutia-se, à época da assinatura do tratado, se deveriam incluir a livre circulação de trabalhadores entre os três países. Do mesmo modo que a corrente de comércio e os fluxos de investimentos, movimentação de trabalhadores estaria liberada. Obviamente o fluxo de trabalhadores ficou de fora. O problema da emigração é hoje aquele de mais difícil solução na relação dos dois países. O neoliberalismo não entregou o que prometeu aqui também. O Acordo entrou em vigor em 1994, 24 anos atrás, e não há o menor sinal de convergência do padrão de vida de trabalhadores canadenses, mexicanos e estado-unidenses.

    O esperado crescimento e desenvolvimento resumiu-se a um cinturão de “maquiadoras” na fronteira norte do país. As maquiadoras são linhas de montagem que trazem os insumos do exterior e mandam o produto de sua “maquiagem” ao exterior. Linhas inteiras de cadeias produtivas foram destruídas ou se tornaram maquiadoras, Elas proporcionaram empregos razoáveis para o padrão mexicano, sem, no entanto, gerar qualquer benefício para a economia do país. O fosso entre os salários no sul e do norte somente se alargou.

    Anderson marca em seu artigo que:

    Em um de seus discursos de López Obrador, ele comparou a administração atual aos déspotas e colonos que controlavam o país antes da revolução. Ele atacou a “desonestidade colossal” que ele disse ter caracterizado as políticas “neoliberais” dos últimos governos do México. “Os líderes do país se dedicaram… a ceder o território nacional”, disse ele. Com sua presidência, o governo “deixaria de ser uma fábrica que produz os novos-ricos do México”.

    López Obrador definiu precisamente como vê a sociedade mexicana atual:

    Um pequeno grupo confiscou todos os poderes e mantém sequestradas as instituições para seu exclusivo benefício. O Estado foi tomado e convertido em um mero comitê a serviço de uma minoria. E como dizia León Tolstoi: um Estado que não procura a justiça não é mais do que um nado de malfeitores.

    Nesse 1 de julho de 2018, os mexicanos, para nossa inveja, podem pôr um fim, ou ao menos um intervalo, a um conjunto de políticas que prometeu o céu e os levou ao inferno. Na torcida.

    Notas

    1 O texto aqui incluído é um trabalho acadêmico, feito no meu mestrado, de análise dos discursos econômicos na eleição mexicana de 2006, começa com uma pequena história econômica do México, passa pelo Tratado de Livre Comércio e chega às propostas dos candidatos à presidência, entre eles López Obrador: O debate econômico na eleição presidencial mexicana de 2006

    2 O link para o artigo da New Yorker é https://www.newyorker.com/magazine/2018/06/25/a-new-revolution-in-mexico

    3 O link para o site com as propostas de López Obrador é https://lopezobrador.org.mx