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  • Elisa Lucinda: Quero a história do meu nome

    Elisa Lucinda: Quero a história do meu nome

    É Brasil. Há uma esfera civil que os perseguidores da democracia não alcançam. Algo parece estar para acontecer. Estou em Brasília no Simpósio Internacional “Indígena-Negro, da ancestralidade ao futuro”, promovido pelo MPT e a OIT. Estou entre os meus e descubro que minha tribo me perdeu. Quando entraram aqueles parentes cantando, vibrando seus maracás nas mãos ornadas, fiquei tonta: rostos pintados cobertos de simbologia; dos cocares aos adornos de peito, mãos, quadris e pés, o corpo tela. Pigmentos, cores, tudo vindo da natureza sem a ajuda de uma papelaria para pincéis ou tintas. Segue a tonteira, a doidera, a ancestralidade gritando na cabeça. É que a maioria do povo brasileiro conta que teve uma avó pega a laço. Ora, se de um lado somos herdeiros de tais estupros, por outro, somos também filhos de uma força que existe há muito mais de 40 mil anos. E que é sabedora dos poderes da natureza mais do que qualquer um da civilização branca. Começo a chorar. O que dói no meu peito é o vácuo. Nunca conheci minha bisavó Domingas. Como se chamaria originalmente? Só ouvi dizer. Que não gostava de usar calcinha. Teria nome de flor? De pássaro? Quem saberia? Foi pega a laço, roubada de sua aldeia, sua gente, sua família. Seu corpo ficou à disposição de seu caçador. Quem sabe me dizer como se chamava antes de receber o nome Domingas?

    Julio e o filho, Yonã

    O indígena Júlio, dono do cocar mais bonito do simpósio, me apresentou seu menino Yonã e me disse com um sorriso luminoso, banhado de puro Oxóssi: significa “Aquele que caminha sobre as águas”, na língua Xucuru. O outro veio me dizendo o seu nome original, do qual agora não me recordo, e me diz que significa “Barulho que faz o rio que corre à beira dos cajueiros”. Uma outra ainda, linda, pintada de urucum meticulosamente em volta dos olhos, precisa, e absolutamente roots, como se tivesse pulado de um quadro para a realidade, me disse com olhos sorridentes que seu nome era Pekāshaya que significa “Pena linda e verdadeira”. Mas, como não era permitido que indígenas pusessem nomes indígenas nos seus filhos (seria cômico se não fosse trágico) deram-lhe o nome de Edna. Um verdadeiro poema lhe foi tirado para ser nomeada com um nome que não conta a sua história, o seu lugar na sua tribo.

    Depois veio a conversa com os Kalungas, os quilombolas, o povo preto que está no mundo desde os primórdios, o primeiro homem. A mesma história se repete, nomes lindos que em sua tradução ficam parecendo versos: “A que veio para trazer a paz”, “Os olhos de Deus”, “Presente de Oxalá”, “A que traz grande honra”. Veio uma jovem escritora linda me dizendo que seu nome era Semayat, em aramaico, língua etíope, e que quer dizer “Sol ou Céu do meio dia”. Meus olhos se encheram de lágrimas de novo ao saber disso. A hora em que nasci! Me senti órfã também da história do nome africano que me antecedeu.

    Estou aqui entre Guaranis, Kaiowás, Kalungas, Pataxós, Fulniôs, quilombo Buriti do Meio, Terenas, Xukuru, Shanenawas, Bororós, Xoklengs, quilombo Retiro dos Bois de Minas, Kadiweu, Kariri xocó, Quilombo de Mesquita, Tupinambás ha ha hãe, Quilombo João Borges de Uruaçu, Jardim Cascata de Aparecida, Xavantes, BarésMundurucus e quilombo Conceição das Criolas. Estou em casa. Entre memórias. Se a gente tivesse se juntado antes, índios e negros, Crivella não tinha ganhado no Rio, nem o Witzel. Faltou terreiro, faltou maracá. Pouca gente sabe, porque isso nossa história oficial não quer contar, que em Palmares viviam indígenas, pretos refugiados e até brancos legais. Consta que eles já existiam naquela época. Inconformados, Lgbts, os sensíveis em geral, orientados por Xangô, pelo Sol, pela Lua, fundaram ali uma nação justa. O Sol, deus indígena, governa para todos. O Sol é de esquerda já que ilumina sem diferenças de classes, em relação a negros, indígenas e baianos. A união dessas forças sob fundamentos tão comuns é mesmo imbatível. Para o indígena, ele é quem pertence à mata, não é dono dela, por isso é guardião. Ele cresceu brincando de fazer a própria casa com material vindo da natureza: barro, palhas, galhos, troncos, folhas. Não sobrevive sem as coisas que planta ou que caça. Da mesma maneira, um filho de Oxóssi não desmatará pois é ele próprio a mata. Uma filha de Yemanjá não ofende o mar pois é ela o próprio mar. E assim por diante.

    Alguma coisa parece que vai acontecer, uma coisa nova. Sinto os tambores, a força do canto desses dois povos. Ser humano é um ser ambientalista naturalmente. Fomos separados, foram queimados os nossos nomes, fomos pulverizados em navios diferentes para que não nos juntássemos, vivemos numa hora em que essa união se tornou irreversível. Há pouco tempo raramente se via um elenco de maioria negra em cartaz. Agora, pelo menos nas principais cidades brasileiras, o que se vê é uma proliferação imparável do que estão chamando de lugar de fala. Uma ocupação de espaços nunca dantes navegados em grupo. Era sempre um único preto solitário em cada elenco, em cada trincheira. Agora que avançamos e que o sistema de cotas misturou as cartas do jogo, agora quando nós somos a maioria pela primeira vez nas Universidades, não se pode dar mais ré nisso, e podemos dizer que o Brasil está realmente se preparando para ser um novo país. No último dia do simpósio, com saudações aos orixás, à ancestralidade, às sagradas escrituras todas expostas na natureza e nela refundadas, todos tínhamos a impressão de que algumas coisa muito grande estava para acontecer. Não passou um dia e deu bem alto nos jornais virtuais e gerais que Lula estava livre! Eu sabia que alguma coisa ia acontecer.

    Toda dominação branca que nos acostumou a chamá-la de civilização tem muito que aprender com os fundamentos dos que tenta, há anos, dizimar.

    Eu só sei dizer que quanto mais aprendemos com os povos originários, mais acessamos os antídotos para mazelas atuais, mais encontramos explicações para o que somos, de onde viemos, para onde vamos. Apartada e separatista, longe dos princípios amorosos com o planeta, a humanidade civilizada segue batendo cabeça, longe de si e louca por dinheiro, motivo de crimes,roubos e infelicidades.

    Voltei mais nutrida, tomei lição de casa. Não sei se no meu nome indígena corre um rio, nem sei se há no meu nome africano uma estrela do mar, mas caminho na linhagem da ancestralidade e quanto mais pesquiso, quanto mais aprendo sobre o que mataram ou tentaram ocultar, fica mais fácil lembrar.

  • Paz, axé e resistência

    Paz, axé e resistência

    Como acontece há 33 anos em todo “ sábado de aleluia”,  a rua Treze de Maio,  em Campinas (SP), foi tomada por pessoas vestidas de branco , muitas flores, água de cheiro e ancestralidade.

    É  o ritual da Lavagem das Escadarias da  Catedral Metropolitana que reúne  diversas comunidades  praticantes das religiões de matriz africana e também grupos de cultura popular.

    Os participantes do evento se organizam  na Estação Cultura, no centro da cidade , e seguem em cortejo pela Rua Treze de Maio até a praça  José Bonifácio, onde fica a Catedral Metropolitana da cidade.

    Durante o trajeto,  os participantes cantam, tocam instrumentos e dançam,  os praticantes das religiões de matriz africana carregam vasos com flores e água-de-cheiro  a  base de alfazema.

    A lavagem da escadaria é feita com a essência da alfazema, flores, da energia da água e busca partilhar com o público a energia positiva das ervas e dos elementos da natureza, pois seus seguidores acreditam na importância desses elementos no tratamento terapêutico e energético. A essência da alfazema está ligada às energias femininas Matamba (Iansã), Dandalunda (Oxum), Kisimbe (Oxum Apará), Kaitumba (Iemanjá), Zumbaranda (Nanã). O ritual tem como suas fundadoras e organizadoras, Mãe Dango e Mãe Corajacy.

    Grupos como Savuru Teatro e Dança, Caixeiras das Nascentes ( um grupo exclusivamente feminino),  Bateria Alcalina, Urucungos, Puitas e Quijengues, Afoxé Ibaô, Casa de Cultura Tainã, Comunidade Jongo Dito Ribeiro e Capoeira Ibeca   participam do cortejo e alguns se apresentam depois do ato da lavagem.

    Para Mãe Dango, uma das idealizadoras da lavagem das escadarias :”É uma mistura de fé, religião, tradição, cultura e celebra a resistência dos povos negros vindos de todas as partes do território africano, com seu rico legado cultural e religioso”.

     

    Campinas a última cidade do país a libertar os escravos

    “O Brasil foi o último país a abolir a escravidão. Campinas foi a última cidade do país”, segundo Ademir José da Silva, presidente da Comissão de Igualdade Racial, da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de Campinas (SP). O especialista ainda relata que o município também ficou conhecido pela violência brutal com que tratava os negros escravizados e por isso, ser vendido para um barão da cidade era um castigo.

    Fotos: Fabiana Ribeiro