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  • Leia a íntegra do discurso de posse de Alberto Fernández

    Leia a íntegra do discurso de posse de Alberto Fernández

    “Senhora Vice-Presidenta,
    Deputadas, Deputados e Senadores
    Querido povo argentino,
    O 10 de dezembro de cada ano não é um dia comum em nossa memória coletiva.
    Hoje celebramos o momento em que toda a Argentina enterrou a mais cruel das ditaduras que tivemos de suportar. Naquele dia, 36 anos atrás, Raúl Alfonsín assumiu a Presidência, abriu uma porta para respeitarmos a pluralidade de ideias e nos devolveu a institucionalidade que havíamos perdido.
    Desde então, nosso país passou por momentos diferentes. Alguns mais tranquilos e felizes e outros mais tristes e tumultuados. Mas, de qualquer modo, sempre perseveramos na institucionalidade e, em todas as crises impostas a nós, soubemos como lidar com elas, preservando o funcionamento da república.
    Nós, argentinos, aprendemos que as fraquezas e os limites da democracia são resolvidos apenas com mais democracia. É por isso que hoje quero começar essas palavras reivindicando meu compromisso democrático que garante a todos os argentinos, para além de suas ideologias, a convivência em relação aos dissidentes.
    Quero dirigir-me pessoalmente a todos os argentinos que habitam este país.
    Faço isto perante os representantes desta Assembléia Legislativa, as autoridades de toda a comunidade internacional que nos visitam hoje e as diversas expressões de nossa vida em sociedade.
    Não quero usar frases feitas nem artificiais.
    Gostaria que minhas palavras expressassem o mais fielmente possível o eco de milhões de vozes que ainda ressoam em toda a Argentina.
    Da humildade dessa escuta e da esperança que milhões de compatriotas expressaram nas eleições de 27 de outubro, convoco a unidade de toda a Argentina na busca da construção de um novo contrato de cidadania social.
    Um contrato social que seja fraterno e solidário.
    Fraterno, porque chegou a hora de abraçar o diferente.
    Solidário, porque nesta emergência social, é hora de começar com o último e, em seguida, chegar a todos.
    Este é o espírito do tempo que inauguramos hoje.
    Com sobriedade na palavra e expressividade nos atos.
    https://youtu.be/qNfnTlEh96c
    Venho convocá-los, sem distinções, para colocar a Argentina em pé. Para começar a andar. Passo a passo. Com dignidade. Rumo ao desenvolvimento com justiça social.
    Hoje, mais do que nunca, é necessário colocar a Argentina de pé como condição necessária para que ela volte a andar. Isto significa, antes de tudo, recuperar um conjunto de equilíbrios sociais, econômicos e produtivos que não temos hoje.
    É hora de abandonar o aturdimento.
    Estarmos cientes de que as feridas profundas que sofremos hoje precisam, para começar a curar, do tempo, da calma e, acima de tudo, da humanidade.
    Quero convocar esta Argentina Unida lançar um novo olhar de humanidade, que reconstrua os elos essenciais entre cada um de nós.
    Por esse motivo, tenho a necessidade de compartilhar com vocês a convicção que sinto no momento, sobre as grandes muralhas que temos de superar para colocar a Argentina em pé.
    Temos de superar o muro de ressentimento e ódio entre os argentinos.
    Temos que superar o muro de fome que deixa milhões de homens e mulheres fora da mesa que é comum a nós.
    E, finalmente, temos de superar o muro do desperdício de nossas energias produtivas.
    Estes muros, e não nossas diferenças de ideias, são o que nos divide neste tempo histórico.
    Por isso, desejo que essas palavras não sejam um monólogo, mas o convite a uma reflexão profunda e sincera sobre este momento importante.
    Superar barreiras emocionais significa que todas e todos sejamos capazes de viver a diferença e que reconheçamos que ninguém está sobrando em nossa nação, nem em sua opinião, nem em suas ideias, nem em suas manifestações.
    Temos que suturar muitas feridas abertas em nosso país. Apostar na fratura e na divisão significa apostar que essas feridas continuem sangrando. Agir desta maneira seria o mesmo que nos empurrar para o abismo.
    Expresso este sentimento do fundo da alma, tanto para quem votou em mim quanto para quem não votou. Não contem comigo para continuar percorrendo o caminho do desencontro.
    Quero ser o presidente capaz de descobrir a melhor faceta de quem pensa diferente de mim. E eu quero ser o primeiro a conviver com essa pessoa sem afundar nas falhas.
    Quero ser capaz de corrigir meus erros, em vez de me colocar no pedestal de um iluminado.
    Venho convidá-los a construir essa sociedade democrática.
    O sonho de uma Argentina unida não precisa de unanimidade. Ainda menos de uniformidade. Para alcançar o sonho de uma convivência positiva entre os argentinos, partimos do fato de que toda a verdade é relativa. “Talvez pela soma ou pelo confronto dessas verdades possamos alcançar uma verdade maior”, dizia Néstor Kirchner com correção.
    Ao dizer isso, não ignoro que os conflitos que enfrentamos expressam interesses e conflitos distributivos.
    Mas também estou ciente de que, se agirmos de boa-fé, poderemos identificar prioridades muito urgentes e compartilhadas para, posteriormente, concordar com os mecanismos que superem essas contradições.
    Além das diferenças, tenho certeza de que todas e todos concordamos que começar a superar o muro de fraturas na Argentina implica criar uma ética de prioridades e emergências.
    Começando pelos últimos para alcançar a todos.
    Mais de 15 milhões de pessoas sofrem de insegurança alimentar em um país que é um dos maiores produtores de alimentos do mundo.
    Precisamos de toda a Argentina unida para acabar com essa catástrofe social. Um em cada dois meninas e meninos é pobre em nosso país.
    Sem pão, não há presente ou futuro. Sem pão, a vida só sofre. Sem pão, não há democracia nem liberdade.
    Por isso, a primeira reunião oficial de nosso governo consistirá em uma reunião de trabalho sobre essa prioridade, o Plano Global Argentina contra a Fome. Ali, com todo o nosso gabinete e as personalidades da sociedade civil que se uniram generosamente ao nosso chamado, iniciaremos a ação que dará fim a este presente doloroso.
    Mas eu não seria sincero diante de vocês se não compartilhasse outra convicção: os marginalizados e excluídos de nosso país, os afetados pela cultura do descarte, não precisam apenas que deixemos apressadamente um pedaço de pão aos pés da mesa. Eles precisam fazer parte e jantar na mesma mesa. Da grande mesa de uma nação que deve ser nossa “casa comum”.
    Isto exige que reorientemos as prioridades em nossa economia e em nossa estrutura produtiva.
    A solidariedade na emergência tem muitas faces.
    As economias das famílias são sufocadas por altos níveis de endividamento, a taxas de agiotagem e, em alguns casos, com esquemas de retorno diário.
    Hoje, nossos compatriotas tomam empréstimos para comprar alimentos e remédios ou pagar as contas de serviços públicos. Avós e avôs se endividaram para comprar remédios e começaram a comer menos e pior.
    A situação das PMEs também tem proporções dramáticas, exigindo alívio fiscal e estímulos adequados.
    A capacidade ociosa de nossas fábricas, indústrias e negócios constitui também um desperdício de energia produtiva.
    Queremos um Estado presente, construtor de justiça social, que dê respiro às economias das famílias: é por isso que vamos implementar um sistema abrangente de crédito não bancário, que conceda empréstimos a taxas baixas.
    A economia popular e seus movimentos organizados, o cooperativismo e a agricultura familiar também serão atores centrais dessas políticas públicas.
    A cultura do trabalho é garantida pela criação de empregos formais com todos os benefícios da seguridade social. Por isso colocaremos em andamento ações que facilitem a todos os titulares de salário social suplementar a possibilidade de entrar no mundo do trabalho e cobrar por seu trabalho.
    Hoje, o desemprego afeta quase 30% dos jovens e, a taxas ainda mais elevadas, as mulheres jovens. Existem mais de 1.200.000 de jovens que não estudam nem trabalham. Devemos garantir o direito ao primeiro emprego, por meio de subsídios financiados pelo Estado, para que os jovens sejam treinados e trabalhem em empresas, PMEs, organizações sociais e na economia popular e na agricultura familiar.
    A idéia de um Novo Contrato de Cidadania Social envolve aliar vontades e articular o Estado com forças políticas, setores produtivos, confederações de trabalhadores, movimentos sociais, o que inclui o feminismo, a juventude e o ambientalismo. Acrescentaremos também o tecido científico-tecnológico e os setores acadêmicos.
    Estou certo de que todos concordamos que chegamos a essa situação porque políticas econômicas muito ruins foram aplicadas. Essa série de decisões econômicas foi decisiva para o povo argentino, na maioria das vezes, desqualificá-lo nas últimas eleições.
    Da fidelidade ao mandato popular, promoveremos um conjunto de medidas econômicas e sociais de natureza diferente, que comecem a reverter o curso estrutural do atraso social e produtivo.
    Nos próximos dias, convocaremos trabalhadores, empregadores e diferentes expressões sociais para colocar em marcha um conjunto de Acordos Básicos de Solidariedade em Emergência, que constituam a base sólida a partir da qual se reacendam os motores da nossa economia.
    Pretendemos expor nessas convocatórias uma série de medidas com o objetivo de restaurar os indispensáveis ​​equilíbrios macroeconômicos, sociais e produtivos, para que a Argentina dê a partida e possa andar novamente.
    Sabemos que percorreremos um caminho estreito, complexo e desafiador, onde não haverá lugar para dogmas mágicos ou conflitos sectários.
    Eu estaria faltando com a verdade e a responsabilidade se não compartilhasse com vocês o cenário exato em que assumimos hoje. Há números e dados contundentes, fornecidos pela administração que saiu. E trata-se de informação indispensável para entender os desafios que teremos que assumir como sociedade.
    Se eu não fizesse isso, não poderia explicar por que levará algum tempo para alcançar o que todos queremos.
    A inflação que temos atualmente é a mais alta dos últimos 28 anos. Desde 1991, a Argentina não tinha inflação acima de 50%.
    A taxa de desemprego é a mais alta desde 2006.
    O valor do dólar passou de 9 para 63 pesos em apenas quatro anos.
    A economia argentina não para de encolher. O PIB de 2019 é o mais baixo da última década.
    A pobreza atual está nos níveis mais elevados desde 2008. Retrocedemos mais de dez anos na luta para reduzir a pobreza.
    O PIB per capita é o menor desde 2009.
    A dívida externa em relação ao PIB está em seu pior estado desde 2004.
    A indigência atual está nos valores mais altos desde 2008.
    O nível de produção industrial hoje é equivalente ao de 2006: retrocedemos 13 anos.
    O emprego industrial registrado tem o nível de 2009.
    O número de empresas é equivalente ao nível registrado em 2007: recuamos 12 anos. Vinte mil empresas foram fechadas em quatro anos. Destes, 4.229 eram empresas industriais.
    O PIB industrial caiu 12,9%, comparando o primeiro semestre de 2019 com o mesmo período de 2015.
    Vinte e três dos 24 setores da indústria reduziram seu nível de atividade em 2018 em comparação com 2015.
    Nestes quatro anos, mais de 141 mil empregos com registro no setor privado foram perdidos na indústria.
    Em termos interanuais, o emprego industrial registrado soma 42 meses consecutivos de destruição.
    Por trás desses números terríveis, existem seres humanos com expectativas dizimadas.
    Temos de dizer com todas as letras: a economia e o tecido social hoje estão em um estado de extrema fragilidade, produto dessa aventura que levou à fuga de capitais, destruiu a indústria e esmagou as famílias argentinas.
    Em vez de gerar dinamismo, passamos da estagnação para uma queda livre.
    Neste contexto, decidi que não daremos tratamento parlamentar ao Orçamento Nacional apresentado pelo governo saliente para o ano de 2020. Seus números não refletem nem a realidade macroeconômica, nem as realidades sociais, nem os compromissos de dívida que realmente foram assumidos.
    Um orçamento adequado só pode ser projetado quando a negociação de nossas dívidas estiver concluída e, ao mesmo tempo, pudermos implementar um conjunto de medidas econômicas, produtivas e sociais para compensar o efeito da crise na economia real.
    A Nação está endividada, com um manto de instabilidade que descarta qualquer possibilidade de desenvolvimento e deixa o país refém dos mercados financeiros internacionais.
    Temos que contornar esse cenário. Para colocar a Argentina em pé, o projeto deve ser nosso e implementado por nós, não ditado por ninguém de fora com receitas repetidas que sempre fracassaram.
    A Argentina que buscamos construir é uma Argentina que cresce e inclui. Uma Argentina onde há incentivos para produzir e não para especular.
    Uma Argentina com uma visão de Projeto Nacional de Desenvolvimento, na qual a agroindústria, a indústria manufatureira, is serviços baseados em conhecimento, as PMEs, as economias regionais e o conjunto das atividades produtivas são capazes de agregar valor a nossas matérias-primas para exportá-los e fortalecer um mercado interno robusto.
    Portanto, os Acordos Básicos de Solidariedade em Emergência serão o ponto de partida para impedir a queda livre da situação que recebemos. Sairemos desta situação com consenso e de maneira gradual e sustentada.
    É essencial recuperar a economia. Uma macroeconomia ordenada é condição necessária para dar lugar à criatividade de políticas em prol do desenvolvimento. Não há progresso sem ordem econômica.
    Para reordenar a economia, precisamos sair da lógica de mais ajustes, mais recessão e mais dívidas imposta nos quatro anos que terminaram hoje. Nesta ação de reordenação, protegeremos os setores mais vulneráveis.
    Neste presente que enfrentamos, os únicos privilegiados serão aqueles que foram presos no poço da pobreza e da marginalização.
    Precisamos aliviar a carga da dívida para mudar a realidade. Devemos voltar a desenvolver uma economia produtiva que nos permita exportar e, assim, gerar capacidade de pagamento.
    Quero que todos entendamos que o governo que acabou de terminar deixou o país em uma situação virtual de default. Às vezes sinto que estou atravessando o mesmo labirinto que nos pegou em 2003 e do qual poderíamos sair com o esforço do conjunto da sociedade.
    Nosso plano de Acordos Básicos de Solidariedade em Emergência busca solucionar esta situação de desordem, para garantir consistência econômica e social à nossa recuperação.
    A consistência integral do que propomos em todas as variáveis ​​do plano – preços, salários, tarifas, taxa de câmbio, aspectos monetários, fiscais e sociais – será explicada nos próximos dias, convocando todos os setores envolvidos.
    Faço um apelo à responsabilidade e ao patriotismo de todos.
    Recebemos um país frágil, prostrado e magoado.
    É o momento da vocação compartilhada que busca um país que ofereça um destino melhor para todos.
    O plano macroeconômico que perseguimos é uma parte central, mas não isolada, de um Projeto de Desenvolvimento Nacional que inclui várias áreas inter-relacionadas. Trabalharemos simultaneamente em novos eixos para transformar nossa estrutura produtiva, com políticas ativas responsáveis ​​pela mudança tecnológica vertiginosa que enfrentamos, pela inter-relação entre indústrias, recursos naturais e serviços.
    Vamos enfrentar o problema da dívida externa. Não há pagamentos de dívida que possam ser sustentados se o país não crescer. Simples assim: para poder pagar é preciso crescer.
    Buscaremos um relacionamento construtivo e cooperativo com o Fundo Monetário Internacional e com nossos credores. Resolver o problema de uma dívida insustentável que a Argentina agora possui não é uma questão de vencer uma disputa contra ninguém. O país tem vontade de pagar, mas não tem capacidade para fazê-lo.
    O governo que sai assumiu uma dívida imensa sem gerar mais produção com a qual obter os dólares essenciais para pagá-la. Os credores se arriscaram investindo em um modelo que falhou em todo o mundo repetidas vezes. Queremos resolver o problema e, para isso, precisamos que todas as partes trabalhem com responsabilidade.
    Não vamos repetir a triste história de missões de técnicos imprudentes que prometem planos que não podem cumprir e tomar decisões que mais tarde acabam comprometendo o destino de milhões de argentinas e argentinos.
    Seriedade na análise e responsabilidade nos compromissos assumidos para que os mais fracos deixem de sofrer. Sob essas premissas, assumiremos toda negociação de nossa dívida.
    Há outro equilíbrio básico que precisamos construir: o equilíbrio federal e territorial.
    A Argentina precisa terminar uma estrutura que mostre um país “central” rico e próspero e um país “periférico” que busca desenvolver-se a partir das concessões mínimas que o país “central” oferece. Não pode haver argentinos de primeira classe e argentinos segunda. A Argentina é uma só e deve, em conjunto, tender a desenvolver todas e cada uma de suas regiões. Este é o desafio que enfrentamos e devemos superar.
    Vamos implementar esses Acordos Básicos de Solidariedade em Emergência contando também com a participação dos governadores de todo o país, com um critério federal inovador, na chave produtiva e social, além do puramente fiscal.
    Levaremos uma parte substancial da atividade política e administrativa do Estado Nacional às províncias, criando capitais alternativas, para que a realidade desses lugares em nosso país possa ser incorporada pelos formuladores de políticas, pela mídia e adquira, por sua vez, a visibilidade que eles não tiveram durante décadas.
    Também realizaremos uma análise exaustiva para descentralizar e/ou realocar em diferentes províncias os organismos do Estado Federal.
    Assim como agora o Instituto Nacional de Viticultura trabalha na Província de Mendoza e o Instituto Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento Pesqueiro na cidade de Mar del Plata, devemos pensar em várias alternativas que garantam um novo federalismo.
    Vamos colocar a Argentina em pé, com uma infraestrutura federal de qualidade, eficiente e sustentável, promovendo o desenvolvimento regional e juntos criando milhares de empregos juntos em cooperativas de serviços, pequenas e grandes empresas.
    Implementaremos um Plano de Reativação de Obras Públicas em todo o país, associado ao desafio ecológico e que permitirá melhorar um ecossistema de relações ambientais, sociais e produtivas.
    Serão projetos de execução rápida e com grande uso de mão-de-obra local, visando à melhoria da segurança e da acessibilidade viária, planejamento urbano e territorial, construção e manutenção de prédios públicos e infraestrutura hidráulica, entre outros.
    Nosso compromisso é garantir transparência absoluta na administração de recursos destinados a obras públicas. Os cidadãos poderão acessar todas as informações sobre o projeto da obra, seus custos, o processo de licitação e seleção da empresa executora, monitorar o andamento e reportar irregularidades.
    Desenvolveremos um ambicioso plano de regularização de habitats e construção de moradias. É inaceitável pensar que no século 21 milhões de argentinos não tenham um teto para se abrigar. O novo Ministério do Habitat e Habitação foi instituído com o objetivo de solucionar essas deficiências.
    Atenderemos a saúde dos argentinos através do Ministério que antes se degradava. A negligência que nesses anos sofreu a saúde na Argentina está à vista. Doenças que acreditávamos erradicadas ressurgiram entre nós. A partir de agora, arbitraremos as medidas pertinentes para que nossos filhos sejam vacinados em tempo hábil, para que os hospitais não fiquem sem suprimentos e para que os remédios cheguem gratuitamente aos nossos avós com menos renda.
    Todos esses desafios devem ser enfrentados em um contexto internacional convulsionado. A Argentina não deve ser isolada e deve ser integrada à globalização. Mas deve fazê-lo de maneira inteligente, preservando a produção e o trabalho nacionais.
    Queremos uma diplomacia comercial dinâmica que seja politicamente inovadora. Por isso, em termos de relações internacionais, lançaremos uma integração plural e global.
    Plural, porque a Argentina é uma terra de amizade e relações maduras com todos os países.
    Global, porque essa integração é com o mundo e com o local ao mesmo tempo. Uma Argentina inserida na globalização, mas com raízes em nossos interesses nacionais. Nem mais nem menos o que todos os países desenvolvidos fazem para promover o bem-estar de seus habitantes.
    Nosso Ministério das Relações Exteriores estará focado em conquistar novos mercados, motorizar as exportações, gerar uma promoção produtiva ativa de investimento estrangeiro direto, contribuindo para modificar processos tecnológicos e gerar emprego.
    Nessa globalização, também sentimos a América Latina como nosso “lar comum”.
    Fortaleceremos o MERCOSUL e a integração regional, em continuidade ao processo iniciado em 1983 e aprimorado desde 2003.
    Com a República Federativa do Brasil, em particular, temos que construir uma agenda ambiciosa, inovadora e criativa, na área tecnológica, produtiva e estratégica, apoiada pela irmandade histórica de nossos povos e que vá além de qualquer diferença pessoal daqueles que governam no momento.
    Vamos honrá-la, avançaremos juntos na construção de um futuro de progresso compartilhado.
    Continuamos apostando em uma América Latina unida, para nos inserirmos com sucesso e com dignidade no mundo. Em 1974, o general Juan Domingo Perón assinalou que “em nível nacional, ninguém pode atuar em um país que não é realizado. Da mesma forma, no nível continental, nenhum país pode ser realizado em um continente que não é realizado”.
    Sabemos que estamos em um mundo altamente complexo. Com sérios problemas e desequilíbrios econômicos. Os movimentos autoritários cresceram em vários países, houve golpes e, ao mesmo tempo, em vários países, crescentes reivindicações dos cidadãos contra o neoliberalismo e a desigualdade social.
    Em qualquer cenário, a Argentina elevará seus princípios de paz, de defesa da democracia e de plena validade dos direitos humanos. Defenderemos a liberdade e a autonomia dos povos para decidir seus próprios destinos.
    Reafirmamos nosso maior compromisso com o cumprimento da Cláusula Transitória 1ª da Constituição Nacional e trabalharemos incansavelmente para fortalecer “a reivindicação legítima e imprescritível de soberania sobre as Ilhas Malvinas, Geórgia do Sul e Sandwich do Sul e espaços marítimos e insulares correspondentes.”
    Faremos isso sabendo que somos acompanhados pelos povos da América Latina e do mundo e convencidos de que o único caminho possível é o da paz e da diplomacia. Honraremos a memória daqueles que caíram na luta pela soberania. Faremos isso trabalhando para a solução pacífica da disputa e com base no diálogo proposto pela Resolução 2065 das Nações Unidas.
    Não há mais lugar para colonialismos no século 21.
    Sabemos que para esta tarefa não basta o mandato de um presidente ou de um governo. Isto requer uma política de Estado de médio e longo prazos. Por isso, convocarei um Conselho na órbita presidencial onde todas as forças políticas, a Província da Terra do Fogo, representantes do mundo acadêmico e ex-combatentes participem. Seu objetivo será estabelecer um consenso nacional para projetar e executar as estratégias que permitam que a reivindicação seja conduzida com sucesso além dos calendários eleitorais.
    Defenderemos nossos direitos de soberania sobre as Ilhas Malvinas, a plataforma continental, a Antártica argentina e os recursos naturais que essas extensões possuem porque pertencem a todos os argentinos.
    A Argentina precisa de uma política ambiental ativa, que promova a transição para um modelo de desenvolvimento sustentável, consumo responsável e valorização dos ativos naturais.
    Nessa busca, somos inspirados pela Encíclica “Laudato Si” de nosso amado Papa Francisco, uma Magna Carta ética e ecológica em nível universal. Por isso, tomamos a primeira decisão de elevar a área ambiental a Ministério.
    Reafirmamos nosso compromisso com o Acordo de Paris, promovendo o desenvolvimento integral e sustentável por meio de uma transição justa que garanta que ninguém seja deixado para trás. Tais medidas são essenciais para lidar com as vulnerabilidades do país, em particular dos setores mais desprotegidos, que sofrem mais com os efeitos das mudanças climáticas. Precisamos ordenar as condições para a conservação e uso racional dos recursos ambientais, florestas e biodiversidade, pântanos e solos, o mar e seus recursos.
    Queridas argentinas, queridos argentinos:
    Simultaneamente com a solidariedade em situações de emergência, enviaremos ao Parlamento as bases legislativas para institucionalizar um Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, que será o órgão permanente para projetar, concordar e consagrar um conjunto de políticas de Estado para a próxima década.
    Daremos a elas uma posição legislativa e proporemos que suas mais altas autoridades sejam eleitas com um acordo parlamentar, por um período de gestão que transcenda nosso mandato.
    Pretendemos que, neste campo plural, sejam projetados os grandes pilares institucionais e produtivos de médio e longo prazos – sem discussões de curto prazo – para um desenvolvimento humano abrangente e inclusivo.
    Esperamos que, a partir deste Conselho, iniciem-se debates informados, com evidências científicas, com participação criativa, com o concurso de técnicos e profissionais de toda a Argentina que possam inspirar a construção de diferentes direções.
    Sabemos que nosso país não se destaca por ter políticas de Estado. Desde 1983, existem apenas duas constantes: a decisão irrevogável de viver em uma sociedade democrática e o desejo de integração regional.
    Temos a responsabilidade de assumir outros imperativos morais irrevogáveis ​​da sociedade argentina como políticas de Estado. Desde 1983, a sociedade trabalha pelo Terrorismo de Estado Nunca Mais, para alcançar Memória, Verdade e Justiça. Os primeiros avanços foram feitos desde 1983 e muitos outros foram retomados a partir de 2003. E qualquer revés nessa área foi evitado coletivamente. Como sociedade, temos orgulho de ter hoje as Forças Armadas comprometidas com a democracia.
    Hoje é o Dia Internacional dos Direitos Humanos. E hoje, novamente, a Argentina está mais uma vez comprometida em respeitar os direitos do homem e em elevar esse compromisso como uma bandeira inflexível em qualquer país do mundo.
    Melhorar a qualidade dos direitos humanos e cívicos também implica superar essa má qualidade institucional em que vivemos.
    É tempo de cidadania democrática. Temos uma democracia com contas pendentes e sinto que estou expressando uma geração que chega ao poder neste momento para tomar a decisão de resolvê-las.
    Uma democracia sem justiça realmente independente não é democracia.
    Um jurista clássico foi capaz de dizer que, quando a política entra nos tribunais, a justiça escapa pela janela.
    Sem uma justiça independente do poder político, não há república nem democracia. Existe apenas uma corporação de juízes atenta para satisfazer o desejo dos poderosos e punir sem motivo aqueles que o enfrentam.
    Vimos deterioração judicial nos últimos anos. Assistimos a perseguições indevidas e detenções arbitrárias induzidas pelos governantes e silenciadas por certa complacência da mídia.
    É por isso que hoje venho manifestar diante desta Assembléia e diante de todo o povo argentino, um contundente Nunca Mais.
    Nunca mais a uma justiça contaminada por serviços de inteligência, “operadores judiciais”, procedimentos obscuros e linchamentos midiáticos.
    Nunca mais a uma justiça que decida e persiga de acordo com os ventos políticos do poder do dia.
    Nunca mais a uma justiça usada para resolver discussões políticas, ou a uma política que judicializa a dissidência para eliminar o adversário de turno.
    Digo isto com firmeza de uma decisão profunda: nunca mais é nunca mais.
    Porque uma justiça atrasada e manipulada significa uma democracia assediada e negada.
    Queremos uma Argentina onde a Constituição e as leis sejam respeitadas estritamente. Queremos que não haja impunidade, nem para um funcionário corrupto, nem para quem o corrompe, nem para quem viola as leis. Nenhum cidadão, por mais poderoso que seja, está isento da igualdade perante a lei. E nenhum cidadão, por mais poderoso que seja, pode estabelecer que outro é culpado se não houver processo devido e firme convicção judicial.
    Quando se pressupõe a culpa de uma pessoa sem condenação judicial, não apenas a Constituição é violada, mas também os princípios mais elementares do Estado de Direito.
    Para superar esse muro de que a única garantia que se tem na Argentina é a da impunidade estrutural, nos próximos dias enviaremos ao Parlamento um conjunto de leis que estabelecem uma reforma abrangente do sistema de justiça federal.
    Ao mesmo tempo, buscaremos reorganizar e concentrar os esforços da justiça para que a investigação do crime organizado, do crime complexo e do narcotráfico e das drogas, flagelos que devemos abordar com caráter sistêmico, possa ser enfatizada de maneira eficaz e transparente.
    Trata-se de tirar proveito dos recursos valiosos e majoritários existentes hoje em nosso sistema de justiça, a fim de acabar com a mancha sinistra que um setor minoritário causa à credibilidade das instituições.
    No mesmo sentido de profunda transformação, decidi que a Agência Federal de Inteligência deveria intervir, promovendo uma reestruturação de todo o sistema de informações estratégicas e de inteligência do Estado.
    Como mudança imediata, ordenarei a revogação do Decreto 656 de 2016, que foi uma das primeiras e dolorosas medidas que o governo anterior promoveu e que significou consagrar o segredo pelo uso dos fundos reservados pelos agentes de inteligência do Estado.
    No âmbito da revogação desta medida, o que significou um infeliz revés institucional, também tomei outra decisão: esses fundos reservados não apenas deixarão de ser secretos, mas serão realocados para financiar o orçamento do Plano Contra a Fome na Argentina.
    Faremos o mesmo com o restante dos fundos reservados que o atual orçamento nacional hoje fornece para as outras forças armadas e de segurança, que serão mantidas como tal na medida indispensável, somente quando demandas muito rigorosas de defesa e segurança o exigirem, e sempre com um nível máximo de controle parlamentar.
    Eu digo e reitero com a firmeza de uma profunda convicção.
    Nunca mais para o estado secreto.
    Nunca mais para a escuridão que quebra a confiança.
    Nunca mais para os porões da democracia.
    Nunca mais é nunca mais.
    Neste contexto, também anuncio que, nas próximas semanas, enviaremos ao Parlamento e submeteremos ao debate informado da sociedade civil e especialistas de todo o país uma proposta de transformação e coordenação estrutural de toda a política de segurança cidadã e prevenção da violência
    Aspiramos que seja não apenas uma política de Estado, mas também uma política da sociedade. Negociada, plural, integral e cogerida, além do prazo de nosso mandato, entre todos os atores do sistema político. Para evitar pêndulos perigosos que não fazem nada além de questionar a credibilidade das instituições.
    Queremos colocar a Argentina em pé. E com vistas a este objetivo, nossas forças armadas também devem ser incluídas.
    Para tanto, elas devem ser treinadas e equipadas, preparadas e treinadas, para o cumprimento de sua missão principal e das missões secundárias.
    Queremos uma política de defesa autônoma, defensiva e cooperativa, articulada principalmente com os países da região, com os quais não temos mais hipóteses de conflito.
    Estamos convencidos de que ciência, tecnologia, produção para Defesa e defesa cibernética podem se tornar vetores fundamentais do desenvolvimento nacional.
    Queremos que o Sistema de Defesa continue apoiando a política antártica nacional, sendo o nosso o país com a maior presença ininterrupta no continente branco e também o com mais bases. Lá, a contribuição logística das forças armadas possibilita que centenas de cientistas e pesquisadores realizem suas tarefas, mesmo em situações extremas.
    Continuaremos com as missões de manutenção da paz no marco de nossos deveres para com a Organização das Nações Unidas.
    Como comandante em chefe, quero dizer claramente às nossas forças armadas: temos uma enorme oportunidade de olhar para o futuro e fazer da política de Defesa uma verdadeira política de Estado, com um amplo consenso das forças políticas e um forte compromisso com a Constituição Nacional.
    Cidadania democrática também significa respeitar a liberdade de expressão e todas as opiniões expressas nos meios de comunicação de massa.
    Em tempos de operações de intoxicação com notícias falsas por meio de redes sociais, precisamos mais do que nunca de mídias vibrantes, comprometidas com informações de qualidade.
    A mídia está agora imersa em uma mudança tecnológica exponencial que, quando desafiada, também desafia nossa democracia. Nosso governo assume o compromisso de acompanhá-los independentemente nessa transição. E consolidá-los como uma grande indústria do conhecimento.
    Nesta dimensão de pleno respeito, vamos pedir uma melhor qualidade institucional em nosso relacionamento com a mídia, através da reformulação do que tem sido a gestão do padrão de publicidade do Estado até hoje.
    O governo encerrado hoje gastou um total de 9 bilhões de pesos em propaganda oficial.
    Um absurdo da propaganda do estado, em um país faminto por pão e faminto por conhecimento.
    Queremos uma imprensa independente do poder e independente dos recursos que a vinculam ao poder.
    Portanto, reorientaremos o orçamento de publicidade do Estado sob outros critérios.
    Queremos que eles parem de servir propaganda do estado para que possam melhorar a qualidade da educação.
    Não cortaremos esse número enorme na sua totalidade, porque isso afetaria o movimento comercial de nossa mídia. Mas vamos redirecioná-lo.
    Queremos que os anúncios pagos pelo nosso governo, em vez de propaganda, ajudem a melhorar o processo de aprendizado de nossos jovens.
    Para que a matemática, a história, a literatura, a física e as ciências de nossos currículos escolares possam ser ensinadas de maneira mais eficaz e criativa, por meio de conteúdo desenvolvido e disseminado pelas diretrizes publicitárias que são acionadas com Recursos estatais.
    Não queremos anúncios pagos com o dinheiro de todos para elogiar os benefícios do governo de plantão.
    Vamos investir o orçamento da publicidade oficial para publicar na mídia anúncios que serão ferramentas pedagógicas, que nos ajudarão a melhorar o desempenho educacional de nossos jovens em todo o país. Temos que colocar esses recursos a serviço de ditar conteúdos mais acessíveis e mais adaptados às demandas modernas.
    Nas próximas semanas, convocaremos as instituições jornalísticas de todo o país, para que possam oferecer seu talento e se comprometerem com professores, cientistas, pedagogos e especialistas em educação, sob o lema de melhorar a qualidade da educação.
    O sistema de mídia do Estado – rádio, televisão, agências de notícias, espaços culturais – também contribuirá para esse objetivo prioritário. Mais e melhor educação para todos.
    E também incentivaremos que todas as jurisdições e outros poderes do Estado do país, com um critério federal, se somem a este propósito.
    Não haverá diretrizes de Estado para financiar programas individuais de jornalistas. Irá apenas para instituições jornalísticas. No relacionamento com jornalistas, mais do que nunca essa frase faz sentido, a de que “as contas às claras preservam a amizade e o respeito”.
    No mesmo contexto de inovação, proporemos uma Grande Escola de Governo, com altíssima excelência acadêmica, como eixo de um processo de profissionalização, mérito e carreira administrativa no âmbito do Estado Nacional.
    Promovemos todas essas decisões porque entendemos que um Novo Contrato de Cidadania Social implica em iniciar um desenvolvimento educacional, científico e tecnológico. Como Arturo Frondizi disse uma vez, devemos nos lançar “com determinação e coragem para conquistar o futuro”.
    Empenharemos todos os esforços necessários para universalizar a educação infantil, para que todas as nossas meninas e meninos, de 45 dias a 5 anos de idade, aprendam, brinquem e vivam nesse espaço fundamental para o seu futuro como povo e para o nosso futuro como nação que é a escola.
    Não descansaremos até que um garoto em uma zona rural tenha o mesmo acesso a uma educação transformadora que uma garota em um centro urbano, more no ponto do país que for. Hoje existem regiões em que três em cada dez crianças não iniciam seus estudos antes dos cinco anos de idade e outras em que metade não o faz antes dos quatro.
    Da mesma forma, teremos como prioridade avançar na ampliação da jornada escolar, uma iniciativa fundamental para romper as desigualdades de origem. Começaremos com as escolas frequentadas por meninas, meninos e jovens de setores que mais precisam do Estado, que não podem mais esperar.
    Nada disso será possível se não valorizarmos a parte mais importante deste sonho que temos em nossas mãos: queremos que toda professora e todo professor desejem ser os educadores do futuro, o mecanismo de mudança e transformação de nossa sociedade. Melhorar as condições de trabalho e garantir treinamento inicial e contínuo deve ser uma prioridade.
    Durante o meu governo, estabeleceremos as bases de um grande pacto educacional nacional, com todos os atores da comunidade educacional e da sociedade.
    E isto não é a letra morta de um discurso.
    A Argentina se tornou valiosa quando Alberdi e Sarmiento trabalharam para tornar a educação pública. Ficou rica com a Reforma Universitária. Tornou-se mais poderosa quando o justicialismo declarou a gratuidade da educação universitária.
    Reivindicamos pesquisa científica e tecnológica porque nenhum país pode se desenvolver sem gerar conhecimento e sem facilitar o acesso da sociedade ao conhecimento. Decidi que em nosso governo a área recuperará a hierarquia ministerial que nunca deveria ter perdido.
    Juntamente com o movimento trabalhista organizado, a espinha dorsal do acordo social, também promoveremos um essencial fortalecimento da formação contínua para o trabalho do presente e do futuro. Queremos que a mudança tecnológica tenha alma, esteja a serviço de viver bem, que multiplique produtividade, inclusão e equidade.
    Não quero concluir sem mencionar enfaticamente que nos próximos quatro anos empenharei todos os esforços necessários para que os direitos das mulheres estejam na vanguarda. Procuraremos reduzir, através de vários instrumentos, as desigualdades de gênero, econômicas, políticas e culturais. Vamos dar ênfase especial a todas as questões relacionadas aos cuidados, uma fonte de muitas desigualdades, uma vez que a maior parte do trabalho doméstico recai sobre as mulheres na Argentina e em outros países.
    Nenhuma a menos deve ser uma bandeira de toda a sociedade e de todos os poderes da república. O Estado deve reduzir drasticamente a violência contra as mulheres até sua total erradicação.
    Também na Argentina há muito sofrimento por estereótipos, estigmas, pelo modo de vestir, pela cor da pele, pela etnia, gênero ou orientação sexual. Abraçaremos todos os que são discriminados. Porque qualquer ser humano, qualquer um de nós, pode ser discriminado pelo que é, pelo que faz, pelo que pensa. E essa discriminação deve se tornar imperdoável.
    Nossa ética política justifica os valores da solidariedade e da justiça. A crise afeta a todos os argentinos. Também quero me dirigir por um momento àqueles que estão em uma situação econômica melhor. Aos argentinos que, por seu esforço ou por qualquer motivo, têm uma situação mais tranquila.
    Em um contexto de extrema gravidade, emergência, devemos entender que não há possibilidade de pedir sacrifícios a quem está com fome. Não se pode pedir sacrifício para quem não consegue chegar ao fiml do mês. Devemos sair dessa situação com solidariedade, para que, quando a economia estiver em retomada, todos os setores, sem exceção, possam se beneficiar. Mas até eliminarmos a fome, pediremos maior esforço de solidariedade para aqueles que têm mais capacidade de dar.
    Comecemos com os últimos para alcançar todos.
    E assim, propomos uma Argentina onde o abraço cresce, se multiplica, porque precisamos nos unir. Se conseguirmos deter o ódio, poderemos deter a queda da Argentina.
    A primeira e principal libertação como país é garantir que o ódio não tenha poder sobre nossos espíritos. Que o ódio não nos colonize. Que esse ódio não signifique um desperdício de nosso povo que vive em comunidade.
    Quero terminar agradecendo profundamente a generosidade e destacando a visão estratégica que nossa vice-presidenta, Cristina Fernández de Kirchner, expressou neste momento na Argentina.
    Permitam-me também recordar neste momento de três pessoas que me deram significado à vida.
    Quero lembrar minha mãe que me marcou com seu exemplo.
    Quero lembrar a Esteban Righi, que incutiu em mim como mais ninguém os melhores valores do Estado de Direito.
    E quero lembrar Nestor Kirchner, que em 2003 me permitiu participar da maravilhosa aventura de tirar a Argentina da prostração.
    Quero também agradecer a todas as companheiras e todos os companheiros no espaço político que nos levaram à vitória, pela dedicação e militância permanentes.
    Muitos têm me perguntado pelo que gostaria que nosso governo fosse lembrado no futuro.
    Quero que sejamos lembrados por poder ajudar a reunir a família na mesa novamente. Que as diferenças políticas lógicas e saudáveis ​​que podem existir em uma família possam ser discutidas em clima de paz e respeito, sem divisões ou brigas.
    Gostaria que fôssemos lembrados por podermos superar a ferida da fome na Argentina, que é um insulto ao nosso projeto coletivo de vida comum.
    Gostaria que fôssemos lembrados por podermos superar a lógica perversa de uma economia que gira em torno de desorganização produtiva, da ganância, da especulação e da infertilidade para as maiorias.
    Gostaria que deixássemos como marca a reconstrução da casa comum com um grande projeto nacional, um Acordo de Desenvolvimento Estratégico, do qual nos orgulhemos.
    Portanto, desejo que as palavras finais da minha primeira mensagem como Presidente de toda a Argentina não constituam uma resposta, mas uma pergunta.
    As respostas sem perguntas são como árvores sem raízes. E somente no encontro entre as perguntas e as respostas, nossas palavras adquirem vida real.
    Poderemos, como Argentina Unida, ousar construir essa utopia serena e possível a que a história nos chama hoje?
    Seremos capazes como sociedade?
    Seremos capazes como líderes?
    Eu quero ser o presidente da escuta, do diálogo, do acordo para construir o país de todos.
    Dias atrás, um amigo destacou a importância de tudo isso no futuro. Ele estava certo ao dizer que precisamos aprender a escutar, mesmo sabendo que não pensamos o mesmo. Por tempo demais, tentamos o método da raiva e do ressentimento. Todos devem se livrar do rancor que carregamos. Vamos ganhar a confiança um do outro novamente. Vamos confiar um no outro novamente.
    Nossa hora chegou. Por isso estou aqui.
    Quando meu mandato terminar, a democracia argentina estará completando 40 anos de vigência ininterrupta.
    Quando este dia chegar, eu gostaria de mostrar que Raúl Alfonsín estava certo.
    Espero que juntos possamos demonstrar que a com a democracia se curada, se educa e de come.
    Vamos nos erguer e começar nossa marcha novamente.
    Muito obrigado!”
  • A volta da Esquerda na Argentina e o uso estratégico da televisão

    A volta da Esquerda na Argentina e o uso estratégico da televisão

    Por Antonio Lisboa, geógrafo e estudioso do uso político da televisão

     

    No retorno da esquerda ao poder na Argentina há um personagem fundamental que não pode passar despercebido: a televisão. Não fossem alguns elementos televisivos, dificilmente a esquerda teria vencido ontem. E o que digo aqui não é movido a elucubrações, apego à ideias específicas e especulações teóricas, mas a certos fatos concretos:

    1) A enorme ousadia dos empresários que insistiram em manter os riscos financeiros de se sustentar um canal privado de esquerda, o excelente C5N, em pleno governo Macri. No início, o canal sofreu perseguição jurídica e policial e chegou a ser vendido e mudar de linha editorial, inclusive demitindo alguns de seus maiores apresentadores, mais afinados à esquerda. Mas a experiência não deu certo, pois o público cativo do canal já era de esquerda e, meses depois, voltou ao comando original numa aposta corajosíssima de seus empreendedores (sim, neste caso, o termo é este, gostemos ou não). Com o ato ousado, seus principais apresentadores voltaram ao ar, entre eles, Victor Hugo Morales, Gustavo Sylvestre, Pedro Brieger, Ivan Schargrodsky, e outros.

     

    2) Graças à ousadia empresarial de se manter um canal de esquerda em um país onde todos os outros canais nacionais estão alinhados à direita, o canal C5N se converteu nos anos Macri no canal de notícias mais assistido do país, tendo batido diversos recordes de audiência nos últimos anos, superando seu maior rival, o direitista TN (Todo Noticias). Para um canal, antes pequeno e de baixa audiência, a decisão de assumir posição de esquerda se convertendo na maior janela televisiva de oposição ao neoliberalismo de Macri, foi um logro extraordinário.

    3) Mas nada disso caiu do céu. A construção de uma televisão mais progressista e não alinhada ao Império e seu discurso único e homogêneo pro-capitalismo é uma construção de anos, fruto da visão estratégica de Nestor e Cristina Kirchner. Diferentemente da estratégia adotada pela esquerda brasileira, que esteve 13 anos no poder, Cristina Kirchner incluiu na estruturação da TV digital aberta (TDA) da Argentina uma série de canais progressistas e não-alinhados que tornou a grade de programação da televisão argentina uma das mais democráticas e plurais do planeta.

    4) Graças a isso, a Argentina passou a contar com canais progressistas não apenas em sua TV paga, mas em sua TV aberta, incluindo canais como: a venezuelana TeleSUR, a russa RT en Español e a iraniana HispanTV, além de canais nacionais privados mais alinhados à esquerda e à luta dos povos, como a já mencionada C5N, o TeleNueve (antes de esquerda, depois vendido e reformulado) e o CrónicaTV (um canal tradicional que dá espaço para diferentes espectros políticos), sem falar na modernização do excelente canal estatal Televisón Publica de Argentina (TPA), cujo programa de debates políticos ao vivo, 678, de fortíssima postura esquerdista bateu diversos recordes de audiência em pleno horário nobre noturno.

    5) No caso da russa RT, por exemplo, Cristina não apenas o incluiu na grade da TV digital aberta, mas teve a ideia de lançá-lo ao vivo em teleconferência junto a Vladmir Putin, o que foi um golpe de mestre para a divulgação do canal junto ao seu novo público argentino. Ao invés de fugir da polêmica (os demais canais atacaram o ato em uníssono antes e depois), Cristina investiu nela e a usou a seu favor e do novo canal.

    6) E assim a esquerda argentina conseguiu equilibrar e colocar um freio no poder manipulador e alienante de seus canais privados tradicionalmente direitistas: AmericaTV, El Trece, Todo Noticias e Telefe.

    A eleição de domingo não caiu do céu. Só aconteceu graças à ousadia de dois governos de esquerda kirchneristas e de alguns empresários com coragem de contar uma história diferente. Tudo que não aconteceu “en el Gigante del Sur”, por aqui mais conhecido como Brasil.

  • Um fantasma ronda a eleição presidencial argentina. O da fraude

    Um fantasma ronda a eleição presidencial argentina. O da fraude

    Chama-se Smartmatic a empresa venezuelana que o governo argentino de Maurício Macri contratou para fazer a apuração rápida das eleições argentinas. Guarde esse nome. Quando houve as eleições primárias argentinas, em 11 de agosto, o sistema da Smartmatic repentinamente “caiu” durante uma hora e meia, impedindo que até as 22h30 se confirmasse a derrota espetacular de Macri frente ao peronismo de Cristina e Alberto Fernández. Para piorar, até o momento a Smartmatic não revelou qual o software que será usado para a sua apuração e nem divulgou outra informações técnicas que permitam aos partidos que estão na disputa auditar os resultados à medida em que sejam divulgados.

    As eleições argentinas deste ano incluirão duas contagens diferentes dos votos. A primeira contagem, que se iniciará assim que as urnas forem fechadas, estará sob a responsabilidade da empresa Smartmatic, com base no envio digital de imagens dos resultados apurados para o Correio Argentino e uma Sucursal Eleitoral Digital. Caberá a esses entes enviar os resultados parciais para a Smartmatic que os totalizarão e darão publicidade pela internet, no endereço https://www.resultados2019.gob.ar/  (coloque essa URL nos seus favoritos, para  acompanhar)

    As atas eleitorais, produzidas em cada um dos 15 mil centros de votação habilitados, serão a base da apuração definitiva, e levarão em conta as observações e impugnações, assim como os votos dos cerca de 300.000 eleitores habilitados que vivem no exterior e dos presos, além das forças de segurança envolvidas no processo eleitoral. Esses votos não estão incluídos na apuração provisória feita pela Smartmatic. O resultado definitivo deverá ser conhecido na terça-feira.

    O ministro do Interior argentino, Rogério Frigerio, disse em uma entrevista na Casa de Governo que a apuração provisória será “a mais rápida da história” e assegurou que à meia noite do domingo serão conhecidos 90% dos resultados de todo o país.

    “O valor de uma apuração não é dado pela velocidade, mas sim por sua segurança, pela certeza de que os dados estão corretos”, disse Jorge Landau, responsável da Frente de Todos para a apuração eleitoral.

    O receio dos peronistas é que ocorra incompatibilidade entre os resultados obtidos na apuração provisória e na definitiva, o que poderia lançar uma sombra de dúvidas sobre a eleição e aprofundar a crise econômica gravíssima em que o governo Macri mergulhou a Argentina.

    Infografia comparando os resultados econômicos dos governos Macri e Cristina. Fonte: Grupo Editorial Perfil
    Infografia comparando os resultados econômicos dos governos Macri e Cristina. Fonte: Grupo Editorial Perfil

    Leia mais sobre as eleições argentinas aqui:

    Por que a chapa peronista de Alberto Fernandez e Cristina Kirschner pode vencer as eleições argentinas

     

     

  • Por que a chapa peronista de Alberto Fernandez e Cristina Kirschner pode vencer as eleições argentinas

    Por que a chapa peronista de Alberto Fernandez e Cristina Kirschner pode vencer as eleições argentinas

    Comício final de campanha em Mar Del Plata

    Com a economia em frangalhos, depois de quase quatro anos de governo neoliberal de Maurício Macri, a Argentina acumula perdas: só neste ano, o PIB recuou 2,5%. O desemprego já superou a marca dos 10,6%, e continua subindo. Os dados também mostram um aumento da sub-ocupação. No segundo trimestre de 2019, a taxa ficou em 13,1%, contra 11,8% nos três meses anteriores e 11,2% no mesmo período em 2018.O resultado pode ser visto nas ruas, com a multiplicação das pessoas vivendo ao relento e pedindo esmolas mesmo nos bairros mais ricos da cidade de Buenos Aires. O País voltou a mendigar empréstimo ao Fundo Monetário Internacional (FMI), e toda a situação fez com que o peso argentino despencasse, agravando a situação de descontrole inflacionário. A inflação esperada para 12 meses é de 48,3%. Para completar a devastação, a paralisar de uma vez qualquer possibilidade de recuperação, o Banco Central argentino tem subido os juros em uma tentativa de evitar a fuga de dólares. Atualmente, a taxa de juros está perto de 85%, o risco-país duplicou, ficando acima de 2 mil pontos, e o peso sofreu forte desvalorização.

     

    Alternativa a tamanha desgraça, o peronismo de Cristina Kirschner e Alberto Fernandez, que disputa neste domingo (27) a eleição presidencial argentina, com larga possibilidade de vitória, acumula imenso capital político. Primeiro de tudo porque todos os indicadores econômicos dos dois governos de Cristina (entre 2008 e 2015) são melhores do que os de Mauricio Macri, como se verá a seguir. Depois, porque ela encurralou os militares e sacralizou a idéia dos direitos humanos, não permitindo o avanço dos fascistas nostálgicos da Ditadura e do extermínio de adversários políticos, como ocorreu no Brasil, com Bolsonaro. Por fim, porque conseguiu manter-se fiel à tradição operária do peronismo, organizado pela base, lançando pontes para os novos movimentos de juventude e de mulheres. Sempre, entretanto, mantendo vivo o traço popular. Como disse Cristina, ontem, no comício final em Mar Del Plata: “Nunca mais Neoliberalismo!”

     

    Mais emprego, menos dívida e menor inflação com Cristina

     

    O quadro a seguir foi elaborado pelo grupo editorial “Perfil” e mostra um comparativo entre o governo de Macri e o segundo mandato de Cristina, que não foi tão bom como o primeiro. Mesmo assim, as vantagens do peronismo na condução da economia parecem evidentes, sobre a política econômica neoliberal.

    O PIB com Cristina (entre 2012 e 2015) andou de lado. Mas, com Macri, caiu 4,3%. A taxa de pobreza, com Cristina contava-se em 29%. Com Macri, subiu 7 pontos percentuais. A inflação média em 4 anos foi de 30,5% com Cristina e de 42,6% com Macri. De cada 100 trabalhadores, 5,9 estavam desempregados sob o governo de Cristina. Agora são 10,1 desempregados. Com Cristina, 17 bilhões de dólares fugiram do país, em busca de praças mais seguras. Essa cifra subiu para 70 bi com Macri. A dívida pública cresceu de 43 bilhões de dólares para 110 bi com Macri. A conclusão do boletim “Perfil”: “A Argentina termina 2019 mais pobre, mais frágil, mais vulnerável do que em 2015 e do que em 2011”. 

     

    de infografia comparacion macri cristina 20190914

    Memória e verdade, contra os “Bolsonaros”

    Os 17 hectares ocupados atualmente pelo Espaço Memória e Direitos Humanos, em um dos endereços mais conhecidos de Buenos Aires, a avenida do Libertador, 8.151, ajudam a explicar graficamente como o peronismo encurralou os militares e sacralizou a idéia dos direitos humanos.

    No país vizinho, a Ditadura Militar instituída por um golpe de Estado desfechado em 1976 é lembrada todos os dias pelos crimes de lesa-humanidade que cometeu ao matar, torturar, fazer desaparecer, sequestrar e exterminar opositores. Calcula-se que pelo menos 30.000 pessoas tenham sido assassinadas durante os sete anos que durou o regime.

    Escola de Mecânica da Armada, um dos cerca de 500 centros clandestinos de extermínio de opositores do Regime Civil-Militar: Nunca esquecer!

    Jornalistas Livres estiveram, na terça-feira (22), no complexo de prédios em que funciona o Espaço Memória, uma construção castrense que abrigou a ESMA (Escola de Mecânica da Armada), destinada à formação de suboficiais, e que, entre 1976 e 1983, durante a Ditadura Militar, foi transformada no principal entre os cerca de 500 centros clandestinos de prisão, tortura e extermínio espalhados pelo país.

    Ali, monitores encaminham adolescentes (maiores de 12 anos) por entre construções crivadas de memórias de dor, sofrimento e perdas. No percurso que fizemos, acompanhávamos estudantes da escola Santa Lucia, um estabelecimento de ensino católico, que viera em excursão da cidade vizinha de Florencio Varela (a 32 km de Buenos Aires).

    Meninos ainda imberbes e garotas em uniforme escolar com meias três quartos ouviam atentamente, em silêncio total, a voz da monitora contando-lhes sobre o horror que aquelas paredes encerraram na noite dos direitos humanos. Alguns choraram diante da descrição do drama vivido pelas mulheres grávidas que eram sequestradas e despersonalizadas, mantidas como verdadeiras incubadoras até a hora do parto.

    Encapuzadas 24 horas por dia, as grávidas opositoras do regime dos generais eram mantidas às cegas. Também obrigavam-nas à imobilidade as algemas que lhes prendiam os pés e, por fim, eram proibidas de falar. Em vez de nomes, números identificavam-nas. Na hora de dar à luz, essas mulheres eram assistidas por médicos da Marinha. Depois das dores do parto, elas nunca mais veriam seus filhos, porque estes lhes eram tomados e dados como presentes a famílias de militares. Em seguida, anestesiadas, várias dessas mães foram jogadas em aviões, que as descarregavam no Rio da Prata, para morrerem afogadas, nos “Vôos da Morte”.

    Foram Nestor e Cristina Kirschner os que enfrentaram a poderosa Marinha argentina, tomando-lhes o complexo escolar-matadouro e entregando-o para que servisse como homenagem permanente aos mortos e desaparecidos da Ditadura. Foi também por iniciativa deles, junto aos movimentos de familiares de vítimas e sobreviventes do regime militar, que os responsáveis pelas atrocidades cometidas acabaram atrás das grades, diferentemente do que ocorreu no Brasil, em que nenhum torturador foi punido por seus crimes.

    Milhares de adolescentes assistiram e seguem assistindo às aulas, atividade que nem mesmo o governo ultraneoliberal de Maurício Macri, aliado de Jair Bolsonaro, conseguiu desorganizar.

    As estações do metrô de Buenos Aires homenageiam os mortos da ditadura, com fotos e obras de arte nomeando-os e retratando-os –tudo o que não pode ocorrer é o esquecimento, porque –isso as Mães da Praça de Maio sempre ensinaram– a Memória é o caminho para impedir que novos crimes como aqueles cometidos pela Ditadura se repitam.

    E há o comovente Parque da Memória, também destinado a homenagear as vítimas do terrorismo de Estado –uma área do tamanho de 14 campos de futebol que margeia o Rio da Prata, em que se erigiu um paredão onde estão inscritos os 30 mil nomes dos desaparecidos e assassinados pelo aparelho repressivo ditatorial (dez vez mais nomes do que os inscritos no memorial em homenagem aos mortos no World Trade Center, em Nova York).

    Parque da Memória: menino flutua sobre o esquecimento

    Lá também se encontram obras de arte pungentes, alusivas ao pesadelo nacional representado pelo governo militar, como é o caso da que representa o menino Pablo Míguez, um dos cerca de 500 meninos e meninas sequestrados durante a Ditadura. Pablo foi preso na Escola de Mecânica da Armada, assassinado aos 14 anos de idade e arremessado ao rio da Prata, em 1977. Na escultura de Claudia Fontes, feita em aço polido, de modo a refletir as cores das águas do rio, Pablo flutua sobre o esquecimento.

    Um Bolsonaro homenageando torturadores até seria possível na Argentina, mas ele nunca seria eleito presidente. É por isso que o melhor amigo de Bolsonaro na Argentina, Maurício Macri, não ousa mexer com os cadáveres da Ditadura.

    Pelo papel que desempenharam na Democratização do País, ao não permitir que o Terrorismo de Estado fosse esquecido, Nestor e Cristina Kirschner têm a gratidão completa das vítimas. No comício final da chapa peronista em La Plata, capital da provincia de Buenos Aires, uma das que mais sofreram em perdas humanas durante a Ditadura, Hebe Pastor de Bonafini, fundadora da associação Mães da Praça de Maio, fez questão de comparecer e levar seu apoio à chapa peronista. Aos 90 anos, foi beijada e reverenciada pelos militantes.

     

    30.000 nomes gravados no muro. Dez vezes mais do que no Memorial aos Mortos no World Trade Center, em Nova York

    Sindicatos no poder e organização de base

    O peronismo de Cristina Kirschner continua fincado nas poderosas organizações sindicais argentinas. Um passeio por entre a massa presente nos comícios da “Frente de Todos” basta para que se percebam diferenças sensíveis com os recentes comícios eleitorais brasileiros, encabeçados pelo PT.

    Segundo o vereador Dario D’Aquino, do Partido Justicialista (Unidad Cidadã), que também é secretário geral do Sindicato dos Trabalhadores Municipais da cidade de Florêncio Varela, o povo argentino perdeu ”todos os direitos” durante o governo de Macri. “O peronismo voltará porque o povo está sendo levado novamente a lutar contra o neoliberalismo. O modelo político terá de incluir o povo e para isso não há nenhum instrumento melhor do que o peronismo.”

    “Sim, vamos voltar! Voltaremos, voltaremos. Vamos voltar!” é uma das músicas cantadas a plenos pulmões pelos operários nos comícios, assim como a Marcha Peronista, cantada pela primeira vez na Casa Rosada em 17 de outubro de 1948:

    Los muchachos peronistas,

    todos unidos triunfaremos,
    y como siempre daremos
    un grito de corazón:
    «¡Viva Perón, viva Perón!».

    Por ese gran argentino
    que se supo conquistar
    a la gran masa del pueblo,
    combatiendo al capital.

    ¡Perón, Perón, qué grande sos!

    ¡Mi general, cuánto valés!

    Perón, Perón, gran conductor,

    sos el primer trabajador.

    Por los principios sociales
    que Perón ha establecido,
    el pueblo entero está unido
    y grita de corazón:
    ¡Viva Perón! ¡Viva Perón!

     

     

    https://youtu.be/VPSNiSfjSnc

     

     

     

    Faixas e bandeiras são feitas a mão, em vez de fabricadas por empresas profissionais de publicidade. Carregam a humanidade dos traços imperfeitos, mas comprometidos dos militantes de base. Inexistem aqueles indefectíveis “coletes” das centrais sindicais, que se banalizaram nas manifestações brasileiras.

    Não há praticamente venda de bebidas alcoólicas. Apenas água e refrigerante, durante o ato. Não há shows ou sorteios para atrair a militância. As bandas e fanfarras ligadas aos sindicatos só aparecem ao fim dos eventos, com seus tambores indefectivelmente decorados com as cores argentinas e as efígies de Perón e Evita (às vezes, também aparecem Cristina e Nestor Kirschner).

    Gabriel, militante peronista desde criança, explica que os sindicatos argentinos são as principais organizações sociais referenciadas na tradição de Perón, mas que há muito mais, como os círculos de discussão e debates, os núcleos de bairro, mediados por relações de solidariedade e camaradagem. São reuniões semanais?, perguntamos. E ele responde: “É todo o tempo.”

    Mas o caráter marcial da Marcha Peronista, claramente, não combinaria com a onda feminista que está varrendo a Argentina, e que reuniu mais de 500.000 pessoas entre os dias 12 e 14 em La Plata, no 34º Encontro Plurinacional de Mulheres, Lésbicas, Trans, Travestis, Bissexuais e Não-Bináries. Coube a Cristina Kirschner começar a combinar e harmonizar símbolos que teriam tudo para ser contraditórios.

    E ela o fez. No Instituto Pátria, criado por Cristina assim que deixou a Casa Rosada, e que poderia ser apenas uma ONG análoga ao Instituto Lula ou ao Instituto FHC, promovem-se discussões visando à atualização do peronismo, à formação de militantes jovens e às elaborações teóricas feministas, entre tantos temas. Só assim para combinar a radicalidade da juventude com a força da tradição de décadas.
    “É por isso que se vêem tantos jovens gritando a letra da Marcha Peronista, um hino septuagenário cantado como se fosse uma letra de rock”, explica-nos a jovem peronista da Universidade Nacional de La Plata.