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  • O maior terreiro do mundo na zona sul de SP: Festival Percurso 2018!

    O maior terreiro do mundo na zona sul de SP: Festival Percurso 2018!

    Feito para ser o #maiorterreirodomundo, o Festival Percurso 2018 – De Jardim a Jardim ocorre no próximo dia 09 de dezembro na Praça do Campo Limpo, na zona sul de São Paulo (SP), com entrada gratuita para as mais de 40 diferentes atrações programadas para todo o dia. Também haverá um pré-festival de boas-vindas, o Perifa Talks, no dia anterior, sábado 08 de dezembro, das 10h às 17h30 no Cantinho de Integração de Todas as Artes (CITA), na  Praça do Campo Limpo, na zona sul de São Paulo.

    A organização do evento espera cerca de 10 mil pessoas no domingo e oferece uma programação que abrange crianças, jovens, adultos e idosos. A proposta é levar ao público atividades educacionais, de entretenimento e de geração de renda.

    Rincon Sapiênicia no Festival Percurso, no domingo, na Praça do Campo Limpo. Só vem! (Foto: Andreh Santos)

    Dividido por tendas, o festival é organizado pela Agência Popular Solano Trindade, que neste ano se une ao movimento De Jardim a Jardim, por meio da parceria com a associação C de Cultura. Essencialmente horizontal e feito há muitas mãos – com mulheres, jovens, idosos, artistas, pequenos empresários e profissionais de diferentes áreas –, o Festival Percurso acontece desde 2013 e prestigia talentos, fomenta a cultura e os negócios locais. Mas não só.

     

    O alcance do evento vai além da periferia e promove o encontro com públicos das regiões centrais da cidade. Todas as atividades serão realizadas num único local, a Praça do Campo Limpo, local de fácil acesso (bem ao lado do terminal de ônibus do Campo Limpo e numa reta só da avenida Prof. Francisco Morato e Estrada do Campo Limpo). Palco histórico de atividades culturais da Zona Sul, o local é berço histórico de saraus, eventos literários e de artistas como Racionais MCs, Criolo, entre tantos outros.

    A quinta edição do Percurso, cujo tema é #omaiorterreirodomundo, traz programação que reúne a ancestralidade dos povos de terreiro e indígenas à nova geração de visionários da periferia e fora dela. A arte e a cultura, assim, acabam por promover pontes sociais. Também fomentam a economia local.

     

    Thiago Vinicius, da Agência Solano e um dos organizadores do evento, ressalta que o Festival Percurso é a união de vários propósitos da Agência Solano, que tem como missão fortalecer a arte e a economia da região dos bairros do Campo Limpo, Capão Redondo e arredores da periferia da zona Sul de São Paulo.

     

    “O Festival traz a união das relações de produção, consumo e comercialização de serviços locais com a arte e a cultura da periferia e das regiões centrais. Tudo isso em harmonia com a sabedoria e os ensinamentos dos nossos mestres e ancestrais. Ao reverenciar nossos sábios também prestigiamos a caminhada que segue pelas novas gerações”, diz Thiago.

     

    O evento recebe neste ano atrações como Rincon Sapiência, Xaxado Novo, Tião Carvalho – comemorando os 40 anos de carreira – Bia Ferreira, Curumin, De Jardim a Jardim, Abôrigens, Mãe Beth de Oxum, de Recife (PE), Slam das Minas SP, Graja Minas e o Maracatu Nação de Kambinda, do Embu das Artes, homenageando a escritora, artista plástica, coreógrafa e folclorista brasileira, Dona Raquel Trindade.

     

    Haverá ainda um show que mescla três apresentações no mesmo palco para celebrar os encontros transformadores entre as periferias e o centro. A música “De Jardim a Jardim” fará a ponte entre o hip hop da banda Abôrigens, a Abô, da produtora cultural e social A Banca – que promove ações de impacto nas quebradas por meio da música – com o cantor, compositor e multiinstrumentista Curumin. A canção, uma composição colaborativa, é resultado de um intercâmbio de saberes e fazeres entre jovens de diferentes origens socioeconômicas de São Paulo promovido pela associação C de Cultura. No espetáculo, Abô traz a mistura do Dub, Rap, Reggae e Rock. Curumin, por sua vez, apresenta o repertório de “Boca”, seu elogiado quarto disco.

     

    A tradicional roda de samba Ajayô Samba do Monte vai celebrar seus 10 anos no festival e levará ao palco Raquel Tobias, uma das pioneiras a levar o protagonismo feminino ao samba, e representantes históricos da velha guarda das escolas de samba de São Paulo. Entre eles, estarão Seu Carlão, conhecedor das origens do jongo e do congado e um dos fundadores da Unidos do Peruche; e o compositor Silvio Modesto, da Pérola Negra, que já foi gravado por Bezerra da Silva e ainda acompanhou Cartola na gravação de seu último show ao vivo.

     

     

    O lema do Festival Percurso é Juventude Periférica, gerando renda, trabalho e desenvolvimento local, o que significa que a nossa visão de geração de renda está ligada ao desenvolvimento comunitário”, contou Alex Barcellos, produtor cultural da Agência Solano.

     

    De Jardim a Jardim

     

    C de Cultura

    O Festival Percurso abre as portas para o movimento De Jardim a Jardim, iniciativa promovida pelo C de Cultura, cujo objetivo é celebrar os encontros entre o centro e as margens da cidade. É um convite a um importante deslocamento, não apenas geográfico, mas cultural e de trocas humanas.

     

    “Nossa prioridade não é criar novos projetos nessas regiões, mas sim apoiar para promover o crescimento dos que já existem”, diz o psicólogo, músico e educador Ricardo Leal, atual presidente e sócio-fundador do C de Cultura. “Entendemos que quem já está lá trabalhando, vivendo e pensando aquele território tem muito mais a ensinar para nós. É um grande processo de troca”, completa Léo Mello, diretor da associação que também é pesquisador da cultura popular.

     

    Pensado para ser o #maiorterreirodomundo, o Festival na prática, vai fomentar a união que passa entre os povos através de diferentes vertentes musicais, culturas ancestrais e na economia, trazendo a ‘re-união’ do que há de mais bonito no Brasil: o conceito de agrupamento, de aquilombamento, transformando a Praça do Campo Limpo em um chão abençoado por mestres de religiões de matrizes africana e indígena. Nessa confraternização, o bastão dos sábios griôs será passado para as mãos da nova geração.

    O conceito  “De Jardim a Jardim” nasce da metáfora sobre a necessidade de encontro e troca entre as pessoas, independente do bairro onde moram e da realidade de vida de cada um, a arte será sempre capaz de aproximar todos, afinal, sempre há o que se aprender e ensinar, de ambos os lados.

     

     

    Confira a programação de algumas tendas e atividades

     

     

    PERIFA TALKS 

    No sábado, dia 8, a partir das 10h da manhã, o Festival Percurso promove o Perifa Talks com uma série de relatos de personagens inspiradores. Na Tenda dos Povos, que fica no Espaço Cita (Cantinho Integrado de Todas as Artes), na própria Praça do Campo Limpo, será possível presenciar os depoimentos sobre a vida, obra e a trajetória empreendedora de grandes referências em projetos de negócios, alimentação saudável, saúde mental, uso de ervas medicinais, empreendedorismo negro, protagonismo feminino, hip hop etc. Além das falas dos convidados, o diálogo estará aberto para a interação.

     

    Entre os participantes, estão Adriana Barbosa, criadora da Feira Preta e a MC e a articuladora Nayra Lays, de 21 anos, que tratará da nova geração de mulheres artistas que estão emergindo das margens e ocupando todos os espaços. Mestre Aderbal Ashogun apresentará a importância da preservação e manutenção da cultura brasileira principalmente dos povos e comunidades de matriz africana.

     

    Ainda no sábado, logo após o Perifa Talks, às 19h, haverá a intervenção artística do Projeto Omodé, com música percussiva de atabaques, ganzás e agogôs tocados por jovens moradores da periferia da Zona Sul. A cultura afrobrasileira também estará presente na exposição fotográfica “O axé visível dos terreiros” que vai além da exibição de imagens. A exposição traz a provocação do que se pode ou não ser registrado dentro dos terreiros espalhados pelo Brasil. Os fotógrafos Fernando Solidade, Nego Júnior e Rogerio Pixote fundem a experiência do olhar fotográfico documental das periferias com registros feitos nas casas de axé.

     

    Também sábado, das 19h30 às 21hs, a Juventudo dos Terreiros estará reunida nos “Dialógos para o futuro”. Na sequência, o DJ Eduardo Brechó fará discotecagem da festa “Do tambor ao toca discos”.

     

     

     

    TENDA DAS YABÁS

     

    A Tenda das Yabás homenageia as mães-rainhas e os orixás femininos, exaltando a força artística das mulheres da periferia. Está confirmada a presença do coletivo União Popular de Mulheres, que desde a década de 1960 promove a emancipação e conquista plena dos direitos da mulher. Também está confirmada a presença da Aldeia Tenondé Porã, com intervenção artística do Coral Guarani, ao som de rabeca e violão.

     

    O espaço recebe também a Associação de Kung Fu Garra de Águia Lily Lau, de Taboão da Serra, apresentando o espetáculo Dança de Leão, do folclore chinês, para espantar maus espíritos e trazer sorte e prosperidade. A programação ainda inclui apresentação teatral com a companhia Satyros, apresentação musical e artística com Funk de Griffe, Graja Minas e poesia com o Slam das Minas SP.

     

     

    TENDA DOS ERÊS

     

    Pela primeira vez o evento conta também com a Tenda dos Erês, um espaço lúdico com o propósito de oferecer alegria, integração, cultura e valores humanísticos para o público infantil. Haverá jogos cooperativos, pintura indígena, oficinas artísticas, brincadeiras antigas e populares de povos do mundo, contação de histórias e clown.

     

    A atividade “Gestar, Parir e Cuidar em Percurso” ocorre a partir das 9h30 com diálogos sobre a gestação, assistência ao parto humanizado, pós-parto e perspectivas de atuação no atual contexto político. Haverá participação de doulas, profissionais de unidades de básicas de saúde, obstetriz, além de oficinas de dança materna, sling, cultura da amamentação e pintura de barriga. Entre outros convidados estarão, Ayê Coletiva, representantes do centro de parto humanizado Casa Ângela e o coletivo Mãe na Roda.

     

    Neste espaço ocorre também a exposição da fotógrafa Lela Beltrão, sobre partos naturais que em 2016 já esteve no Salão de Arte Contemporânea, no Carrossel Du Louvre, em Paris.

     

    TENDA DOS POVOS

    A Tenda dos Povos vai reunir uma comitiva de mais de 20 mestras e mestres de povos de terreiro, representantes da juventude camponesa, quilombolas e indígenas Guarani e Pataxó. A curadoria do encontro é do Mestre Aderbal Ashogun, sacerdote do candomblé, professor, artista, escritor e coordenador da rede Omo Aro Cia Cultural, que desde 1992 tem como prioridade a manutenção e o resgate do complexo cultural dos povos tradicionais de terreiros.

     

    Às 9 horas da manhã do domingo, haverá na tenda uma “roda de cura” chamada “Cânticos para a Mãe Terra”, conduzida por Mãe Beth de Oxum e o ogan Luiz Bangbala, o mais velho do candomblé do Brasil. O ritual do plantio de uma árvore de baobá será outro momento importante. A tenda recebe a presença de Raniere Costa, capoeirista, filho do Mestre Môa do Katendê. Ao meio-dia, um cortejo de afoxé percorrerá toda a praça para, então, abrir uma roda de capoeira que vai até as 13hs quando os tambores se aquecem para o Ajayô Samba do Monte.

     

     

    Feira Paul Singer

    O espaço de empreendedoras e empreendedores do Festival leva o nome professor Paul Singer, que fundamentou os princípios da economia solidária. A famosa feira da @agsolanotrindade ficará na Praça do Campo Limpo das 10h às 19h do domingo com novidades da moda, acessórios, artesanatos, produtos para decoração, etc. É um convite a quem quer adiantar as compras de Natal e ao mesmo tempo fortalecer a economia solidária.

     

     

    Alimentando Pontes

     

    O espaço “Alimentando Pontes” vai reunir no domingo, das 10h às 19h, chefs das periferias com chefs da região central de São Paulo na tenda Alimentando Pontes. Os encontros não serão apenas culinários mas, principalmente, de troca de experiências de vida e opiniões sobre a democratização do ato de comer bem. Ao som dos artistas da cultura periférica, em um ambiente descontraído, está confirmada a presença da chef Bel Coelho, do premiado restaurante Clandestino e apresentadora do programa Receita de Viagem (TCL Discovery). A chef Tia Nice, da Cozinha Criativa da Agência Solano Trindade, e o Mestre Aderbal Ashogun, sacerdote do candomblé, também vão cozinhar na tenda. O evento recebe também os chefs Edson Leite, do Gastronomia Periférica, a vegana Laila Mengarda e Luciano Nardelli, da premiada Carlos Pizza.

     

    Os chefs convidarão o público para uma experiência deliciosa, com um bom papo, apreciando uma cerveja artesanal da roça, o que é garantia de bom rango”, anunciou a organização.

     

    Gastronomia da periferia

    O Festival Percurso traz também mais de 30 tipos de empreendimentos gastronômicos de quituteiras de mão cheia, restaurantes e projetos relacionados à cultura alimentar. Além dos tradicionais tutu de feijão, baião de 2 e acarajés, a feira vai oferecer pastéis de panc (plantas alimentícias não convencionais), sorvetes e compotas gourmet e cervejas artesanais.

     

     

    Feira Campo & Perifa

    A conexão entre a roça e a periferia estará nas barracas de alimentos orgânicos vindos direto dos produtores, na venda de queijos, geleias, antepastos, mel, cosméticos naturais ou mesmo na troca de sementes. Mas não só. O espaço foi criado para difundir princípios de respeito e interação sustentável do ser humano com a natureza. Os expositores, alinhados à sabedoria da agricultura familiar e às boas práticas da permacultura, são especialistas no gerenciamento integrado dos ecossistemas naturais e vão estar disponíveis para interagir com o público.

     

    Serviço

    FESTIVAL PERCURSO 2018 – DE JARDIM A JARDIM

    Pré-festival dia 8.12 (sábado) das 10h às 22h

    Festival dia 9.12 (domingo) , a partir das 8h

    Praça do Campo Limpo: Dr. Joviano Pacheco de Aguirre, 30 – Jardim Bom Refúgio. Na zona sul de São Paulo, fica a 5 minutos do Terminal de ônibus Campo Limpo.

     

    COMO CHEGAR:

    De ônibus: Vários terminais de ônibus da cidade têm rotas que se conectam ao Terminal Campo Limpo. Exemplos: do Terminal de ônibus Pinheiros pegue a linha 809P-10 para chegar ao do Campo Limpo. Ao sair do Terminal Campo Limpo, siga à direita e caminhe por 500 metros.

     

    De metrô: Pela linha 5 do metrô, desça na estação Campo Limpo. A praça fica a 15 minutos do local pelas linhas de ônibus 343, 178 ou 245 ou 056 ou 178BI1 ou 587BI1.

     

    De carro: Da Zona Oeste da cidade, siga numa reta só pela Avenida Prof. Francisco Morato e depois pela Estrada do Campo Limpo. Pela Marginal Pinheiros, siga as indicações para Campo Limpo/Jd São Luís/Itapecerica, permaneça na Avenida João Dias até a Estrada da Itapecerica e Estrada do Campo Limpo.

     

    Mais informações sobre o festival podem ser obtidas no link: https://www.facebook.com/FestivalPercurso/

    www.festivalpercurso.com.br

     

  • Lira Ribas e Valdineia Soriano, as melhores atrizes do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro (2016 e 2017)

    Lira Ribas e Valdineia Soriano, as melhores atrizes do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro (2016 e 2017)

    A mineira Lira Ribas foi premiada pela atuação em “Estado itinerante”, filme da conterrânea Ana Carolina Soares, que também foi escolhido como melhor curta e recebeu o prêmio Canal Brasil na 49ª edição do Festival. Entre outras premiações foi também eleito o melhor curta do ano (2016) pela ANCINE.

    A baiana Valdineia Soriano foi condecorada como melhor atriz em longa-metragem por sua atuação no filme “Café com canela”, da Rozsa Filmes, dirigido por Glenda Nicácio e Ary Rosa. O filme venceu também no quesito melhor roteiro (Ary Rosa) e melhor filme.

    Melhor filme!!! “Café com canela”. Isso é o que deve ter doído muito no cocuruto de gente bacana e indignada do mundo do cinema. Como assim? Um bando de nordestinos. Nordestinos pretos, onde já se viu? Vieram de onde? Da UFRB, formaram-se lá. O que é UFRB? Universidade Federal do Recôncavo da Bahia. Ah… uma universidade do Lula. Só podia ser. Petralhas!

    Se observarmos o currículo de Valdineia Soriano, veremos que suas realizações são locais, soteropolitanas, baianas, e sua rede de contatos e extensões gravita em torno da Bahia. Uma pena para o Brasil, que demorou 30 anos para descobri-la, reconhecê-la e premiá-la.

    Ao mesmo tempo, que maravilha esses novos realizadores negros que inscrevem seus filmes em mostras competitivas nacionais (e internacionais) e assim são vistos pelo mundo. Que se insurgem como aquele piloto de Fórmula I desconhecido ou pouco creditado que aperta aqueles outros pilotos talhados para serem os campeões antes mesmo da corrida e gritam com o pé no acelerador: daqui não saio. Você pode até passar por cima de mim, mas esse é meu lugar e daqui eu não saio. Compreendeu?

    Quando vi a notícia da vitória de Valdineia Soriano, a quem tive o prazer de encontrar em São Félix (Recôncavo da Bahia), radiante pela gravação de filme  “interessantíssimo”, como caracterizou o “Café com canela”, prospectei ver uma manchete assim: “Pelo segundo ano consecutivo, uma triz negra é a melhor atriz do Festival de Brasília”.

    Imaginei pequenas biografias de Lira Ribas (melhor atriz de curtas em 2016, como já disse) e Valdineia Soriano (melhor atriz de longa-metragem de 2017), que destacassem as diferentes trajetórias de ambas, as convicções políticas, as reflexões sobre cinema negro, teatro negro, pessoas negras no cinema e no teatro, como realizadoras, protagonistas, críticas, etc. Não vi nada disso. Aparentemente, ninguém sabia quem era Lira Ribas, tampouco que ela foi premiada na 49ª edição do Festival de Brasília.

    Temos problemas aí. Nós mesmos não nos vemos e perdemos a chance de emplacar a manchete “Pelo segundo ano consecutivo, uma triz negra é a melhor atriz do Festival de Brasília”. Porque, afinal, estamos em processo e na crescente, conforme lembrou o cineasta Joelzito Araújo em postagem recente em redes sociais: “Em agosto de 2017, o Encontro de Cinema Negro Zózimo Bulbul (10ª edição, Rio de Janeiro) apresentou 66 filmes produzidos e dirigidos por afro-brasileirxs, selecionados de 110 inscrições. Um número 100% maior que na edição anterior. Quatro deles foram selecionados por Brasília. Todos foram premiados”.

    O discurso político feito por Valdineia Soriano no momento da comemoração da vitória, entre companheiros do filme e veiculado pela cineasta carioca Yasmin Thayná em vídeo, é fundamental para situar do que falamos e o simbolismo dos prêmios conquistados pelo “Café com canela”. Aliás, a própria Yasmin escreveu texto elucidativo sobre o que pegou para a moçadinha que acha os pretinhos massa, desde que calados e não-competitivos e vitoriosos.

    No texto “Algumas coisas que aprendemos com o Festival de Cinema de Brasília” (Nexo, 02/10/2017), Yasmin Thayná analisa: “Um episódio que marcou a história do cinema brasileiro aconteceu algumas semanas atrás.  No 50º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, realizadores negros levaram oito dos prêmios da mostra competitiva de longa e curta-metragem. Isso causou um rebuliço, muita gente não curtiu isso, não. Eu acho muito engraçado. Tem um pessoal do cinema, que se diz aliado, celebra, fala até que adora as nossas movimentações, os nossos filmes, a nova cena surgindo de novos cineastas brasileiros, no caso, os que são negros e de periferias brasileiras. Aí essa cena vai e ganha prêmios no Festival de Brasília. E aí esse pessoal não gosta, esculacha o festival, os curadores, os jurados, começa a fazer piadinha. Quer dizer: vocês são maravilhosos. Mas quando a gente perde, vocês deixam de ser. Eu acho isso muito engraçado porque muitos desses gostam de gritar “Fora, Temer” no tapete vermelho, mas não gostam de ver preto ganhando prêmios importantes”.

    Outra cineasta, a baiana Viviane Ferreira, no artigo “O assombro que vaza da simples existência”… (Portal Geledés, 05/10/2017), comenta criticamente o artigo de Daniela Thomas em defesa do próprio filme (Vazante), não premiado como melhor longa-metragem no Festival de Brasília, e nos ensina: “O assombro, que vaza de nossa existência e desloca a branquitude do seu histórico lugar de conforto, é a incompreensão dos não-negros de como é possível uma coletividade historicamente açoitada, de forma requintada e com aprimoramentos estéticos e tecnológicos, insistir em seguir simplesmente existindo.  Mas não há segredos no que nos faz seguir e existir, sonhamos em ser velhas(os), em termos cabelos brancos e pele reluzente como a noite; é em nome de nossos sonhos, que não aplaudimos imagens acríticas de  execuções de corpos negros. Nossa existência cheira a “café com canela” e NADA nos fará desistir de nós mesmos. E que sigam assombrados com a nossa presença; ela é real, não é ficção”.

    Mas, insisto, nos falta reconhecer as muitas Lira Ribas, como nos faltou compreender que o professor Milton Santos não precisava utilizar a terminologia população negra, para sabermos que ele falava sobre nós e para utilizarmos seus estudos a nosso favor.

    É preciso fortalecer a convicção (consubstanciada por inúmeras provas) de que pessoas e produções negras em destaque, em posição protagonista de quem dirige a própria existência, significam rompimento do pacto civilizatório que adjetiva o Brasil como democracia racial. E isso é inadmissível para a branquitude de plantão.

    O caso é que o piloto desacreditado não sairá da pista. Não haverá abalroada que o tire de cena.