Jornalistas Livres

Tag: Aécio Neves

  • A transição política inacabada de 2015

    A transição política inacabada de 2015

    Há quem sugira que entramos em parafuso com a crise de 2008. Há quem sugira que tudo começou em 2013. Eu proponho que nossa transição para lugar nenhum começou em 2015. Toda periodização elege um critério. O meu é a ascensão e queda da extrema-direita no nosso país.

    Por Rudá Ricci cientista político e presidente do Instituto Cultiva

    Com efeito, a crise econômica de 2008 (subprime nos EUA) provocou um abalo nas estruturas da ordem social da Europa e provocou uma explosão migratória que teve ápice em… 2015, minha data de referência de quando entramos no túnel do tempo defeituoso.
    Em 2014, a direita ultranacionalista já atingia entre 25% e 30% dos votos no Reino Unido, na França e na Dinamarca. Contudo, em 2017, Marie Le Pen se projeta nacionalmente na França; em 2017, foi a vez da Alternativa para a Alemanha; em 2018, a União Cívica Húngara.
    Michael Lewy, num artigo de dezembro de 2015, analisava a ascensão do conservadorismo e extrema-direita na Europa e no Brasil. O autor sugere uma subdivisão dessas forças extremistas europeias:
    a) Partidos de caráter diretamente fascista e/ou neonazista: como o Aurora Dourada, da Grécia; o Jobbik, da Hungria; o Setor Direito, da Ucrânia; o Partido Nacional Democrata, na Alemanha.
    b) Partidos semifascistas, caso da Frente Nacional, da França; do FPÖ, da Áustria; e do Vlaams Belang, da Bélgica, cujos líderes fundadores tinham ligações estreitas com o fascismo histórico e com as forças que colaboraram com o Terceiro Reich
    c) Partidos de extrema-direita que não possuem origens fascistas mas compartilham do seu racismo, xenofobia, retórica anti-imigrante e islamofobia, como a italiana Lega Nord, o suíço UDC (União Democrática do Centro), o britânico Ukip (Partido de Independência do Reino Unido)
    No Brasil, o Instituto Vox Populi identificou o ápice do discurso fascista e pró-regime militar em dezembro de 2015. Este foi o momento em que o discurso histérico de extrema-direita teve maior repercussão na formação da opinião pública. A partir daí, declinou lentamente.
    Este período de reverberação do discurso de extrema-direita prosseguiu até o final do primeiro semestre de 2016. Que fique claro, extrema-direita é rejeitada pelo conservadorismo e não mantém relações com certa literatura que já surgia no Brasil desde 2012.
    O pensamento conservador aceita mudanças, desde que não sejam bruscas e, por este motivo, rejeitam discursos revolucionários e reacionários (este último, caso da extrema-direita).
    O importante é notar que se conservadores e ultraconservadores decidiram atacar a esquerda numa grande ofensiva desde 2015, ao longo deste ano perderam o controle e deram lugar ao discurso extremado que os colocou na mesma cesta dos corruptos e elites.


    O começo do fim de Aécio Neves está vinculado a esta segunda onda que encobriu a que ele fez de tudo para gerar. Os ataques nas redes sociais eram intensos, criando o famoso efeito manada. A listagem de personalidades “comunistas” crescia, envolvendo qualquer crítico.
    Até que começou uma primeira reação no segundo semestre de 2016, vinda das articulações entre centrais sindicais. As manifestações da extrema-direita começaram a demonstrar menor volume que as sindicais. Finalmente, em abril de 2017, ocorre a maior greve geral da história do Brasil. Mais de 150 cidades registraram paralisações, envolvendo adesão de 40 milhões de pessoas.

    Contudo, a partir do segundo semestre de 2017, muitas lideranças sindicais acusavam o golpe da reforma trabalhista enviada pelo governo Temer ao Congresso Nacional. A reforma atingia duramente as fontes de recursos financeiros de todo movimento sindical. Também se dizia, nos bastidores, que havia movimento em vários partidos de esquerda para iniciar a preparação para a eleição de 2018. O fato é que a mobilização sindical iniciada no segundo semestre de 2016, refluiu a partir do segundo semestre de 2017, logo após a greve.


    Minha tese é que a vitória de Bolsonaro não foi fruto da ascensão da extrema-direita. Foi, antes, um ruído. As forças de extrema-direita estavam dispersas naquele momento, com atos isolados. Lula figurava em primeiro lugar nas pesquisas para a Presidência em agosto de 2018.
    O casuísmo vergonhoso que levou à prisão e impedimento da candidatura Lula embaralhou as cartas naquele processo eleitoral. PT demorou para indicar o candidato oficial. Somente em 11 de setembro o PT anunciou oficialmente que Haddad seria o novo candidato do partido.

    Mesmo assim, com um candidato sem grande expressão nacional, o PT chegou ao segundo turno. Até a fatídica facada, Bolsonaro oscilava ao redor de 20% de intenção de votos. A partir deste acontecimento, chegou a 26%. Haddad aparecia com 8%.


    A tese que estou defendendo procura alinhar uma interpretação que cria uma perspectiva para a falta de sustentação popular do governo Bolsonaro após sua eleição e a sua ida, cada vez mais clara, em direção ao Centrão.
    Bolsonaro se elegeu com 55% dos votos válidos. Em dezembro de 2018, o IBOPE revelava que 75% dos brasileiros tinham expectativas positivas em relação ao seu governo. Contudo, após a posse, a queda de aprovação foi despencando.

    Caso a extrema-direita estivesse em ascensão, qual seria o motivo para não sustentar o governo federal que teria apoiado e por qual motivo não continuou nas ruas, procurando desestabilizar as instituições que procuravam domar Jair?
    Esta é minha tese: a eleição de Bolsonaro foi um repique em meio a um momento de crise política generalizada em nosso país que envolveu até mesmo as forças de extrema-direita.
    A movimentação atual de Bolsonaro em direção ao Centrão – e a tímida reação de apoiadores de 2018 -, além do silêncio ensurdecedor do “gabinete do ódio” indicam a fragilidade das forças extremistas do Brasil, assim como a fragilidade da tese da ascensão dessas forças.

    Obs. A ilustração que abre este artigo é de autoria do argentino Al Margen

  • Aécio fez Joe$ley pagar compra de jornal

    Aécio fez Joe$ley pagar compra de jornal

    BELO HORIZONTE – Não há como negar, boleto para pagamento do IPTU obtido pelos Jornalistas Livres comprova que realmente a J&F, a holding de Joesley Batista, pagou a compra do jornal Hoje em Dia, de Belo Horizonte, por R$ 17 milhões, a pedido do senador Aécio Neves. Isso é mais uma prova de que o senador Romero Jucá, do MDB, sabia mesmo muito bem do que dizia quando se referiu ao colega mineiro como o “primeiro a ser comido”, durante diálogo telefônico com o ex-presidente do PSDB e ex-senador Sérgio Machado, ex-presidente da Transpetro.

     

    Falou-se muito dos R$ 2 milhões pedidos por Aécio ao dono da JBS “para pagar advogado”, conforme delatou o empresário, mas só agora fala-se com mais vigor sobre os R$ 17 milhões usados na compra do “predinho” do jornal, como chegou a ser dito pelo próprio Joesley. Se faltava algo para comprovar a destinação dos R$ 17 milhões aos negócios do senador mineiro, aí está a guia de pagamento do IPTU do tal prédio da Rua Padre Rolim, 652, um filé mignon imobiliário bem na região hospitalar da capital mineira. Curiosamente, este é o único bem de Joesley em Minas, onde não possui qualquer negócio.

     

    O imóvel, usado como sede do Hoje em Dia durante décadas, está em nome de nada menos do que a J&F Investimentos S/A, a holding da empresa JBS que, por sinal, teve o ministro Henrique Meirelles no comando de seu conselho de administração entre 2012 até pouco antes de assumir o atual cargo. Ali ele recebia R$ 40 milhões por ano e uma de suas raras funções seria irrigar as campanhas eleitorais dos apaniguados de Joesley. E quando se pesquisa na Prefeitura de Belo Horizonte para saber quem são os titulares da J&F, eis que aparece o nome de Joesley Mendonça Batista abaixo de Antônio da Silva Barreto Júnior como ‘contatos’

     

    Um prédio polêmico

     

    Após a confissão de Joesley sobre suas relações com Aécio, há um ano, o prédio de cinco andares começou a dar o que falar. Desocupado desde que o jornal mudou de endereço nas mãos de novo dono no início de 2016 e sem alguém que se apresentasse como seu proprietário, chegou a ser ocupado, na marra, em 1º junho de 2017 por jornalistas, gráficos, pessoal da administração e movimentos sociais. Demitidos pelo atual dono sem receber seus direitos e até mesmo salários, os jornalistas viram na ocupação do prédio um bom motivo para chamar atenção sobre o drama que viviam. Conseguiram.

     

    Em junho do ano passado o “predinho” foi ocupado por ex-funcionários do jornal Hoje em Dia e Joesley Batista acabou reconhecendo a sua posse – Foto de Isis Medeiros

    A ocupação colocou os holofotes sobre o prédio. Logo a J&F se apresentou como dona do pedaço e colocou o imóvel à venda por R$ 17,5 milhões. Só que surgiu nova pedra no caminho da holding de Joesley: a Justiça do Trabalho bloqueou a venda do imóvel até que se resolva o pagamento de todos aqueles que buscam seus direitos. E assim continua, e, enquanto aguarda uma solução, um terreno ao lado, também de Joesley, foi arrendado para estacionamento de veículos.

     

    Pelo boleto do IPTU nota-se que a J&F vem pagando religiosamente as 11 parcelas de R$ 5.686,06, que vão totalizar R$ 34.116,36. Reza a lenda que o prédio é um pau que nasceu torto desde que foi construído pelo jornal Diário do Comércio, o primeiro dono, e não teria habite-se, principalmente depois que um bispo da igreja Universal resolveu construir mais um andar para instalar a nova redação sem a contratação de um arquiteto ou engenheiro.

     

    Trajetória sinistra

     

    Também o jornal tem uma trajetória sinistra desde que foi criado pelo então governador Newton Cardoso, há 30 anos, para ser o “maior de Minas”. Mas pouco depois acabou vendido para a TV Record/Igreja Universal, num pacote em que incluía a emissora mineira de TV da rede Record. Nas mãos dos bispos de Edir Macedo chegou a ter 64 mil exemplares impressos. Depois, decadente e acumulando um prejuízo de R$ 38 milhões em 2012, a TV Record/Igreja Universal trataram de se livrar do abacaxi em 2013. Logo apareceram apressados interessados.

     

    Há cinco anos o empresário mineiro Rogério de Aguiar Ferreira, então dono da Axial Medicina Diagnóstica, irrompeu pela redação anunciando a compra do jornal. Saiu carregando o apelido de “Boneco de Olinda”, devido à sua estatura avantajada. Na semana seguinte correu para São Paulo a fim de acabar de fechar o negócio com os bispos da Universal. Deu com os burros n’água naquela terça-feira. À boca pequena correu a versão de que não teria levado a mala recheada com dinheiro vivo, uma exigência do bispado.

     

    Era tudo o que a dupla Aécio/Andrea Neves queriam. Imediatamente entraram em ação rumo a algum pomar onde encontrassem laranjas. Semanas depois era a vez de Marco Aurélio Jarjour Carneiro, do Grupo Bel, irromper pela redação do jornal para anunciar a sua compra no dia 18 de setembro de 2013. Parte do dinheiro da aquisição teria vindo da desapropriação de parte de um terreno da antena de rádio dos Carneiros no alto do bairro Novo São Lucas, porta de entrada da favela do Cafezal, com valor superfaturado. R$ 10 milhões, o que motivou uma ação do governo de Minas em tramitação na 5ª Vara da Fazenda, processo 1700189-54.2013.8.13.0024 do Tribunal de Justiça de MG contra a Rádio Del Rery Ltda., de Jarjour Carneiro. Outro dinheiro que entrou no negócio foram R$ 2 milhões da construtora Andrade Gutierrez, a título de publicidade que nunca foi vista.

     

    Dono também da Rádio 98, concorrente da Jovem Pan em BH, entre outros negócios, Carneiro colocou o filho Flávio Jaques Carneiro, um amigão de Aécio, na presidência do jornal, e trouxe para comandar a redação o jornalista Ricardo Galuppo, um mineiro radicado em São Paulo.

     

    A função de Galuppo era, principalmente, azeitar o jornal para ser usado na campanha de Aécio Neves à presidência. E azeitou. Principalmente na acirrada disputa do segundo turno, quando o jornal se esmerou em publicar, com exclusividade, sensacionais manchetes a favor da candidatura do tucano, baseadas em estranhas pesquisas eleitorais do desconhecido instituto de pesquisas Veritá, de Uberlândia, no Triângulo Mineiro. Manchetes e números que eram largamente expostos nos horários de propaganda eleitoral gratuita de rádio e TV. Cuidou o jornal também de deturpar e mentir sobre Igor Rousseff, um pacato irmão da então presidente Dilma Rousseff, morador na também pacata Passa Tempo, no interior de Minas, informações que foram exploradas por Aécio nos debates de TV entre os dois candidatos.

     

    O episódio rendeu, inclusive, uma denúncia de ‘crime eleitoral’ contra Aécio Neves no Ministério Público Federal, onde recebeu o número de expediante 1.22000.002391/2016-50. Atualmente a denúncia está sob sigilo, após ser absorvida por Rodrigo Janot, que ordenou investigação a respeito e mandou o caso até mesmo para a Lava Jato.

     

    Na época, Jarjour Carneiro dizia aos mais chegados: “Estamos com um dinheiro aí, vamos ver até onde poderemos ir”. E, realmente, foi até onde pôde. Se Aécio tivesse sido eleito à Presidência da República estaria nadando de braçadas no paraíso, mas, com a derrota do senador, deu com as portas abertas do inferno. Acabou vendendo o jornal por apenas R$ 1 mil, isso mesmo, sem o prédio, logicamente, para o então prefeito de Montes Claros, Ruy Muniz, marido da deputada Raquel Muniz (PSC), que ficou conhecida negativamente pelo seu “Sim, sim, sim” após elogiar a honestidade do maridão e votar pelo impeachment da presidente Dilma. Na manhã seguinte, Ruy Muniz era preso pela Polícia Federal por corrupção.

     

    Muniz ficou com o jornal e seus credores, enquanto o prédio, o patinho feio que ninguém queria assumir, voltou para os braços daquele que patrocinou a sua compra a pedido de Aécio Neves: Joesley Mendonça Batista.

     

     

  • Apontamentos para uma série sobre o futuro de Aécio Neves

    Apontamentos para uma série sobre o futuro de Aécio Neves

    Por cinco votos a zero, o Supremo Tribunal Federal acatou a denúncia de corrupção contra o senador mineiro Aécio Neves (PSDB). Até seu grande amigo e aliado político, Alexandre Morais, votou a favor. Na denúncia de obstrução da justiça, votou contra, mas os demais pares votaram a favor, e assim o ‘Mineirinho’ da planilha da Odebrecht virou réu em dois processos.

    Os caciques do PSDB, ao comentar a decisão do STF, sacaram o argumento de que isso confirma que “a lei é para todos”. Será?

    Desde que foi exposto pelas gravações de Joesley Batista, quando pediu e recebeu R$ 2 milhões, e de mandar um emissário descartável pegar o dinheiro (alguém que possa matar antes de delatar), Aécio trafega dos espaços onde antes reinava como uma alma penada. Aqui e ali um jornal lhe dá espaço para dizer que foi vítima de uma armação, e só. Os velhos amigos correram para apagar fotos ao seu lado, outros dizem ter sido enganados pelo jeitobom moço do playboy carioca/mineiro.

    A atual situação da ex-estrela do PSDB pode nos levar a desenhar um enredo e sugerir o que irá acontecer com ele daqui para frente:

    EPISÓDIO 1. STF aceita julgar tucano por corrupção e obstrução da justiça. A decisão ganha o noticiário geral do país e seu partido aparentemente o entrega às feras A ideia de que “a lei é para todos” serve para divulgar o filme e a série contra Lula, além de atrair a atenção do público para Aécio, na esperança de que esqueçam outros tucanos. A ‘justiça’ deu uma mãozinha ao candidato a presidente do partido, Geraldo Alckmin, também delatado na Lava Jato, que teve seu processo enviado para a branda justiça eleitoral, e isso não pegou muito bem junto aos brasileiros indignados.

    EPISÓDIO 2. “Mineirinho” analisa se renuncia, ou deixa o mandato vencer, para perder o foro privilegiado. Se renunciar, conta com uma decisão monocrática barrosiana de mandar o processo para a primeira instância, como fez com Azeredo. A vantagem é que, sem mandato, logo será esquecido e vai gozar do anonimato, e da grana que o acusam de ter rapinado.

    EPISÓDIO 3. Aécio analisa aguardar o fim do mandato. Até lá o processo não andou um metro, vai perder o foro e vai para a primeira instância mineira de qualquer forma. Lá não lhe faltam juízes amigos e devedores de favores para congelar as investigações e aguardar a prescrição. As duas opções podem ser utilizadas, o que não influenciará muito no capítulo final desta história.

    EPISÓDIO FINAL. Em qualquer das hipóteses, o cara não será preso, entre outras coisas porque carrega em si o ovo da serpente tucana que precisa ser congelado para não chocar. Além disso, o judiciário brasileiro já demonstrou que tem uma decisão fechada e coerente para cada tipo de suspeito, réu ou condenado. Um exemplo disso é a escolha de qual julgamento tem cobertura televisiva ao vivo, e qual é censurado. Nos julgamentos dos petistas, a decisão foi de transmissão em cadeia nacional, “porque é do interesse público”. Já no caso de Aécio, Carmen Lúcia proibiu a transmissão. Aí já não sabemos no interesse de quem.

    Embora aparentemente a história esteja recheada de ingredientes que têm feito muito sucesso ultimamente, é duvidoso que ela vá empolgar. Em primeiro lugar, porque os produtores não irão investir muita grana na sua divulgação. Está mais para uma história que se deseja cair no esquecimento. Em segundo lugar, porque o protagonista hoje parece um daqueles atores hollywoodianos, que um dia dominaram a bilheteria, e hoje fazem ponta em filmes “B”. A melhor aposta é a de que esta série não saia do papel.

    O resumo da ópera é o seguinte: da mesma forma que um dia o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso declarou “esqueçam o que eu escrevi”, a fala final desta história que não ganhará nem telonas e nem telinhas é Aécio Neves declarando: “esqueçam que eu existi”.

    • Everaldo de Jesus é jornalista e mestrando em História pela Universidade Estadual da Bahia.
  • “A lei é para todos”

    “A lei é para todos”

     Artigo de Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História na UFBA

    “A lei é para todos”. É com esse mantra, repetido à exaustão, que a mídia hegemônica tenta justificar a prisão de Lula.

    É assim que a fábrica de narrativas do golpe neoliberal tenta legitimar a prisão, em um processo para lá de controverso, da maior liderança popular que o Brasil já teve.

    Mas a realidade é arisca e o povo de burro tem nada não.

    Como justificar a prisão de Lula se Aécio Neves está livre, leve e solto?

    Sim, Aécio Neves está solto, mesmo tendo recebido dinheiro de frigorífico, mesmo sendo flagrado em áudio planejando assassinato e aprontando todo tipo travessuras.

    As pessoas perguntam em tudo quanto é canto: e o Aécio? Tá solto por quê? Como pode tá solto?

    O departamento de jornalismo da rede globo, liderado por Ali Kamel, já identificou o problema e já inventou a sua narrativa.

    É essa narrativa, os seus desdobramentos e a sua relação com o golpe neoliberal em curso no Brasil o abacaxi que tento descascar neste ensaio.

    Vamos devagar, despacito, que o abacaxi é cascudo.

    Acompanhado de seus cupinchas, Ali Kamel, em um primeiro momento, usou a não prisão de Aécio Neves para atacar o “foro privilegiado”.

    Essa talvez tenha sido a última serventia de Aécio Neves ao golpe que ele ajudou a parir lá em 2014: simbolizar a dimensão nefasta do “foro privilegiado”.

    Sei bem que em tempos de criminalização da política, essa discussão é muito difícil, muito difícil mesmo. Mas precisamos enfrentá-la, pois está aqui, exatamente aqui, o núcleo duro do projeto institucional do golpe neoliberal: fragilizar a democracia, colocando-a de joelhos diante de um sistema de justiça que já mostrou ser facilmente pautado pelo império da comunicação.

    Não que o sistema de justiça seja uma mera marionete nas mãos da mídia hegemônica. Dizer isso significaria apresentar uma leitura míope da crise que desconsiderara os recentes conflitos travados entre os juízes e a imprensa, envolvendo o auxílio moradia e outros privilégios funcionais que o sistema de justiça serve numa bandeja de prata aos seus servidores.

    O que estou querendo dizer é que o sistema de justiça tem seus interesses corporativos, que se manifestam na defesa de benefícios e gordas pensões que oneram as contas públicas e, por isso, contrariam o projeto neoliberal.

    O neoliberalismo quer um Estado leve, enxuto, barato.

    Deu curto-circuito na bolsa de valores? Chama o Estado pra limpar a sujeita!

    O Estado precisa estar pronto, saudável, com contas equilibradas.

    O objetivo central do golpe está aqui: adaptar o Estado brasileiro aos interesses do rentismo. Pra isso, é necessário esvaziar a função social do Estado, tal como foi prevista na Constituição de 1988.

    O golpe não foi contra Dilma, não foi contra Lula, não foi contra o PT.

    O golpe é contra o contrato social e político da Nova República, que instituiu o Estado como agente provedor de direitos sociais.

    O neoliberal quer o Estado mínimo, mas só para os pobres.

    Para o rentista, o Estado deve ser máximo. O rentista não gosta da insegurança do mercado. O rentista gosta mesmo é do capitalismo sem riscos. O rentismo reúne o pior de dois mundos: a rapina burguesa e o ócio aristocrata.

    O rentismo, com seu desprezo pelos investimentos na cadeia produtiva, é o verdadeiro inimigo de todos nós, inclusive do sistema de justiça.

    Mas mesmo assim, mesmo com esse conflito potencial, a aliança entre a mídia hegemônica e o sistema de justiça continua sendo a força motora do golpe. A mídia hegemônica tem grande capacidade de pautar o comportamento dos magistrados, como demonstram a atuação de personagens como Joaquim Barbosa, Sérgio Moro, Carmem Lúcia e Luís Roberto Barroso.

    Todos eles, de alguma forma, trabalham com os dois olhos na “opinião pública”. O problema é que “opinião pública”, como bem lembrou Gilmar Mendes, nada mais é que “opinião publicada”, é aquilo que a imprensa hegemônica, dona do monopólio da informação, diz ser a opinião pública. Tempos estranhos esses em que Gilmar Mendes se transforma em referência.

    Enfim. Retomando o fio.

    O argumento de que Aécio Neves não foi preso por conta do “foro privilegiado” é falacioso em diversos aspectos e traduz o interesse do golpe neoliberal em tutelar a soberania popular.

    Explico.

    1°) O termo correto não é “foro privilegiado”, mas, sim, “prerrogativa de foro”. Não se trata de mera nomenclatura. No imaginário da população, o termo “foro privilegiado” está associado à impunidade, à blindagem a uma classe política corrupta.

    Chamar a “prerrogativa de foro” de “foro privilegiado” é uma estratégia para jogar a população contra a classe política, para fazer o povo negar a sua própria soberania. Pois é isso que acontece quando negamos a política: abrimos mão de nossa soberania e assinamos um contrato de servidão voluntária.

    O instituto da prerrogativa de foro não significa impunidade, mas, sim, uma garantia fundamental para a democracia moderna representativa, que é fundada na premissa de que a soberania pertence ao povo e é exercida pelo voto.

    O político eleito, portanto, representa a soberania de uma parcela da sociedade relevante o suficiente para se fazer representar por um mandato público.

    A prerrogativa de foro tem o objetivo de proteger esse mandado do arbítrio do sistema de justiça, que é constituído por servidores que não são eleitos, que não representam a soberania popular.

    Essa proteção, entretanto, não se dá pela impunidade. O político eleito pode, e deve, ser processado e julgado, mas apenas pela corte que, ao menos em teoria, é a mais qualificada da justiça brasileira: o Supremo Tribunal Federal, cujos ministros são escolhidos pelo presidente da República, que é eleito, que representa a soberania popular.

    É como se a escolha dos ministros do STF pela instituição Presidência da República significasse a transferência da soberania popular.

    O povo escolhe o presidente. O presidente escolhe os ministros. Logo, o povo também escolhe os ministros.

    Segundo a prerrogativa de foro, somente esses ministros, cuja autoridade também deriva da soberania popular, são legítimos para julgar os políticos eleitos.

    O conceito “prerrogativa de foro” faz todo sentido.

    Sem a prerrogativa de foro qualquer juiz de primeira instância teria poder para desestabilizar o mandato que a soberania popular emprestou ao político eleito.

    Entendem o risco que isso significa?

    Um exemplo pra ilustrar meu argumento, para que não saiam por aí dizendo que estou defendendo político corrupto:

    Uma liderança de bairro, oposição às forças políticas dominantes naquela localidade, consegue vencer as eleições e ocupar um mandato como deputado (a) no Legislativo estadual.

    Sem a prerrogativa de foro pra proteger o mandato dessa liderança, um juiz de primeira instância, na vara local, alinhado com os caciques derrotados, poderia constranger o representante da soberania popular.

    Ou seja, bastaria apenas um juiz, um único juiz mal intencionado, para processar a liderança eleita pela coletividade. A democracia ficaria fragilizada e nas mãos de um poder sobre o qual a soberania popular não tem nenhuma interferência.

    2°) É mentira dizer que o senador Aécio Neves não foi processado e condenado por causa do instituto da prerrogativa de foro.

    O mesmo STF que lavou as mãos quando permitiu que o Senado desse a última palavra no processo contra Aécio Neves, autorizou a prisão do senador Delcídio do Amaral, do Partido dos Trabalhadores, em pleno exercício do mandato.

    Entendem? Aécio e Delcídio, como senadores da República, tinham a mesma prerrogativa de foro, o mesmo direito de serem julgados pelo Supremo Tribunal Federal.

    O Supremo Tribunal Federal julgou e condenou Delcídio do Amaral, que teve seu mandato cassado pelos seus colegas, no plenário do Senado da República.

    O mesmo STF escolheu não processar Aécio Neves, que teve seu mandato preservado, também no Senado da República.

    O próprio Aécio Neves votou pela cassação de Delcídio do Amaral. O cinismo no Brasil parece não ter limites.

    Ou seja, o STF, por uma decisão política, escolheu não processar Aécio Neves.

    O problema não está na prerrogativa de foro. O problema está no STF, que se tornou o principal avalista do golpe neoliberal, um golpe que tem o objetivo de perseguir todas as lideranças e partidos políticos que de alguma forma possam atrapalhar o desmonte do Estado brasileiro.

    Pra concluir, adianto aquela que será a próxima narrativa mobilizada pela mídia hegemônica para tentar justificar a prisão do presidente Lula. O golpe neoliberal não fecha sem a total destruição política do presidente Lula.

    Aécio Neves será preso!

    Com isso, o golpe neoliberal agradará a todos.

    Agradará aos justiceiros que sairão por aí gritando “A lei é pra todos!”.

    Agradará também a esquerda, que se sentirá vingada ao ver o candidato derrotado nas eleições de 2014, o mesmo que ajudou a desestabilizar o país, sendo devorado pelo monstro que alimentou.

    Uns e outros comemorarão como tolos, pois Aécio Neves já não serve pra nada. É um defunto político. É um boi magro que o vaqueiro experiente entrega às piranhas para conseguir atravessar o rio, são e salvo com o restante do rebanho.

    Ao entregar Aécio Neves para ser comido, o golpe neoliberal estará protegendo a sua vaca sagrada, o único tucano que tem alguma viabilidade eleitoral: Geraldo Alckmin, o Santo!

    Esse aí é privilegiado, com foro ou sem foro. Em Alckmin, nenhum juiz relará um dedo sequer.

  • “Oi, Gilmar. Alô.”

    “Oi, Gilmar. Alô.”

    Lembram-se da conversa telefônica entre Gilmar Mendes e Aécio Neves? Lembram-se da intimidade entre eles, evidenciada pela conversa? Pois bem, um grupo de juristas decidiu pedir ao Senado brasileiro a instauração de processo de impedimento do ministro do STF. O senador Eunício Oliveira, presidente do Senado, sem maiores discussões, arquivou a denúncia.

    Os juristas entenderam que “a decisão monocrática do Presidente do Senado Federal, liminarmente arquivando a denúncia por crimes de responsabilidade imputados ao Ministro Gilmar Mendes é claramente ilegal”.

    Assim, a alternativa que restou a Claudio Lemos Fonteles, Gisele Guimarães Cittadino, Wagner Gonçalves, Antônio Gomes Moreira Maués e Marcelo da Costa Pinto Neves foi propor um Mandado de Segurança, ao Supremo Tribunal Federal, contra ato do Presidente do Senado Federal.

    Os juristas reforçam teor da denúncia:

    Em vista da conversa interceptada entre o Ministro Gilmar Mendes e o Senador Aécio Neves […], em tom de intimidade e mesmo de certa cumplicidade, também parece ser razoável pensar que sejam ‘amigos íntimos’. Apesar disso, o Ministro Gilmar Ferreira Mendes tem julgado vários processos em que o Senador Aécio Neves é parte, de maneira manifestamente favorável aos interesses deste político, que é criminalmente investigado no STF.

    Relembram ainda o teor do diálogo divulgado:

    A conversa telefônica a revelar, cristalinamente, as expressões do Ministro Gilmar Mendes, palavras suas que jamais repudiou, ou desmentiu, e que não se constituem em reportagens jornalísticas, mas transcrição do que disse, pela mídia, tais palavras são bastantes por si mesmas.
    Disse o Ministro Gilmar Mendes:
    O Flexa, tá bom, eu falo com ele.
    Disse mais:
    Tá bom, tá bom. Eu vou falar com ele. Eu falei… eu falei com o Anastasia e falei com o Tasso… Tasso não é da comissão, mas o Anastasia… o Anastasia disse: ‘Ah, tô tentando’…
    E, diante da insistência de Aécio Neves para “dar uma palavrinha com o Flexa” no sentido de “Fala ó… ‘Acompanha a posição do Aécio porque eu acho que é mais serena’. Porque o que a gente pode fazer no limite? Apresenta um destaque para dar uma satisfação para a bancada e vota o texto… que vota antes entendeu?”, o Ministro Gilmar Mendes respondeu: “Eu falo com ele… e falo pra com ele… e falo com ele…eu ligo pra ele…eu ligo pra ele agora. Ligo pra ele agora.”

    Os juristas requereram, nessa quarta (22), ao Supremo Tribunal Federal, que declare nula a decisão do presidente do Senador federal, Eunício Oliveira,  e que se inicie o processo de impedimento de Gilmar Mendes. Com a palavra o Supremo Tribunal Federal.

     

    Para ver o Mandado de Segurança proposto

    [aesop_document type=”pdf” src=”https://jornalistaslivres.org/wp-content/uploads/2017/11/MS-Pronto.-Assinado-1.pdf”]

     

     

  • AÉCIO NEVES NÃO FOI O PRIMEIRO A SER COMIDO, SÓ FOI CHEIRADO!

    AÉCIO NEVES NÃO FOI O PRIMEIRO A SER COMIDO, SÓ FOI CHEIRADO!

    Após ter sido gravado em declarações nada republicanas, o senador mineiro Aécio Neves (PSDB) teve seu pedido de prisão preventiva negado pelo STF, que entendeu pelo afastamento do senador, implicado em graves acusações de corrupção, tendo contra si substanciosas provas. O Senado Federal, por sua vez, restabeleceu o mandato de Aécio por 44 votos favoráveis a si.

    O Senador Romero Jucá (PMDB), líder do Governo no Senado, que foi flagrado em escuta falando que “o primeiro a ser comido” seria o Aécio, foi um dos 44 senadores que votaram a favor do senador tucano. O líder do Governo, comandante da tropa de choque do retrocesso, disse com precisão que o governo Temer é um grande “pacto nacional” que conta “com o Supremo [Tribunal Federal], com tudo”. É sintomático o alinhamento de interesses: Aécio e Temer tiveram suas máculas expostas no mesmo dia, a partir do acordo de delação dos irmãos Batista, da JBS.

    Aécio poderia estar preso cautelarmente, nos termos da Lei; Temer deposto. Ambos, ocupando importantíssimas funções políticas no nosso sistema político, representam risco à condução do processo, e inclusive à integridade física de testemunhas (haja vista a menção clara que o Aécio fez a homicídio). O que dizer sobre isto numa país que generalizadamente prende provisoriamente?

    Um Levantamento publicado em janeiro pelo Conselho Nacional de Justiça apresentou o número de 654.372 pessoas presas no Brasil, sendo 221.054 presos provisoriamente, ou seja, 34% dos presos brasileiros não foram sequer julgados. Se tomarmos em conta o os Estados da federação, tomando o exemplo de Aécio, Minas Gerais, o índice aumenta para 39,88. A maior parte das prisões se dão por envolvimento com venda de entorpecentes. Estes números dão conta de levantamentos feitos em Tribunais de Justiça de cada Estado. Aécio Neves, por ser senador, só pode ser julgado no STF. Mas servem de exemplo.

    Se tomarmos em conta a periculosidade ao andamento de um processo criminal, é fácil perceber que há uma grande diferença entre o grau de influência de um Senador e um “aviãozinho do tráfico”. Qual dos dois pode intimidar mais testemunhas? Qual dos dois recebe ligações e visitas de ministro do Supremo? Qual dos dois é amigo do Perrella, cujo helicóptero foi apreendido com 455 kg de cocaína? Mas Aécio não é acusado de vender entorpecentes para quem quer comprar, é acusado de receber propina para beneficiar empresários que sugam cofres públicos, enquanto pobres, como o mesmo aviãozinho do exemplo acima, padecem com serviços públicos precários e, depois, em prisões precárias.

    Aécio Neves ser preso melhoraria a situação carcerária no país? Não! Na verdade, poderia ser usado para legitimar um encarceramento em massa que, após a Lava Jato, posa de democrático. Mas não existe democracia sem garantia de liberdades. Talvez o Aécio ser comido não saciaria nossa “fome” de “justiça”. Eu não desejo para ninguém o que os negros e pobres sofrem nas prisões brasileiras: nem para gente como Aécio.

    Afastá-lo de suas funções, para que não gozasse de seu poder seria um mínimo para dar alguma segurança às investigações e julgamento. Mas nem isto. Foi salvo pelo grande “pacto”. Aécio perdeu para Dilma em 2014 por cerca de três milhões de votos. Por pouco este homem, que exigia milhões em dinheiro e ameaçava matar testemunhas, não foi o nosso presidente. Eleita Dilma, esta sofreu um golpe comandado por seu vice, Michel temer, interessado em salvar o Aécio de ser “comido”. Ficou só no cheiro!

    Por enquanto, a Lava Jato ainda existe, salvo exceções, para garantir que lideranças políticas da esquerda sejam perseguidas com a ameaça constante de condenações sucessivas, prisões e inelegibilidade. Não é por moralidade. Se quer mesmo saber o porquê Aécio Neves está solto e é seu senador, responda para si mesmo: Como ele vota em relação a retirada de direitos de trabalhadores nas Reformas Trabalhista e Previdenciária?