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  • DOCUMENTO FINAL ACAMPAMENTO TERRA LIVRE 2020

    DOCUMENTO FINAL ACAMPAMENTO TERRA LIVRE 2020

    ARTICULAÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS DO BRASIL APOINME – ARPIN SUDESTE – ARPINSUL – Comissão Guarani Yvyrupa – Conselho do Povo Terena – ATY GUASU – COIAB

    DOCUMENTO FINAL ACAMPAMENTO

    TERRA LIVRE 2020

     

     

     

     

     

     

    Nós povos, organizações e lideranças indígenas de todas as regiões do Brasil, impossibilitados de nos encontrar pessoalmente na Grande Assembleia Nacional – o Acampamento Terra Livre – que há 16 anos realizamos na capital federal – em decorrência da necessidade do isolamento social imposto pelo novo coronavírus, a pandemia da Covid-19, realizamos o ATL de modo virtual, com uma grande quantidade de discussões, debates, seminários, depoimentos e lives durante toda essa semana. Resistentes há 520 anos frente a todo tipo invasões, que além da violência física, do trabalho forçado, do esbulho e da usurpação dos nossos territórios, utilizaram-se das doenças como a principal arma biológica para nos exterminar, atacados atualmente pelo pior vírus da nossa história, o Governo Bolsonaro, viemos de público nos manifestar.

    Denunciamos perante a opinião pública nacional e internacional, que nós povos indígenas do Brasil, mais de 305 povos, falantes de 274 línguas diferentes, estamos na mira e somos vitimados por um projeto genocida do atual governo de Jair Messias Bolsonaro, que já desde o início de seu mandato nos escolheu como um de seus alvos prioritários, ao dizer que não iria demarcar mais nenhum centímetro de terra indígena, e que as demarcações realizadas até então teriam sido forjadas, e que portanto, seriam revistas.

    Bolsonaro, logo que assumiu o governo, editou a medida provisória 870/19, na qual determinava o desmembramento da Fundação Nacional do Índio – FUNAI e suas atribuições, repassando a parte de licenciamento ambiental e de demarcação de terras indígenas ao Ministério de Agricultura, comandado pela bancada ruralista, inimiga de nossos povos, na pessoa da ministra fazendeira Teresa Cristina, a “musa do veneno”. Foi necessário uma grande mobilização da nossa parte e dos nossos aliados para que o Congresso Nacional rejeitasse esse dispositivo administrativo.

    Bolsonaro desmontou, por um lado, as políticas públicas e órgãos que até então, ainda que precariamente, atendiam os nossos povos, aparelhando-os com a nomeação de pessoas assumidamente anti-indígenas, como o presidente da Fundação Nacional do Índio, o delegado Marcelo Augusto Xavier da Silva. Este, ex-assessor dos ruralistas na CPI da FUNAI /INCRA, que incriminou servidores públicos, lideranças indígenas, indigenistas e procuradores, publicou no Diário Oficial da União, no último dia 22 de abril de abril a Instrução Normativa n° 09, que “dispõe sobre o requerimento, disciplina e análise para emissão de declaração de reconhecimento de limites em relação a imóveis privados em terras indígenas.” A medida contraria o dever institucional do órgão indigenista de proteger os direitos e territórios dos povos indígenas, uma vez que quer legitimar e permitir a emissão de títulos de propriedade para invasores das terras indígenas. Soma-se a esta determinação do presidente da Funai a decisão de rever ou anular procedimentos administrativos de demarcação de terras indígenas, a exemplo do Tekoha Guasu Guavirá, municípios de Guaíra e Terra Roxa (PR), do povo Avá-Guarani, a substituição ou inviabilização de Grupos de Trabalho de identificação e delimitação, a desarticulação ou desconfiguração de Diretorias do órgão indigenista, a perseguição moral a servidores, a manutenção de politícas públicas somente para terras homologadas e, na atual conjuntura, a irresponsabilidade de não equipar, inclusive financeiramente, as coordenações regionais e equipes de base para proteger os nossos povos e territórios dos avanços da pandemia do Coronavirus, além de arquitetar o ingresso de pastores fundamentalistas nos territórios indígenas.

    Assim, esse governo, subserviente aos interesses econômicos nacionais e ao capital internacional, quer restringir os nossos direitos, principalmente territoriais, ao incentivar o avanço de práticas ilegais sobre as nossas terras, tais como: o garimpo, o desmatamento, a exploração madeireira, a pecuária, monocultivos e a grilagem, que está para ser legalizada por meio da MP 910/19, em tramitação no Congresso Nacional, e ainda a grande mineração e diversos empreendimentos de infraestrutura como hidrelétricas, linhas de transmissão e estradas. Tudo isso, numa clara tentativa de transformar as terras públicas em mercadoria.

    Todos esses atos ilícitos e inconstitucionais constituem um projeto de morte para os nossos povos. Eles implicam na destruição das nossas matas, dos nossos rios, da biodiversidade, das nossas fontes de vida, enfim, da Natureza, da Mãe Terra; patrimônio preservado há milhares de anos pelos nossos povos e que até hoje contribui estrategicamente para a preservação do equilíbrio ecológico e climático e do bem-estar da humanidade, prestando importantes serviços ambientais ao planeta.

    É esse patrimônio que os ruralistas, o agronegócio e as corporações internacionais querem nos roubar, por meio da restrição ou supressão dos nossos diretos constitucionais, alegando que os nossos direitos originários, e a nossa própria existência, constituem um empecilho para os seus empreendimentos e planos de suposto desenvolvimento. Dessa forma tentam reverter a base legal, nacional e internacional, dos nossos direitos, por meio de medidas como o Parecer 01/17, com a tese do marco temporal, que quer limitar o nosso direito às terras que tradicionalmente ocupamos à 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Carta Magna, que na verdade, só veio a reconhecer um direito que já era nosso, nato, de origem, antes, portanto, da invasão colonial e do surgimento do Estado nacional brasileiro.

    O nosso extermínio parece ser uma questão de honra para o governo Bolsonaro, que se aproveitando da crise da Pandemia, acirrou o descaso para com os nossos povos. Assim, também pôs fim às políticas públicas diferenciadas conquistadas por nós nos últimos 30 anos na área da educação, alternativas econômicas, meio ambiente e principalmente da saúde. Após pretender municipalizar ou privatizar o subsistema de saúde indígena, com o fim da SESAI, com a disseminação do coronavirus nos nossos territórios ficou claro que o governo quer mesmo a nossa extinção: não nos protege de invasores, permitindo que estes contaminem as nossas comunidades, o que pode levar a extinção massiva, a começar pelos nossos anciões, fontes de tradição e sabedoria para os nossos povos, principalmente para as novas gerações. E como se não bastasse, o governo estimula o assédio e a violência de interesses privados sobre os nossos bens naturais e territórios sagrados. A recente demissão do diretor de fiscalização do IBAMA após ações repressão ao garimpo em Tis no sul do Pará é bastante elucidativa das intenções do atual governo.

    Diante dessa institucionalização do genocídio por parte do governo Bolsonaro, alertamos a sociedade nacional e internacional, reivindicando:

    .1. A imediata demarcação, regularização, fiscalização e proteção de todas as terras indígenas;

    .2. A revogação do Parecer 001/17 da Advocacia Geral da União;

    .3. A retirada de todos os invasores de terras indígenas – garimpeiros, grileiros, madeireiros, fazendeiros – dado que eles são agentes destruidores dos nossos recursos naturais e de nossas culturas e em especial, neste momento, propagadores de doenças e da COVID-19; constituindo um grave risco para todos os povos, em especial os povos indígenas voluntariamente isolados;

    .4. A adoção de medidas que restrinjam o acesso de pessoas estranhas nas comunidades indígenas, dentre eles garimpeiros, comerciantes, madeireiros, bem como de grupos religiosos fundamentalistas proselitistas que propagam, nas terras indígenas, a demonização de modos de vida, espiritualidades, saberes, formas tradicionais de tratar as doenças;

    .5. A implementação de ações que visem garantir saneamento básico, água potável, habitação adequada e demais equipamentos que assegurem boa infraestrutura sanitária nas comunidades;

    .6. A adoção de medidas que garantam boa situação nutricional em todas as comunidades indígenas e a garantia de um plano permanente de segurança e soberania alimentar para os nossos povos e comunidades;

    .7. A viabilização de ingresso e permanência das equipes de saúde em área, assegurando-se com isso, que as ações de prevenção e proteção a pandemia sejam efetivas e continuadas;

    .8. A infraestrutura e logística adequadas para as equipes de saúde, destinando-lhes todos os equipamentos necessários para o desenvolvimento das ações de proteção e prevenção às doenças, tais como medicamentos, soros, luvas, máscaras, transporte, combustível;

    .9. A garantia de que haja, para além das comunidades – nos municípios e capitais – hospitais de referência para o atendimento de média e alta complexidade, onde se poderá realizar exames clínicos e promover adequada internação para tratamento dos doentes do COVID-19 e de outras doenças;

    .10. A destinação de recursos financeiros para a aquisição de materiais de proteção para todas as pessoas das comunidades indígenas, tais como água limpa, sabão, água sanitária, álcool gel, luvas e máscaras, bem como que haja a adequada orientação das pessoas quanto ao uso importância destes materiais neste período de pandemia;

    .11. A capacitação dos agentes indígenas de saúde, dos agentes sanitários e ambientais, das parteiras e de todos os que atuam na área da saúde, dentro das comunidades, tendo em vista a proteção e prevenção da COVID-19;

    .12. A imediata contratação de profissionais em saúde – médicos, enfermeiros, técnicos em enfermagem, epidemiologistas – para atuarem em áreas indígenas, compondo e ampliando as atuais equipes de saúde;

    .13. A contratação, de imediato, de testes, para realização de exames da COVID-19 em todas as comunidades, no maior número possível de pessoas, para com isso se obter um diagnóstico efetivo sobre a atual situação da pandemia dentro das terras indígenas e aprimorar as ações quanto a sua prevenção, controle e tratamento;

    .14. A subnotificação de indígenas deve ser interrompida, pois todos os agravos de indígenas devem ser notificados, como um todo, independente de estarem em Terras Indígenas regularizadas, ou não, mesmo morando em áreas urbanas. Que o Ministério da Saúde e o Centro de Operações de Emergência em Saúde Pública garantam que o Boletim Epidemiológico da Covid-19 inclua todos os casos de contaminação e óbitos de todos os indígenas, inclusive a fim de apoiar a inclusão de dados que orientem as políticas públicas;

    .15. A formação de um Comitê de Crise Interinstitucional, com assentos assegurados para os povos indígenas, nomeados pela APIB, para definição das estratégias de proteção dos povos indígenas, visando o monitoramento conjunto de ações de proteção territorial, segurança alimentar, auxílios e benefícios, insumos e protocolos contra transmissão, para todos os povos indígenas. Este Comitê não se confunde com o Comitê de Crise Nacional, o qual envolve unicamente a Secretaria Especial de Saúde Indígena, e exclui cuidados junto aos indígenas fora das Terras Indígenas;

    .16. Que a FUNAI e a SESAI, assim como as Coordenações Regionais da Funai (CDRs) e os Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs) sejam incorporados nos Centros de Operações de Emergência em Saúde Pública em níveis nacional, estaduais e municipais;

    .17. Que o Congresso Nacional arquive todas as iniciativas legislativas que a bancada ruralista e outros segmentos do capital apresentam visando restringir ou suprimir os direitos fundamentais dos nossos povos, principalmente o direito originário as terras que tradicionalmente ocupamos;

    .18 Que o Judiciário suspenda todas as proposições de reintegração de posse apresentadas por invasores, supostos proprietários ou empreendedores, contra povos indígenas que tomaram a determinação de retomar as suas terras tradicionais;

    .19. Que o Supremo Tribunal Federal julgue na maior brevidade a Recurso Extraordinário – RE nº 1017365, com caráter de Repercussão Geral, a fim de consagrar, definitiva e cabalmente, o  Indigenato, o direito originário, nato, congênito de ocupação tradicional das nossas terras e territórios, a fim de corrigir a trajetória de agressão aos povos indígenas do Brasil.

    .20. Que o governo Bolsonaro suspenda a execução de quaisquer obras de infraestrutura (hidrelétricas, estradas etc) ou agroindustriais que podem impactar os nossos territórios, uma vez que propiciam a presença de não indígenas, potenciais agentes de programação do Coronavirus e outras doenças perniciosas para os nossos povos e comunidades.

    .21. Por fim, exigimos a revogação da Instrução Normativa 09, de 16 de abril de 2020, publicada pelo presidente da FUNAI, na edição de 22 de abril do Diário Oficial da União (DOU), que permite, de forma ilegal e inconstitucional, o repasse de títulos de terra a particulares dentro de áreas indígenas protegidas pela legislação brasileira. E que o Congresso Nacional arquive a Medida Provisória 910/19, que tenta legalizar o ato criminoso da grilagem nos nossos territórios, Unidades de Conservação e outros territórios de comunidades tradicionais.

    Aos nossos povos e organizações dizemos: resistir sempre, com a sabedoria que recebemos dos nossos ancestrais, pelas atuais e futuras gerações dos nossos povos. E que a solidariedade nacional e internacional se intensifique, neste momento de morte, fortalecido pelos descasos do Governo Bolsonaro, e ao mesmo tempo de gestação de um novo tempo para os nossos povos, a sociedade brasileira e a humanidade inteira.

     

    Pelo direito de Viver. Sangue Indígena Nenhuma Gota Mais.

    Brasil, 30 de abril de 2020.

    XVI Acampamento Terra Livre 2020

    Articulação dos Povos Indígenas do Brasil

    Mobilização Nacional Indígena

  • Indígenas adiam maior encontro brasileiro por causa do novo coronavírus

    Indígenas adiam maior encontro brasileiro por causa do novo coronavírus

    Foto: Leonardo Milano

    O Acampamento Terra Livre, o maior encontro indígena do país, que ocorreria entre os dias 27 e 30 de abril, em Brasília-DF, foi adiado por conta da ameaça do coronavírus, que poderia ser catastrófico para populações indígenas. O Encontro costuma reunir cerca de 4 mil indígenas de todo o país. Em nota, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil Explica:

    “Ressaltamos também, que pandemias como estas alertam para o quão gravoso pode significar uma política de contato com os povos isolados e de recente contato em razão dos riscos não só de etnocídio, mas também a um doloso genocídio”

    COMUNICADO GERAL (APIB)

    Diante da disseminação do Coronavírus e seguindo recomendações da Organização Mundial da Saúde e decretos do governo do Distrito Federal para evitar aglomerações na tentativa de mitigar a propagação do vírus, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) vem informar sobre a necessidade de adiar a realização do Acampamento Terra Livre, que estava previsto para o período de 27 a 30 de abril de 2020. Uma nova data será divulgada conforme as recomendações das instituições de saúde e governamentais.

    Com a ocorrência dessa pandemia, vemos como mais urgente ainda a necessidade de ampliar o serviço de saúde pública e a garantia dos subsistemas de saúde indígena, por meio da SESAI e Distritos Sanitários Especiais Indígenas, com condições adequadas de assistência de saúde aos povos indígenas.

    Ressaltamos também, que pandemias como estas alertam para o quão gravoso pode significar uma política de contato com os povos isolados e de recente contato em razão dos riscos não só de etnocídio, mas também a um doloso genocídio.

    É importante ressaltar que com o aumento das alterações climáticas, cientistas já atestam para a maior recorrência de epidemias.

    Aproveitamos para elencar aqui algumas recomendações de medidas preventivas colocadas pelas instituições de saúde:

    1. lavar as mãos com água e sabão, evitando levar aos olhos, nariz e boca;
    2. Não compartilhar objetos pessoais como talheres, toalhas, pratos e copos;
    3. Evitar aglomerações e frequência a espaços fechados e muito cheios;
    4. Manter os ambientes bem ventilados;
    5. Quando possível, evitar viagens para locais que tenham casos decontaminação e reuniões e eventos com a presença de pessoas que venham de países ou estados que tenham confirmação do vírus
    6. E por último, não entrar em pânico. É uma doença que médicos e cientistas já têm conhecimento e estão na tentativa de seu controle. Essas orientações são preventivas, para evitar que a doença se propague.

    Os sintomas do Coronavírus são ocorrência de febre, tosse, dificuldade para respirar e dores do corpo. Em caso de ocorrência dos sintomas, procurar atendimento o mais rápido possível e seguir orientações médicas.

    E tão logo o vírus esteja controlado, definiremos uma nova data para nossa maior mobilização nacional, que neste momento de ataques, invasões, conflitos e retiradas de direitos se faz tão urgente necessária.

    Sangue indígena, nenhuma gota a mais!

    Brasília, 12 de março de 2020.

    Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB

    Veja o comunicado na íntegra:

    COMUNICADO GERAL 01 (2)

     

  • Documento final do XV Acampamento  Terra Livre

    Documento final do XV Acampamento Terra Livre

    RESISTIMOS HÁ 519 ANOS E CONTINUAREMOS RESISTINDO

     

    Nós, mais de 4 mil lideranças de povos e organizações indígenas de todas as regiões do Brasil, representantes de 305 povos, reunidos em Brasília (DF), no período de 24 a 26 de abril de 2019, durante o XV Acampamento Terra Livre (ATL), indignados pela política de terra arrasada do governo Bolsonaro e de outros órgãos do Estado contra os nossos direitos, viemos de público manifestar:

    O nosso veemente repúdio aos propósitos governamentais de nos exterminar, como fizeram com os nossos ancestrais no período da invasão colonial, durante a ditadura militar e até em tempos mais recentes, tudo para renunciarmos ao nosso direito mais sagrado: o direito originário às terras, aos territórios e bens naturais que preservamos há milhares de anos e que constituem o alicerce da nossa existência, da nossa identidade e dos nossos modos de vida.

    A Constituição Federal de 1988 consagrou a natureza pluriétnica do Estado brasileiro. No entanto, vivemos o cenário mais grave de ataques aos nossos direitos desde a redemocratização do país. O governo Bolsonaro decidiu pela falência da política indigenista, mediante o desmonte deliberado e a instrumentalização política das instituições e das ações que o Poder Público tem o dever de garantir.

    Além dos ataques às nossas vidas, culturas e territórios, repudiamos os ataques orquestrados pela Frente Parlamentar Agropecuária contra a Mãe Natureza. A bancada ruralista está acelerando a discussão da Lei Geral do Licenciamento Ambiental, em conluio com os ministérios do Meio Ambiente, Infraestrutura e Agricultura. O projeto busca isentar atividades impactantes de licenciamento e estabelece em uma única etapa as três fases de licenciamento, alterando profundamente o processo de emissão dessas autorizações em todo o país, o que impactará fortemente as Terras Indígenas e seus entornos.

    O projeto econômico do governo Bolsonaro responde a poderosos interesses financeiros, de corporações empresariais, muitas delas internacionais, do agronegócio e da mineração, dentre outras. Por isso, é um governo fortemente entreguista, antinacional, predador, etnocida, genocida e ecocida.

    Reivindicações do XV Acampamento Terra Livre

    Diante do cenário sombrio, de morte, que enfrentamos, nós, participantes do XV Acampamento Terra Livre, exigimos, das diferentes instâncias dos Três Poderes do Estado brasileiro, o atendimento às seguintes reivindicações:

    Demarcação de todas as terras indígenas, bens da União, conforme determina a Constituição brasileira e estabelece o Decreto 1775/96. A demarcação dos nossos territórios é fundamental para garantir a reprodução física e cultural dos nossos povos, ao mesmo tempo que é estratégica para a conservação do meio ambiente e da biodiversidade e a superação da crise climática. Ações emergenciais e estruturantes, por parte dos órgãos públicos responsáveis, com o propósito de conter e eliminar a onda crescente de invasões, loteamentos, desmatamentos, arrendamentos e violências, práticas ilegais e criminosas que configuram uma nova fase de esbulho das nossas terras, que atentam contra o nosso direito de usufruto exclusivo.

    Exigimos e esperamos que o Congresso Nacional faça mudanças na MP 870/19 para retirar as competências de demarcação das terras indígenas e de licenciamento ambiental do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e que essas competências sejam devolvidas ao Ministério da Justiça (MJ) e à Fundação Nacional do Índio (Funai). Que a Funai e todas as suas atribuições sejam vinculadas ao Ministério da Justiça, com a dotação orçamentária e corpo de servidores necessários para o cumprimento de sua missão institucional de demarcar e proteger as terras indígenas e assegurar a promoção dos nossos direitos.

    Que o direito de decisão dos povos isolados de se manterem nessa condição seja respeitado. Que as condições para tanto sejam garantidas pelo Estado brasileiro com o reforço das condições operacionais e ações de proteção aos territórios ocupados por povos isolados e de recente contato.

    Revogação do Parecer 001/2017 da Advocacia Geral da União (AGU).

    Manutenção do Subsistema de Saúde Indígena do SUS, que é de responsabilidade federal, com o fortalecimento da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), a garantia da participação e do controle social efetivo e autônomo dos nossos povos e as condições necessárias para realização da VI Conferência Nacional de Saúde Indígena. Reiteramos a nossa posição contrária a quaisquer tentativas de municipalizar ou estadualizar o atendimento à saúde dos nossos povos.

    Efetivação da política de educação escolar indígena diferenciada e com qualidade, assegurando a implementação das 25 propostas da segunda Conferência Nacional e dos territórios etnoeducacionais. Recompor as condições e espaços institucionais, a exemplo da Coordenação Geral de Educação Escolar Indígena, na estrutura administrativa do Ministério da Educação para assegurar a nossa incidência na formulação da política de educação escolar indígena e no atendimento das nossas demandas que envolvem, por exemplo, a melhoria da infraestrutura das escolas indígenas, a formação e contratação dos professores indígenas, a elaboração de material didático diferenciado.

    Implementação da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI) e outros programas sociais voltados a garantir a nossa soberania alimentar, os nossos múltiplos modos de produção e o nosso Bem Viver.

    Restituição e funcionamento regular do Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI) e demais espaços de participação indígena, extintos juntamente com outras instâncias de participação popular e controle social, pelo Decreto 9.759/19. O CNPI é uma conquista nossa como espaço democrático de interlocução, articulação, formulação e monitoramento das políticas públicas específicas e diferenciadas, destinadas a atender os direitos e aspirações dos nossos povos.

    Fim da violência, da criminalização e discriminação contra os nossos povos e lideranças, praticadas inclusive por agentes públicos, assegurando a punição dos responsáveis, a reparação dos danos causados e comprometimento das instâncias de governo na proteção das nossas vidas.

    Arquivamento de todas as iniciativas legislativas anti-indígenas, tais como a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215/00 e os Projetos de Lei (PL) 1610/96, PL 6818/13 e PL 490/17, voltadas a suprimir os nossos direitos fundamentais: o nosso direito à diferença, aos nossos usos, costumes, línguas, crenças e tradições, o direito originário e o usufruto exclusivo às terras que tradicionalmente ocupamos.

    Aplicabilidade dos tratados internacionais assinados pelo Brasil, que inclui, entre outros, a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), as Convenções da Diversidade Cultural, Biológica e do Clima, a Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas e a Declaração Americana dos Direitos dos Povos Indígenas. Tratados esses que reafirmam os nossos direitos à terra, aos territórios e aos bens naturais e a obrigação do Estado de nos consultar a respeito de medidas administrativas e legislativas que possam nos afetar, tal como a implantação de empreendimentos que impactam as nossas vidas.

    Cumprimento, pelo Estado brasileiro, das recomendações da Relatoria Especial da ONU para os povos indígenas e das recomendações da ONU enviadas ao Brasil por ocasião da Revisão Periódica Universal (RPU), todas voltadas a evitar retrocessos e para garantir a defesa e promoção dos direitos dos povos indígenas do Brasil.

    Ao Supremo Tribunal Federal (STF), reivindicamos não permitir e legitimar nenhuma reinterpretação retrógrada e restritiva do direito originário às nossas terras tradicionais. Esperamos que, no julgamento do Recurso Extraordinário 1.017.365, relacionado ao caso da Terra Indígena Ibirama Laklanõ, do povo Xokleng, considerado de Repercussão Geral, o STF reafirme a interpretação da Constituição brasileira de acordo com a tese do Indigenato (Direito Originário) e que exclua, em definitivo, qualquer possibilidade de acolhida da tese do Fato Indígena (Marco Temporal).

    Realizamos este XV Acampamento Terra Livre para dizer ao Brasil e ao mundo que estamos vivos e que continuaremos em luta em âmbito local, regional, nacional e internacional. Nesse sentido, destacamos a realização da Marcha das Mulheres Indígenas, em agosto, com o tema “Território: nosso corpo, nosso espírito”.

    Reafirmamos o nosso compromisso de fortalecer as alianças com todos os setores da sociedade, do campo e da cidade, que também têm sido atacados em seus direitos e formas de existência no Brasil e no mundo.

     

    Seguiremos dando a nossa contribuição na construção de uma sociedade realmente democrática, plural, justa e solidária, por um Estado pluricultural e multiétnico de fato e de direito, por um ambiente equilibrado para nós e para toda a sociedade brasileira, pelo Bem Viver das nossas atuais e futuras gerações, da Mãe Natureza e da Humanidade. Resistiremos, custe o que custar!

    Brasília (DF), 26 de abril de 2019.

    XV ACAMPAMENTO TERRA LIVRE
    ARTICULAÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS DO BRASIL (APIB)
    MOBILIZAÇÃO NACIONAL INDÍGENA (MNI)

    imagens por Helio Carlos Mello©, Felipe Beltrame©, Clara Comadolli© – Jornalistas Livres

  • Não estava no plano

    Não estava no plano

    Lá estava a nave pousada, uma estrela colorida no Planalto Central, o claro instante cantado por tantos.

     

    Um enlaçar de braços, antiga tecnologia que ao poder apavora, renega, trama resistência.

     

    É pena.

    São plumas amarradas na linha, que na cabeça ostenta todo poder da gente nativa,

    a coroa de antigas posses.

    Devastação,

    plano piloto que afirma,

    sinal da cruz entre maracas e chocalhos.

    O Plano Piloto de Brasília, no Distrito Federal, foi elaborado por Lúcio Costa, vencedor do concurso, em 1957, para o projeto urbanístico da Nova Capital. Teve sua forma inspirada pelo sinal da Cruz.

     

    Nada disso tem valor nos mercados que oscilam, bolsa e valores que devoram toda gente,

    reformas em todo mato,

    cursos da terra, rios que cuidam de muitos povos.

     

    Eram índios, tantos e tantos no eixo entre as asas do plano piloto,

    aldeia vasta, improvisada, reciclando materiais, uma ocupação em território nefasto.

    Ajuntaram-se todos plenos

    onde é proibido estacionar.

     

    Tem a pedra no meio do caminho, tem a pluma, tem essa gente toda que não desiste.

     

     

     

    Se pintam a testa e o pescoço de vermelho, cabelo preto,

    é porque sabem que nenhuma uma gota a mais desse sangue querem derramada, nem será permitido.

    O sangue indígena nas veias, a luta pela terra, afirmam.

     

    Pele de ouro, urucum na face, terra nos pés, um coro das mulheres.

     

    Tudo resiste, voz que canta, não cede.

     

    Não passarão aqueles que mentem.

     imagens por Helio Carlos Mello© – Jornalistas Livres.

  • São gigantes os homens que vejo

    São gigantes os homens que vejo

    O sol beija a manhã em seu céu azul, verde é a grama e muitos são os pés que pisam, de tão longe, tão firmes.

     

     

    Fico pensando se Glauber estivesse vivo e nesse momento, Rocha, portasse meu celular. O que veria nessa terra em transe pelo olho da linha, numa transmissão ao vivo?

     

    Ai de ti, Brasília. Era uma terça-feira de abril, 24, onde todos querem uma resposta.

     

    Chego.

     

    Nesse momento há aeronave no ar. Há uma invasão? Vejo uma pororoca no espaço, indígenas avançam, há forte demonstração de forças. Dão o nome de Tiradentes a toda essa ação das forças de segurança. Quase uma heresia ao mártir, nosso pescoço de herói, onde o comandante sisudo se explica: estava tudo previsto!

     

    Será Tupã quem guia. São gigantes os homens que vejo e me veem. As mulheres, maiores ainda, levantam o braço da força que redime. 

     

    A presença do ministro Sérgio Moro e toda tropa e armas possíveis, na chamada Operação Tiradentes, diante de vários exércitos de tantos povos, guerreiros armados com arcos, paus, bordunas e flechas, deixa tudo muito evidente.

    Com canto e encanto, força bruta, espanta-se meu coração naquele momento. A grande batalha chegou?

    É o XV  Acampamento Terra Livre, a articulação dos povos indígenas numa mobilização nacional. No peito dos índios, bate aeronave que vigia em todo dia. Não é ameaça que os índios trazem, é resistência.

     

    Temem.

     

    Temer jamais, sempre souberam disso. Digam aos povos que avancem, diz o brado no ar. Em tantos momentos, gritam Lula livre, pois não temem a liberdade de ninguém, de nenhum ser ou grão de areia. Afirmam que tudo tem dono, seus espíritos , a ordem das coisas.

     

    Há pajés por todo espaço a cantar pela guarda, guerreiros, chefias. Há paz, há tensão, profundo apreço. Há ciência.

     

    Guardam a memória, entendo bem agora, sabem de onde vem e para onde irão. Além da liberdade não se enganam.

    Conduziram os líderes, entre tanta diversidade, à casa do povo, sob forte segurança.

     

    Via as tropas, via os povos e seus exércitos. E tudo era canto, dança, ordem absoluta no caos das coisas e suas línguas que lambem fogo.

    Aqueles que não temem, delicadeza ou ventura, vieram em breve visita.

     

    Está cheia de ratos nossa bandeira, sangue de índio.

    É a multidão que avança, originária, em sua própria terra. É fato, nada para, cura desenganados.

     

     

    Há uma eternidade em quem caminha, coisa desses povos que transitam, possuem e não desistem.

    Como Karajá e suas lindas asas na cabeça diante do Itamaraty, rio das pedras pequenas na consciência que não se apruma ou desiste, demarco.

    Livre a alma e a mancha em nosso ser. A boca das águas, curvas de rio.

     

    Resistiremos, custe o que custar, afirmam todos.

    *imagens por Helio Carlos Mello©, Jornalistas Livres.

     

     

     

  • Vozes da Terra Livre

    Vozes da Terra Livre

    Cerca de mil indígenas de quase cem etnias acamparam em Brasília, entre 10 e 12 de maio, para exigir a garantia de seus territórios e a manutenção de seus direitos.

    Os Jornalistas Livres estiveram lá e trazem 20 depoimentos de importantes lideranças indígenas do Brasil.

    Guarde estes rostos, escute suas vozes. Em tempos sombrios, são apontamentos importantes do movimento indígena para temas como democracia, representação política, direito ao território, igualdade de gênero e estratégias de luta. Muita luta.

    O Acampamento Terra Livre é organizado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e teve como tema, este ano, o “Direito de Viver”.

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    Sonia Guajajara (MA)

    Coordenação-executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB)

    Sonia Guajajara por Vinícius Carvalho
    Sonia Guajajara por Vinícius Carvalho

    “Reunimos em Brasília mais de cem povos porque acreditamos que a mudança e o respeito estão na força da nossa mobilização e na força da nossa união. Não podemos desistir. Não podemos esperar que outros falem por nós, temos que ter nossos parlamentares levantando a nossa voz. E agora temos um governo declarado contra nós. E o que vai ser uma das prioridades do Governo Temer? A aprovação da PEC 215, a revogação de todas as homologações, portarias e declarações assinadas agora pela presidente Dilma. E nós vamos aceitar? Não! Vamos permitir retrocessos? Não! Esta força tem que vir de nós, da nossa união.  Não podemos ficar esperando que alguém chegue oferecendo apoio para nós,  nós temos que nos organizar nas aldeias, nos municípios e nos estados, do nosso jeito. Nós temos que ter a nossa própria autonomia”.

     

    Ailton Krenak (MG)

    Ailton Krenak por Vinícius Carvalho
    Ailton Krenak por Vinícius Carvalho

    “Aqui estão pessoas que fazem essa luta há 30, 40 anos. Estão aqui na nossa frente pessoas que sabem que o povo indígena nunca foi atendido por governo nenhum, nem por este de agora nem pelos anteriores. Que bom ver aqui jovens que são da idade dos meus filhos, da idade dos meus netos, várias gerações que continuam seguindo o ritmo do maracá, firmes, e que não vão baixar a bola para os brancos. Quando pintei o meu rosto de jenipapo na Assembleia Nacional Constituinte, era exatamente isso que eu falava para os deputados, os ministros e as autoridades do governo. Eu dizia: ‘contra a arrogância de vocês, nós temos nossas pinturas de guerra’, ‘contra a arrogância de vocês, nós temos a força do nosso espírito’ . E é com nosso espírito guerreiro que seguiremos garantindo nossos territórios, seja onde for. Onde as mineradoras derramarem venenos em nossos rios, onde os garimpos e madeireiras entrarem para derrubar nossas florestas, lá estaremos com nossa resistência.  E essa resistência não é de hoje. Como bem disse nossa querida Sonia Guajajara em meio a essa crise política, independente do governo, temos sempre a mesma luta, que é defender nossos territórios e defender a nossa vida.”

     

    Anara Baré (AM)

    Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab)

    Anara Baré por Vinícius Carvalho
    Anara Baré por Vinícius Carvalho

    Sou Anara. Na minha língua indígena, Iandara. Pertenço ao povo Baré, da Terra Indígena do Alto Rio Negro e estou hoje compondo a coordenação executiva da Coiab. Mesmo com todas as dificuldades, temos aqui representantes de cada ponto da nossa Amazônia para poder se juntar às outras regiões nessa luta que é de todos nós. Sou mãe, sou esposa, e para nós mulheres é uma honra estar do lado dos nossos guerreiros carregando, juntos, todas as dificuldades deste governo brasileiro; dessas pessoas que chegaram aqui na nossa terra e acham que nós não existimos. Até quando eles vão achar que nos inibem? Estamos aqui para dizer não à violência, não à discriminação, para dizer que não somos bandidos. Estamos aqui para dizer que, independentemente de região ou de povo, nós somos a nação indígena do Brasil. Pela nossa luta, para que possamos continuar a defender nossa mãe Terra, pelos nossos filhos, queremos convocar a todos para seguir unidos.”

     

    Sarapó Pankararu (PE)

    Articulação dos Povos Indígenas do NE, MG e ES (Apoimne)

    Sarapó Pankararu por Vinícius Carvalho
    Sarapó Pankararu por Vinícius Carvalho

    “Temos ouvido muito falar em duas palavras: golpe e democracia. E nós, povos indígenas, ficamos muitas vezes nos perguntando: é golpe ou não é? Na realidade, quem vem levando golpe há anos somos nós. A portaria 303 é um golpe. A PEC 215 é um golpe. E o que seria a democracia? Para nós, povos indígenas, democracia é ver respeitados os artigos 231 e 232 da Constituição, é ver os povos indígenas respeitados nos direitos que nós conquistamos”.

     

     

    Ednaldo Tabajara (PB)

    Articulação dos Povos Indígenas do NE, MG e ES (Apoimne)

    Ednado Tabajara por Vinicius Carvalho
    Ednado Tabajara por Vinicius Carvalho

    “Vejo agora que a obrigação nossa é reagrupar. Fui o cacique mais novo do Nordeste, hoje sou o segundo mais novo. Fico temeroso. Como vamos entrar em um governo onde a gente nunca foi visto por eles? Como nós, agora, vamos nos organizar internamente para fazermos assembleias em cada povo para abrir essa brecha? Nossa obrigação, enquanto lideranças, é fortalecer nossas organizações. É como se fossem os dedos da gente. Eles podem ser diferentes, mas todos dependem da palma da mão. E eu vejo o movimento indígena como a palma da nossa mão. Arrancaram nossas folhas, quebraram nossos galhos, cortaram nosso tronco, mas esqueceram de tirar a nossas raízes.”

     

    Neguinho Truká (PE)

    Câmara de Vereadores de Cabrobó

    Neguinho Truká por Vinicius Carvalho
    Neguinho Truká por Vinicius Carvalho

    “Sabemos que dentro do Congresso Nacional tramitam, hoje, mais de 120 iniciativas contra nós indígenas. Temos duas mais atrevidas que são a PEC 215 e a PEC 227, que são iniciativas propostas pelo partido que se propõe agora a assumir o governo. Independente se Dilma, Michel ou quem quer que seja, vemos os poderes se comendo entre si para ver quem leva mais vantagem e eu não concordo que, de imediato, a gente tenha que ir lá dar benção ao Temer, não. Já tivemos dois presidentes do PMDB, Sarney e Itamar, e a gente sabe aqui qual política o PMDB usou para regularizar as nossas terras. Acho que devemos esperar. Não temos que dizer sim ou não, temos que defender o que rezam os artigos 231 e 232 da Constituição e a Convenção 169 da OIT. Temos que olhar o passado bem presente em nossas vidas, onde, por exemplo, toda terra só saiu porque lutamos e fizemos autodemarcação. Se eles querem diálogo, que deem um sinal de que querem. Caso contrário, a gente vai fazer o que sempre fez a vida toda ocupando, resistindo, discutindo e provando que eles estão errados. Não é hora de a gente baixar a cabeça”.

     

    Samantha Xavante (ESTADO?)

    Rede de Juventude Indígena

    Samanta Xavante por Vinicius Carvalho
    Samanta Xavante por Vinicius Carvalho

    “O que será que têm de liga entre aquela mulher indígena que está lá no Rio Grande do Sul e aquela mulher indígena que está no Oiapoque? E aquela mulher indígena de São Paulo? Quais os desafios e enfrentamentos que ela passa? Talvez possa ser o mesmo que acontece em Roraima. Então a gente sabe que cada povo tem suas especificidades, mas que é preciso se unir. Ao se unir, a gente se fortalece. E aqui reconhecemos a importância que tem o Acampamento Terra Livre como uma Assembleia de fato que une essa diversidade de povos, de gerações e de gênero também. São homens e mulheres, lideranças de vários tipos de conhecimento, de lutas distintas mas que são também muito parecidas, porque o primordial é a defesa pelos nossos direitos.  Sim, somos mulheres. E, sim, temos enfrentamentos parecidos também com os dos homens, mas temos situações que só nós, mulheres, sabemos”.

     

    Paulo Tupiniquim (ES)

    Coordenação da Articulação dos Povos Indígenas do NE, MG e ES (Apoimne)

    Paulo Tupiniquim por Vinicius Carvalho
    Paulo Tupiniquim por Vinicius Carvalho

    “Ainda existe, na cabeça de alguns governos, a ideia de que no sul, no sudeste e no nordeste os povos indígenas não existem mais. Eu falo que isso é mentira, porque, se não, não estaríamos aqui. Existimos como povos indígenas que mantêm a sua cultura, a sua tradição, o seu ritual, que lutam para que não venhamos a perder  aquilo que nós conquistamos. Quero dizer que a Constituição de 88 foi também uma conquista dos povos indígenas. Os governos e os parlamentares não deram nossos direitos por serem bonzinhos, mas porque nós lutamos muito por eles. E, para nós, indígenas, não precisa de demarcação física para saber se um território é tradicional ou não. Nós conhecemos nossos territórios tradicionais, sabemos onde ele começa e onde ele termina. Se a gente for ter isso em conta, todo território brasileiro é território tradicional indígena. Foram os colonizadores que tiraram nosso sossego, que roubaram nossas riquezas, até nos reduzirem a uma quantidade mínima de povos. Mas não reduziram nossa força e nossa vontade de lutar”.

     

    Cacique Raoni (MT)

     Cacique Raoni por Vinicius Carvalho

     “Os brancos invadiram nossa terra, nós somos os primeiros habitantes. Eu fui orientado pelo grande sertanista Orlando Vilas Boas e seus irmãos para defender todos os povos do Brasil, não só o povo Kayapó. Defendo todos os parentes do Brasil. Essa minha luta que comecei a lutar por todos vocês, comecei quando eu era novo. Agora tenho idade, mas continuo lutando por todos vocês, parentes. Os governantes precisam respeitar a nós. Isso é o que eu tenho para falar. Quando o novo governo assumir, aí eu tenho que chegar nele para conversar com ele”.

     

     

    Joao Neves Galibi (AP)

    Coordenação de Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab)

    Joao Neves Galibi por Vinicius Carvalho

     “Em nome da Coiab, a gente pode o apoio de todas as nossas regionais. Elas fortes é que fazem uma Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) forte, uma APIB que possa estar aqui diariamente em Brasília nos apoiando e nos defendendo. Isso mostra para todos nós e para o Brasil que nós temos força, que nós temos garra. Não é fácil reunir indígenas do Oiapoque ao Chuí, mas estamos aqui. Um dos momentos mais importantes para nós é o momento eletivo, e todos estamos vendo isso. Estamos trabalhando a questão das nossas vereanças, dos nossos deputados. Contamos com poucos nesses espaços. E não falamos aqui só em nome dos povos indígenas, porque os nossos direitos são de todo Brasil e do Mundo. Uma terra demarcada é uma terra preservada, é uma terra inteira, com toda sua fertilidade. E quem usufrui isso? São só os povos indígenas? Não, são todos que moram no Brasil”.

     

    Daiara Tucano (DF)

     Rádio Yandé

    Daira Tucano por Vinicius Carvalho
    Daira Tucano por Vinicius Carvalho

    “Nos últimos anos, sofremos com o crescimento abrupto da violência contra os povos indígenas com o avanço da fronteira agrícola e como reposta às conquistas de nossa luta: a Conferência de Políticas Indigenistas resultou na criação do Conselho Nacional de Políticas Indigenistas, que foi logo questionado pelo novo governo. Neste momento de retrocessos, o movimento indígena mostra sua grande capacidade de se organizar e continuar resistindo em todos os espaços. As canetas não são capazes de anular nosso conhecimento nem nossa união, e estaremos cada vez mais organizados dentro de nossas comunidades sejam elas na retomada, na cidade, no campo ou na floresta. A juventude indígena está cada vez mais consciente de sua capacidade e será impossível silenciar a realidade dos povos indígenas, somos orgulhosos de nossa identidade e dignos herdeiros de nosso conhecimento e estamos preparados para enfrentar qualquer desafio como sempre estivemos até que nossos direitos sejam respeitados como seres humanos e cidadãos. O movimento indígena se fortalece e empodera nos espaços que queriam nos negar: o ensino superior, a comunicação livre e os âmbitos internacionais, fortalecendo sua rede de comunicação e combatendo o genocídio cultural como principal estratégia na defesa de nossas terras sagradas e das vidas de nossas crianças”.

     

    Mariano Guarani

     Coordenação da Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul (ARPIN Sul)

    Mariano Guarani por Vinicius Carvalho
    Mariano Guarani por Vinicius Carvalho

    “Nossos parentes estão à beira das estradas, das cercas, das fazendas, reivindicando seu espaço por dezenas de anos. Quero falar aqui do Vitor Kaingang, uma criança que foi degolada no colo de sua mãe, se amamentando. Então, quando a gente fala em violência aos povos indígenas, não é só do passado que estamos falando. São coisas que acontecem diariamente, nossas lideranças com balas alojadas nos seus corpos, violentadas por milícias promovidas por deputados e políticos da nossa região para atacar nossos acampamentos. Não são coisas do passado, não. É hoje e é na nossa pele. Diante dessa turbulência politica que estamos vivendo, queremos dizer que passou monarquia, passaram presidentes e nossa luta continua”.

    Alberto Terena

    Alberto Terena por Vinicius Carvalho
    Alberto Terena por Vinicius Carvalho

    “Vocês sabem do massacre contra os nossos povos, mas estamos firmes, presentes. E eu quero dizer a vocês: precisamos continuar construindo a nossa resistência, seja no cenário político, social ou comunitário. Precisamos esquecer das diferenças que às vezes existem entre nós, porque, se não, continuaremos sem representação nenhuma nesse Estado. E por que eles estão fazendo isso conosco? Porque a gente ainda não conseguiu adentrar os espaços que eles comandam. Precisamos ter pessoas nossas lá, todos temos capacidade pra isso. E esses dias que temos aqui [no Acampamento Terra Livre] são para isso, pessoal. Vamos fazer disso aqui a nossa aldeia. Se tivermos que sair, vamos sair juntos e mostrar a esse país que nossos povos precisam ser respeitados dentro daquilo que nós conquistamos. E não foram com palmas deles que conquistamos isso. Foi com o movimento indígena, com a luta daqueles que estiverem em nossas frentes lutando para que nossos direitos estivessem lá hoje assegurados na Constituição. Nós continuaremos buscando aquilo que nós conseguimos. Fomos chamados de invasores, baderneiros. Vamos correr? Vamos fugir? Jamais, jamais.”

     

     

    Jaqueline Kaiowa  (MS)

    Jaqueline Kaiowa por Vinicius Carvalho
    Jaqueline Kaiowa por Vinicius Carvalho

    “Meu nome é Jaqueline e sou Kaiowa do Mato Grosso do Sul. Venho aqui falar em nome de Damiana, de Waldenice, de Simião, venho falar em nome de todos os guerreiros e guerreiras que estão hoje nas áreas de retomada e por isso não podem estar aqui hoje. Venho falar, em especial, da força da mulher Guarani-Kaiowa; de Waldenice, que está na Corte Interamericana fazendo mais uma denúncia. E dizer que muitos das retomadas Guarani Kaiowá não podem vir porque precisam estar lá fazendo a segurança do nosso povo”.

     

     

    Álvaro Tukano (AM)

     Direção do Memorial dos Povos Indígenas

    Álvaro Tukano por Vinicius Carvalho
    Álvaro Tukano por Vinicius Carvalho

    “Venho de uma região na fronteira com a Colômbia e a Venezuela, que é São Gabriel da Cachoeira. Venho de uma militância do movimento indígena local, desde 1970. Hoje estou aqui como Diretor do Memorial dos Povos Indígenas, e em nome desta luta quero saudar cada um de vocês, homens e mulheres que são meus irmãos, meus primos, meus sobrinhos. Eu vi ontem o filho do Mário Juruna, outros órfãos de tantos guerreiros que estão nesta plenária para continuar a acreditar, ter fé, olhar longe e reconhecer os passos de uma longa caminhada. Quero dizer ao Estado, na pessoa do presidente da Funai, que ele tem caneta e é aplicador de leis para garantir os nossos direitos. Tenho sido cobrador de leis nesse país para demarcar os territórios indígenas, e tenho certeza de que o Santuário dos Pajés não está fora dessa lista de reivindicações aqui em Brasília.”

     

     

    Cretã Kaingang (RS)

    Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul (ARPIN Sul)

    Cretã Kaingang por Vinicius Carvalho
    Cretã Kaingang por Vinicius Carvalho

    “Mesmo com todos os nossos direitos conquistados, nós sabíamos que o Brasil ia chegar nesse momento político. Sempre falo que eu não sou de partido politico nenhum. Minha formação se chama causa, e a causa diz para lutar até o último guerreiro. E esse dia chegou, essa hora chegou. A gente sabe que nunca vamos ter um governo que trate a nós como povos originários e que nos inclua nas suas politicas. Jamais. É só tirar de nós e não nos dar nada. Não importa se A, B ou C que vá entrar, nós temos que estar preparados.  Se queremos criar nossa nação independente, vamos precisar lutar sim, independente de perder nossas vidas como muitos de nossos pais”.

     

    Ceiça Pitaguary (CE)

     Departamento de Mulheres Indígenas da Articulação dos Povos Indígenas do NE, MG e ES (Apoimne-DPI)

    Ceiça Pitaguary por Vinicius Carvalho
    Ceiça Pitaguary por Vinicius Carvalho

    “Nesse ano, tivemos um diferencial no Acampamento que foi uma plenária específica das mulheres indígenas. Trouxemos suas vozes das aldeias e das suas regiões, mostramos o que elas passam, o que estão fazendo e o quanto podem contribuir com esse movimento. Não para dividir e querer ser melhor do que ninguém, mas para colocar claramente nossa voz e nossa participação nessa luta”.

     

     

    Darã Tupi-guarani

    Articulação dos Povos Indígenas de RJ e SP

    Darâ Tupi-guarani por Vinicius Carvalho
    Darâ Tupi-guarani por Vinicius Carvalho

    “Venho em nome do meu povo defender os direitos que temos na Constituição  Brasileira. Nossos irmãos indígenas estão sendo assassinados, todo dia tem parente sendo ameaçado e baleado, nossas mulheres estão sendo estupradas, e a imprensa não fala nada. Esse país era nosso, já existia nosso povo aqui e essa história de que os portugueses descobriram o Brasil é uma grande mentira. Queremos que a imprensa divulgue aquilo que estamos passando. E se tem alguns políticos que viram as costas para nós, está chegando a eleição. Parentes, vamos ver os parentes candidatos a vereador. Vote nos nossos parentes porque eles é que vão lutar por nós. Pedimos apoio também aos nosso amigos ribeirinhos, a todos os movimentos sociais. Nessa hora, precisamos nos unir contra isso que está ocorrendo nesse país”.

     

    Arildo Terena (MS)

     Secretaria municipal de assuntos indígenas de Dois Irmãos do Buriti

    Arildo Terena por Vinicius Carvalho
    Arildo Terena por Vinicius Carvalho

    “Cadê os deputados que nós apoiamos? Apareceu algum em nossa marcha? Não, não veio ninguém. Falo isso porque precisamos nos organizar e ter vereadores da nossa comunidade. Esse é o momento. Mas para isso nós temos que esquecer as diferenças entre as nossas lideranças. Não podemos nos bater entre nós, precisamos nos bater com o homem branco. Puxar saco de prefeito? Puxar saco de governador? A gente só presta para eles quando está servindo para alguma coisa. Mas quando a gente não serve mais para nada, nós somos jogados fora. Mas com nosso patrício não, a gente conhece, sabe onde ele mora. Falo isso porque tem quatro mandatos em Dois Irmãos do Buriti que nós temos os nossos vereadores, conseguimos criar a secretaria municipal de assuntos indígenas.

    Fortaleçam, meus irmãos! Vamos colocar patrícios que pisem no chão e digam: vocês me colocaram aqui, e eu respeito vocês.“

     

     

    João Pataxó

    João Pataxo por Vinicius Carvalho
    João Pataxo por Vinicius Carvalho

    “Precisamos nos apropriar, nas discussões políticas, de um contexto que vai muito além de nossas próprias aldeias. Então, quando a gente pensa em terra e território indígena, são coisas completamente diferentes. Terra, na visão do não indígena, é simplesmente uma mercadoria e essa ressignificação pelos brancos é totalmente contrária àquilo que temos como ancestralidade. Para nós, território é muito mais do que isso. E, quando falo em território, não estou me referindo apenas ao espaço físico onde nos reproduzimos culturalmente, socialmente, politicamente e economicamente. Também falo em territorialidade de espaços políticos como a Funai, a Câmara dos Deputados, o Senado e outras instâncias onde precisamos ser ouvidos. Não basta somente ser ouvidos no Acampamento Terra Livre ou em manifestações na rua onde paramos o trânsito. Precisamos avançar numa territorialidade que vá mais além do espaço territorial delimitado e reconhecido pela Funai.”