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  • 1964 foi golpe, 2016 também

    1964 foi golpe, 2016 também

    Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História na Universidade Federal da Bahia

    Ninguém gosta de trazer a palavra “golpista” escrita na testa. É feio, não pega bem. Por isso, as experiências de ruptura políticas sempre têm sua memória disputada. Os que tomaram o poder se dizem “revolucionários”, ou “defensores da lei, da ordem e do interesse público”.

    Ninguém aqui vai duvidar que “revolucionário” e “defensor da lei” soam aos ouvidos bem melhor que “golpista”. Já os que foram derrubados produzem outra memória e gritam “golpistas”, com o dedo em riste.

    É necessário estabelecer um critério capaz de definir com mais rigor se uma determinada experiência de ruptura política pode mesmo ser definida como um golpe de Estado. É isso que tento fazer neste texto, em um exercício de síntese histórica.

    Tomo como exemplos as rupturas políticas que aconteceram no Brasil em 1964 e em 2016. Dois golpes de Estado. Golpes diferentes, sem dúvida. O tempo passa e quase tudo no mundo se transforma, até mesmo os golpes.

    Desobedecer as leis estabelecidas não é um bom critério para sabermos se uma ruptura política é ou não um golpe de Estado. Digo isso porque a lei, antes de qualquer coisa, traduz um equilíbrio de forças. Ou pra ser mais direto: a função da lei não é apenas regular o convívio social. A lei também alimenta relações de poder, dividindo a sociedade em ricos e pobres, patrões e empregados, proprietários e despossuídos.

    Em alguns momentos da história, a lei legitimou a escravidão. Um movimento social que desobedece a lei que legitima a escravidão de seres humanos pode ser chamado de golpista? O grupo político que lidera a derrubada de um governo que mata e tortura seus adversários é golpista?

    Pra saber com clareza se a ruptura foi um golpe é necessário saber como estava a sociedade antes da coisa acontecer.

    Se as forças que derrubaram o governo tinham o interesse de manter a desigualdade social, é porque o governo derrubado tentou, de alguma forma, promover justiça social. É assim que os golpes acontecem.

    Vejamos o que estava acontecendo no Brasil nas vésperas dos golpes de 1964 e de 2016. Tínhamos nas duas ocasiões governos legitimamente eleitos e que eram alvo de críticas da sociedade civil. Dois momentos de crise, de tensão social.

    João Goulart era presidente em 1964. Dilma Rousseff era a presidenta em 2016. Ambos eram herdeiros de padrinhos a quem deviam grande parte de seu capital político. Goulart foi ungido por Getúlio Vargas. Dilma foi escolhida por Lula. Getúlio Vargas e Lula, os dois maiores personagens da história política brasileira.

    João Goulart e Dilma foram ousados, tentaram transformar as estruturas da sociedade brasileira. Goulart queria fazer as “reformas de base” (reforma agrária, reforma eleitoral, reforma urbana, reforma fiscal). O que o presidente João Goulart queria?

    – Permitir que o trabalhador rural tivesse acesso à pequena propriedade. Era uma reforma agrária tímida, que tinha como alvo terras improdutivas, em beira de estrada, e ainda propunha indenizar os proprietários com títulos da dívida pública. Nem se compara com a reforma agrária feitas em países comunistas, como Cuba e URSS. Goulart estava muito longe de ser comunista.

    – Estender o direito do voto a analfabetos e militares de baixa patente. Ou seja, aprimorar o funcionamento da democracia burguesa representativa. Muito longe do projeto de “governo do partido”, típico dos países comunistas.

    – Racionalizar a divisão do espaço urbano, garantindo para todos o direito à moradia digna. Também aqui, a proposta não era atacar a propriedade privada, mas, sim, atribuir uso social a imóveis desocupados e prédios públicos sem utilização. Nada a ver com comunismo.

    – Tornar o sistema tributário brasileiro mais justo. Ou seja, quem tem menos dinheiro paga menos impostos e quem tem mais dinheiro paga mais impostos, incluindo aí as grandes empresas estrangeiras. Nem cheiro de comunismo.

    O projeto reformista de Goulart se mostrou ousado para a realidade do capitalismo periférico brasileiro, assustando parte da sociedade. Os empresários, setores da classe média e da Igreja Católica foram às ruas protestar contra as reformas de base.

    Então, a sociedade civil estava contra João Goulart?

    De forma alguma. “Sociedade civil” é muita gente. João Goulart era bastante popular e contava com apoio da maior parte da população brasileira. É possível medir esse apoio através de dados objetivos, como os resultados eleitorais.

    João Goulart foi eleito três vezes num espaço de oito anos. Foi eleito em 1955 e em 1960 para o cargo de vice-presidente da República. Sim, na época votava-se também para vice-presidente. Em janeiro de 1963, realizou-se um plebiscito onde a grande maioria da população escolheu entregar plenos poderes presidenciais a João Goulart. Na prática, o plebiscito foi uma outra eleição.

    Em 1º de abril de 1964, portanto, a minoria derrotada nas urnas e assustada com o projeto reformista de João Goulart fez acontecer um golpe de Estado.

    Dilma

    Ao ser golpeada, Dilma Rousseff estava no seu segundo mandato. Quando iniciou seu primeiro governo, em janeiro de 2011, Dilma confrontou interesses muito poderosos. Começou fazendo uma faxina no seu Ministério, demitindo todos os ministros envolvidos com corrupção.

    A partir de então, Dilma tomaria o combate à corrupção como a grande agenda de seu governo. As instituições responsáveis por investigar crimes de colarinho branco tiveram sua autonomia respeitada. Ministério Público e Polícia Federal foram tão fortalecidos que começaram a disputar espaço e atribuições um com o outro.

    Dilma, assessorada por José Eduardo Cardozo, seu ministro da Justiça, permitiu que a Polícia Federal fosse buscar seus aliados em casa, às 6 da manhã. Para Dilma, não importava quem era o investigado. Mesmo sendo aliado, deveria pagar pelos seus malfeitos. Corajosa e, segundo alguns, imprudente.

    Dilma resolveu ainda comprar outra briga, agora com os bancos. Dizendo que a taxa de juros no Brasil não era civilizada, Dilma usou a caneta para baixar os juros dos bancos públicos (Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal). Os bancos privados ficaram desesperados, é claro. Qual cliente é louco de pagar mais caro quando pode pagar menos?

    Em maio de 2013, a taxa SELIC atingiu o menor valor na série histórica. Dilma ostentava impressionantes 80% de apoio popular, índice de aprovação que nem Lula conseguiu alcançar.

    Animada com o sucesso, Dilma decretou que as riquezas do pré-sal deveriam ser distribuídas para a Educação e para a Saúde.

    Nas sombras, os políticos, os bancos, as corporações petrolíferas internacionais e a mídia hegemônica começaram a conspirar. Dilma precisava sair do Palácio do Planalto. A sangria tinha que ser estancada. Formou-se, então, um poderosíssimo bloco de oposição.

    A imagem de Dilma foi desconstruída, atacada, de todas as formas possíveis. Não foi o bastante. Dilma venceu as eleições de 2014. No segundo mandato, os ataques ficaram ainda mais violentos.

    Já que as urnas não resolveram o problema, o bloco de oposição se transformou em coalizão golpista. Como os tempos eram outros e um golpe militar clássico não era opção, foi necessário inventar um outro tipo de golpe, um golpe clean.

    Os ritos da democracia foram manipulados para dar aparência de legitimidade ao golpe de Estado.

    Inventou-se um crime de responsabilidade. Acusaram Dilma de fraude orçamentária. Técnicos negaram a autoria de Dilma, dizendo que ela era inocente.

    Usando esse pretexto, o Congresso Nacional, formado pelos políticos assustados com a limpeza que Dilma vinha fazendo desde 2011, golpeou a presidenta.

    De 1964 a 2016 muita coisa mudou no Brasil. Mas, infelizmente, algo sobreviveu: a falta de apreço dos poderosos pela democracia e pela justiça social. Ao se verem acuadas por um governo que não atende à totalidade de seus interesses, as elites brasileiras deixam de lado suas diferenças e se unem em conspirações golpistas.

    Não é possível mudar o passado. Os golpeados foram golpeados e nada será capaz de reparar a injustiça e o crime. Porém, é perfeitamente possível evitar novos golpes e fortalecer nossa democracia. Pra isso, é necessário produzir memória e divulgar a nossa história, dizendo sem medo de errar: 1964 foi golpe. 2016 também.

     

  • É hora de lutar!

    É hora de lutar!

    Se existisse uma máquina do tempo, o que vc faria para evitar que o Brasil vivesse a tragédia dos 24 anos de Ditadura Militar, com seus assassinatos, torturas e prisões arbitrárias?

    O que vc faria para defender aquele governo, de João Goulart, que estava promovendo a Reforma Agrária e tantas outras reformas de base, que poderiam ter evitado a fome e a miséria do povo brasileiro? Que poderiam ter evitado que nos tornássemos campeões em desigualdade social? Que poderiam ter incluído a população negra, os nordestinos e os moradores das periferias no usufruto das imensas riquezas deste país?

    O que vc faria?

    O que vc está fazendo hoje, para evitar o triunfo, neste 2016, das mesmas forças que apoiaram o golpe de 1964?

    A derrota só é irreversível para os covardes. Hoje é dia de lutar!

  • EM ATO NA UNIFESP INTELECTUAIS COMPARAM CENÁRIO ATUAL À GOLPE 64

    EM ATO NA UNIFESP INTELECTUAIS COMPARAM CENÁRIO ATUAL À GOLPE 64

    O Ato pela Legalidade, Democracia e Universidades Públicas na Unifesp, debateu a fragilização que a votação do golpe impõe à nossa democracia. A comparação dos dias de hoje com o ano sombrio de 1964, do Golpe Militar, esteve em quase todas falas dos palestrantes.

    O professor do Instituto de Economia da Unicamp, Eduardo Fagnani disse que “parece que não evoluímos e esse golpe mostra isso. A história continua e ela não vai terminar com esse episódio grotesco de domingo”, declarou.

    Para o juiz André Bezerra o papel policial e judicial na política vem se impondo sobre os demais. “Quero ressaltar o quadro político e jurídico que tem protagonismo na ordem de prisão. Esse é um quadro que não afeta a classe média, mas sim as pessoas mais excluídas e com menos poder. Mas por quê? Porque esse quadro é muito semelhante ao de 1964, onde em nome de um suposto combate à corrupção, tirou-se um presidente legítimo e instaurou-se a ditadura. Mais uma vez na nossa história esse combate à corrupção vem à tona”.

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    A defesa da população pobre foi a tônica de sua fala. “Tenho três fundamentos pra explicar o perigo desse discurso: ao falar de impunidade à corrupção o judiciário exclui que o Brasil tem a quarta maior população carcerária do mundo, em sua maioria por pessoas pobres. Em segundo lugar, exclui o discurso de liberdade pública, que tem origem liberal, esses que nossas elites econômicas dizem, mas só dizem, defender. Em terceiro lugar é um discurso que fortalece os salvadores da pátria”, explicou o juiz.

    O sociólogo e jornalista, professor da USP, Laurindo Lalo Leal disse que “estamos às vésperas de um golpe de estado e precisamos combatê-lo. Não podemos nos desestabilizar, mesmo que a mídia golpista fique martelando o fascismo nessa sociedade”,

    E André Roberto Espinosa, ex-preso político e professor da Unifesp, acrescentou que a mídia golpista tenta desestabilizar aqueles que estão lutando contra o golpe.

    Já o jornalista Breno Altman, editor do Opera Mundi, firmou a questão dizendo que “quem não entendeu ainda que o golpe tem um elitismo de classe, que esse golpe é um retrocesso como nunca visto desde 64, não entendeu nada!”

    Também esteve presente no ato o presidente do Sindicato dos Jornalistas do Estado de São Paulo, Paulo Zocchi que defendeu que hoje, diferentemente de 1964, os jornalistas tem organização e condições melhores para enfrentar e prosseguir na luta.

    Para finalizar, o ex-senador Eduardo Suplicy, mitou exigindo que uma mulher estivesse na mesa e animou a torcida: “Todos aqui irão, assim como eu, na manifestação no Vale do Anhangabaú domingo? Quero todo mundo lutando pela nossa democracia porque #NaoVaiTerGolpe!!!

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  • O aposentado Geraldo Magela da Tridade tem motivos de sobra para estar nas ruas:

    O aposentado Geraldo Magela da Tridade tem motivos de sobra para estar nas ruas:

    Vítima do golpe militar de 1964, ele sabe muito bem o que a sociedade brasileira aguarda se a aventura golpista se concretizar. O militante do Núcleo em Defesa da Democracia – coletivo de assessores parlamentares formado e atuante no Congresso Nacional – Geraldo está assustado com o germe do fascismo que teima em brotar no Brasil. “Depredação de sindicatos, hostilização de quem usa vermelho, médicos que não prestam atendimento por divergências ideológicas, isso tudo significa o início do fascismo, que vem a ser a intolerância ao diferente”, explica.

    Entretanto, diante de tanto ódio, Geraldo também enxerga a esperança. Para ele, o Acampamento pela Democracia, levantado ao lado do Ginásio Nilson em Brasília, é a mais pura expressão da solidariedade que marca a esquerda. “Aquilo ali é uma cidade”, espanta-se, “e a divisão de tarefas entre os acampados mostra a unidade na luta que construímos”. O aposentado está animado com o clima político e acredita que o processo de impeachment não vai vingar. “Imagina o quanto estão assustados com toda essa mobilização”, diverte-se, para então finalizar: “jamais imaginei passar por outro golpe novamente, mas já que tentam um agora, é obrigação estar nas ruas fortalecendo os movimentos sociais”.

  • Os mortos do 1º de abril de 1964

    Os mortos do 1º de abril de 1964

    Os primeiros mortos da ditadura civil-militar tinham ainda a lembrança do discurso de João Goulart para mais de um milhão de pessoas.

    O primeiro dia do mês de abril é conhecido como o dia da mentira. Mas 1º de abril de 1964 não se trata de uma mentira na história do Brasil. Nenhuma anedota inocente deixaria 434 mortos e desaparecidos — conforme relatório final da Comissão Nacional da Verdade -, transformaria a tortura em prática estatal, cercearia a liberdade de imprensa, cassaria mandatos de opositores, censuraria músicas, filmes e peças de teatro e manteria uma lista de livros proibidos.

    Para muitos, ventos golpistas começaram a soprar dez anos antes. Em 24 de agosto de 1954, Getúlio Vargas não viu outra saída para o cenário em que se encontrava completamente isolado politicamente e envolto em uma tentativa de assassinato a não ser dar um tiro no próprio peito.

    Depois disso, três presidentes ocuparam interinamente a Presidência da República até o mineiro Juscelino Kubitscheck colocar em prática o seu ousado plano de 50 anos em cinco. Responsável pela idealização da moderna capital federal no centro do país, JK ainda é considerado símbolo de um governo moderno. O país estaria pronto para um salto para o progresso?

    Nas eleições de 1960, a população transmitiu sua opinião diante de um quadro eleitoral confuso. Elegeu o candidato oposicionista Jânio Quadros para a sucessão de JK. O vice, no entanto, que também era eleito por voto popular, seguiu sendo o mesmo: João Goulart, o Jango.

    O mandato de Jânio foi breve. Talvez já ouvindo o som do avanço dos militares, renunciou menos de oito meses após a posse. A partir do dia 7 de setembro de 1961 o trabalhista João Goulart assumiu a Presidência.

    Mais de um milhão na central do Brasil pelas reformas estruturanes de Jango. Foto: Divulgação

    A marcha dos golpistas estava cada vez mais perto quando Jango propôs um ousado programa de metas que visava, enfim, refundar o país. Na reforma agrária, previa expandir os direitos dos trabalhadores da cidade até o campo e desapropriação da terra que não cumprisse sua função social. Na educação, queria expandir o método Paulo Freire, que dava voz ativa aos oprimidos no processo de alfabetização. Na economia, propôs limitar a remessa de lucros das empresas estrangeiras. Também pensou em devolver o Partido Comunista Brasileiro à legalidade e estender o direito a voto aos analfabetos. Os militares, porém, acharam que Jango estava indo longe demais.

    Reforma agrária, a primeira vítima

    Foi no campo que as primeiras mortes da ditadura militar aconteceram. Mais precisamente no interior de Minas Gerais. O sonho da reforma agrária foi o primeiro que a ditadura militar tratou de pegar pelo pé e jogar no chão

    No dia 13 de março de 1964, da Central do Brasil — no Rio de Janeiro — Jango falou ao Brasil mais profundo. Reunindo mais de um milhão de pessoas na capital carioca, o presidente destacou as ameaças à democracia. Não era o povo nas ruas, como faziam crer os defensores da tradição, família e propriedade. A verdadeira ameaça era quem, nas palavras do presidente, se mostram “surdos aos reclamos da nação pelas reformas de estrutura, principalmente a reforma agrária”.

    Em algum rádio de pilha no interior de Minas Gerais sua voz ecoou na cabeça de três sonhadores: Paschoal Souza Lima, Otávio Soares da Cunha e seu filho Augusto Soares de Lima. Os três defensores da reforma agrária foram os primeiros mortos da ditadura militar.

    Paschoal não chegou a ver nenhum dia do período obscuro que atingiu o Brasil por 21 anos. No dia 30 de março de 1964, estava reunido com lideranças do Sindicato dos Trabalhadores da Lavoura em Governador Valadares quando foi morto com um tiro na testa. Não há foto dele nos registros da Comissão Nacional da Verdade.

    Na época, João Pinheiro Neto era superintendente da Supra — Superintendência da Reforma Agrária — e entregaria na cidade as primeiras terras aos colonos cadastrados no sindicato. Por conta do clima político a solenidade foi cancelada. Os fazendeiros da região, reunidos em milícia para evitar qualquer tentativa de democratização de suas terras, cercaram e metralharam a sede do sindicato.

    Augusta e Otávio Soares de Lima: a reforma agrária sofreu o primeiro golpe — Foto: CNV

    O clima de “caça aos comunistas” já estava presente desde o primeiro momento daquele regime de exceção. Tanto que, dois dias depois, no primeiro dia do governo Castelo Branco, a mesma cidade de Governador Valadares foi novamente palco de duas mortes: Otavio Soares da Cunha e seu filho Augusto Soares da Cunha.

    Também defensores da reforma agrária na região, ambos foram surpreendidos na frente de casa por fazendeiros que agiram em nome do Estado brasileiro. Augusto morreu na hora. O pai dele chegou a ser socorrido, mas faleceu três dias depois.

    A família Soares conseguiu que se abrisse um inquérito para a investigação da morte de ambos, mas a Justiça Militar absolveu os acusados por “estarem trabalhando em nome da revolução” para os “batalhões patrióticos”. Os patriotas defensores do verde-e-amarelo vestiam verde-oliva a partir daquele dia primeiro de abril.

    Estudantes como alvos

    Bem longe dali, na capital pernambucana, estudantes tomavam conhecimento de que teriam que lutar para que a democracia retornasse ao Brasil. A sede do governo pernambucano, o Palácio Campo das Princesas, foi cercada pelo Exército que exigia a renuncia do então governador Miguel Arraes. Para “não trair a vontade dos que os elegeram”, Arraes se recusou a deixar o cargo, só saindo do palácio preso.

    Jonas e Ivan: Mortos por defender o governo eleito — Foto: CNV

    Automaticamente, estudantes ocuparam a Faculdade de Engenharia do Recife quando o Exército invadiu o prédio e expulsou todos. Nas ruas para defender o governador eleito e alertando a população contra o golpe militar que estava acontecendo, o grupo queria chegar até o palácio do governo. No caminho, foram surpreendidos por um piquete de militares que atirou para o alto. Os estudantes não se intimidarem e começaram a lançar pedras e cocos contra o grupo, que respondeu fazendo vários disparos em direção ao piquete. Desse confronto acabaram saindo dois mortos: Jonas José de Albuquerque Barros, de 17 anos; e Ivan Rocha Aguiar, de 23.

    O primeiro desaparecimento político

    Uma prática comum na ditadura brasileira era o desaparecimento de corpos. Ari de Oliveira Mendes foi o primeiro dos 210 cujos restos mortais nunca foram encontrados. Labibe Elias Abduch foi a primeira estrangeira. A primeira mulher. A primeira mãe

    Nada se sabe sobre Ari nas 1996 páginas do volume dedicado aos mortos e desaparecidos políticos da Comissão Nacional da Verdade. Nem data de nascimento, nem pai, nem mãe. Labibe era dona de casa, natural da Síria, e foi pra rua como uma mãe preocupada em saber sobre seu filho que estava no Rio Grande do Sul.

    Populares cercaram e tentaram invadir o clube militar carioca e foram reprimidos a bala. De acordo com o relatório da Comissão Nacional de Verdade, ambos vieram a óbito no Hospital Souza Aguiar. A edição do dia 2 de abril de 1964 do jornal carioca “O Globo” celebrava triunfante na capa: “ressurge a democracia!”.

    Paschoal, Otavio, Augusto, Jonas, Ivan, Ari e Labibe morreram acreditando. Morreram sem ver no que se transformaria a ditadura que estava recém-parida naquele dia da mentira. Mas a história mostrou que tinham razão. Não há motivo maior de sair as ruas do que devolver a voz ao povo.

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