FLIP começa hoje com mais mulheres e negros, mas com menos estrutura e vagas para o público

Presença de mulheres e homens negros entre os autores atrai um público mais heterogêneo

Sob o emblema da insubordinação negra do escritor brasileiro Lima Barreto e a presença massiva de autoras mulheres, a Feira Internacional de Literatura de Paraty (FLIP) inicia oficialmente nesta quarta-feira (26/7), às 19 horas, agarrando a tarefa que costuma engajar a escritura em tempos de exceção: a da resistência. Além de vir a ser um território para a literatura das minorias políticas, que derrubaram seus muros para a entrada de negros, mulheres e autores ligados a grupos e etnias não referenciados pelo mercado editorial, o maior evento de literatura do Brasil terá que lutar por sua própria sobrevivência. Os reflexos na redução de 30% do seu orçamento, determinada pelos cortes dos recursos do Governo Federal, principalmente, já são evidentes para o público que começou a chegar em Paraty já no final de semana. Eles vão encontrar uma FLIP mais heterogênea e inclusiva, porém, contraditoriamente encolhida, para não dizer desprestigiada pelo Governo Temer.

Uma programação bem mais enxuta do que as anteriores já denuncia por si só os efeitos do menor orçamento desde que a FLIP iniciou em 2010 e se tornou um evento de fama internacional. Em vez da grande tenda para 800 pessoas, a Igreja Matriz de Nossa Senhora dos Remédios abrigará metade desse público, restrito a convidados e pagantes dos ingressos, vendidos a R$ 55,00, e esgotados logo na abertura das vendas, em 13 de junho.  Além da transferência para a igreja, diversas oficinas e programas educacionais que ocorriam paralelamente à programação oficial foram suspensos pela Associação Casa Azul, responsável pela organização da Festa, para que os cortes não inviabilizassem sua realização, conforme o diretor-presidente, o arquiteto e urbanista Mauro Munhoz.

Em abril, o  diretor anunciou à mídia que a restrição de lugares para as palestras dos autores seria compensada pela ampliação do número de lugares na tenda de projeção, os quais passariam de 200 para 700. A poucas horas antes da abertura oficial, contudo, ninguém viu essa possibilidade se concretizar no espaço montado ao lado da Igreja Matriz de Nossa Senhora dos Remédios, onde permanece a mesma estrutura. “Estou impressionada de ver como a programação e os ingressos foram reduzidos”, lamenta Ângela Palomo, produtora de cinema, que mora entre a capital do Rio de Janeiro e Paraty. “É duro pensar que não teremos mais a grande tenda ao ar livre, um acontecimento único e marcante no Brasil”, acrescenta ela, que acompanha a feira desde sua primeira edição. Ninguém com quem se fale transitando pelas ruas de Paraty conseguiu ingressos, nem mesmo muitos jornalistas credenciados.

Nas vésperas do grande evento, o público de jovens, artistas, intelectuais e ativistas sociais atraídos pela diversidade política dos autores parecia estar disposto a fomentar a vocação de resistência da literatura. No dia Internacional da Mulher Negra, grupos de músicos se alternavam no esquenta da FLIP, na Praça da Matriz, sacudindo o público com melodias e letras alusivas à luta contra o racismo e ao orgulho negro. Depois dos protestos da edição passada pela baixa representatividade de mulheres e negros, a atual curadora, a jornalista e biografista Josélia Aguiar, defendeu o fim da supremacia branca e masculina. Josélia configurou as 22 mesas de palestras e debates com a participação de 24 mulheres e 22 homens.

A aliança entre povos subjugados não podia ter atravessado a literatura em hora mais necessária. Lima Barreto, que era um feminista de vanguarda no Brasil imperial e uma pena insubmissa contra o racismo e toda sorte de discriminação social, opera como uma espécie de guerreiro póstumo no front de batalha dessa minoridade política que rasga seu território na FLIP.  A lista de estrelas negras contempla Scholastique Mukasonga, da etnia tutsi, de Ruanda, Marlon James, da Jamaica, os brasileiros Conceição Evaristo e Lázaro Ramos, que na abertura fará uma dramatização especial da obra de Lima Barreto, criada por Lilia Schwarcz, com direção de cena de Felipe Hirsch.

O feminismo será tratado pela angolana Djaimilia Pereira de Almeida e pela autora Deborah Levy, Beatriz Resende, Carol Rodriguez, Natalia Borges Polesso, Noemi Jaffe, Scholastique e Conceição Evaristo, que ao lado de Ana Maria Gonçalves fará uma homenagem às escritoras africanas. Em casa, nas artes, na política ou nas fábricas, a mulher sempre deu duro, como escreveu o próprio Lima Barreto: “Então a mulher só veio a trabalhar porque forçou as portas das repartições públicas? Ela sempre trabalhou, aqui e em toda a parte, desde que o mundo é mundo; e até, nas civilizações primitivas, ela trabalhava mais do que o homem”.

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Jornalistas Livres

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