Islam Hamed, um palestino-brasileiro de 30 anos, se mantém em greve de fome há 55 dias em sua cela, na Palestina ocupada. Ele havia sido preso pela Autoridade Nacional Palestina em 2010, sem nenhuma acusação, tendo sua pena expirada em 2013.
Islam foi também preso em 2002 por Israel, aos 17 anos, por jogar pedras contra os tanques das forças de ocupação. Em 2007, somente nove meses após sua soltura, foi mais uma vez preso por Israel, sob a acusação de que apresentava uma “ameaça à segurança”, sendo libertado três anos depois. O estado de saúde do palestino-brasileiro tem se deteriorado, e, de acordo com membros de sua família, ele tem sofrido tortura física e psicológica. Na última quarta-feira a prima de Islam, Aline Baker, e a ativista Soraya Misleh concederam entrevista durante coletiva de imprensa realizada em São Paulo.
Aline Baker segura foto de primo ‐ Foto: Pedro Marin / Revista Opera.
Aline afirmou que a Embaixada Palestina havia prometido libertá-lo até a última terça-feira (2), o que não ocorreu. Segundo a ANP, Islam segue preso para que se evite uma nova prisão por parte de Israel, e exige salvo-conduto para libertá-lo. Aline afirmou também que o Governo brasileiro declarou estar “intensificando as negociações”. A família pede que ele seja levado até a Embaixada brasileira até que se resolvam os trâmites para seu retorno ao Brasil.
“Viemos aqui falar para vocês da outra tragédia que iremos lutar para evitar: a perda do nosso território e da nossa vida. Nós não viemos negociar com vocês, porque não se negocia nem território nem vida. Nós somos contra a construção de barragens que matam a terra indígena, porque elas matam a cultura quando matam o peixe e afogam a terra. E isso mata a gente sem precisar de arma. Vocês continuam matando muito. Vocês simplesmente matam muito. Vocês já mataram demais, faz 513 anos.”. 4 de junho de 2013, Vitória do Xingu, Carta número 9: Tragédias e barragens (a luta não acaba nem lá nem aqui)
O texto acima é parte de um conjunto de dez cartas endereçadas ao governo federal escritas por lideranças indígenas Munduruku e de outras etnias a partir do canteiro de obras da usina hidrelétrica de Belo Monte, que na ocasião foi ocupado por cerca de um mês em protesto contra a construção de uma série de hidrelétricas nos rios Xingu, Teles Pires e Tapajós.
Elas são fruto de um processo de resistência encabeçado por diversos povos nativos do Brasil em defesa de seu território e de seu modo de vida contra grandes empreendimentos do governo previstos na Amazônia.
Foram escritas para dar voz à gente que vive nos rios em que o governo está construindo barragens: Munduruku, Juruna, Kayapó, Xipaya, Kuruaya, Asurini, Parakanã, Arara, pescadores e ribeirinhos. “Nós somos da Amazônia e queremos ela em pé. Nós somos brasileiros”, diz trecho da primeira carta divulgada durante a ocupação.
Foto: Fábio Nascimento/Greenpeace
Os rios que cortam a Amazônia são fundamentais para os habitantes da floresta. O regime de seca e cheia das águas moldou a vida dessas populações ao longo de centenas de anos. Além de principal fonte de alimentação e meio de transporte, os rios fazem parte da cosmologia dos povos que vivem ali. Interferir nessa dinâmica é interferir brutalmente na forma como eles vivem, e até na sua sobrevivência.
É o que tenta explicar aos “pariwat” (como os Munduruku chamam os não-índios), o historiador Munduruku Jairo Saw: “O rio faz parte de nós porque nos dá vida. Os nossos antepassados deixaram esse patrimônio pra gente, por isso temos que cuidar. A natureza tem uma lei, se a gente violar, teremos consequências. Os pariwat nunca vão entender. O impacto é também cultural, psicológico e espiritual. Pra nós [a construção de barragens] é uma ofensa, uma violação dos nossos direitos”, afirma Saw.
Não é contra as hidrelétricas, é pelos direitos indígenas
De 1970 até hoje, a Amazônia já perdeu 19% de sua floresta. Após diversos momentos de exploração da região, como a borracha, a extração de ouro e minérios, a comercialização de madeira e a expansão do agronegócio, vivemos hoje uma nova fronteira de exploração da Amazônia: a construção de usinas hidrelétricas.
Os impactos socioambientais das barragens são inúmeros e vêm sendo comprovados a cada nova grande obra erguida no meio da Amazônia. Perda da biodiversidade, desmatamento, inchaço populacional de cidades e comunidades locais, serviços públicos insuficientes, poluição de rios e igarapés, violência, prostituição, tráfico de drogas, deslocamento de populações tradicionais, mudança no curso natural dos rios, perda de meios de sobrevivência com pesca são alguns dos mais dramáticos impactos registrados obra após obra. É o que tem acontecido em Altamira, onde está sendo construída Belo Monte, que tece o exemplo para o Tapajós.
Foto: Fábio Nascimento/Greenpeace
Para discutir os paralelos entre as duas obras, lideranças Munduruku se encontraram no final de março com Antonia Melo, liderança do Movimento Xingu Vivo, e Dom Erwin Kräutler, bispo da prelazia do Xingu que mora há mais de 30 anos na Amazônia e é uma referência para os movimentos sociais na região na luta contra Belo Monte. A conversa faz parte de uma articulação entre os povos da Amazônia para denunciar as ameaças ao seu modo de vida e aos seus territórios causada pelas hidrelétricas.
Ambos contaram aos Munduruku os problemas que os índios do Xingu vêm sofrendo com a construção das barragens, como igarapés que começaram a secar, forçando a abertura de estradas que promovem a invasão das terras indígenas, e a dependência alimentar, que segue cada vez maior, com os índios deixando de produzir suas roças e dependendo de alimentos que vem de fora, podendo causar doenças comuns em brancos mas antes desconhecidas pelos índios, como diabetes e obesidade.
Foto: Fábio Nascimento/Greenpeace
“É como se direitos fundamentais garantidos na Constituição tivessem se tornado moeda de troca”, afirmou Dom Erwin. Para facilitar a aceitação de empreendimentos como esses pelas populações locais, saúde, educação e infraestrutura passam a ser oferecidos pelas empresas construtoras como favores, enquanto o Estado negligencia um papel que deveria ser seu.
“Essa ideia de energia limpa tem que ser repensada. Energia de hidrelétrica não é limpa se está sendo construída em cima do sangue dos povos” afirma o religioso. “O debate não é Belo Monte, o debate é a sobrevivência dos povos indígenas”.
Na linha de frente dessa batalha de David contra Golias pela sobrevivência, ou, do jabuti contra a anta (para falar a partir da cosmologia indígena) está o povo Munduruku: mais de 12 mil pessoas que habitam a região do rio Tapajós, no Pará e que são os protagonistas da luta contra as obras no rio que lhes dá vida.
“Nós fazemos parte da natureza, não queremos que nosso conhecimento desapareça, nossa forma de vida, de organização. Queremos que nos respeitem, que o mundo saiba o que estamos sentindo”, diz Jairo Saw.
Foto: Fábio Nascimento/Greenpeace
Saiba mais sobre os Munduruku e a luta pela demarcação de suas terras na próxima reportagem.
Sou professora do Estado de SP desde 2009. E já mergulhei na divisão em “categorias”. Entrei como “categoria L”, ou seja, não-concursada, e pegava apenas aulas que “sobravam” dos efetivos.
Essa categoria não existe mais, foi substituída pela “categoria O”, onde está a maioria dos contratados. A categoria “O” é o que há de mais precário na rede: só pode ter duas faltas por ano, não tem direito a usar a assistência médica do estado (Iamspe), não tem direito à aposentadoria profissional (SPPrev), após um ano de contrato deve cumprir “geladeira” por 40 dias, e após dois anos de contrato deve cumprir a “duzentena” (200 dias sem poder pegar aula, ou seja, quase um ano forçadamente desempregado). Nessa situação de “O”, estão “só” cerca de 50 mil professores da rede estadual. Como alguns colegas me disseram: para o governo, “somos uma sopa de letrinhas”.
Está bom ou quer mais? Tem mais.
A gente leva um susto quando entra na rede. Na licenciatura, muito professor (que está sem entrar na sala de aula de ensino fundamental e médio há uns 15 anos) nos diz que o problema da escola pública são as aulas “tradicionais”, sem imaginação, sem criatividade. Que o problema está na forma de ensinar, “conteudista” (com “decoreba”) e não “construtivista” e por aí vai.
Não é que essas coisas não sejam problemas, porém o buraco é mais embaixo. Vou explicar melhor: é certo que é difícil falar de Revolução Francesa para jovens que estão mais interessados em outras coisas (em muitas outras coisas), e que não veem como saber algo que aconteceu em 1789 possa fazer alguma diferença em 2015, por exemplo. Mas mais difícil ainda é conseguir falar 5 minutos em uma sala lotada com 40 jovens ou mais, em um dia de verão, com um ventilador apenas funcionando e sem água nas torneiras.
Foto: Felipe Paiva / R.U.A Foto Coletivo
É complicado explicar como funcionam os “três poderes” no Brasil enquanto grande parte dos estudantes insiste que “político é tudo ladrão” e que por isso não interessa nem saber como funciona o sistema, “pois só o que eles fazem é roubar”. Mas mais complicado ainda é lidar com bombas que explodem nos banheiros, brigas por motivos fúteis (escapei algumas vezes, e por pouco, de cadeiradas e de um soco na cara), fogo quase diário nas lixeiras, xingamentos variados (muitas vezes vindos dos pais dos alunos e não dos alunos), reclamações da coordenação e da direção de que você “não consegue controlar a sala”, como se esse fosse o único objetivo da nossa formação e trabalho.
O buraco é mais embaixo quando você tem que lidar com alunos especiais em sala sem qualquer formação ou material próprio para isso (e junto com outros 40 jovens pedindo atenção); quando não tem como imprimir textos para leitura, imagens, ou mesmo provas, porque não tem toner nem folha de papel, e aí você imprime com seu salário; quando você tem que disputar a tapa com outros professores a única sala de vídeo que há na escola; quando você quer trabalhar em conjunto com outras disciplinas, mas não há tempo para conversar com os outros professores; quando o mato da escola está altíssimo e não tem verba para cortar; quando não tem papel higiênico; quando ninguém limpou as salas porque as moças da limpeza são terceirizadas, a empresa declarou falência e elas não recebem salário há dois meses; quando a cozinha foi terceirizada e enquanto não chegam as novas trabalhadoras precarizadas os alunos tem que comer bolachas com manteiga; quando mais da metade de seus colegas toma estimulante ou fluoxetina para aguentar o tranco de dar aulas em duas ou três escolas diferentes, das 7h da matina às 23h; quando seu salário, mesmo trabalhando em duas escolas diferentes, cerca de 40 horas por semana (40 horas por semana são as cumpridas na escola, não as de preparação e planejamento de aulas, correção de trabalhos — essas, me arrisco a dizer, ultrapassam esse tempo em umas 15 horas a mais), com cerca de 700 alunos, não chega a R$ 2.600.
Foto: Talitha Arruda
Está bom ou quer mais? Tem mais.
Este ano, a situação que já era essa que contei acima, piorou. O governadorGeraldo Alckmin, dando continuidade ao cuidadoso processo de destruição da escola pública iniciado nos governos anteriores, fechou cerca de 3.000 salas de aula (qualquer sala com menos de 30 alunos inscritos no começo do ano foi fechada e seus alunos redistribuídos em outras), extinguiu cargos de coordenação, remanejou funcionários que tinham mais de 20 anos de escola (na minha escola, a “Tia Cris“, funcionária de gerações e gerações na escola, foi remanejada para outra, e a choradeira que assisti, entre alunos e professores, foi de cortar o coração), cortou verbas (de pintura, jardinagem, folhas de sulfite, papel higiênico, sabonete, toner, consertos em geral, infra-estrutura das salas, etc), forçou a duzentena na “categoria O” e decretou “reajuste zero” para os professores, sem cobrir sequer a inflação do período.
Quer mais ou está bom?
Ah, não tem como esquecer o famigerado “bônus” cópia bizarra de uma política norte-americana de premiação de professores conforme resultados de alunos, resultado esse medido em uma prova apenas (ora, mas não éramos construtivistas?). Um bônus que pune escolas com problemas sérios (culpa dos professores?), e premia apenas parte da rede, como se apenas alguns colegas tivessem trabalhado e outros não. Dito isso, que solução temos nós, profissionais da educação, a não ser entrar em greve?
Foto: Mídia NINJA
Entrar em greve significa ter desconto de salário, ter faltas no prontuário, ter que repor as aulas em sábados, contraturnos ou recesso, ouvir de pais e alunos que “professor ganha bem, tem férias de 30 dias e reclama de barriga cheia”, ouvir de colegas de trabalho que “professor grevista gosta é de ficar dormindo em casa enquanto os outros trabalham”, visitar escolas com comando de greve e ter que explicar o que está fazendo para os policiais que a diretora chamou (não aconteceu comigo, mas com vários colegas), acompanhar as negociações na Assembleia Legislativa e na Secretaria de Educação, aguardando horas na chuva para ver o que o governo ofereceu e sair de lá chateado porque não querem nem conversar, ir a todas as Assembleias na sexta, com mais de 60 mil professores, e nenhuma TV ou jornal dar sequer uma linha (e quando dá, não escuta nenhum professor, apenas reproduz a pauta do governo).
‘Entrar em greve é ter que lidar com a desconfiança no principal sindicato’
Entrar em greve é receber também apoio de muita gente, inclusive alunos, que quando resolvem entrar na briga também (faltando no dia das Assembleias, criando debates e discussão de ideias, acompanhando os passos dos professores) sofrem repressão nas escolas (alguns colegas marcam provas justamente nesse dia, algumas direções recusam os pedidos de debate dos alunos, alguns chegam a receber advertências e telefonemas para os pais), com direções e supervisões (que em maioria são cargos indicados) que nos acusam de “fazer a cabeça” dos estudantes ou de “atrapalhar” o aprendizado.
Entrar em greve é ter que lidar com a desconfiança no principal sindicato (enquanto os outros sindicatos se reunem secretamente com o governo no meio da greve), pois a sua presidente terminou uma greve em 2013 contra a vontade de grande parte dos professores, aceitando migalhas do governo: o fim da quarentena, um concurso público e a inclusão do “categoria O” no Iamspe, dos quais o governo só cumpriu um (e mesmo assim, precariamente, pois grande parte dos professores que iriam ser chamados ainda não foram e estão trabalhando como contratados). É ter que estar com um olho no governo e outro no sindicato.
E, mesmo assim, com tudo isso e apesar de tudo isso: estamos em greve. Estou em greve.
Foto: Talitha Arruda
Dessa vez, tudo parece diferente das outras: tem muita gente nas redes sociais nos ouvindo (embora na imprensa tradicional tudo continue como sempre foi), nos apoiando, tem muito aluno participando, tem muito colega que disse que nunca mais parava por causa do sindicato, parado.
Tem muita gente exigindo uma postura firme do sindicato, da presidente, dos partidos. Tem gente cantando “o professor é meu amigo, mexeu com ele, mexeu comigo” nas Assembleias. Tem gente discutindo a importância de uma escola pública de qualidade. Por isso, dessa vez estou acreditando firmemente que “não tem arrego”.
Escrevo este texto na véspera da negociação com o governo (que se encerrou no início da tarde de quinta-feira 23 de abril e não resultou em nenhum avanço) e da nossa importante assembleia de sexta. As definições dessa semana não apenas podem decidir o futuro da categoria de professores, mas o futuro da escola pública. Aguardemos.
Renata Hummel é professora de sociologia na rede estadual paulista. Graduada — bacharel e licenciada — em ciências sociais pela PUC-SP , com especialização em história, sociedade e cultura pela PUC-SP. Também foi colega dos editores de FAROFAFÁ e Samuel no curso de jornalismo da ECA-USP
Atos, centralizados e nos bairros, audiências publicas e vigília em frente à Secretária de Educação, marcam a mobilização da categoria
A greve dos professores estaduais entrou em sua terceira semana, a paralisação já chega aos 60% da categoria, com a adesão de cerca de 140 mil docentes. Nessa sexta-feira (27), mais de 60 mil manifestantes, entre professores, funcionários, pais e alunos, foram às ruas pedir uma educação pública de qualidade e a valorização dos profissionais. O governador, que na semana passada havia alegado que a greve só tinha a adesão de pouco mais de 2% dos docentes e que, portanto, a paralisação era inexistente, teve que voltar atrás. Alckmin já admite negociação. O governo estadual deverá receber o sindicato nessa segunda-feira (30). Até mesmo a rede globo teve que admitir a proporção da greve.
Foto: Talitha Arruda
Antes disso, no entanto, muita coisa aconteceu. A Apeoesp, Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo, realizou três grandes assembleias gerais no MASP, nas últimas três sextas-feiras, que reuniram dezenas de milhares de professores. Além de assembleias regionais, audiências públicas e atos descentralizados por todo o estado e capital. “Esses atos nos bairros são fundamentais para dialogar com a comunidade”, lembrou Bruno Liberato, professor de história.
Foto: Felipe Paiva
Outra tática assumida pelos grevistas foi a vigília. Professores e alunos estão acampados desde quarta-feira (25) na Praça da República, em frente à Secretaria de Educação.
Vigília pela precarização da educação
Velas coloridas acesas e escolas feitas de dobraduras de papel, alimentadas por um soro, dão o tom simbólico a um problema real: a precarização do ensino público. Desde a última quarta-feira, professores e alunos estão acampados em frente à Secretaria da Educação para pressionar o governo estadual e o secretário da educação, Herman Jacobus Cornelis Voorwald, pela negociação das reivindicações da categoria.
Foto: Talitha Arruda
A Apeoesp montou uma estrutura para os professores que optarem em participar da vigília. Docentes de todo o estado somam à ação. Pela praça é possível ver faixas e cartazes de Guarulhos, Bebedouros, Araçatuba, Atibaia, São Roque, Arujá e muitas outras cidades. Além das subsedes municipais, bandeiras de outros sindicatos e da UEE (União Estadual dos Estudantes), mostram apoio à manifestação.
Os professores podem trazer suas barracas, ou dormir em colchonetes sob uma tenda metálica montada na praça. Alimentação, banho e banheiros são disponibilizados na Casa do Professor, espaço mantido pelo sindicato que funciona como pousada para os professores filiados, localizado na Rua Bento Freitas, bem próximo ao local do acampamento.
Os participantes estão se revezando para manter a praça sempre ocupada. Nos dois primeiros dias havia cerca se 100 docentes acampados. Na noite dessa sexta-feira (27), depois da assembleia geral e ato, 300 professores pernoitaram no local.
Clayton Lima da Silva é professor de geografia e ficou na vigília nos dois primeiros dias, sua avaliação da ação é positiva “realmente, a partir do primeiro dia, o governo e a mídia começaram a cobrir mais a greve. O acampamento deu uma visibilidade maior para a luta”.
Foto: Mídia NINJA
Liberato também participou da ação: “estou no sistema desde 2010 e essa é minha terceira greve. Nas duas anteriores essa estratégia do acampamento não foi utilizada. Nas lutas anteriores, principalmente as greves na gestão do governador Mario Covas, os acampamentos eram práxis. Pode ser uma retomada de uma estratégia assertiva”.
Solidariedade e causos
As refeições são garantidas pelo sindicato, mas quem traz algo diferente divide. Os professores que moram em São Paulo levam mimos aos companheiros acampados. Esses por sua vez, dividem com os moradores das ruas da região. “Não tem como, tudo que vamos comer acabamos dividindo. Nós dividimos a comida e eles as histórias”, brinca Valdireth de Paula Costa, professora de matemática de Guarulhos, “ficamos aqui de ouvinte das pessoas”.
Valdireth está acampada desde quarta e conta que viu e ouviu muitas coisas: “as pessoas passam e ficam curiosas, perguntam o que está acontecendo. A maioria apoia”. Até briga ela presenciou: “Uma anarquista veio conversar comigo, ao mesmo momento uma blogueira apareceu e começou a defender a ditadura. As duas saíram na mão. Tive que chamar o segurança do acampamento”.
Foto: Mídia NINJA
Mas ela diz estar se divertindo: “só fiquei triste de não ter participado do ato, tive que ficar cuidando da barraca”.
A vigília tem previsão de terminar na segunda-feira, quando teriam inicio as negociações. A greve, no entanto, não tem previsão para acabar. A continuidade, bem como os próximos passos, serão discutidos na próxima assembleia geral, marcada para quinta-feira (2/4) às 14h no vão do MASP, na Avenida Paulista.
Foto: Mídia NINJA
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O número divulgado de participantes nas manifestações do fim de semana mostra quem é quem na fila do pão, mais conhecida como política
Se depender dos resultados sobre o número de participantes nas manifestações que tomaram a Avenida Paulista na sexta-feira, 13, e no domingo, 15, deste mês de março de 2015, a situação da educação brasileira não poderia ser mais assustadora: somos os piores do mundo em matemática.
Afinal, o que mais explicaria o fato de a Polícia Militar do Estado de São Paulo dizer que mais de um milhão de pessoas foram às ruas protestar neste domingo, enquanto o Instituto DataFolha estima não mais que 210 mil pessoas? Uma diferença superior a 450% na solução de uma mesma equação.
Foto: Mauricio Lima para Jornalistas Livres
Na sexta-feira foi ainda pior. Na manifestação a favor da democracia e em defesa da Petrobras, a PM fechou a conta em 12 mil pessoas, a organização (formada por movimentos sociais e sindicais) cravou 100 mil. O DataFolha chutou na coluna do meio: 41 mil. A discrepância entre um ponto e outro beira 1000%.
Mesmo sem um diploma de exatas ousamos ponderar que em ambos os dias, a verdade numérica deve estar no meio desses extremos. O problema é que cada lado adota para si o que lhe é mais conveniente.
De acordo com o DataFolha, no auge da manifestação deste domingo por volta das 16 horas, havia 188 mil pessoas reunidas. Pouco antes, às 15h40, a Polícia Militar havia informado que o número passava de um milhão de manifestantes na Avenida Paulista e adjacências, protestando contra o governo da presidente Dilma Rousseff. Segundo a PM, o cálculo levou em conta a informação de que a cada dois minutos chegavam quatro mil pessoas pelo pela estações de metrô da região.
Foto: Renato Stockler para Jornalistas Livres
De acordo com o professor de Ética e Filosofia Política da Universidade de São Paulo, Renato Janine Ribeiro, para caber tanta gente nos cerca de 2,6 quilômetros de extensão, com cerca de 30 metros de largura da avenida, ocupados pelos manifestantes, é necessário que haja de 15 a 17 pessoas por metro quadrado. “Nem naquela apresentação do circo chinês, onde os artistas de se equilibram um em cima do outro é assim”, ironiza. A PM rebate afirmando que usa imagens aéreas e tecnologia de ponta nos cálculos.
Davi e Golias – O que está por trás da contagem de pessoas nos protestos?
Para quem compareceu às manifestações, resta uma certeza: Nem de longe, a multidão que marchou por quilômetros da Paulista a Praça da República, embaixo de chuva torrencial (confira aqui) na sexta-feira, 13, era o Davi que sugere a polícia. Ao passo que nem o mais crédulo cidadão pode concordar que para o protesto contra a corrupção, a favor do impeachment, intervenção militar, e pelo menos mais meia dúzia de reinvindicações, mais de um milhão de pessoas saíram de casa neste domingo em direção a avenida mais famosa de São Paulo. Um Golias para metáfora bíblica nenhuma botar defeito.
Policiais monitoram manifestação na Av. Paulista no Domingo, 15 de Março. Foto: Caio Palazzo para Jornalistas Livres
A discrepância absurda merece análise, mas não para se discutir as operações básicas da matemática — que ao que parece ninguém sabe como funciona em São Paulo — e sim as motivações para tal. O governo paulista, a quem a polícia é subordinada, tem claro interesse de inflar o resultado de domingo e mitigar o de sexta, assim como o tratamento dado pela imprensa tradicional, que solenemente ignorou o ato da sexta, mas tratou o do domingo como um carnaval, já mostra onde estão depositados os seus interesses. O mesmo acontece com o perfil dos presentes nos dois dias.
Sexta-feira, a cor e a cara dos manifestantes não escondia o cansaço e nem a origem dos mesmos, ao passo que domingo, a alegria, a camisa da seleção, e as babás uniformizadas também não. Isso deslegitima a maior parte das reinvindicações? Não, mas deixa claro as motivações de cada um.
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Essa a manifestação pela Democracia chamada pela Globo. Foto: Vio Mundo
A tática foi muito clara: de manhã, manifestações fracas Brasil afora (com exceção de Belo Horizonte e Brasília) serviram pra Globo fazer o “esquenta” para a tarde.
O que interessava era um “show” na tela, pra animar a paulistada a sair de casa. O Esporte Espetacular da Globo era interrompido a cada dez minutos para “giros de repórteres”. O âncora Alex Escobar (aquele que Dunga humilhou em 2010 — “tu és um cagão de merda”) tinha a frase pronta pra chamar as entradas ao vivo: “vamos acompanhar as manifestações pela Democracia, contra a corrupção e contra Dilma”.
Diretas-já às avessa
Nessa imagem, Globo viu 15 mil pessoas no Rio
No Rio, três repórteres ao vivo. Conheço todos eles, devem estar envergonhados do que foram obrigados a fazer. Frases ensaiadas: “muitas famílias, protesto pacíficos, camisas amarelas, famílias inteiras.” Ops, mas atrás do repórter passa um rapaz com cara de ódio, e a foto do Bolsonaro estampada na camiseta. O câmera, esperto, desvia para um plano geral.
Números no Rio. “Os manifestantes falam em cem mil pessoas, mas a PM diz que são 15 mil“. O diabo é que esqueceram de combinar com o diretor de TV, que tasca um plano aberto da avenida Atlântica. Eram 5 mil pessoas, no máximo. Entra matéria (excelente, por sinal) sobre Jairzinho e a Copa de 70. “Noventa milhões em ação…”.
Como dizia Dunga…
Mas Escobar chama a rua de 2015, de novo: outra repórter, agora do alto de um prédio na avenida Atlântica. Pior ainda: tá na cara que está vazio. E a jornalista comete ato falho glorioso: “muitos cartazes mostram Contentamento com Dilma”. Ops.
Jornalistas da Globo estavam instruídos para chamar as manifestações como “ato pela Democracia”. O diabo são as imagens ao vivo, fora de controle. Ao fundo, um cartaz pede “intervenção militar já”.
No Rio, apareceu uma suástica e cartazes pedindo “intervenção militar”. De Belo Horizonte, imagens de mais gente nas ruas. Mas parece que ali a Globo estava menos preparada.
Repórter faz entrada sóbria, não precisa apelar. Discrição mineira.
Brasília também: bastante gente. Mas não as “40 mil pessoas” que a Globo comprava como verdade. O Plano aberto desmentia a narrativa montada por Ali Kamel.
Fora do circuito Rio-Brasilia, o Escobar sofria mais. Ele chama Aracaju, e a moça não percebe que já está a vivo. A repórter grita pra meia dúzia ali na frente: “canta o hino, canta o hino”. O aúdio vaza, o povo xinga Dilma. De repente, ela percebe a gafe, fala um pouco, e o povo obediente começa o hino.
A Globo está no comando. Um cartaz erguido diz: “FFAA salvaram o Brasil em 64″. Parceria bonita essa!
Fortaleza entra pela segunda vez e…. Surpresa: “os manifestantes já se dispersaram“, diz o repórter meio envergonhado. Rua vazia.
Com essa imagem na tela, a repórter falou em “30 mil contra a corrupção” em Ribeirão Preto.
O mais constrangedor: entrada de Ribeirão Preto. E a repórter: “muita gente nas ruas contra a corrupção, são 30 mil pessoas”. As imagens mostravam ruas quase vazias…
Belém também: pouca gente.
Volta pro Rio. A classe média chega ao fim de sua gloriosa marcha na manhã ensolarada. O local escolhido para o “gran finale”? Copacabana Palace — símbolo da aristocracia decadente carioca, símbolo das lilys e blochs com seu dinheiro escondidinho na Suíça.
Ali Kamel passou a manhã tentando insuflar os números, encher a bola da manifestação.
Nesta manhã de domingo, a Globo promoveu um “DiretasJá às avessas” (para os mais novos: em 1984, milhares foram as ruas pedir a volta à Democracia; no dia 25 de janeiro de 84, havia 300 mil na praça da Sé, e a Globo noticiou como ‘festividades pelo aniversário da capital paulista”; Ali Kamel escreve artigos até hoje para negar que Globo tenha manipulado 1984, assim como nega que haja racismo no Brasil).
Aliás, nas imagens de Salvador (a Globo falou em 4 mil manifestantes no Farol da Barra, a imagem mostrava uns mil no máximo) chamava a atenção a ausência de negros. “Parecia Blumenau”, escreveu um internauta. Peraí: nas manifestações do Ali Kamel não há racismo. Esse é o Brasil branquinho que está nas ruas…
E segue Escobar, mais entradas, mais vivos… A ideia era animar os paulistas de classe média — que acordam tarde e gostam de aumentar o barrigão em festins gastronômicos nas padarias, nas manhãs de domingo.
Vendo as imagens na Globo, centenas botaram suas camisas amarelas e foram pra Paulista — onde certamente o ato seria grande.
Na GloboNews, os comentaristas jogavam junto com os manifestantes. Mas havia dissonâncias. Um apresentador pergunta a Cristiana Lobo: ‘as manifestações contra Dilma no Nordeste foram só em bairros ricos — Boa Viagem no Recife, Farol da Barra -você acha que o PT vai explorar isso”. E a Cristiana: “veja bem…”
Diretasjá às avessas, para insuflar São Paulo contra Dilma. O Brasil repete 1954 e 1964.
Dilma, se ainda tiver um pingo de sangue brizolista nas veias, enfrenta a Globo agora. A Globo é o centro do golpe. Põe gente nas ruas, sim — especialmente em São Paulo, Brasília. No Rio, põe menos. A Globo tem força, mas o #globogolpista e o #famíliaMarinhonoHSBC comandando as redes sociais mostram que a direita não vai dar um passeio.
(relato provisório, escrito antes da manifestação em São Paulo)
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