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  • Quem foi pra Paulista no dia 16: é o velho conservadorismo, agora mais assanhado

    Brancos, ricos, com nível superior, eleitores de Aécio. Esse é o perfil de quem foi pra rua dia 16. Nem era preciso pesquisa pra saber: o velho conservadorismo paulistano se revela nos trejeitos e no discurso de sempre

    Nasci em São Paulo. Sou filho da classe média paulistana. Desde 84 ou 85, reconheço os conservadores paulistanos na primeira frase.

    Eles já foram janistas (contra o FHC “ateu” em 85, lembram?), depois malufistas (nos embates contra a Erundina “sapatão” e a Marta “vagabunda” — que agora acha que será aceita de volta). Nos últimos tempos, se disfarçam de tucanos. Mas podem virar bolsonarianos, caiadistas… Qualquer coisa serve, desde que signifique a defesa de um estilo de vida individualista, dominado por falso moralismo e por clara devoção aos EUA.

    Aos 14 ou 15 anos, eu já ouvia o papo de que “os nordestinos estragaram essa cidade”, ou de que “na época do Médici não tinha essa bagunça”. Ouvia piadinhas em ambientes sociais, sobre como era bom “não ter negros por perto”. Quando meu irmão foi estudar Ciências Sociais, minha mãe ouviu a frase lapidar: “mas isso é faculdade de formar comunista, lá estudou o FHC” (na época, o FHC era apenas o Fernando Henrique, que tinha fama de “marxista” e era visto com desconfiança pela classe média janista/malufista).

    Digo isso para explicar que não preciso de pesquisa pra saber quando estou diante do velho conservadorismo paulistano: ele tem cara, sotaque, roupas e trejeitos próprios…

    Passei algumas horas no domingo, na avenida Paulista. Logo vi as senhoras aloiradas, com a deselegância (in)discreta de que fala Caetano, e os senhores barrigudos, com um ar de prosperidade e arrogância de quem espera o manobrista trazer o carro depois de um jantar nos Jardins. Esses eram os tipos mais comuns na Paulista.

    Causou-me algum asco a procissão de motoqueiros velhos (e também barrigudos) sobre suas Harley-Davidson enfeitadas com “Fora Dilma”, “Prendam o Lula”, “Abaixo o comunismo” (qual comunismo? do PT?). Aceleravam os motores, num exibicionismo constrangedor e agressivo. Eram muitos. Contei quase 500 na esquina da rua Augusta com a Paulista.

    A procissão dos motoqueiros barrigudos: exibicionismo conservador 

    Mas, claro, ali estavam também representantes da baixa classe média: “na época do militarismo [eles preferem esse termo, em vez de usar “ditadura”; os mais escolarizados falam em “regime militar” ou “época dos militares”, jamais “ditadura”], só bandido era morto, a gente podia andar tranquilo”, diz um homem que se apresenta como taxista.

    “O perigo naquela época eram os terroristas, você é jovem e nem ouviu falar no Carlos Lamarca — aquele era perigoso”, afirma um outro, de barba e fumando muito, que se define como “vendedor de comida em porta de estádio e show”.

    Faço cara de paisagem, e ele se empolga: “eu era entregador de jornal na Folha, nos anos 70; você sabe quem fazia a segurança da Folha naquela época? O DOPS! Naquela época os comunistas não cresciam pra cima de ninguém”.

    Esse era o povo da Paulista: maioria de ricos, brancos, e alguns remediados — mas adeptos da ideia do “self-made man”. Todos ultra-conservadores. Conheço pelo faro. Posso andar entre eles, porque venho desse mesmo chão.

    Por volta de meio-dia, cheguei a gravar o depoimento de uma senhora na esquina da Paulista com a Peixoto Gomide: um curto video — que já tem mais de 60 mil visualizações. Ela pedia a morte de Dilma e a volta dos militares.

    Portanto, não me surpreende o perfil traçado pelo DataFolha, entre os 130 mil manifestantes que estiveram na manifestação paulistana:

    76% cursaram o ensino superior (a média brasileira, segundo o IBGE, é de 7,9% – clique aqui para conferir)

    40% ganham mais de 3.900 reais por mês (ou seja, quase metade dos presentes está nas classes A/B)

    77% votaram em Aécio no segundo turno em 2014, e apenas 5% cravaram Dilma.

    Esses números bastam pra entender um fato: não estavam na rua os “novos” descontentes com a presidenta – que viraram as costas para o governo por causa das escolhas levyanas. O povão, que está sim bem ressabiado com o governo, não foi (ainda) pra rua. Irá em algum momento? Pode ser, se a política suicida de Levy/Dilma persistir, gerando desemprego e recessão…

    Sim, Dilma tem hoje índices muito baixos de aprovação. Mas quem foi à rua nesse dia 16, pra pedir o impeachment ou a morte de Dilma/Lula, é a turma que sempre detestou o PT (muito antes de qualquer “denúncia” de corrupção), e que já havia votado em Aécio no ano passado.

    Os arreganhos fascistas na Paulista não significam que uma “onda” de eleitores indignados passou para o lado da oposição. Essa gente da Paulista sempre esteve na oposição, desde 2002.

    A diferença é que agora o conservadorismo se sente à vontade para pedir “intervenção militar”, “morte de Dilma”, “fim do PT” (até porque, houve ampla semeadura do discurso de intolerância, por parte de blogueiros da revista da marginal et caterva).

    Sim, é assustador ver a face obscura e odienta dos senhores de meia idade da Paulista e de Copacabana. Mas eles sempre estiveram aí. A mim, não enganam. São os de sempre – agora mais assanhados.

    É preciso enfrentá-los. Não é possível convencê-los.

    Do lado de lá, está o ódio de sempre – turbinado pelo desespero da Veja, pelos cálculos da Globo, pela operação milimétrica empreendida por Sergio Moro… E pelos erros e o excesso de conciliação do PT e de Lula/Dilma.

    O que se pode fazer é mostrar como essa gente com camisas da CBF é hipócrita e perigosa para a democracia. A maioria silenciosa dessa vez joga a favor da democracia e da centro-esquerda.

    É preciso tirar a maioria do silêncio, e trazê-la também pra rua. O dia 20 de agosto, em parte, pode cumprir essa tarefa.

    A agenda de Lula, Brasil afora, também tem o seu papel. É preciso explicitar que a “onda de insatisfação” com Lula/PT está muito centrada em São Paulo. A agenda anti-petista interessa à classe média paulistana, e a franjas de classe média Brasil afora. Mas, especialmente fora de São Paulo, há espaço pra recuperar terreno.

    E que Dilma não se esconda de novo, “aliviada” com a trégua da Globo e a adesão mais baixa do que a esperada neste domingo.

    O conservadorismo (com toques fascistas) está em alta. E não vai sumir só com acertos e conciliações. Será preciso derrotá-lo nas ruas e nas redes.

     

  • ‘O PT no poder surpreendeu e decepcionou, condenou corruptos e se corrompeu, acertou e errou’

    ‘O PT no poder surpreendeu e decepcionou, condenou corruptos e se corrompeu, acertou e errou’

     

    Desde pelo menos o início da década de oitenta, milhões no Brasil sonhavam com a democracia que já acenava no horizonte de um governo civil-militar que dava seus últimos suspiros.

    A luta de muitos cujas vidas foram devassadas, atormentadas e destruídas enquanto lutavam contra o golpe de 64 e, depois, pela conquista da democracia no Brasil, foram e são testemunho dessa transição lenta e inconclusa que germinou esperanças, provocou canções, espetáculos de teatro, obras de arte, deu guarida à indignação de trabalhadores, incitou , intelectuais e acadêmicos a saírem de suas cadeiras e gabinetes, instruiu políticos a defenderem uma pauta republicana e amadureceu estudantes.

    Uma nova ética foi inaugurada no Brasil, que muitos ainda chamam de princípios da esquerda. Nessa pauta se incluem principalmente o combate sem tréguas às iniquidades que fundam a nação brasileira e, mais tarde, a luta pelo alinhamento entre o estado democrático de direito e os direitos humanos no país.

    Iludidos ou não, muitos que engrossaram tais fileiras plantavam no Partido dos Trabalhadores as melhores esperanças e talvez –secretamente — a revolução tão aguardada, que ocorreria por vias institucionais e eleições livres e justas.

    Ato Periferia com Dilma nas eleições de 2014 em São Paulo — Foto: Mídia NINJA

    Mais de 12 anos depois das primeiras eleições presidenciais, o Partido dos Trabalhadores chegaria ao poder, e essa foi uma conquista de parte da sociedade brasileira e dos muitos que lutavam e lutam por um Brasil republicano.

    O PT no poder surpreendeu e decepcionou, foi corajoso e covarde, foi republicano e autoritário, condenou corruptos e se corrompeu, acertou e errou.

    A despeito do que pesa mais na balança nesse momento e destacado pelas análises sérias desse período — que hoje são a minoria sobre esses últimos quase 13 anos — o PT foi e é um partido que hoje se encontra no poder há mais de 12 anos, e que desde 2002 vem sendo reconduzido ao Planalto, sucessivamente, pelo cidadão que compareceu às urnas a cada nova eleição. Dessa trajetória, o que podemos afirmar é que o PT soube esperar.

    Soube aguardar a democracia, soube aguardar as eleições. Soube perder para Collor de Melo em 1989, para Fernando Henrique em 1994 e 1998 e se preparou para as eleições nos anos vindouros e venceu. O PT — com todos os seus erros e problemas que são muitos — ,e cortando na própria carne, é o governo que mais apurou (e permitiu apurar) irregularidades, mazelas e corrupções de toda espécie, incluindo as de pessoas importantes do empresariado, da classe política e de seu próprio partido e governo. Jamais se viu tantas figuras ilustres das elites financeiras e políticas no banco dos réus, investigadas e sob suspeita.

    Como efeito e decorrência disso, os poderes judiciário e legislativo autônomos permitem uma das oposições mais críticas e francamente opositoras ao governo da história do país e tais lideranças dos poderes instituídos trabalham, para o bem e para o mal,segundo o regimento atual das câmaras legislativas.

    Os atuais líderes da câmara e do senado foram, também eles, duas vezes eleitos, primeiro pelos cidadãos brasileiros e, depois, para assumirem as respectivas presidências da câmara e do senado, pelos seus pares, igualmente eleitos pelo voto popular e, enquanto cumprirem o regimento e o decoro, será difícil acusá-los de irregularidades do ponto de vista do exercício de suas funções.

    Entretanto, nesse embate e nessa crise política que se aprofunda, mas que historicamente sempre existiu no país, há uma verdade inconteste que precisa ser repetida, alertada, denunciada: há hoje no Brasil um golpe de Estado a caminho. Um golpe que inclui e é efeito das oligárquicas concessões de rádio e TV — que o governo foi incapaz de apurar e redistribuir de forma mais representativa e equânime — e das negociações políticas e fraturas ideológicas às quais o Partido dos Trabalhadores muito rapidamente cedeu, estabelecendo ligações partidárias com o principal objetivo de se preservar no poder.

    Às tendências hegemônicas do PT parece nunca ter ocorrido que a fidelidade às suas bases é o que o levou e o levaria ao poder novamente, quantas vezes fosse possível e necessário, desde que o partido tivesse o que dizer e a quem convencer, e desde que tivesse quem se dispusesse a fazer isso (seus militantes e simpatizantes) em nome das bandeiras que historicamente carregava.

    O PT envergonhou o que no Brasil denominamos de princípios fundamentais e inegociáveis das esquerdas, aqueles que orientam na luta contra a assimetria de poder político e econômico no Brasil — e hoje, quem diria, o PT tem receio das manifestações de rua; seja por ser hostilizado por elas, seja por temer o risco de ver seu apoio muito reduzido e alquebrado.

    Militantes são expulsos de manifestação por portarem bandeiras partidárias na Avenida Paulista. A tentativa de entrada dos partidos tradicionais de esquerda nos protestos ficou conhecida como “Onda Vermelha” — Foto: Mídia NINJA

    O partido então enfrenta a sua mais importante crise, desde sua fundação, e deve enfrentá-la com dignidade.

    Mas o que o PT, seus eleitores do passado e do presente, e todos os partido se cidadãos que se auto denominam democráticos ou republicanos não podem aceitar é o golpismo,que pretende a alternância de poder à força e sem sustentação e que quer arrancar do poder executivo um partido que chegou a ele respeitando todos os preceitos da democracia representativa, persuadindo eleitores, e não por efeito de conflitos armados ou de pressões por renúncia ou impeachment sem circunstância e fundamento.

    Impeachment e renúncia não podem ser nem pleiteados e nem reivindicados a não ser implodindo a jovem democracia brasileira que mal chega aos seu 30 anos.

    Para as ruas devem ir agora e depois não apenas os petistas e os apoiadores do PT, hoje em menor número do que no passado, mas todos aqueles que lutaram para que partidos nascidos na democracia chegassem ao poder; porque democracia significa também a maturidade de aceitar a derrota e se preparar para novos pleitos.

    Sem isso os regimes não passam de pseudo democracias, simulacros de falso republicanismo. E é evidente que diante do golpismo que se articula e organiza, o país necessitará da mesma energia e as mesmas virtudes que o reconduziram à democracia em 1985.

    Uma enérgica e contundente reação “nas escolas, nas ruas, campos e construções” contra o golpismo branco,que desmerece as últimas eleições e quer atropelar o tempo institucional que regula o voto, será urgente e necessária.

    Sem o respeito às decisões colhidas de eleições democraticamente instituídas e geridas,a pátria estará não apenas dividida, mas inteiramente afogada no ideário: se não ganho, não vale. E daí por diante a situação será imprevisível.

    Milhares de manifestantes foram às ruas por todo o Brasil, no dia 15 de março de 2015, para pedir impeachment da presidente Dilma. Com gritos, cartazes e carros de som, o mar verde amarelo foi marcado por ódio incitado com pedidos de volta a ditadura militar e com retaliação para quem passasse nos locais – Foto: Alice Vergueiro

    Se o golpe se deflagra, a autorização para que resultados colhidos das urnas sejam desmerecidos e não reconhecidos no futuro terá sido dado.

    Quem disse que o impeachment ou a renúncia da atual presidente encerraria a crise política?

    Quem disse que outros milhões de brasileiros que no passado votaram em Lula e Dilma aceitarão passivos Aécios, Cunhas e quem mais vier, se empurrados goela abaixo, deslegitimando o voto conquistado historicamente com sangue, suor e lágrimas por grande parte da população brasileira?

    Como disse Renato Meirelles, presidente do Data Popular, em entrevista ao “El País”, a insatisfação com o governo não quer dizer desejo de que a presidente saia. Pode, inclusive, também expressar o desejo de que melhore. Para que, ao final do mandato, ela venha a fazer jus aos votos confiados a ela.

    Creio que para aqueles que levaram os membros do poder executivo e do legislativo ao poder pelas urnas e pelo voto a notícia deve ser emitida clara e limpidamente e sem hesitação: Não vai ter golpe!

    Respeitem o voto conquistado e que ainda rege nossa claudicante democracia.

    Mas se o golpe vier, isso não resultará num fim pacificador, ao contrário, convocará o início de reações e conflitos que podem vir a ser incontroláveis e cujo desfecho será imprevisível. Se o respeito ao voto do cidadão for desfeito, a cada um não restará muito mais do que agir por conta própria, num país onde as posições de consenso e as instituições são, constantemente, ridicularizadas e lançadas à lata do lixo.

    Caberá sempre ao eleitor decidir e reavaliar seu voto na próxima vez em que estiver diante das urnas. O sequestro do voto é um atentado grave à cidadania e aos cidadãos, num país em que o futuro da democracia ainda é totalmente incerto e nebuloso.

    Apertar o botão verde nas próximas eleições será o efeito de um sistema eleitoral que se moderniza e se consolida, e que se tornou tão propalado mundo afora, ou não será muito diferente de um vídeo game inútil e risível em que é sempre possível recomeçar o jogo do início diante da derrota.

    Paulo Endo é psicanalista, professor da Pós Graduação em Humanidades, Direitos e Outras Legitimidades e do Instituto de Psicologia, ambos da USP, membro da Cátedra UNESCO de Educação para a Paz, Direitos Humanos, Democracia e Tolerância da USP.

     

  • PM assume escolas e impõe a disciplina dos quartéis

    PM assume escolas e impõe a disciplina dos quartéis

     

    Você sabe que alguma coisa está muito mal quando a única solução visível no horizonte é chamar a polícia.


    Para um país que ousou sonhar com a educação libertadora de Paulo Freire, a tendência agora é militarizar as escolas públicas consideradas “problema”. Já existem 93 escolas públicas no Brasil em que os alunos têm de bater continência para policiais armados na entrada das aulas, o cabelo tem de ser quase raspado para os meninos, as meninas têm de prendê-lo. Maquiagem, brincos e esmalte nas unhas, nem pensar. O uniforme é como uma farda.

    Namoros são proibidos. O afeto é substituído por aquela gritaria típica de quartéis: “Sim, senhor!” “Não, senhor!”

    O argumento mais usado para defender a militarização é o de que a polícia põe ordem na bagunça e permite que, assim, a escola melhore sua capacidade de difundir conhecimentos.

    É com base nessa idéia que o governador Marconi Perillo, do PSDB de Goiás, tem investido pesado na militarização das escolas. Goiás tem o maior número de escolas assim (26) e ele promete inaugurar mais 24 até o final do ano. Mas será que a disciplina dos quartéis é boa mesmo para a escola?

    Para conhecer mais de perto essa realidade, Jornalistas Livres enviaram a repórter Isa Assumpção até Manaus, capital do Estado do Amazonas, para mergulhar na realidade do Colégio Militar Waldock Frick Lyra, que em 2012 foi entregue pelo governo para ser administrado pela PM. O Amazonas tem quatro escolas militares em funcionamento.

    É bom esclarecer de cara que os métodos dos quartéis ainda não conseguiram nem começar a tirar a Waldock da rabeira do Enem. Ao contrário.

    Em 2012, a Waldock estava na posição 10.537º do ranking nacional. Em 2013, caiu para a posição 10.965º. Em 2014, despencou mais um pouquinho: ficou na posição 11.065º, entre um total de 15.639 escolas que participaram do Enem. Ou seja, existem 11.064 escolas em melhores condições do que a Waldock para colocar seus alunos em uma faculdade. Mas essa não é a pior parte. Confira a seguir o relato:

    “Tudo que chama a atenção, nós tentamos tirar”

    Cheguei no Colégio Militar Waldock Frick Lyra pela manhã, período em que o Ensino Médio funciona, na hora do intervalo dos estudantes. A cantina estava repleta de adolescentes fardados. Uniforme em molde militar: calça cinza, e camisa marrom clara, com insígnias da escola e da PM. Todos, absolutamente todos, estavam de boina na cabeça. Boina militar.

    Na escola não é permitido cabelos soltos, maquiagem, brincos. Todos têm que usar camisas para dentro das calças ou das saias. As saias das meninas são até o joelho e elas usam sapato com um pequeno salto. Todos são muito parecidos.

    As vestimentas são análogas às dos policiais. Portanto, se uma policial feminina não usa brincos ou cabelos soltos por uma questão de segurança quando vai trabalhar em campo (na rua), o modelo é aplicado na escola: as garotas seguem o mesmo padrão. Padronizada também é a cabeça dos meninos. Todos com os cabelos quase raspados.

    “Tudo o que chama atenção, nós tentamos tirar” explica o Major Alysson, diretor da escola, que depois de uma rápida apresentação, permitiu que eu tirasse fotos. De lá, os estudantes foram para uma quadra coberta. Esse era o primeiro dia de aula, e havia uma formalidade militar para cumprir. Os alunos formaram filas e aprumaram rigidamente seus corpos, bateram continência e gritaram em conjunto o brado da escola: “Disciplina, Honra e Educação!”

    As dezenas de fileiras, milimetricamente organizadas fizeram diversos movimentos parecidos com os do Exército, saudando os militares-professores que conduziam a ação. Intercalando mecanicamente entre “descansa” e “sentido”, uma coreografia nas quatro direções (norte, sul, leste oeste) foi se passando. Ao final, os alunos saíam da quadra, ainda em fileiras, em direção às suas salas.

    Só ficaram algumas turmas. Estas passaram por um ritual especial, mais rígido. De repente, o professor gritou “QUEM FOI?”. Ele exigia que um aluno, que estaria com um celular na mão, se apresentasse imediatamente. Duas meninas de cabeça baixa se apresentaram. Uma delas denunciou: “O celular é dela, professor.”

    As duas foram mandadas para diretoria.

    Segui para a sala do diretor Alysson. O diretor me esperava com um quase sorriso. Ele está à frente da gestão da escola desde de agosto de 2014. Chegou a dar aulas de física antes de entrar para a polícia e hoje, além de diretor, tem a patente de major.

    A transformação da Waldock

    Segundo o major Alysson, antes de a PM comandar a escola, os muros eram pichados, os professores não conseguiam dar aulas, os alunos eram rebeldes e havia indícios de tráfico de drogas.

    De forma superficial, sem muitos detalhes, disse que nessa época houve um homicídio na região. Relacionou o crime a alunos da escola. É desse episódio nebuloso que proveio a determinação do governador do Amazonas, na época Omar Aziz (PSD-AM), para que a PM começasse a dirigir a escola.

    José Melo era o vice de Omar Aziz quando a Waldock foi militarizada. Hoje governador, pelo PROS, Melo é autor de outras “obras-primas” amazonenses. Ele desmantelou a secretaria de Ciência e Tecnologia, que foi anexada à secretaria de Educação. Além disso, capitaneou a retirada da questão de gênero e LGBT do Plano Estadual de Educação. A assessoria da Secretaria de Educação afirma que o entendimento é de que esta não é uma questão para ser discutida dentro da escola.

    Houve manifestação do movimento estudantil, LGTB e Trans, mas que não conseguiu fazer face à mobilização dos católicos carismáticos. Por fim, o Estado do Amazonas sofre ainda com um corte na verba destinada a apoiar e financiar o ingresso de estudantes na universidade.

    Sem namoro, sem celular, sem atrasos

    Voltando à Escola Waldock Fricke Lyra, o major Alysson admite que o começo da implantação da gestão militar não foi fácil. Os pais dos alunos não gostaram das novas exigências, com suas regras rígidas. É que, além da maneira de vestir, os alunos foram também proibidos de namorar ou de demonstrar algum afeto pelo sexo oposto (só podem conversar). Usar o celular é vetado absolutamente (inclusive se eles precisarem falar com os pais). Se chegarem atrasados, voltam para casa.

    Cerca de 100 alunos não se adaptaram e preferiram sair da escola. Hoje, são 1.994 alunos. Mais de 10 professores pediram transferência para outra escola.

    Apesar disso, a escola colheu resultados. Conquistou alguns prêmios nas Olimpíadas de Matemática e todos os dias tem pais na porta da escola, tentando vagas para seus filhos.

    Perguntei qual era a estratégia motivacional para os alunos, e o major respondeu: “A mesma que a usada para os militares.” Os alunos ganham medalhas, brevês, alamares etc. se conseguirem tirar boas notas e cumprir a parte da disciplina melhor do que os outros.

    Cada série tem uma patente e, a partir da sexta série, os estudantes podem concorrer às vagas de: sargento, subtenente, tenente aluno, major aluno, tenente coronel aluno, coronel aluno (igualzinho às patentes da PM). Quando um aluno é condecorado, recebe os sinais de sua diferenciação dos colegas. Seu retrato é exibido no corredor e ele passa a ostentar acessórios no uniforme.

    O major Alysson diz que muitos alunos querem seguir a carreira militar, mesmo que, segundo ele, não haja esse tipo de encorajamento por parte dos policiais. Segundo ele, a escola incentiva os alunos a escolherem cursos que sejam difíceis de passar no vestibular, como engenharia, direito e medicina.

    Bullyng oficial e outras humilhações

    Para os alunos que não cumprem as regras da escola existem diversas formas de punição: isolamento, atividade obrigatória (como ficar lendo um determinado livro no intervalo), repreensão, suspensão e — por último — a expulsão.

    Mas o major afirma que os alunos são muito bem comportados e aprenderam as respeitar as regras. “A punição é parte importante na aplicação das regras e da disciplina. Sem ela, não há como exigir o comportamento que se deseja dos alunos”, justifica.

    Questionei dois alunos que estão na Waldock desde antes da intervenção da PM, sobre como era estudar ali. Mael Barbosa, 18 e Bianca Silva 18, ambos do 3o ano, responderem timidamente do mesmo modo, afirmando que a escola é ótima, e que antes era pior. Que agora eles tem uma “chance na vida” e que pensam em fazer faculdade. Bianca disse que foi difícil deixar de usar a maquiagem e o cabelo solto, mas que hoje até prefere a cara limpa e o cabelo preso — ela diz achar mais adequado. Mael tem uma namorada na escola, mas não pode demostrar nenhum tipo de afeto. Tem que “falar de longe” com ela. Perguntei se não havia nenhuma crítica à extrema rigidez. Bianca disse: “Não posso falar mal da única chance que temos aqui”.

    “Única chance” é um dos discursos preferidos da Waldock, para justificar a militarização.

    Devolvi a frase para a doutora Iolete Ribeiro, professora de psicologia da Universidade Federal do Amazonas, na área de educação. Ela disse que esse tipo de justificativa é de certa forma uma hipocrisia. Segundo Iolete Ribeiro, a gestão da PM numa escola é efeito colateral da falha da própria Secretaria de Segurança Pública, que não consegue garantir um ambiente adequado para a comunidade.

    “Associar uma área da cidade à violência é comum, mas é um erro. A violência é fruto de toda a cidade, de um sistema maior. Faz parte de um olhar segmentado do espaço urbano o ato de responsabilizar os moradores ou a situação sócio-econômica da região pelos problemas, e corresponde a uma forma segregadora de tratar da cidade.”

    Para a pesquisadora, o bom comportamento na verdade está disfarçado de obediência. Ela afirma que a educação deve ser emancipadora, e não apenas ensinar a obedecer; pois desse modo não se desenvolve o sentimento de responsabilidade nos alunos, que ficam sem autonomia e não fazem as próprias descobertas e escolhas. Pelo modelo da PM, é um agente externo quem define a referência do que é ético. “Isso é extremamente perigoso, pois se forma uma massa de seguidores.”

    Segundo Iolete, a busca pelas notas altas tem um custo no cotidiano dos adolescentes. Quem não se enquadra se torna um desajustado, e acaba sofrendo grande desgaste para continuamente tentar se encaixar. Só há lugar para os melhores na concepção de educação militar; essa lógica da segregação multiplica o sentimento de não-coletividade e não corresponsabilidade.

    O sistema de medalhas, brevês e títulos militares incentiva uma supervalorização da competição e da hierarquia, e pode desenvolver pequenos ditadores, na medida em que os próprios alunos têm que supervisionar e denunciar os outros. Os que não conseguem sucesso na corrida podem se tornar agressivos ou deprimidos, conclui a estudiosa.

    Perguntei do Professor Maxuel da Silva Colares, 37, que dá aulas de matemática na escola Waldock e que já conseguiu várias medalhas para a escola, qual sua filosofia. Ele afirmou que “existem dois tipos de ser humano: aquele que obedece e aquele que manda”. Foi mais uma prova de que ali não existe o reconhecimento das diversidades. Os alunos são obrigados a obedecer a qualquer custo para ficar ali.

    Mas, a escola busca atender a comunidade, não é? Pelo menos é isso o que diz a propaganda da Waldock…

    Só que, na verdade, a Waldock acaba criando uma dose extra de segregação. Ou o modelo é aceito, ou o aluno não pode estudar ali. Isso se reflete também na metodologia aplicada para ingressar no colégio. É preciso fazer uma prova para entrar na 5ª e na 6ª séries, anos em que se iniciam os estudos ali. Quem não passar está automaticamente excluído. Isso é segregação ou não é?

    O discurso de que “Não existe dificuldade de aprendizagem e sim preguiça ou falta de obediência”, ligado às formas tradicionais de ensino, endossa que o problema é sempre o aluno e não a instituição — a escola então nunca é repensada.

    Ainda no Colégio Militar, conversei com o Capitão Idevandro dos Santos, 36, que está na escola desde o começo da gestão da PM. Ele trabalha armado, pois, mesmo com o cargo de coordenador pedagógico, ainda é policial, e tem que garantir a segurança da escola e das áreas ao redor.

    Porém, utilizar uma arma em uma escola, segundo a doutora Iolete, pode causar uma impressão de ameaça, reforçando o ambiente de opressão. O uniforme também pode ser reconhecido como uma forma de violência, pois proíbe a manifestação de diferenças.

    O major Alysson explica que a filosofia do colégio militar segue a concepção do Exército, ao incentivar a criança a querer ser “uma pessoa de bem”, a ter espírito de civismo, amor à pátria e pela família.

    Indaguei sobre aulas de orientação sexual. “Normal”, ele disse. Elas são realizadas na aula biologia e na aula de religião.

    Depois completou: “A gente trabalha muito nessa área, mas é coisa de brasileiro mesmo, tem duas alunas grávidas (antes era muito mais). Isso apesar de elas andarem com os vestidos aqui em baixo… Imagina se elas andassem com as calças apertadinhas [que se vê nas ruas]?”

    Conversando com o Secretário de Educação sobre a situação, ele disse que o ideal não é militarizar uma escola. Apesar disso, defende o que foi feito com a Waldock. A mudança também teve o objetivo de testar tipos de ensinos diferenciados em determinadas comunidades. Ele afirma que no caso da Waldock foi necessário “algo mais forte”, por conta da violência. Explicou que normalmente escolas que possuem regras, tem resultados melhores.

    Apesar da metodologia rígida da PM na escola ter suas vantagens (os alunos da Waldock realmente estudam e têm uma infra-estrutura melhor à disposição), ainda considero que a escola deveria ser um espaço onde uma criança ou adolescente possa se reconhecer e valorizar sua cultura local. Uma escola que trabalhe as diferenças, que traga as vozes da comunidade para assim reconstruir a história. Educação pela libertação. Gosto disso.

    E lá fui eu visitar uma escola em que a diferenciação é uma vantagem.

    Lenda do Boto

    Fui para a comunidade do Fundo do Paracuúba, a 20 minutos de barco de Manaus, conhecer a Escola Municipal Nossa Senhora da Conceição.

    Fica numa região que tem seis meses no seco, e seis meses sob as águas do rio, que transforma completamente a paisagem. As casas são de palafitas. Durante o período da cheia, são ligadas por pequenas pontes. Nesse período, o meio de transporte é a canoa ou os barcos.

    Seu Joaquim, o diretor da escola, me contou brevemente sua história. Ele foi doado pela mãe para uma família, que morava na região. Frequentou a escola até a quarta série e começou a trabalhar no roçado aos 6 anos. Mais velho, foi para Manaus e trabalhou em diversos empregos (camelô, padeiro, barqueiro etc.). Uma vez, quando foi visitar a família na comunidade, uma representante da secretaria de educação pediu a ele que se transformasse em professor na escola.

    Ele disse que não poderia, pois só tinha estudado até a 4ª série, mas insistiram no pedido.

    Como a prefeitura de Iranduba lhe oferecia a possibilidade de continuar os estudos, Seu Joaquim não conseguiu recusar a oferta. Escolas ribeirinhas normalmente têm dificuldades para contratar e manter seus professores por mais do que alguns poucos anos.

    Em sua primeira aula na Escola Nossa Senhora da Conceição, havia 70 alunos, do Ensino Infantil à 4ª série, com idades entre 7 e 20 anos. Para dar conta da grande diversidade, Seu Joaquim encontrou, em um só texto, atividades para todos. O texto era uma lenda sobre o boto…

    Geralmente contada para justificar gravidez fora do casamento, a lenda fala que o boto rosa aparece transformado em um rapaz elegantemente vestido para seduzir as mocinhas. Os mais novos desenhavam a figura do animal, enquanto os mais velhos trabalhavam na redação.

    Esse tipo de aula é comum em escolas pequenas, em que não existem professores suficientes. Mas Seu Joaquim não se intimidou e foi em frente. Descobriu-se um ótimo contador de histórias. “A criança ouve, entra na imaginação”.

    Quando se trata de disciplina, ele afirma: “Só com o diálogo as coisas funcionam.” Ele não admite expulsar um aluno, tem que fazer com que ele fique na escola. Ele também tem problemas mais complicados, como o uso e tráfico de drogas por alunos, mas é conversando com eles que vai resolvendo a questão. Ele já foi ameaçado de morte por traficantes da região, mas continua lá, e nem se preocupa com isso.

    Seu Joaquim está lutando por melhorias na escola. Precisa de uma reforma no piso, que por causa das cheias, começa a ficar desgastado. Precisa trocar a fiação de energia, além de investir na manutenção dos equipamentos que já tem. Ele ganhou vários computadores, mas não pode usá-los. A prefeitura não manda nenhum técnico pra instalar as máquinas, que enquanto esperam pela burocracia, vão se deteriorando.

    No dia em que fui conhecê-lo, havia poucos alunos nas classes — faltou gasolina na prefeitura de Iranduba. Para que as crianças possam ir à escola nesta época do ano, elas precisam do transporte, feito de barco. Essa é uma das maiores dificuldades das escolas de comunidades isoladas: às vezes, os alunos moram a mais de uma hora de barco da escola mais próxima.

    Com as cheias, muitas escolas param de funcionar pois ficam parte debaixo d’agua. Falta investimento para fazer com que as escolas possam funcionar o ano inteiro. Mas, Seu Joaquim, com diálogo e liberdade, consegue fazer o milagre de dar aulas no ano todo. E ainda colhe resultados. Muitos dos seus alunos fizeram faculdade, e muitos se tornaram professores. A lenda do boto se perpetuará ali. Mais do que a cultura do “Sim, senhor!”, “Não, senhor!”

     

  • Respeito se Aprende na Escola! Contra a discriminação, o ódio e a perseguição dos fundamentalistas religiosos

    Respeito se Aprende na Escola! Contra a discriminação, o ódio e a perseguição dos fundamentalistas religiosos

    Hoje, dia 5, às 19h, será realizado um Ato na Câmara Municipal de São Paulo em repúdio a “manifestações de intolerância e intromissão fundamentalista na votação do Plano Municipal de Educação de São Paulo(PME-SP)”. É uma iniciativa dos movimentos sociais e da sociedade civil, preocupados com o avanço de setores conservadores que tentam minar as conquistas de direitos, atacando frontalmente a democracia e o Estado laico brasileiro. Participam da ação 110 entidades científicas e de direitos humanos.

    Numa ação orquestrada pelos setores mais conservadores e reacionários da Igreja Católica e de várias denominações evangélicas, vereadores de todos os municípios do Brasil estão sendo pressionados pelos párocos locais, para retirar dos textos finais dos Projetos Municipais de Educação, os termos “gênero”, “orientação sexual” e “diversidade”. Em São Paulo, vereadores já retiraram todas as referências a questões de gênero e sexualidade do texto final, que volta para o plenário no dia 11 de agosto em nova votação.

    Ontem, véspera do Ato, o vereador do PSDB Eduardo Tuma, representante da bancada da bala, realizou um seminário sobre “ideologia de Gênero”, uma expressão usada pela igreja católica para desqualificar e atacar a luta pela emancipação das mulheres e pelos direitos civis de populações socialmente vulneráveis, como as pessoas LGBTs. O seminário foi realizado em parceria com a Renovação Carismática, uma denominação católica que prega que “o pecado é ação contrária à vontade de Deus e é a fonte de todos os males existentes na sociedade”. Na entrada do seminário foi distribuída uma cartilha com um conteúdo preparado para incutir terror nas pessoas. Está escrito lá —um exemplo de mentira, canalhice e covardia :

    “O que acontecerá caso aprovem a ideologia de gênero nas escolas? Todas as nossas crianças deverão aprender que não são meninos ou meninas, e que precisam inventar um gênero para si mesmas. Para isso, receberão materiais didáticos destinados a deformar sua identidade. E isso seria obrigatório por lei.”

    A expressão “Ideologia de Gênero” foi falada pela primeira vez pelo papa Bento 16, num discurso proferido à Cúria Romana em 21 de dezembro de 2012.

    “…sob o vocábulo «gender — gênero», é apresentado como nova filosofia da sexualidade, a “Ideologia de Gênero”. De acordo com tal filosofia, o sexo já não é um dado originário da natureza que o homem deve aceitar e preencher pessoalmente de significado, mas uma função social que cada qual decide autonomamente (…). Salta aos olhos a profunda falsidade desta teoria e da revolução antropológica que lhe está subjacente. (…) Se, porém, não há a dualidade de homem e mulher como um dado da criação, então deixa de existir também a família como realidade pré-estabelecida pela criação.”

    O mito essencialista de que a natureza não só produz corpos como também comportamentos, e que homens e mulheres já nasceriam com as características que hoje conhecemos, foi derrubado pela antropóloga Margareth Mead em 1937, quando ela publicou o livro: “Sexo e temperamento”, um relato de suas pesquisas na Nova Guiné. Ao pesquisar três tribos de nativos, ela encontrou três modelos distintos de “homem” e “mulher”, completamente diferente dos modelos que nós conhecemos. Esse livro é tido como o estopim do movimento feminista internacional.

    Quando o papa atual, em sua recente viagem pela América Latina condenou as “ideologias” se referia também à “ideologia de gênero”que ele condena:

    “A ideologia de gênero é um erro da mente humana que provoca muita confusão, onde a família está sendo atacada.” disse Francisco num discurso dirigido aos jovens numa viagem a Nápoles, Itália. Ele denunciou ainda a existência de uma estratégia para impor a “ideologia de gênero” em países em desenvolvimento por meio de formas “chantagistas” de oferta de ajuda, o que Francisco denominou de “colonização ideológica”.

    Segundo Francisco, existem atualmente tipos semelhantes a “Herodes” modernos que “destroem, que tramam projetos de morte, que desfiguram a face do homem e da mulher, destruindo a criação.”

    Um vídeo no youtube (https://youtu.be/rPQfcGKR0FI) contém a explicação do que seria a tal “ideologia de gênero”, na conceituação da extrema-direita neofascista teocrática que quer golpear o Estado laico e a democracia brasileira.

    Transcrevo aqui uma parte esclarecedora :

    “A ideologia de gênero nasce apoiada na filosofia marxista de luta de classes onde Frederic Engels diz: a primeira opressão de uma classe surge “pelo antagonismo homem mulher, sexo feminino pelo masculino.” Ela está apoiada no “movimento feminista radical dos anos 60 e 70, que apoiado na filosofia marxista (…) e nas ideias da filósofa francesa Simone de Beauvoir que disse “ninguém nasce mulher, mas sim torna-se mulher”.

    Um dos alvos principais desse factóide criado pela Igreja Católica é a emancipação das mulheres, visando à perpetuação de posições misóginas e machistas dentro das instituições de ensino. Não falar sobre sexualidade nas escolas é negar informações importantes, como os cuidados que se deve ter com relação à contracepção (não se pode esquecer que a Igreja até hoje mantém-se contrária ao uso de contraceptivos e de preservativos, além de condenar o aborto), e para a prevenção das doenças sexualmente transmitidas.

    Mulher católica reza o terço durante discussão na Câmara sobre o Plano Municipal de Educação

    O catolicismo não condena diretamente a homossexualidade, mas considera que são pessoas “intrinsecamente desordenadas” que só podem ser incluídas nas comunidades cristãs se mantiverem o celibato — a prática da “sodomia” é considerada pecado. Retirar a expressão “orientação sexual” dos Planos Municipais de Educação é impedir que dispositivos de prevenção à homofobia sejam implantados nas instituições de ensino, e expor gays, lésbicas e bissexuais a violências cotidianas. Por tabela, as famílias homoafetivas são desqualificadas e combatidas, em nome de um modelo heteronormativo, considerado “natural”.

    Mas os fundamentalistas religiosos que atacam aquilo que chamam de “ideologia de gênero”, têm descarregado toda a sua artilharia sobre a comunidade de travestis, mulheres transexuais e homens trans, que tem se fortalecido em sua luta por direitos civis nos últimos tempos. Foram vários os ataques transfóbicos recentes das bancadas católica e evangélica, unidas à bancada da bala, com projetos tentando anular direitos já adquiridos. Cito, entre os principais, a decisão do Conselho Nacional de Combate à Discriminação e promoções dos direitos de lésbicas, gays, travestis e transexuais (CNCD/LGB), que garantiu o nome social em todas as instituições educacionais públicas e privadas, o uso de uniformes condizentes com a expressão de gênero autodeclarada, e do banheiro mais adequado. Todos esses direitos serão comprometidos se questões relativas a gênero não puderem fazer parte dos currículos escolares. A maior parte de travestis e uma parte considerável de mulheres transexuais e homens trans não têm nem o ensino fundamental completo, porque acabam abandonando a escola, atacados que são por sua expressão de gênero não-reconhecida.

    Sem informação, a homo-lesbo-transfobia vai continuar fazendo suas vítimas dentro e fora das salas de aula.

    Em depoimento, o ativista Adriano Diogo, um dos apoiadores do Ato, declarou que será “um erro gravíssimo, o dia em que, na escola, você não puder aceitar as crianças do jeito que elas são e não dar a elas o direito à liberdade de expressão e ao devido tratamento; você está criando uma forma de exclusão enorme pra uma faixa da população. É uma coisa perigosíssima porque qualquer pessoa dentro da escola e até pai de aluno poderá expulsar um aluno que destoe da heteronormatividade. O que está atrás disso tudo na realidade é uma enorme perseguição a qualquer manifestação LGBT. É uma coisa medieval, terrível de alguns setores religiosos que não aceitam que o mundo tenha essas características. Não só não aceitam como querem punir quem aceita. Daqui a pouco a Câmara vai votar a revogação da teoria de evolução de Darwin, aprovar o criacionismo (que defende o mito bíblico da origem da humanidade em Adão e Eva), a revogação da Lei internacional dos direitos humanos. E sabe-se lá o que eles podem inventar de pior…”

    “Família que exclui LGBT não é Família!”: manifestantes exigiram respeito e laicidade nas escolas

     

  • Jornada de agroecologia dá recado a Dilma: ‘Vem pro Campo, vem pra rua’

    Jornada de agroecologia dá recado a Dilma: ‘Vem pro Campo, vem pra rua’

     

    Foto: Leandro Taques

    Evento encerrado ontem (25) alerta para urgência da agricultura sustentável para o planeta e manda recado a presidenta, que acabou cancelando presença na última hora


    Irati (PR) — Não por acaso a pequena cidade, a cerca de 150 quilômetros de Curitiba, foi escolhida para sediar durante a semana que passou a 14ª Jornada de Agroecologia, evento que reúne camponeses do estado e de diversas outras regiões do Brasil com o objetivo de debater alternativas para a produção de alimentos saudáveis no país. O município abriga o escritório regional da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado do Paraná e está localizado na principal rota de escoamento de produtos paranaenses para o Mercado Comum do Sul, o Mercosul. Entre os dias 22 e 25, mais de 3500 participantes de movimentos populares que integram a Via Campesina, além de técnicos, acadêmicos, pesquisadores e profissionais da saúde e educação alteraram o ritmo da pequena cidade de pouco mais de 50 mil habitantes.

    A primeira conferência ficou a cargo do coordenador do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) e da Via Campesina João Pedro Stédile. Ainda embalado pelo recente encontro com o papa Francisco durante o Encontro de Movimentos Sociais na Bolívia, Stédile evocou as palavras de pontífice para ressaltar a urgência da mudança no modo de produção alimentar. ‘’Como disse o Papa, vivemos numa casa comum, onde todos os seres vivos: vegetais, animais, bactérias e seres humanos convivemos, e um depende do outro. Acontece que a humanidade está em perigo. Existe hoje uma hegemonia do modus operandi do capital financeiro e das transnacionais que está dominando a produção de alimentos’’.

    Ainda segundo Stédile, a crise econômica internacional agrava a degradação dos recursos naturais, o que torna o tema da agroecologia, mais que questão de saúde pública, de salvação do planeta. ‘’As grandes empresas do capitalismo mundial estão se voltando para a natureza para tratar de se apropriar, de privatizar tudo o que nós consideramos um bem comum’’, alertou.


    “..As grandes empresas do capitalismo mundial se voltam contra a natureza e o bem comum”

     


    O ex-ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, participou do evento. Segundo ele, nos últimos anos, foi possível avançar na consciência da população sobre a qualidade dos alimentos que consomem, mas a correlação de forças políticas ainda não permitiu o Brasil avançar em políticas que promovam a produção agroecológica. ‘’Não há governo no Brasil que, frente ao tamanho da nossa sociedade, tenha força para modificar o sistema de produção. Ainda precisa haver um profundo amadurecimento da sociedade, porque o governo é a expressão da sociedade’’, disse.

    Carvalho destacou a dificuldade pessoal para realizar articulações em prol da produção agroecológica durante o tempo em que trabalhou junto ao governo federal. ‘’Eu trabalhei 12 anos dentro do governo lutando por essa causa e sentindo a dificuldade na correlação de forças, principalmente no Legislativo. Se formos votar hoje no parlamento uma lei sobre os agrotóxicos, é possível que tenhamos uma lei regressiva, que piore a situação. Por isso, o que temos de fazer é investir força nesse processo de conscientização e mobilização social, o que os movimentos corretamente fazem’’, defendeu.

    Foto: Leandro Taques

    Visibilidade

    Paralelamente às conferências, uma extensa programação de oficinas, seminários e intervenções culturais expôs avanços da agroecologia no Brasil, a partir da experiência dos movimentos populares do campo, suas formas de organização, mobilização e formação política. ‘’Isso é resultado do que acontece todos os dias do ano nas bases, nas comunidades, nos acampamentos, nos assentamentos, nos territórios quilombolas, indígenas e pequenos agricultores. Nesses quatro dias de Jornada está tudo isso presente: os conhecimentos tradicionais, as práticas agroecológicas, o debate político-filosófico da agroecologia, o debate cultural da agroecologia. A jornada propõe dar visibilidade ao que nós construimos no dia a dia, a agroecologia’’, disse Céris Antunes, integrante da comissão organizadora da Jornada.

    Os moradores de Irati tiveram acesso à feira agroecológica, onde encontram a preços solidários alimentos produzidos nas comunidades e assentamentos rurais, além de produtos derivados, sem qualquer adição de elementos químicos prejudiciais à saúde e ao ambiente. Silvana, produtora rural do Contestado, na região centro-sul do Paraná, fala com orgulho dos alimentos que levou para compartilhar: ‘’Tudo o que trouxemos é orgânico, sem veneno. O que se compra no supermercado provoca câncer e diversas outras doenças. Ao passo que na nossa terra, a única coisa que agregamos é o amor e o carinho’’.

    Apesar de ser realizada há 14 anos pelos agricultores do estado do Paraná, muitos participantes vieram de longe para participar da Jornada de Agroecologia. Uma delegação de 40 paraguaios cruzaram a Ponte da Amizade para compartilhar suas realidades e levar do Brasil a larga experiência do movimento campesino brasileiro em matéria de produção agroecológica. ‘’Sempre viemos com muita expectativa delevar novos conhecimentos, novas experiências para poder contribuir com o processo de construção da agroecologia no Paraguai’’, disse Félix Martínez, integrante da delagação paraguaia.

    Foto: Isabella Lanave/R.U.A Foto Coletivo

    Dilma deu ‘bolo’

    Mesmo criticada pelo movimento camponês brasileiro por ser a presidente que menos avançou nas políticas de reforma agrária, a presidenta Dilma Rousseff se dispôs a participar da Jornada de Agroecologia na sexta-feira (24). Organizadores e participantes chegaram a festejar a confirmação da notícia na véspera. Na noite do mesmo dia, o clima do evento mudou, quando começaram a chegar as equipes de segurança e cerimonial da Presidência da República. Um esquema de segurança foi montado no Centro de Tradições Willy Laars para receber a presidenta.

    Minutos antes da hora prevista para sua chegada a Curitiba, foi informado pela assessoria de imprensa do Planalto que a visita havia sido cancelada por falta de condições de pouso no Aeroporto Internacional Afonso Pena, na capital paranaense. O ‘’bolo’’ da presidenta causou desconforto.

    Frei Betto comparou erros do socialismo soviético com os da igreja: “Não é porque houve a inquisição que a Igreja fracassou’’. Foto: Leandro Taques

    No fim da noite, durante o ato político, o ministro do Desenvolvimento Agrário, Patrus Ananias, leu uma carta enviada por Dilma em que ela pediu desculpas pela ausência e relatou os avanços de seu governo em relação à agroecologia. A presidenta também ressaltou a importância estratégica das Jornadas de Agroecologia que, em suas palavras, ‘’demonstram a capacidade de alcançar o desenvolvimento participativo com responsabilidade social’’. O ministro enfatizou em sua intervenção o compromisso de que, até o fim da atual gestão, ‘’não exista um camponês sequer no Brasil vivendo debaixo da lona’’.

    A presença de Patrus e de outras autoridades do estado do Paraná serviu também para a assinatura de adesão dos produtores rurais aos programas de Aquisição de Alimentos e ao Programa Terra Forte, ambos do governo federal, que proporcionam assistência técnica e recursos para pequenos produtores rurais de todo o país.

    Conselhos de Frei Betto

    A última conferência do evento foi realizada pelo escritor Frei Betto, anunciado no palco como um dos mais importantes parceiros do movimento de luta pela terra no Brasil. O teólogo elencou conselhos para a militância, defendeu a construção do socialismo e chegou a comparar erros históricos da Igreja Católica com o fracasso do socialismo soviético.’’Não é porque houve a inquisição que a Igreja fracassou’’. E aconselhou: ‘’Mantenham viva a indignação de vocês’’, disse.

    E lamentou a ausência de Dilma. ‘’Eu ia parabenizar a presidenta porque finalmente resolveu sair do Planalto e se encontrar com os movimentos sociais. Uma pena que ela não veio (…) Dilma, presidente, vem para o campo, vem para a rua, se faça presente’’, entoou. E mandou seu recado: “Dilma, que o Brasil tenha que fazer ajuste fiscal, todo mundo está de acordo, mas que só o trabalhador tenha que carregar o piano, não dá’’.

    A 14ª Jornada de Agroecologia terminou no sábado, 25, com uma solenidade mística construída com o objetivo de promover o intercâmbio de mudas e sementes entre os agricultores.

    Foto: Gabriel Dietrich
  • “O(r) Di(n)ário do Mal”

    “O(r) Di(n)ário do Mal”

    Jornalistas Livres orgulhosamente apresentam o primeiro capítulo da série em quadrinhos “O(r) Di(n)ário do Mal”, que revela como um ser repulsivo se tornou o manda-chuva do Brasil

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