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Categoria: Segurança Pública

  • ELISA LUCINDA: Em Portugal, com o Brasil a doer no coração

    ELISA LUCINDA: Em Portugal, com o Brasil a doer no coração

    Elisa Lucinda na terra de Eça de Queiroz, onde participou do Encontro Internacional Literário Correntes D’Escritas - foto: Jonathan Estrella
    Elisa na terra de Eça:  “o mundo está assistindo nossa dor” – foto: Jonathan Estrella

    Estou em Póvoa de Varzim, terra de Eça de Queiroz, lindo lugar que pertence ao distrito do Porto, lançando o livro “A fúria da beleza” por uma editora luso cabo-verdiana, Rosa de Porcelana… Uma beleza. Somos muitos autores neste Encontro Internacional Literário bem chamado de Correntes D’Escritas. O país que nos colonizou vai muito bem, respeitando as artes e as ciências humanas e exibindo escolas públicas de altíssima qualidade. Pois vai muito bem mesmo este nosso Portugal. (não se preocupem não vou morar aqui… rsrs). É nutrição de esperança ver Portugal brilhando como esquerda europeia. O pequeno imenso país vai mesmo muito bem.

    Meu coração brasileiro é que não.

    Tenho vergonha do desmonte lá de casa. Vim representar um país cujo governo o despreza e o ataca diariamente. Para ele, fodam-se os índios, os pretos, a diversidade de gênero, a Amazônia, nossos metais valiosos, nossos museus, nossas universidades, nossa ciência, nossa pesquisa, nossa sustentabilidade, a soberania nacional. A elite brasileira não perdoa um governo que olhe para o povo. Por isso o ministro da justiça Sérgio Moro não luta mais contra corrupção; notaram? Se esqueceu da possível armação rachadinha do Queiroz, faz vista grossa para milícias e tudo que possa ferir o poder que alcançou negociando cargo em plena gestão de suas condenações da lava jato. Moro parece só pensar agora em ser o próximo presidente, e não tem tempo para a justiça. Tampouco se explica ao país. O poder é mais um dos seus brinquedinhos, coisa de menino rico que só sabe ser o dono da bola e ganhar sozinho o jogo. Nada pra ele é do coletivo. Não está nem aí pro genocídio da juventude negra pois, em sua balança cega para os que dela precisam, pesa a desigualdade. A cada hora uma criança perde a vida no Rio de Janeiro na chamada guerra contra o crime. E só é assassinada criança preta e pobre. Os petroleiros estão em greve. A cada hora um trabalhador perde ainda mais sua possibilidade de trabalho na constante desindustrialização do país por parte deste governo. Também, fodam-se os trabalhadores pois o ministro da economia quer o dólar alto por que não quer saber desta farra de domésticas viajando pra Disney sem parar, já que, a sonhada bobagem de grandes bonecos de Mickey e Pateta, é simbologia branca da classe média, e de quem tem dinheiro. Não é pra pobre não, senão vira bagunça. O presidente é racista, homofóbico, misógino e publicamente sem qualquer pudor, desrespeitador das mulheres e de várias vastas “minorias”. Tenho vergonha dele. Aqui ainda me sinto mais mal. Trago um Brasil doente no peito. Na internet do mundo rola o fedor da nossa roupa suja. O pessoal aqui tá sabendo. O ataque baixo do presidente à jornalista Patricia Campos Mello, ao jornal Folha de S.Paulo e a toda imprensa independente que o está criticando, todo mundo tá sabendo. Que horror! Socorro! Estou num festival de letras representando um país cujo presidente não me representa, não acredita nas letras e que, em nome de deus quer que o pobre continue pobre e não tenha dignidade nem saída. Estou representando um país cujo presidente se tornou internacionalmente metáfora de coisa ruim. Referência de despotismo, de fascismo, de atraso. Todos o sabem. Perguntam-me nas ruas daqui estarrecidos. Na lanchonete o rapaz que faz o sanduíche me questiona: “O que aconteceu ao Brasil? O homem só faz estragos! Só diz asneiras! E a Regina Duarte, será que não vê isto, oi?”

    Por isso, declaro aos presentes aqui: Sei que o mundo está assistindo nossa dor.

    Nossa democracia sofre duros e sucessivos golpes numa nocauteante sequência. Estava num bom caminho e nitidamente desandou aos nossos olhos e aos olhos do mundo que sinceramente tinham o Brasil num imaginário de um notável país, amante da liberdade e em desenvolvimento que, reduziu a fome, ostentou o SUS como melhor atendimento de saúde pública do mundo, zerou o analfabetismo, foi referência no combate à Aids. Fez o dinheiro circular e o trabalhador começou a poder andar de avião. Diminuiu com forte impacto a população abandonada e moradora das ruas das grandes cidades. Preto, indígena e pobre ocupando lugares nobres nas PUCs e outras importantes Universidades, LGBTQI+ avançando nitidamente ao seu lugar legítimo de cidadania.

    De repente, o tempo virou.

    Rapidamente o Brasil sai deste lugar pra virar constrangimento? Para citar e namorar os conceitos nazistas em pleno 2020? Enquanto as universidades do mundo estudam e aplicam o método Paulo Freire de ensino o presidente o ataca, ofende sua memória, importância e saber, na cara de quem o estudou? O presidente se volta contra a literatura, o cinema, os artistas, os professores, os direitos humanos? Enquanto os terreiros de candomblé e umbanda são atacados e vilipendiados por neo fundamentalistas, a Damares faz de seu ministério um templo, defende abstinência sexual para os jovens e o Estado, que era laico, faz culto evangélico na assembleia do Rio???!!!! O racista Sérgio Camargo insiste em assumir a Fundação Palmares, criada para defender os direitos dos negros! O cara está sendo imposto como um lobo destinado a cuidar das chapeuzinhos. Ele tem sede. É capitão do mato. É como designar um pedófilo para coordenar uma creche. Mas venho avisar a este mundo que estamos lutando. O senhor Sérgio não nos representa e não vai ocupar a presidência que leva o nome do Quilombo mais poderoso de que já se teve notícia. Quem trai Zumbi não ocupará Palmares. Este presidente não nos representa. Falo em nome dos que nunca acreditaram neste governo e também dos que por ele foram traídos e só agora estão entendendo. E parabenizo os nossos constitucionalistas, os ativistas, os bravos parlamentares, os professores, os estudantes, os petroleiros, povos da floresta, povos das favelas, povos quilombolas, ambientalistas, aqueles que de suas trincheiras não cansam de lutar. Bolsonaro não tem partido nem tem o congresso. Se cercou de militares, e não aceita que nem todo seu desejo possa virar decreto. A lei o atrapalha. O congresso e a constituição complicam sua vida.

    O Brasil se revelou na sua hipocrisia:

    Está mais assumidamente racista, perdido nas fake news, vendo atrocidades em nome de Deus, da pátria e da família. Mas está cada vez menos explicado: de qual Deus, de que pátria e de qual família fala o presidente? E quem entrou pelo sistema de cotas na universidade está entendendo sim e explicando pro seu pessoal, esclarecendo, conscientizando. Agora temos mais advogados pretos, temos rede social filmando as barbáries, desafiando e esfregando na cara da sociedade a realidade que ninguém quer e ninguém queria ver. O mundo mudou. O país é novo e complexo. Por isso advogados rapidamente se apresentaram diante do abuso sofrido por Raull Santiago. Sempre foi assim pros pretos. Desde o nosso holocausto que durou 400 anos. Há muito nos matam por lá. Por isso o governo Lula criou a Secretaria Especial da Igualdade Racial que este governo fez questão de acabar. Mas agora todo mundo vê. Lê. A fofoca é geral. Salva, comenta e compartilha. Estamos mais articulados do que nunca e, embora mais silencioso do que o conjunto de seus algozes, o quilombo contemporâneo se avoluma. A minoria está ficando do tamanho da maioria que é. É ao vivo, em tempo real, sem edição. Haverá revolução.

    Agradeço a esse encontro das Correntes D´Escritas, lugar onde a palavra é celebrada, em que várias vezes o Brasil foi citado como uma preocupação mundial. Sei que vocês sabem que o Brasil não é um caso isolado, e a retrógrada e insana mão da extrema direita ameaça o mundo. Por isso o Brasil percebe a solidariedade de todas entidades do planeta comprometidas com a igualdade, sabedora de que a desigualdade não produzirá a paz. Aproveito para compartilhar uma das lições que a nossa democracia duramente está recebendo: Nós da esquerda temos que nos livrar de costumes separatistas, preconceituosos que engendramos e praticamos em nossa política do cotidiano, e dos quais se aproveitam as forças conservadoras. Enquanto formos machistas, racistas e homofóbicos na vida íntima ou coletiva, mais estaremos vulneráveis ao nazismo e ao fascismo. Agradeço a este país que me recebe de braços abertos, aos escritores e poetas do mundo que cá estão, e faço questão de vos lembrar as palavras de Martin Luther King: “A injustiça num lugar qualquer é uma ameaça à justiça em todo o lugar”. Há um país que não aceita mais o racismo explícito do jornalista William Waack ou do Rodrigo Bocardi e que, apesar de sofrer toda a peste da evangelização tóxica em toda parte a dominar as mentes com seus moralismos, há um país cuja população adulta é filha da liberdade, e seus filhos mais ainda. Há uma país que não abrirá mão desta liberdade, que não a negociará, e que não vai parar de fazer amor, nem de exigir saber quem mandou matar Marielle!

    Póvoa de Varzim, Inverno em fevereiro, 2020

     

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  • Paraisópolis: PM considera que PM fez tudo certo no baile funk que acabou com 9 mortos

    Paraisópolis: PM considera que PM fez tudo certo no baile funk que acabou com 9 mortos

    A corregedoria da PM, que é um órgão da própria Polícia Militar, achou legal a ação de 31 policiais, durante um baile funk na favela de Paraisópolis (zona sul de São Paulo), que resultou em nove jovens inocentes mortos.

    A tragédia aconteceu em dezembro e foi filmada por centenas de pessoas, que colocaram os vídeos nas redes sociais. E o que se viu foi o absurdo: policiais entrando em alta velocidade em ruas estreitas, depois jogando bombas, espancando, aterrorizando. O show de violência ocorreu em um baile funk que reunia cerca de 5.000 pessoas. O resultado foi o pânico, a correria, o desespero. Jovens tentavam fugir pelas vielas estreitas da favela enquanto os policiais arremessavam contra eles bombas de gás lacrimogêneo e de efeito moral.

    As vielas estreitas não permitem a dispersão da substância tóxica que compõe o gás lacrimogêneo, o CS (2-clorobenzilideno malononitrilo), que em contato com os olhos causa lacrimejamento intenso e queimação, além de coriza, náuseas, tosse e asfixia. De fato, das nove vítimas fatais, pelo menos 8 morreram asfixiadas. Mas os laudos do Instituto Médico Legal de São Paulo atribuíram a sufocação até a morte das vítimas a um suposto pisoteamento, algo que familiares dos mortos rejeitam, já que as peças de roupas que eles vestiam no momento do baile não tinham vestígios de pisadas de calçados.

    Segundo reportagem da revista “Galileu”, “um número considerável de mortes relacionadas a bombas de gás lacrimogêneo já foi registrado. Uma mulher de 36 anos morreu por insuficiência respiratória e parada cardíaca durante um protesto na Palestina, em 2012. No Bahrein, 36 mortes foram catalogadas (inclusive a de um garoto de 14 anos) pelo organização internacional Physicians for Human Rights, que ao lado da Facing Tear Gas e da Anistia Internacional são as maiores ONGs contra o uso das bombas de gás, que enquadram como arma química.”

    A conclusão da Corregedoria da PM foi de que, apesar das nove mortes, a ação dos policiais foi lícita e eles agiram em “legítima defesa”. O documento assinala ainda que os PMs nem sequer praticaram infração militar. Assina o relatório o encarregado do inquérito, capitão Rafael Oliveira Cazella. As conclusões dele foram referendadas pelo subcomandante da Polícia Militar de São Paulo.

    “Assumiram o risco de matar”

    Para o advogado e conselheiro do Conselho Estadual do Direito da Pessoa Humana (Condepe), Ariel de Castro Alves, o resultado dos laudos não isenta os policiais de responsabilidade nas mortes. “Foi a conduta violenta dos policiais, que incluiu o uso de fuzis de balas de borracha e o lançamento de bombas de gás lacrimogêneo, além das agressões contra a multidão que lá estava, que causou o pânico, a correria, os pisoteamentos e as mortes. Em suma, os policiais assumiram o risco de ferir e gerar mortes”.

    Uma ação desastrosa como a ocorrida em Paraisópolis, uma comunidade pobre, jamais ocorreria se a festa tivesse como endereço uma área nobre de São Paulo, cercada por seguranças vestidos de ternos e gravatas, ou cobrando ingressos caros.

    “Ah, mas havia drogas no baile funk de Paraisópolis. A PM tinha de fazer o seu trabalho”, dirá o ingênuo, como se nas raves e nas festas dos ricaços todo mundo só tomasse limonada…

    O inquérito de 1.600 páginas sobre o Massacre de Paraisópolis está nas mãos do juiz Ronaldo João Roth, da 1ª Auditoria do Tribunal da Justiça Militar. Na segunda-feira (10/2), segue para o Ministério Público, que pode pedir novas diligências, concordar com o arquivamento ou apresentar denúncia. Agora, é continuar lutando, para que pelo menos encontrem Justiça as famílias de Gustavo Cruz Xavier, 14, Dennys Guilherme dos Santos Franco, 16, Marcos Paulo Oliveira dos Santos, 16, Denys Henrique Quirino da Silva, 16, Luara Victoria Oliveira, 18, Gabriel Rogério de Moraes, 20, Eduardo da Silva, 21, Bruno Gabriel dos Santos, 22, e Mateus dos Santos Costa, 23.

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  • PM reprime com bombas e gás lacrimogêneo 2º ato contra tarifas em SP

    PM reprime com bombas e gás lacrimogêneo 2º ato contra tarifas em SP

     

    O segundo Ato Público convocado pelo Movimento Passe Livre (MPL) percorreu o centro de São Paulo, nesta quinta (9/jan). A manifestação opõe-se ao aumento das tarifas de ônibus e metrô, de R$ 4,30 para R$ 4,40, imposto pelo prefeito Bruno covas (PSDB) e pelo governandor João Dória Jr. (PSDB).

    Dois manifestantes foram presos ao final do 2° ato contra o aumento das tarifas. Eles estão no 78° DP, sob a acusação de “danos ao patrimônio”.

    O ato começou por volta das 17h na praça da Sé, região central, e seguiu até a praça da República, onde foi finalizado. Os manifestantes tentaram, então, entrar na estação do metrô da praça, visando a pular as catracas, em protesto simbólico contra as tarifas. A PM fechou a entrada, apenas deixando uma pequena passagem cercada dos dois lados. Os manifestantes se aproximaram com a faixa e após um primeiro contato, alguns objetos foram jogados em direção à linha da PM. Foi quando começaram os tiros de bombas de efeito moral e de gás.

    Num momento em que a recessão econômica e o desemprego condenam as famílias trabalhadoras à pobreza, é inadmissível o aumento das tarifas.

    Desempregado, o trabalhador fica sem o vale-transporte e, com o aumento, na prática, terá de andar a pé ou ficar confinado no seu bairro. Como ele vai procurar emprego?

    E o serviço de ônibus é cada vez pior em São Paulo, com o fechamento de milhares de linhas, e a demissão de dezenas de milhares de motoristas e cobradores!

    Diante de reivindicação mais do que justa, tudo o que João Doria Jr. e Bruno Covas oferecem é um contingente reforçado de policiais militares para intimidar os manifestantes!

    Pela mobilidade urbana!

    Contra o aumento das tarifas!

    Veja cenas da manifestação!

     

     

  • Desembargador censura Marcelo D2 porque chamou Doria de “assassino”

    Desembargador censura Marcelo D2 porque chamou Doria de “assassino”

     

    Doria dá licença para polícia matar - na Folha de S.Paulo
    Doria dá licença para polícia matar – na Folha de S.Paulo

    Como é que se deve chamar alguém que “libera” 100 mil homens fortemente armados, que estão sob suas ordens, para matar?

    “Assassino” seria um bom jeito de denominar o sujeito que, por acaso, é o governador de São Paulo, João Doria Jr.

    Pois Doria é o chefe da maior polícia do Brasil, a terceira maior Instituição Militar da América Latina. Foi ele quem prometeu que, como governador, a polícia atiraria “para matar”. E a corporação está seguindo a ordem:

    Nos 6 primeiros meses do governo Doria, a PM matou a cada 10 horas e atingiu o maior número em 16 anos. Entre janeiro e junho deste ano, os policiais militares em serviço mataram 358 pessoas em supostos casos de resistência. Os PMs em folga mataram 56.

    “Assassino”. Foi assim que o rapper Marcelo D2 designou Doria, em um post indignado, depois de ler tuit do governador lamentando “profundamente” as nove mortes ocorridas em Paraisópolis, decorrentes de uma ação criminosa e terrorista de policiais militares.

    Lamentando “profundamente” como, se foi Doria que deu a licença para a PM matar?

    Daí, chega um desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo chamado Luiz Antônio de Godoy, obviamente um homem branco, e resolve tomar uma providência contra todo esse absurdo. O que ele faz?

     

    Não, ele não exigiu que João Doria engolisse a frase assassina…

    Não, ele não repudiou o comportamento dos PMs e cobrou punições exemplares…

    Não, ele não se solidarizou às famílias das vítimas, quase crianças, Marcos Paulo Oliveira dos Santos, 16 anos, Denys Henrique Quirino da Silva, 16 anos, Dennys Guilherme dos Santos Franca, 16 anos, Gustavo Cruz Xavier, 14 anos, Gabriel Rogério de Moraes, 20 anos, Mateus dos Santos Costa, 23 anos, Bruno Gabriel dos Santos, 22 anos, Eduardo Silva, 21 anos e Luara Victoria de Oliveira, 18 anos. (Nunca os esqueceremos!)

    A grande providência que o desembargador Luiz Antônio de Godoy tomou foi censurar o post do rapper Marcelo D2. Talvez ele ache que assim se dissolva a responsabilidade de Doria na matança de jovens pretos e periféricos. Luiz Antônio de Godoy mandou D2 apagar o tuit.

    Ingênuo!

    Hoje, centenas de milhares de pessoas em São Paulo sabem o que Doria fez. Sabem!

    E continuarão a dizer a palavra que a indignação faz explodir no peito, junto aos gritos de angústia, desespero e dor: ASSASSINO!

    O tuit censurado pelo desembargador Luiz Antonio de Godoy, do TJ-SP
    O tuit censurado pelo desembargador Luiz Antonio de Godoy, do TJ-SP

     

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  • ELISA LUCINDA: a morumbização do olhar sobre a tragédia de Paraisópolis

    ELISA LUCINDA: a morumbização do olhar sobre a tragédia de Paraisópolis

    Desigualdade e racismo, mas o olhar anestesiado do Morumbi não vê - acervo Favela News
    Desigualdade e racismo, mas o olhar anestesiado do Morumbi não vê – acervo Favela News

    Há poucos anos, dentro de uma academia de ginástica no Jardim Botânico, uma colega de alongamento estava esfuziante junto com as amigas, comentando o champagne, o filho que chegou de Londres a tempo, o tênis verde-amarelo que tinha comprado para a sobrinha, e a alegria que tinha sido o dia de domingo na família num evento que custei a perceber que se tratava da passeata em Copacabana a favor do impeachment da Dilma.

    Como tinha visto as imagens do evento, aproveitei para perguntar pra ela por que não havia negros na referida manifestação pública. Ela então me olhou com olhos imensos, embora meio ocos, ampliada na minha frente aquela cara cheia de preenchimentos, embora vazia: “Ah, esses artistas fazem cada pergunta! Os pretos não têm cultura, Elisa! Para eles tanto faz, política não interessa.” Para esta senhora, como sou uma artista conhecida, eu era uma espécie de não-negra, alguma categoria em mim me embranquecera aos seus olhos.

    Na sequência, reajo:

    “Querida, preciso te explicar uma coisa. Como mulher negra que sou, vejo um país que você não vê.”

    Ao que ela imediatamente retrucou indignada:

    “Que que é isso? Você não é negra, você é bonita com esses olhos! Para de se rebaixar, de se denegrir”.

    Toda errada, e segura de que estava muito certa, minha interlocutora me encheu de preguiça. Por onde começar? Isso me levou, na época, a prestar extrema atenção à ignorância que a casa grande sempre teve do povo brasileiro, e uma ignorância que pode conviver bem com clássicos da cultura universal. A pessoa pode ter lido grandes autores, mas esse saber pode não fazer cruzamento sociológico aplicável à interpretação da nossa realidade.

    A tragédia de Paraisópolis é um horror cheio de erros contra a Constituição e contra os Direitos Humanos. Na primeira versão oficial dada pelos policiais, falou-se em enfrentamento por parte dos frequentadores do baile, em pisoteamento, em apologia às drogas e sexo.

    Depois, vídeos trazendo fatos mostram o ataque deliberado por parte das forças de segurança (ó ironia) contra os jovens, e agora, laudos periciais apontam para sufocamento, enforcamento, ou seja, o assassinato das vítimas. Não houve confronto. Parece que esses policiais estão sendo treinados para crer que vidas negras não importam. E não é por acaso que seu pensamento combina muito com o dos vizinhos, os que moram no Morumbi, e que gostariam sinceramente que aquela comunidade não existisse mais, que fosse dedetizada e parasse de existir assim, esfregando a pobreza na beira dos jardins das redondezas. É incômodo. Compromete o IPTU, é desagradável, por isso aquele muro dividindo os mundos. Tentando que uma parte da cidade partida não fagocite a outra.

    A sordidez do jogo desigual deixa as periferias, as favelas, as comunidades pobres todas reféns das igrejas ou de algum boteco para se divertirem. Nada mais. Não há opções. Dentre essa população moram mil vocações: médicos, engenheiros, artistas plásticos, bailarinos, atores, astronautas, cientistas, filósofos, professores, ensaístas, escritores. Mas, como a regra do jogo é educação zero para o povo, e o não-direito ao compartilhamento das riquezas da sociedade como um todo, fica meio proibido sonhar deste tamanho ali. E como não se tem teatro, nem cinema, nem modo de se expressar isso, se o indivíduo for cantor, o melhor dia da vida dele é o dia que ele canta na igreja. E Deus ganha aí todo o território da sua vocação.

    Se sou ator e moro num lugar onde a melhor performance “teatral” que se vê é a de um pastor, é o que eu vou ser então. Eu mesma, por exemplo, se tivesse nascido numa favela e nela tivesse sido criada, certamente o melhor dos meus destinos seria ser uma rapper, uma funkeira, ou então, com a minha criatividade, poderia me dedicar e chegar a ser uma importante chefe de facção.

    Quem pode afirmar que não? Quando o Estado deixa intelectual e culturalmente desnutrida uma população, ele está exercendo o abandono, o mesmo abandono que muitos pais oferecem aos filhos muitas vezes. Não se importam com o seu destino. E mesmo que esse exército de pobres se transforme numa multidão de servidores domésticos, cuidando com dedicação os filhos dos ricos, construindo suas casas, cozinhando, servindo, lavando suas roupas, levando os meninos ao colégio, sua importância humana segue sendo nenhuma. Há um desprezo por cima, como se fosse um requinte desta crueldade. O baile funk não é crime, e sem ele a coisa vai ficar pior.

    A alma precisa de cultura. É ali o único encontro que se tem com a arte. Adolescente quer se divertir, dançar, cantar, se libertar, curtir. Faz parte da saúde jovem. Tanto é verdade que jovens ricos fazem festinhas “quentes” em suas casas, com os pais sempre ausentes. Frequentam suas raves onde rola droga farta, sexo nos banheiros, apologia  à sacanagens, drogas como MD que exacerbam a sexualidade, sem temer a invasão da polícia. Lá a polícia não vai. E os pais compreendem, para eles não há delito: “São brancos, ricos, adolescentes e jovens. É natural”.

    Agora, você que me lê, responda, por favor: se as festas ricas do país são abarrotadas de tudo que dizem que havia no baile funk de Paraisópolis, por que a polícia não vai nelas? Isso nos faz crer que o que se combate nestas agressões policiais não são as drogas, correto? Você que me lê poderia me explicar  por que a mesma ação não é feita nas zonas nobres das cidades, mesmo que haja ali maciça presença de meninos mimados, sem limites na vida e nos cartões de crédito, capazes de qualquer coisa, e confiantes de que seus pais têm contatos no judiciário, na alfândega, nas fronteiras, e podem fazê-lo desaparecer para esfriar as coisas num apartamento em Dubai, se der alguma merda? Por quê? Tudo isso eu não invento.

    Está aí para quem quiser ver. Há muitas boates famosas, no Rio de Janeiro e em São Paulo abarrotadas de brancos, com bundas brancas tentando ir até o chão. São ricos, transando na cara de todo mundo pra geral ver, à base de muita droga sintética e cara, que baile funk  algum nunca ousou conhecer. Ouvi dizer que são coisas de arrepiar! Até substâncias para anestesiar cavalo tem e quem me contou foi um usuário contumaz e extremamente seguro de sua impunidade.

     

    Matar, limpar e dedetizar

     

    Circulou nas redes o vídeo de uma reunião de condomínio no Morumbi. Todos com caras de gente que se reúne pra “dedetizar” o prédio. Todos preocupados com sua segurança, desprovidos de empatia com a situação da comunidade vizinha, destilavam suas pautas de desprezo com essas vidas humanas: Não tem como o Exército entrar lá e “limpar” de uma vez a favela, gente?” “E se nós que temos mais poder aquisitivo oferecêssemos carros blindados à polícia? Que com esses carros eles não conseguem combater nada.” Enquanto essa reunião absurda acontecia, em minha página no instagram alguns seguidores, não muitos, mas não tão poucos como eu gostaria, reverberavam o mesmo pensamento desses condôminos, comentando a cena: “A culpa é dos pais que deixam os filhos de 14 anos num baile desse. Quem mandou tá lá dentro, rebolando a bunda?”, “É isso que acontece, com tanto sexo e drogas rolando, queriam o quê?”

    Bem, os comentários não avançavam em análises profundas. Seguiam na linha da criminalização daqueles jovens,. Nenhum deles tem nome, sobrenome, importância. São pobres e pretos por isso devem morrer. Quando morava na Lagoa e estava havendo um tiroteio no ápice do morro, perguntei ao policial que estava na esquina se podia subir para ir pra casa. Neste momento, um vidro fumê de um carro blindado importado, desce e revela o rosto de uma mulher loira que dizia: “A polícia tem que subir no morro e matar todo mundo, você tá ouvindo, seu policial? Sobe lá e mata todo mundo pra gente ficar livre desse inferno”. Foi então que eu olhei pra ela e afirmei: “Você não tem filho lá, né?”. É isso, todos os que acham que Paraisópolis não foi violada em seus Direitos Humanos, entre eles seu direito à vida, não têm filhos nem parentes lá.

    Novos laudos e depoimentos revelam destruição de provas e até lavagem do sangue na calçada do crime feita por policiais. Que tristeza, meu Deus! E essa crônica pergunta: qual é o seu olhar? Se você brada sua fé em Deus e em nome Dele, em nome da ordem, já se perguntou o que faria seu Jesus Cristo nessa situação? Para mim, a morumbização do olhar é esse anestesiamento, essa falta de sentimento, esse não se importar com a sanguinária cruzada do rico contra o pobre, e que se utiliza da força do Estado, da ignorância e do despreparo de vários policiais, também oriundos da pobreza, para que, sem pena, ou consciência, se voltem contra os seus. Em toda regra há exceções e no Morumbi conheço gente realmente fina na sensibilidade. Mas é exceção. Astrid Fontenele, por exemplo, por amar profundamente seu filho preto, fez uma revolução e conseguiu que a escola rica dele frequentasse a escola pobre ao lado e vice e versa. Quebrou o muro que a maioria dos seus vizinhos do Morumbi quer preservar.

    Morumbi significa colina verde em Tupi. Representa uma coisa límpida, descarregada de ódio, desprovida de toda a escrotidão que ronda a prataria desumana de muitas mesas. Morumbi ficou significando algo oposto à beleza de sua etimologia.Talvez ali muito poucos se importem quando matam um guardião tupi, o inventor do nome do bairro. Talvez nem saibam a origem do nome. O espírito da colina verde pede amor e não o descaso que essa morumbização do olhar tem significado. É difícil nesse momento escrever essa crônica, sem que doa o meu peito. Na minha página, um a um, com paciência, respondi a cada tentativa de justificar a matança: então porque dançam devem morrer? Porque usam drogas devem ser assassinados? Porque gostam de sexo também? É pena de morte então? Pena de morte para quem?

    É bom ficarmos de olho porque quem está anestesiado não sente que está anestesiado. Claro, né? Então, repare se o seu olhar não está desfalcado da sensibilização da realidade. O Morumbi é vizinho de Paraisópolis. Expõe o jogo sujo da desigualdade. Criminalizar quem sempre perde o jogo empobrece muito a riqueza. Essa não tem o meu respeito. Ao final do dia, lendo as mensagens, vi que uma delas tinha espelho no meu peito. Vinha de Cláudio Jorge, meu grande amigo, grande músico e compositor que amo e respeito: “Putz, o exercício para não ter ódio está me matando”.

  • A PEDAGOGIA DO MEDO: escola militarizada no DF

    A PEDAGOGIA DO MEDO: escola militarizada no DF

     Por Dioclécio Luz

    Na primeira semana de agosto de 2019, duas escolas públicas do Distrito Federal (DF), decidiram em assembleia que não queriam se converter numa escola militarizada como pretendia o governo. Irritado com a decisão da comunidade escolar – pais, alunos, professores, servidores –  o governador Ibaneis Rocha deu a entender que iria implantar as EM na marra, e pretendia começar “justamente pelas escolas que rejeitaram o modelo”, disse à imprensa.

    A reação de Ibaneis simboliza o caráter dessa pretensa escola. O que se tem aqui é o autoritarismo tornado pedagogia, é o medo feito disciplina; a educação teve fim, a democracia foi substituída pelo autoritarismo. Isto é a escola militarizada
    Hoje o DF conta com nove escolas militarizadas e um total de 12.156 alunos e alunas matriculados. Tudo começou em janeiro de 2019, quando teve início o novo governo e seis escolas públicas foram convertidas ao novo modelo. Em agosto uma nova investida do governo capturou mais três escolas. Como se percebe, essas investidas ocorrem estrategicamente no início ou fim de semestre, quando não há atividade escolar ou elas serão paralisadas.

    Eis um projeto caracterizado por mentiras. Começa com o governo tentando mascarar o projeto militarista maquiando as escolas militarizadas como “gestão compartilhada” ou “escola cívico-militar”. Depois, tenta dar uma roupagem democrática: a Secretaria de Educação e a de Segurança Pública, responsáveis pela nova “escola”, promovem “assembleias” com a comunidade que seria soberana na decisão pela mudança. Foi quando duas escolas rejeitaram o projeto e o governador irritado disse que faria a mudança de qualquer jeito. Não espanta. Pais, alunos, representantes do Sindicato dos Professores do DF (Sinpro-DF), relatam que essas “assembleias” se dão sob pressão: quem é contra é hostilizado pelos organizadores.

    A escola militarizada tem como alvo os jovens oriundos da periferia. O objetivo é controla-los. Afinal, se esses pobres decidem reivindicar seus direitos, o Estado vai ter problema em atendê-los. Portanto, na falta de um controle de natalidade mais severo para os pobres que insistem em nascer, a solução é controlar a natalidade das ideias e das reinvindicações.
    O projeto recebe o apoio do governo Bolsonaro que anunciou a expansão dessas escolas. No dia 5 de setembro deste ano ele assinou decreto com o objetivo de implantar o modelo militarizado em 216 escolas até 2023. Esse tipo de escola não fazia parte do plano de governo de Ibaneis. Mas, para agradar ao presidente, no primeiro mês de governo Ibaneis criou as escolas militarizadas do DF.


    Coisa de fascista


    A escola militarizada atua sobre os jovens da periferia para que se tornem servis e obedientes. Os militares trazem da caserna o conceito de pátria e cidadania: obediência, disciplina, submissão. Não existe rebelde numa escola assim. Não por acaso, escolas com esse formato foram implantadas pelo fascismo de Benito Mussolini, nos idos de 1922. 
    Na Alemanha, em 1933, Adolf Hitler criou a Juventude Hitlerista, responsável por mobilizar mais de 5 milhões de jovens para o seu projeto de escola cívico-militar. Como nas atuais escolas militarizadas, o ensino nas escolas nazistas valorizava o nacionalismo, a obediência e a disciplina; defende a família e as tradições.
    Adolf Hitler diante da sua criação.
    Benito Mussolini diante dos alunos
    O filósofo, ex-ministro da educação no governo Lula, e professor da USP, Renato Janine Ribeiro, em entrevista à Rádio CBN (27/02/2019) disse:
    “A escola deve incentivar o aluno a ser rebelde, a ter opinião, questionar o professor, refletir sobre a sociedade. Isso é bom para a escola e para o aluno. A escola com militares é exatamente o contrário: ela pretende educar para um tempo que não existe mais – quando o professor era autoridade inquestionável. Esse tempo se foi, não volta mais”.
    Pelo visto voltou. E não só no Distrito Federal.

    Conforme o site Uol hoje o número dessas escolas chega a 120, espalhadas por 17 estados do Brasil. A grande maioria está em Goiás, po
    r obra e graça do ex-governador Marconi Perillo. O governador estava preocupado com os “baderneiros”: professores que faziam greve e alunos que ocupavam as escolas. No dia 10 de outubro de 2018, ao prestar depoimento na PF, Perillo foi preso preventivamente na operação “Cash Delivery” da Polícia Federal, acusado de receber R$ 12 milhões em propina da construtora Norberto Odebrecht.


    Soldadinhos de chumbo


    Engana-se, porém quem acha que a escola adotada por Mussolini e Hitler fascina somente a direita. O Piauí e a Bahia, sob o comando do Partido dos Trabalhadores, embarcaram nessa também. No caso do Piauí, conforme a revista Época, o governador petista Wellington Dias chegou a defender a criação de “Pelotões mirins” e “Combatentes mirins” – jovens formados pela Secretaria de Segurança Pública nos preceitos cívico-militares, nos moldes da Juventude hitlerista.

    Soldadinhos de chumbo? Sim. A escola impõe um regimento de quartel sobre as crianças, seus “soldadinhos”. O regimento trata de disciplina, civismo (na visão militar), religião e moral. É a pedagogia do medo. Os militares criam delatores dentro da escola, os chamados “líderes de turma”, com a missão de dedurar aqueles que não se comportam como manda o regimento. Com os policiais eles fiscalizam se a farda está limpa e a camisa por dentro da calça, se não incluíram adereços proibidos, se o corte de cabelo não é o proibido, se usam batom, o que é proibido; são vetados os brincos; os jovens não podem falar na linguagem deles. Nessa pretensa escola os alunos não se cumprimentam com o tradicional “bom dia”, mas com a continência militar; na hora de conversar com a autoridade, mãos para trás. Nada de namoro, nada de beijos e abraços. Se o major-diretor promover uma homenagem a qualquer-um-poderoso é obrigação do aluno estar lá, formar fileiras, cantar o hino nacional, bater palmas para esse qualquer-um, que pode ser um pilantra ou gente de bem. Nessa falsa escola o aluno obedece e ponto final.

    O jovem de uma escola como essa não é mais dono do seu corpo. Não pode assumir a sua identidade de raça ou de gênero, não pode ter opinião – é punido quem criticar a escola e os seus comandantes. É punido quem não seguir as “tradições” ou o “comportamento adequado”. O quê por exemplo? Aquilo que dá na cabeça do comandante. O aluno pode ser punido se questionar a “aula de civismo” ou falar que houve uma ditadura nesse país.

    Aplicar a jovens e adolescentes civis um regimento destinado a militares, isto é, gente que treina para o combate, é desumano e humilhante. Ainda mais quando se sabe que esse mesmo regimento está matando os adultos, os policiais militares. Eles são as primeiras vítimas de um sistema policial repressor que não respeita a humanidade que existe em cada um, levando os policiais ao estresse, depressão e suicídio.

    O jornalista Solon Neto, do site Sputniknews (20/03/2019), relata que “hoje, no estado de São Paulo, morrem mais policiais devido a suicídio do que em confrontos nas ruas. Entre 2017 e 2018, foram 71 suicídios nas Polícias Civil e Militar paulistas, enquanto nove policiais morreram em confronto nas ruas”.

    Diz o jornal El País (03/03/2019) que em São Paulo, “entre janeiro de 2014 e junho de 2018 três PMs foram diagnosticados, por dia, com transtornos mentais. Entre janeiro e agosto de 2018, 2.500 policiais militares foram afastados por transtornos mentais, mais que o dobro dos afastados em todo o ano de 2014”.

    Os números estão dizendo que o treinamento da PM é ineficiente e está matando os policiais. É preciso uma intervenção civil sobre as forças militares.


    Bizarro


    Diz o Governo do Distrito Federal (GDF) que a escola com a PM lá dentro dá mais segurança e disciplina ao aluno. Aqui se percebe uma tentativa de burlar a lei maior. Afinal, se é função constitucional do Estado garantir a segurança de todos, por que somente dentro da escola? Porque, historicamente, o Estado garante a segurança nos bairros nobres e abandona as periferias. O Estado despreza sua obrigação constitucional.

    A escola militarizada não elimina a violência na região. Pais e mães da periferia est
    ão tão acostumados com a ausência e o desprezo do Estado, que aceitam a migalha oferecida. Fazem isso por amor aos filhos, porque sabem que a escola (não isto que a PM e o governo inventaram) é um lugar sagrado. Essa “escola” não resolve o problema da violência, mas “pelo menos”, vai permitir que os jovens estudem. Por isso aceitam as mentiras do governo.

    Aqui a mentira tem requintes de crueldade porque incide sobre o sonho de muitas famílias, a esperança de uma situação melhor para os filhos, para que eles tenham aquilo que os pais não puderam ter: educação e um futuro melhor.

    O GDF também mentiu ao dizer aos pais que essa escola é como o Colégio Militar. Não é. Os colégios militares recebem três vezes mais recursos que as escolas públicas civis. Por alguma razão especial eles têm essa regalia. Para escola pública os recursos são regrados.

    Com a escola sob o comando da PM, os jovens da periferia, serão diariamente punidos. O fato é que o antigo território sagrado da sociedade, a escola, já não é mais o espaço aonde os jovens constroem suas primeiras relações sociais sadias. A escola sumiu. Ela não cabe na academia. Não se sabe de nenhuma Faculdade de educação que defenda essa projeto.

    Oficialmente a escola militarizada é um Frankenstein. Essa criatura bizarra não existe na forma da lei. Não há nenhuma lei em vigor fazendo referência a escola militarizada. Não se fala em escola militarizada na Constituição Federal, Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei Orgânica do Distrito Federal.
    O Plano Distrital de Educação (PDE), Lei nº 5.499/2015, estabelece prioridades e metas para o DF e é a principal referência para a elaboração de planos plurianuais nas diferentes esferas de gestão. O PDE instituiu “21 Metas para o desenvolvimento do ensino no Distrito Federal nos próximos 10 anos e 411 estratégias para o seu cumprimento”. Em nenhuma delas é citada a escola militarizada. O Conselho tutelar tampouco foi consultado.

    Considerando a dimensão do projeto imagina-se que o GDF tenha elaborado estudo aprofundado sobre a viabilidade desse tipo de escola. Fazendo uso da lei de acesso à informação, foi solicitado esse estudo à Secretaria de Educação (SED) e à de Segurança Pública (SSP). A SSP informou que não é sua obrigação produzir documento que não tem! Já a SED, em resposta, encaminhou um texto de quatro laudas mostrando de forma simplória o óbvio: que toda escola precisa de disciplina para funcionar bem. Não era um estudo sobre a implantação de escolas militarizadas. Não existe estudo.

    O fato é que a escola militarizada é ilegal. Ela fere pelo menos 17 dispositivos legais. Fere a Constituição Brasileira (CF), a Lei de Diretrizes e Bases da educação (LDB), o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei de gestão democrática do DF, entre outros.

    O regimento disciplinar avança sobre o comportamento e o corpo da pessoa, indo além do território escolar. É punido quem “desrespeitar em público as convenções sociais” ou “namorar na escola ou usando o uniforme da escola”. Aqui se afronta o Art. 5 inciso II: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei”.
    O Art. 5º é cláusula pétrea da Constituição, mas é agredido assim mesmo. O texto diz que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas”. Mas ao vetar os cabelos longos dos meninos, o uso de brincos e tiaras pelas meninas, o Estado, mais exatamente a Polícia Militar, está invadindo na intimidade e privacidade dos jovens.
    No mesmo Art. 5º (inciso X) se diz que “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”. Será que é desumano e degradante exigir que a criança obedeça calada as ordens do sargento, faça ordem unida como se fosse um soldado, corte o cabelo como se fosse militar? Não é humilhante impedir a garota de usar brincos e manter os cabelos soltos; impedir de falar na linguagem da sua tribo?

    Também se violenta o Art. 206 da CF que trata da gestão democrática. Os dirigentes dessa escola, policiais, escolhem os professores; os alunos não opi
    nam; a comunidade escolar deve obediência aos policiais. A PM decide tudo. Não existe mais eleição para diretoria. Não existe democracia.

    A Polícia não tem competência legal (e tampouco profissional) para a função delegada pelo governo estadual ou distrital.  Ao contrário do que diz o discurso oficial, a Polícia não está na escola para garantir segurança, mas para impor uma pedagogia – ela ensina, impondo a moral dos quartéis. Trata-se de desvio de função, como define o Art. 144 da CF.
    Tudo faz crer que o projeto de escola militarizada não se sustenta do ponto de vista legal. Mas não é esta a visão do Ministério Público. Em nota oficial, datada de 13 de fevereiro de 2019, as promotoras Cátia Gisele Martins Vergara e Márcia Pereira da Rocha, da Promotoria de Justiça de Defesa da Educação (PROEDUC), do Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT), afirmam que a proposta atende aos requisitos legais.

    Com o aval do MP o governador Ibaneis pretende ir longe. Neste momento, em algum lugar de Brasília, uma escola deixa de ser escola para se tornar esse Frankenstein. O Sinpro-DF já se manifestou contra, mas alguns professores e diretores de escola fazem a defesa desse modelo. Alunos e alunas, os principais atingidos por este modelo, têm pouco espaço para opinar. Se antes desconhecem o objetivo dessa escola, depois que ela é implantada aprendem que não podem reclamar – o regimento pune quem critica a escola.