Jornalistas Livres

Categoria: Segurança Nacional

  • Os camisas negras de Bolsonaro

    Os camisas negras de Bolsonaro

    Mais de 1 milhão de crianças, 2 milhões de mulheres e 3 milhões de homens foram submetidos ao assassinato e à tortura de forma programada pelos nazistas com o objetivo de exterminar judeus e outras minorias. Nos primórdios da Itália fascista, os camisas negras – milícias paramilitares de Mussolini – espancavam grevistas, intelectuais, integrantes das ligas camponesas, homossexuais, judeus. Quando a ditadura fascista se estabeleceu, dez anos antes da nazista, Mussolini impôs seu partido como único, instaurou a censura e criou um tribunal para julgar crimes de segurança nacional; sua polícia secreta torturou e matou milhares de pessoas. Em 1938, Mussolini deportou 7 mil judeus para os campos de concentração nazista. Sua aliança com Hitler na 2ª Guerra matou mais de 400 mil italianos.

    Perdoem-me relembrar fatos tão conhecidos, ao alcance de qualquer estudante, mas parece necessário falar do óbvio quando ser antifascista se tornou sinônimo de terrorista para Jair Bolsonaro. Os direitos universais à vida, à liberdade, à democracia, à integridade física, à livre expressão, conceitos antifascistas por definição, pareciam consenso entre nós, mas isso se rompeu com a eleição de Bolsonaro. O desprezo por esses valores agora se explicita em manifestações, abraçadas pelo presidente, que vão de faixas pelo AI-5 – o nosso ato fascista – ao cortejo funesto das tochas e seus símbolos totalitários, aqueles que aprendemos com a história a repudiar. Jornalistas espancados pelos atuais “camisas negras” estão entre as cenas dessa trajetória.

    A patética lista que circulou depois que o deputado estadual Douglas Garcia(PSL-SP) pediu que seus seguidores no Twitter denunciassem antifascistas mostra que o risco é mais do que simbólico. Depois do selo para proteger racistas criado pela Fundação Palmares, e das barbaridades ditas pelo seu presidente em um momento em que o mundo se manifesta contra o racismo, e que lhe valeram uma investigação da PGR, essa talvez seja a maior inversão de valores promovida pelos bolsonaristas até aqui.

    A ameaça contida na fala presidencial e na iniciativa do deputado, que supera a lista macartista pois não persegue apenas os comunistas, tem o objetivo óbvio de assustar os manifestantes contra o governo e de açular as milícias contra supostos militantes antifas, dos quais foram divulgados nome, foto, endereço e local de trabalho.

    É a junção dos “camisas negras” com a Polícia Militar, que já se mostrou favorável aos bolsonaristas contra os manifestantes pela democracia no domingo passado em São Paulo e no Rio de Janeiro. E que vem praticando o genocídio contra negros impunemente no país desde sua criação, na ditadura militar, muitas vezes com a cumplicidade da Justiça, igualmente racista.

    Como disse Mirtes Renata, a mãe de Miguel, o menino negro de 5 anos que foi abandonado no elevador pela patroa branca de sua mãe, mulher de um prefeito, liberada depois de pagar fiança de R$ 20 mil reais, “se fosse eu, a essa hora já estava lá no Bom Pastor [Colônia penal feminina em Pernambuco] apanhando das presas por ter sido irresponsável com uma criança”. Irresponsável. Note a generosidade de Mirtes com quem facilitou a queda de seu filho do 9º andar.

    Neste próximo domingo, os antifas vão pras ruas. Espero não ouvir à noite, na TV, que a culpa da violência, que está prestes a acontecer novamente, é dos que resistem como podem ao autoritarismo violento. Quem quer armar seus militantes, e politizar forças de segurança pública, está no Palácio do Planalto. É ele quem precisa desembarcar. De preferência de uma forma mais pacífica do que planejam os fascistas para mantê-lo no poder.

    Por: Marina Amaral, codiretora da Agência Pública

  • A quem interessa ser profeta do caos?

    A quem interessa ser profeta do caos?

    Por Jacqueline Muniz, Ana Paula Miranda e Rosiane Rodrigues
    Imagens de autoria dos Jornalistas Livres, capturadas em protestos, no último final de semana, em São Paulo e na França
    A advertência de não realização de manifestações políticas, fundada no medo e na promoção do pânico social, é um atentado à democracia, uma forma de extorsão de poderes, de dirigismo monopolista das pautas plurais e das reivindicações divergentes de sujeitos que são diversos em cor, classe, renda, gênero, orientação sexual, instrução, etc. A advertência sob a forma de ameaça produz paralisia decisória de lideranças, imobilismo social e lugares resignados de fala, que seguem aprisionados nas redes sociais, na política emoticon do “estamos juntos” até o próximo bloqueio, diante da comunhão de princípios com diferença de opiniões: “você deve ir ao shopping, mas não a passeata”.
    A fabricação de conjecturas apocalípticas e suposições catastróficas com roupagem analítica é um recurso de persuasão de via única, impositiva, que aponta para um sentido hierárquico e, até mesmo autoritário, de quem se acha portador de uma verdade ‘revelada’ sobre os atos políticos e de uma razão superior sobre os fatos da política. A fala profética é uma fala moralista, ilusionista, que, por meio do uso da fé e do afeto, inocula nas pessoas uma culpa antecipada por suas escolhas para desqualificar seus arbítrios e fazê-las rebanho dependente de um guia despachante do juízo final. Este projeto de poder necessita fazer crer que o pessimismo visionário e proselitista é mais real que a própria realidade vivida e que deve fazer parte do cálculo das ovelhas boas e más, dos aliados e opositores de ocasião. A fala profética serve aos senhores da paz, da guerra e do mercado, sem distinção. É um jogo ardiloso do ganha ou ganha em qualquer circunstância ou resultado obtido.
    A quem interessa ser o profeta do caos? Ao próprio profeta que, inventor do jogo do quanto pior melhor, sacrifica seus seguidores feito gado, gasta a tinta das representações com seu próprio manifesto e promove a tensão entre espadas para se manter como o grande  conselheiro conciliador.  
    Os profetas do caos são como uma fênix que ressurgem da crise que criam. Eles se apresentam como proprietários das representações políticas, à direita ou à esquerda, em cima e embaixo. Eles se oferecem como mediadores dos conflitos que provocaram, como tradutores intérpretes na Torre de Babel que criaram entre nós.  A ameaça (do caos, da morte e do cerceamento da liberdade) não serve como advertência. Os profetas do caos produzem o medo, moeda de troca fundamental para a construção de milícias, para vender os seus remédios (previsíveis, amargos e inócuos). Para eles, não importa se os doentes morrem ou vivem, o que importa é que, doentes ou não, consumam suas previsões do passado.
    É notório que as polícias no Brasil têm tradição em policiar eficazmente o entretenimento lucrativo dos blocos de carnaval, shows e aglomerações em campeonatos de futebol. Nesses casos, sua atuação se dá na manutenção do status quo dos públicos, constituída a partir das atividades de contenção e dispersão das multidões. Já para o controle de pessoas que ocupam o espaço público sob a forma de protestos de todos os matizes políticos, apesar de ser um fenômeno relativamente recente e não haver protocolos policiais escritos e validados, sabemos que esses eventos se tornam encenações, nas quais janelas são abertas para oportunistas de todas as ordens, para acertos de contas da polícia dos bens com a polícia do bem, incluindo os ‘caroneiros’ de manifestação que comparecem por motivos completamente alheios às pautas dos protestos.
    Nesses espetáculos públicos que encenam os jogos da política aprendemos coisas muito básicas, sejamos nós manifestantes ou espectadores: sempre haverá a presença de agentes infiltrados (que ajudam na contenção) e de provocadores, para providenciar a dispersão. A infiltração de agentes de inteligência por dentro dos movimentos sociais remonta uma antiga estratégia estadunidense da década de 1960. Ou seja, muito antes do surgimento dos Black Bloc. Nos últimos 60 anos, acumulou-se um aprendizado sobre o uso do espaço
    público relativo ao círculo do protesto (aglomeração, deslocamento,  ato de encerramento e dispersão) que permite que os movimentos saibam lidar com esses elementos internos. 
    Neste mesmo período aprendemos, também, que o que torna legítimo um protesto não é a quantidade de indivíduos reunidos em um território específico por um período de tempo determinado, mas os modos de ocupação do espaço público e a construção coletiva de uma agenda política que os mobilize e tenha impacto na sociedade. A produção de dossiês intimidatórios, com a participação de agentes públicos, também não é novidade. Os constrangimentos da exposição de dados acabam por jogar na lama do “tribunal digital” os adversários, fortalecendo a promoção de linchamentos virtuais, de direita ou de esquerda.
    O governo Bolsonaro não é o único que tem disseminado o medo para sabotar os mecanismos de cooperação e mobilização sociais, substituindo práticas de coesão por coerções e cruzadas moralistas vindas de cima, de baixo e ao redor. Discursos do medo contra ou a favor de Bolsonaro são péssimos conselheiros porque dão a #Elenão um tamanho e uma agilidade política irreal, retirando-o do isolamento político em que se encontra para nos fazer acreditar que, quando chegarmos às ruas, imediatamente um cabo e um soldado fecharão o Congresso, o STF e tirarão as emissoras e os portais de internet do ar. O medo transforma Bolsonaro num bicho papão, num monstro mítico incontrolável que atira hordas de zumbis (com cabelos tingidos de acaju) contra todos nós.
    O medo disseminado faz com que as pessoas vejam gigantes onde há sombras e abram mão de seus direitos e garantias em favor de um ‘libertário do agora’ que prometa proteção. Mas o profeta-liberador de hoje será o seu tirano de amanhã!
    O rigor científico não permite que nós, pesquisadores, determinemos como os movimentos sociais devem se comportar, nem que sejam pautados por oráculos que anunciam profecias que se autorrealizam. A contemporaneidade produziu os ativismos acadêmicos, mas eles não devem substituir jamais a liberdade dos sujeitos de decidir suas agendas, nem servir de chofer dos movimentos sociais em direção à “Terra sem Males”, um mundo idílico sem conflitos e, por sua vez, sem a política. A ciência pode contribuir com diagnósticos da realidade e oferecer alternativas que considerem, inclusive, que a negação dos conflitos monopoliza o debate e as representações, obscurecendo as negociações dos interesses em disputa. Quando a decisão científica está acima da pactuação social ela deixa de ser ciência e passa a ser doutrina, retira da sociedade a responsabilidade pelas escolhas que faz, para o bem e para o mal.
    Ao  olharmos a história vemos que os discursos de “lei e ordem” são utilizados sempre a serviço dos interesses do Estado e seus grupos de poder. Viver sob o jugo da espada não é novidade para as pessoas para quem o isolamento social é uma prisão histórica dos direitos de cidadania, e não um privilégio de classes. A juventude, principalmente a negra, conhece de perto a violência policial, e sabe que nem em casa está protegida.
    Sobre as autoras do texto: 
    JACQUELINE MUNIZ,antropóloga, professora da UFF.
    ANA PAULA MIRANDA, antropóloga, professora da UFF
    ROSIANE RODRIGUES, antropóloga, pesquisadora do INEAC/UFF.
  • Juventude hitlerbolsonarista? Governo quer formar milícias armadas em escolas militarizadas

    Juventude hitlerbolsonarista? Governo quer formar milícias armadas em escolas militarizadas

    Por: Roberto Ponciano

    Walter Benjamin, um judeu alemão, que se suicidou para escapar à perseguição do nazismo, quando fugia, na fronteira entre França e Espanha, foi um heterodoxo crítico literário/filosófico marxista, que previu o desastre nazista. Prever o desastre, não é, de maneira derrotista, sucumbir preventivamente a ele. Ao anunciar a falência da ideia de progresso e a esterilidade das oposições democráticas de esquerda ao nazismo na Alemanha, Walter virou o profeta do imenso genocídio que viria a se configurar diante dos olhos de quem não acreditava que o país mais culto e letrado de Europa fosse capaz de gestar o mal absoluto: o nazifascismo.

    Venho falando de fascismo no Brasil desde 2013. Eu alertei que a Lava-Jato, o macarthismo brasileiro, era um movimento de fundo fascista, que queria judicializar a política no Brasil, criminalizando toda a esquerda. O bolsonarismo é um passo além. O movimento tem tendências paranoicas e psicopatas que vão um grau acima, chegam ao nazismo. Entre o nazismo e o fascismo, irmãos siameses, há uma questão de gradação. Mussolini (admirado e, no princípio, copiado por Hitler) era o líder do Partido Nacional Fascista italiano e um genocida, mas não criou pogrons (perseguições específicas contra uma etnia) e nem campos de concentração. O festim diabólico apelidado de reunião ministerial, que mas parecia o set de filmagem de Saló de Pasolini, revelou ao Brasil, abertamente, o pensamento, mais do que fascista, nazista de Bolsonaro, Weintraub e Damares.

    Estes intentos nazistas são corroborados pelas falas golpistas e tirânicas do General Heleno, que conseguiu açular alguns militares de reserva. O perigo do nazismo em Bolsonaro é que, ao contrário da ditadura militar de 1964, ele não tem nenhum projeto de país. Braga Neto na reunião parecia alguém que quisesse ensinar balé aos símios. Um governo que perde rapidamente sua base de apoio e que aposta cada vez e mais na radicalização, apelando para um exército de fanatizados, que, no entanto, por todas as pesquisas, deve atingir entre 20% e 30% do eleitorado brasileiro, o suficiente para gerar o caos, o confronto, um conflito civil e dar as desculpas para rasgar as últimas garantias constitucionais.

    Não, eu não mudei de posição. Quem alerta para o desastre não diz que o desastre é inevitável. Pessimismo em análise não é derrotismo. “Pessimismo na análise, otimismo na ação”, diria Gramsci. Reitero: alerto para o avanço do fascismo desde 2013. E desde 2016 mostro elementos nazistas nas falas de bolsonaro. O ódio às mulheres (misoginia, pulsões anais sadomasoquistas reprimidas são características da histeria em massa nazifascista), homofobia, racismo, desejo de exterminar o inimigo imaginário, Bolsonaro nunca escondeu isto em seus discursos. Assustador e revelador foi vê-lo falar de seus intentos abertamente em uma reunião ministerial.

    Passos para montar um exército de milicianos nazistas, Bolsonaro e seus filhos metralha já tem dado de maneira aberta. O motim nazifascista no Ceará teve a participação aberta do bolsonarismo. Durante a ditadura militar, militares de baixa patente, praças e paramilitares eram apenas uma linha auxiliar do regime. Não acertamos a conta com nosso passado. A anistia perdoou os criminosos e, sadicamente, perdoou as vítimas. Igualou quem matou e quem morreu. Anistiou criminosos igualando suas vítimas aos torturadores. Os esquadrões da morte, as milícias, todas as organizações paramilitares são herança da ditadura.

    Todavia, a história não se repete. A primeira vez ela acontece como tragédia, a segunda vez, como farsa. Se na ditadura militar, o imenso contingente de oficiais de reserva, praças e baixas patentes, tanto das forças armadas, quanto das PMs, era uma linha auxiliar controlada facilmente pelo regime, com Bolsonaro (que no máximo teria atuado em 64 como algum torturador do delegado Fleury), esses homens tornam-se constituintes de um poder que se organiza de maneira subversiva e paralela, e chantageia e pressiona todo o tempo o Estado Democrático de Direito.

    A finalização de um golpe, com a tirania pessoal de Bolsonaro não é o único perigo para a democracia. Já vi várias análises dizendo que este golpe é inevitável (não concordo com este fatalismo, embora também alerte para o perigo golpista). Com certeza Bolsonaro tem esta aspiração e força os limites de nossa pálida democracia toda semana. Mas, como ele mesmo diz, se vê limitado pelos, cada vez em menor número, alucinados com seus cartazes pró AI5 que consegue reunir na frente do Palácio do Planalto. Basta ver as imagens aéreas em comparação com, por exemplo, as manifestações contra a PEC 95.

    Imagem distribuída pelo próprio Bolsonaro da manifestação a seu favor em 24 de maio de 2020
    Protesto contra a PEC do Teto dos Gastos em 29/11/2016. Foto: www.mediaquatro.com . Ver mais em https://jornalistaslivres.org/cronica-de-um-dia-tragico-em-brasilia/

    Enquanto não consegue finalizar seu intento de uma tirania pessoal, vai financiando e armando suas milícias pessoais. Já conseguiu emplacar até o advogado do escritório do crime como assessor no ministério da saúde. Não temos ideia de quantos mais milicianos estão nomeados em cargos de terceiro, quarto ou quinto escalão pelo país. O nazista disse abertamente na reunião ministerial que quer armar o povo (suas milícias) para derrotar o “inimigo”. Quem for considerado inimigo, ele já declarou diversas vezes, deve ser expulso do país ou sofrer as consequências. E quem pensa que é delírio, é bom lembrar que Bolsonaro aumentou o limite de compra de projeteis de 200 munições por pessoa/ano para 500 por mês (6.000 por ano), o que dá para montar pequenos exércitos milicianos. Junte-se a isto a medida que afrouxa a marcação controle de munições por parte do exército e para a qual chegou a exonerar um general e colocá-lo na reserva. Todos estes movimentos aconteceram sob nosso olhar complacente, sem nenhuma reação nossa.

    O perigo das milícias nazistas é maior que o do golpe. O Brasil se transformar na Colômbia, onde bandos paramilitares agem livremente assassinando opositores à luz do dia. Já temos isto feito de forma aberta no campo brasileiro. Já houve uma experiência de terror controlado, executada pelo mesmo escritório do crime ligado ao bolsonarismo, no caso Marielle. Devemos tomar as medidas democráticas legais para que o crescimento e o poder armamentício das milícias não avance mais do que avançou. Lembrando que o Rio de Janeiro, território onde o bolsonarismo foi criado, já tem bairros inteiros dominados por ela, às claras, e com a total omissão do poder público. E a maior apreensão de armas de guerra de última geração no estado, 117 fuzis modelo M-16 vindos dos EUA, foi feita na casa de um amigo/sócio do vizinho de Bolsonaro, o miliciano Ronnie Lessa, acusado de ser o assassino de Marielle.

    O passo mais descarado e ostensivo para isto foi dado por Paulo Guedes. Espanta-me que a esquerda tenha protestado apenas contra o “trabalho escravo”, quando Guedes tem a coragem de anunciar que quer treinar jovens nos quartéis e depois usá-los para cavar buracos, pagando 200 reais por mês.

    O menos ruim aí é o trabalho escravo. Creio que a maioria das pessoas nem se deu conta de que Guedes sugeriu criarmos a guarda nazista, a juventude hitlerista bolsonarista, com dinheiro público. O problema é que a esquerda introjetou o absurdo. Alguns estados governados pela esquerda aceitaram a excrecência que são as escolas cívico-militares, colégios de “pedagogia” militar em plena democracia. Algo não previsto em lugar nenhum da nossa constituição, mas que diante da falta de verbas, quando condicionadas a elas, foram aceitas avidamente de norte a sul. Mas, muito pior do que isto é a proposta de milícias estatatais bolsonaristas feita por Guedes.

    O governo financiaria jovens que iriam para os quartéis serem doutrinados com “OSPB” e, depois, por 200 reais por mês, estariam disponíveis para “ações governamentais”. A disciplina Organização Social e Política do Brasil, nem matéria escolar é mais. Tenho 49 anos, portanto, sou da geração que teve OSPB e Educação Moral e Cívica na escola. Cada estabelecimento de ensino dava, nessas matérias, aquilo que desejava. Além de ensinar o hino nacional e o que representava cada estrela da bandeira, podiam incluir a estrutura do estado e até história. Obviamente que, usando-se as forças armadas para amestrar jovens, através de OSPB, não vai se ensinar hoje a eles “direitos humanos”. Jovens pobres (nenhum jovem de classe média vai se alistar para ganhar 200 reais por mês) que serão doutrinados e estarão ao dispor do Bolsonarismo, para qualquer ação por uma ninharia, e tudo pago com dinheiro público.

    Óbvio que temos que evitar isto! E uma das formas é denunciar que a maior tragédia é que de maneira clara e aberta o bolsonarismo tenha coragem de propor a criação de uma milícia paga com dinheiro público, sem acobertamentos, sem subterfúgios.

    O anjo da história, tese IX de Benjamin, olha para o passado, para a sucessão de tragédias e catástrofes, para o sofrimento dos humilhados e derrotados, mas é impelido por um vento irresistível para o futuro. É impossível parar a roda da história. Mas é possível SIM evitar as catástrofes, as tragédias, antes que elas aconteçam. O bolsonarismo já desdenha ocultar que declarou uma guerra de morte à frágil democracia brasileira. Temos que estar alertas e desarmar seus planos, destruir sua tentativa de criação de um gigantesco exército paramilitar. Ou paramos esta construção, o autômato do mal absoluto e estrutural, ou ele ficará maior que Bolsonaro. Um exército de paramilitares, milicianos, armados até os dentes, de jovens alistados e mal pagos para cumprir tarefas de uma seita nazista, lutando contra um inimigo imaginário, é uma séria ameaça à democracia, que está sendo arquitetada, tijolo por tijolo, frente a nossos olhos complacentes.

     

    Roberto Ponciano é escritor, mestre em Filosofia e Letras, especialista em Economia.

  • Reunião ministerial ou sindicato do crime? A Ditadura camuflada

    Reunião ministerial ou sindicato do crime? A Ditadura camuflada

    Por Humberto Mesquita*

    A reunião ministerial do dia 22 de abril, que veio a lume nesta sexta (22/5), não trouxe novidades sobre o Poderoso Chefão. Tudo o que ele disse ali já faz parte, há muito tempo, do seu repertório. É uma figura problemática que criou e chefia o gabinete do ódio e, todos os dias verbaliza impropérios, que desrespeita as instituições, homenageia torturadores e se sente senhor absoluto da verdade. Com ele tudo se amplia na escuridão das trevas.

    Era uma reunião para discutir o Brasil. Foi uma reunião para destruir o Brasil.

    Ninguém se preocupou com a pandemia. Muito pelo contrário, usou-se o desespero que causa o vírus e o foco da imprensa nesse assunto, para articular todo tipo de arbitrariedades.

    O BolsoCorleone, todos nós já conhecíamos pelo seu passado e pelo seu presente. Mas essa reunião serviu para mostrar toda a gangue, da qual fazia parte também o ministro que foi demitido.

    Aliás, a incompetência de Sérgio Moro se mostrou mais uma vez. Ele quis atingir o seu ex-chefe e lhe deu, como alguém já disse, a melhor peça publicitária. A denúncia do Marreco de Maringá não vai dar em nada, porque ela é vazia, como vazia é a cabeça do seu autor. Ele nunca foi bom de provas e com ajuda da Globo procurou um palco para se projetar. Mas vai morrer no esquecimento –mesmo com a ajuda da emissora que precisa fazer dele um novo mito.

    A bomba de efeito devastador me parece ser o empresário Paulo Marinho, que conhece com detalhes toda a trajetória da família do Bozo, e suas possíveis ligações com a Milícia.

    Reunião ministerial minúscula

    Mas voltemos ao circo de 22 de abril, a reunião que desmascarou o ministério mais minúsculo que eu conheci em toda minha trajetória jornalística.

    Guedes, “o melhor ministro”, segundo o Capo di tutti capi (“chefe de todos os chefes”, em italiano), disse que era a grande oportunidade para vender o Banco do Brasil.

    O cara que cuida da educação metralhou o STF chamando seus membros de “vagabundos que deveriam ser presos”.

    O do Turismo defendeu a abertura de cassinos, quem sabe, em Fernando de Noronha.

    Aquela que viu Cristo num pé de goiabeira disse que iria mandar prender governadores e prefeitos.

    O responsável pelo meio ambiente, foi além dos limites e deu um conselho ao chefão: aproveitar a preocupação da imprensa com o corona, e “vamos passando tudo, aprovando tudo do nosso interesse”. Mudar as regras enquanto a atenção da mídia está voltada para a Covid-19. Na moita, como fazem ladrões de carteirinha.

    O chefe concorda com tudo e no entusiasmo do momento propugna armar o povo, certamente com armas dos seus amigos da Taurus.

    Uma grande palhaçada, concordam os esclarecidos. Mas isso não acrescenta nada, a não ser a nossa certeza de que existe uma enorme corrente no Congresso, no Judiciário, na sociedades civil e no povo em geral que recua ante as agressões diárias que sofre a nossa Democracia.

    E os militares de pijama e alguns outros da ativa estão de olho nessa “boquinha” generosa. Já tem mais de trezentos mamando nas tetas da República.

    E qual é a solução perguntam em voz trêmula os amedrontados brasileiros ? Vamos torcer pelo Joe Biden. De lá do Hemisfério Norte vêm sempre as decisões para golpear ou para destruir as ditaduras no Brasil. Foi assim no passado e continuará sendo agora.

     

    *Humberto Mesquita é jornalista e escritor, repórter e apresentador de debates na TV.

     

    Leia mais de Humberto Mesquita, nos Jornalistas Livres:

    URGENTE: Por uma Frente Ampla para evitar que Bolsonaro nos leve para o abismo

     

  • Editorial – O “adulto na sala” ou ensaio para uma nova ditadura?

    Editorial – O “adulto na sala” ou ensaio para uma nova ditadura?

    O vice-presidente da República, general Hamilton Mourão, publicou na edição de ontem do jornal O Estado de S. Paulo um artigo de opinião intitulado Limites e Responsabilidades. No texto, o vice-presidente, que diversos setores da sociedade tentam vender como o “adulto na sala” e a opção “moderada” contra o governo de destruição nacional de Jair Bolsonaro, demonstra claramente não entender NADA sobre limites e responsabilidades. Ele ultrapassa todos os limites do cargo ao ameaçar, novamente, a imprensa, o Supremo Tribunal Federal, o Congresso Nacional, os governadores dos estados que não estão alinhados incondicionalmente ao genocida que ocupa a presidência e até mesmo o direito de expressão individual de ex-presidentes da República. Portanto, Mourão não atenta à responsabilidade do cargo que possui atualmente e mata qualquer esperança de que numa eventual presidência pós-impeachment assumirá qualquer responsabilidade sobre os atos de Bolsonaro, a quem ajudou a eleger, sobre o apoio que segue dando ao genocida, ou mesmo sobre o papel fundamental de um governante que é unir a nação para resolver os problemas do povo.

    Ele ataca, mais uma vez, o jornalismo de modo geral ao dizer que “A imprensa, a grande instituição da opinião, precisa rever seus procedimentos nesta calamidade que vivemos. Opiniões distintas, contrárias e favoráveis ao governo, tanto sobre o isolamento como a retomada da economia, enfim, sobre o enfrentamento da crise, devem ter o mesmo espaço nos principais veículos de comunicação. Sem isso teremos descrédito e reação, deteriorando-se o ambiente de convivência e tolerância que deve vigorar numa democracia.” 

    Não, general, opiniões distintas NÃO devem ter o mesmo espaço quando se lida com vidas. Os jornalistas temos a responsabilidade de separar o que é fato, o que é opinião baseada em fatos e na ciência e o que é “achismo” ou declarações oportunistas de canalhas que querem se beneficiar do caos institucional sem se preocupar com as montanhas de cidadãos mortos. Se há intolerância na sociedade hoje, mais do que da imprensa a responsabilidade é de quem diz que os esquerdistas devem ser fuzilados e que torturadores assassinos são heróis, como fez o seu chefe e o senhor.

    As únicas frases corretas do texto estão no primeiro parágrafo: “Nenhum país do mundo vem causando tanto mal a si mesmo como o Brasil. Um estrago institucional, que agora atingiu as raias da insensatez, está levando o País ao caos”. No entanto, Mourão exclui do rol de limites e responsabilidades TODAS as ações do governo federal e joga sobre outros ombros a culpa pelo caos que vivemos, com perto de mil mortes diárias pela Covid-19 em números oficiais. Aliás, assim como seu ainda chefe, o general não fez qualquer referência no artigo ao sofrimento de milhares de famílias que perderam seus entes queridos, no dia em que o país somou oficialmente mais de 14 mil mortes. O tópico não faz parte dos quatro elencados por Mourão, mas e daí, né? Contudo, também a exemplo do chefe, o militar aproveitou o cargo no governo para dar o filé mignon ao filho, que foi promovido duas vezes no Banco do Brasil para ganhar mais de 36 mil reais.

    O estrago institucional em que estamos é consequência direta do golpe parlamentar/judiciário/midiático que tirou ilegalmente a presidenta Dilma Roussef do cargo. Quando um juiz de primeira instância grava e divulga ilegalmente uma conversa da presidenta e não é exonerado, há um enorme estrago institucional. Quando um ministro do STF impede que a presidenta escolha livremente um ministro da Casa Civil para se articular politicamente e impedir o impeachment, o golpe na institucionalidade é ainda maior. Quando um deputado federal vota pelo impeachment homenageando no Congresso um assassino e torturador e não sai de lá preso, a institucionalidade está ferida de morte. Quando um ex-presidente é condenado sem provas por “atos indeterminados” impedindo sua candidatura, rasgando até decisões em contrário da ONU e o ex-juiz responsável por isso vira ministro da justiça do candidato que beneficiou ilegalmente, é o fim da institucionalidade. Tudo o que temos hoje é fachada, é verniz, é disputa do butim. E os Jornalistas Livres avisaram disso em 2016.

    Mas, como disse o vice escolhido por ter feito em 2017 defesa enfática da ditadura de 1964 a 1985 e de uma intervenção militar, ainda “Há tempo para reverter o desastre. Basta que se respeitem os limites e as responsabilidades das autoridades constituídas” . Neste momento é passada a hora das autoridades constituídas assumirem suas responsabilidades dentro de seus limites. O Tribunal Superior Eleitoral, por exemplo, deve julgar urgentemente as eleições de 2018 e cassar a chapa eleita (Bolsonaro E Mourão) por caixa-dois e uso massivo de fake news como fartamente provado pela imprensa. O Supremo Tribunal Federal deve urgentemente votar a suspeição de Sergio Moro como juiz nos casos envolvendo Lula e anular a condenação do ex-presidente, como é consenso no mundo jurídico sério. O presidente do Congresso, Rodrigo Maia, deve escolher o quanto antes um dos mais de 30 pedidos de impeachment contra Bolsonaro e colocar em votação, já que não faltam crimes de responsabilidade provados. E mais, votar também a proposta de lei que exige novas eleições em 90 dias no caso de impeachment. Afinal, o país só poderá retornar à normalidade democrática quando de fato houver eleições limpas, com debates sobre projetos de governo e a presença de todos os principais candidatos dos partidos.

     

    Foto: www.mediaquatro.com
  • OSVALDO ANTÔNIO DOS SANTOS – Morre um herói da nação brasileira, vítima da Covid-19

    OSVALDO ANTÔNIO DOS SANTOS – Morre um herói da nação brasileira, vítima da Covid-19

    OSVALDO ANTÔNIO DOS SANTOS – 14/08/1939 – 10/04/2020
    OSVALDO ANTÔNIO DOS SANTOS 14/08/1939 – 10/04/2020

    Nascido em 14 de Agosto de 1939, na Cidade de Arapuã, MG, Osvaldo Antônio dos Santos era filho de Gaspar Silvério de Oliveira e Maria Antônia dos Santos. Teve uma longa carreira profissional em várias empresas brasileiras e estrangeiras.

    Militante da Vanguarda Popular Revolucionária, a VPR, de Carlos Lamarca, Osvaldo “Portuga”, como Osvaldo Antônio dos Santos era conhecido, foi preso em 23 de janeiro de 1969 juntamente com Pedro Lobo de Oliveira, Ismael de Souza e Hermes Camargo em uma chácara nas proximidades de Itapecerica da Serra. No local, os quatro foram surpreendidos pela Polícia Militar de Itapecerica da Serra e levados ao Quartel do II Exército, no Ibirapuera.

    Da prisão no quartel, Osvaldo Antônio dos Santos foi transferido para o DEOPS, onde permaneceu até 13 de novembro de 1969 quando, junto com outros detentos, deu entrada no Carandiru onde ficou até 8 de dezembro de 1969. A última escala foi no Presídio Tiradentes, de onde saiu no dia 16 de junho de 1970.

    A liberdade, porém, não veio fácil. Em 11 de junho de 1970, enquanto as atenções do país estavam voltadas para a Copa do México, o embaixador da Alemanha Ocidental, Ehrenfried Anton Theodor Ludwig Von Holleben, era sequestrado no Rio de Janeiro, numa ação conjunta da Ação Libertadora Nacional (ALN) e da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR). As organizações guerrilheiras exigiram a libertação de 40 presos políticos, entre os quais estava o “Portuga”, que deveriam ser levados em voo fretado para a Argélia. Um manifesto contra a Ditadura foi divulgado em todas as redes de rádio e TV, furando a rigorosa censura imposta pelos militares.

     

    Banido do território nacional, Osvaldo Antônio dos Santos chegou à Argélia e lá residiu por três meses. Posteriormente dirigiu-se a Cuba onde esteve de 1970 a 1971. Morou em Moçambique e na Alemanha. Retornou a Brasil com a Anistia Política. Foi casado com Denise Oliveira Lucena com quem teve dois filhos: Valter Bruno de Oliveira Santos e Renan Oliveira dos Santos.

    Seu estado de saúde era delicado, pois teve câncer de próstata e apresentava um quadro de doença de Alzheimer. Faleceu nesta madrugada (10/04) vitimado pelo Covid-19. Estava internado no Hospital de Referência Emílio Ribas.

    Não acontecerá o velório devido à letalidade da doença. O corpo de Osvaldo Antônio dos Santos será cremado em Embu das Artes, no Crematório Memorial Parque Paulista.

     

    OSVALDO ANTÔNIO DOS SANTOS, PRESENTE!