Jornalistas Livres

Categoria: Rio Doce

Cobertura sobre o maior desastre ambiental da história do Brasil, envolvendo o vazamento das barragens da Samarco e envolvendo principalmente os moradores que vivem próximo ao Rio Doce.

  • A dor do Rio

    A dor do Rio

    por Carolina Rubinato

    Quem já sentiu no corpo e na alma a dor da falta do oxigênio, sabe entender o grito dos peixes ao sufocarem na lama contaminada da Samarco. Febre amarela, câncer, são pequenas amostras de Pachamama – a mãe natureza, da falta de respeito do capital pelo maior bem da humanidade.

    A contaminação pelos 60 milhões de metros cúbicos de lama química, que correram ao longo dos 700 km entre o local da ruptura da barragem e a foz do rio Doce, no Espírito Santo, causaram danos ambientais e sociais irreparáveis para o Brasil.

    No dia 5 de novembro de 2015, o planeta Terra chorou a ganância do homem, e de lá para cá, permitimos que Belo Monte se instalasse em Xingu e quase deixamos o governo liberar a Amazônia para a mineração.

    Colhemos o que plantamos, e perguntas ficam. Até quando empresas estarão acima de pessoas? Até qual década ter, será mais importante que ser?

    A partir de hoje, 14 de fevereiro, quarta-feira de cinzas, você poderá acompanhar por meio dos Jornalistas Livres, uma expedição pelo Rio Doce que trará histórias e fatos sobre os danos sociais, ambientais, econômicos e políticos, causados por um dos maiores desastres ambientais do mundo, originados pelo homem.

    Especialistas dizem que precisamos de pelo menos 100 anos para reparar os danos, mas nenhum desses anos vai recuperar a dor do povo do rio, dos pequenos agricultores, dos ex-pescadores, das famílias que foram destruídas pelas dificuldades, pela miséria, das mais de 80 espécies que desapareceram, sendo que 12 delas eram exclusivas desse habitat e podem ter sido extintas, dos índios Krenaks – os últimos povos botocudos do país, praticamente em extinção. Será que contribuímos para o fim deles?

    Neste caso plantamos destruição, há de pensar que nenhum capital do mundo pode mudar o fato de que sem água e ar, não sobreviveremos. Não há como viver, dia após dia, sem entender a dinâmica, a equação da vida, a única química necessária para sobrevivência humana O² e H²O.

     

    A Jornada pelo Rio Doce é somente uma iniciativa para mostrar o quão sofrida foi sua morte e

    como pode ser o destino do nosso Rio Xingu, com sua Belo Monte,

    e as tentativas de liberar a Amazônia para a mineração.

    A Celestina – uma Kombi, Eduardo Marinho, Hare Brasil e Carolina Rubinato, essa é a tripulação. Celestina de 1995, que ficou por dez anos abandonada, carcomida de ferrugem e renasceu com motor de Brasília 78, teve recentemente seu motor trocado, após o falecimento do antigo em dezembro 2017; Eduardo Marinho, um filósofo das ruas e primoroso artista plástico, capaz de nos fazer pensar com suas obras, e aqui coloco como minha singela opinião, um cara incrível, profundo conhecedor dos assuntos mundanos e da alma humana; Hare Brasil, sagaz produtor e um dos idealizadores do Via Celestina (O Filme), que nos encontrará durante a jornada, e por fim eu, Carolina Rubinato, jornalista e ativista social por amor e convicção.

    Durante a jornada pelas margens do Rio Doce, vamos parando por aí, pelos municípios do entorno ouvindo histórias, registrando, apresentando a arte e o conhecimento de Eduardo Marinho em exposições e palestras, o financiamento da viagem é esse, a venda dos trabalhos que Eduardo faz à mão. Nesse contexto colaborativo nossa primeira parada será em Penedo, no dia 15, para um bate papo no Não é Hostel, às 18h, seguido de exposição e música.

    Se você mora entre Maringá – RJ, local de onde partiremos, e Regência – ES, local de chegada, acompanhe nosso diário de bordo e nos encontre para uma conversa, vamos adorar partilhar. O mundo só funciona no coletivo.

    “Perverso – O governo? As mineradoras e seu poder econômico, apoiado por bancos, com base na ignorância e desinformação minuciosamente aplicadas e mantidas. Por um sistema social armado pra isso mesmo. Governos são peças num tabuleiro dos vampiros sociais, os mais podres de ricos. E as instituições são decorrência disso. É tempo de percepção”, Eduardo Marinho

    Manifesto da Águas

    “A água pertence bem mais à economia dos bens comuns e à partilha da riqueza,

    do que à economia de acumulação privada e individual e da predação da riqueza do outro”, Ricardo Petrella

    Esperamos vocês nessa jornada!

    • Ilustração por Hélio Carlos Mello
  • Vinte mil voluntários vão proteger mil nascentes do Rio Doce

    Vinte mil voluntários vão proteger mil nascentes do Rio Doce

    Ricardo Campos, do Boas Novas MG

    Um exército de 20 mil voluntários vai ocupar uma região entre Minas Gerais e Espírito Santo no Dia Mundial do Meio Ambiente, comemorado em 5 de junho, por uma causa nobre: proteger, num único dia, mil nascentes da Bacia do Rio Doce, uma dos mais importantes, mas também uma das mais castigadas, da região Sudeste. A iniciativa, inédita no país, é do movimento Todos pelo Rio Doce, uma entidade criada no final de 2016 por voluntários amantes do rio e da causa ambiental.

    No mesmo dia 5 de junho o movimento vai também fazer uma grande ação educativa, no maior número possível de escolas de todo o país, tanto públicas como privadas, para conscientizar os alunos sobre a importância da preservação dos rios, tanto para o meio ambiente como para a espécie humana.

    Como a intenção é atingir um grande número de jovens, o movimento está preparando videoaulas sobre o tema para distribuir a todas as escolas interessadas em abraçar a causa. O governo do Espírito Santo, por meio da secretaria de Educação do Espirito Santo está apoiando a ideia e os organizadores iniciaram negociações com a Secretaria de Educação de Minas Gerais.

    “Estamos organizando um grande dia em defesa do rio Doce. Mas precisamos conseguir trazer a sociedade civil para essa causa. Caso contrário, passaremos gerações sem ver o rio plenamente recuperado. Por isso, convido todas as pessoas que sabem da importância da preservação dos nossos rios para participar do movimento Todos pelo Rio Doce”, disse o economista e ativista ambiental Theo Penedo, o idealizador da iniciativa.

    Os números da operação são gigantescos. Para atingir a meta de cercar mil nascentes num único dia, os organizadores vão precisar de 170 mil estacas, 29 mil mourões/esticadores, 2 milhões de metros de arame, 676 mil grampos, 4 mil martelos, 2 mil cavadeiras de 2 bocas, 15 mil peneiras, 15 mil pares de luvas, além de kits de primeiro socorro, alimentos (frutas, água, café) e transporte para os voluntários.

    Cruz Vermelha apoia a causa

    O custo da operação estimado pelo movimento Todos Pelo Rio Doce é de R$ 20 milhões. Mas tudo, absolutamente tudo, virá de doações de empresas e de voluntários que querem ajudar a recuperar o rio. Os coordenadores já conseguiram o apoio do Instituto Terra, que desenvolve há anos um trabalho de recuperação de nascentes, da Cruz Vermelha do Espirito Santo, que ficará encarregada da segurança e da saúde dos voluntários no dia 5, e do governo capixaba.

    Outro grande esforço dos organizadores é reunir, no dia 5 de junho, as 20 mil pessoas necessárias para realizar o trabalho de cercar as mil nascentes. Por enquanto, aproximadamente mil pessoas já se ofereceram para fazer parte desse exército do bem. Uma operação desse tamanho, 100% realizada por voluntários, e num único dia, nunca foi feita no país.

    E o número de 20 mil tem uma explicação. Como a meta é cercar mil nascentes, para cada uma delas é necessária uma equipe de aproximadamente 20 pessoas. A cerca de proteção de cada uma das nascentes tem um raio de 50 metros, o que vai exigir 170 estacas.

    Os voluntários, no dia 5, vão colocar e fixar as estacas, colocar e esticar o arame e pregar os grampos. Previamente, o movimento vai realizar, também com o apoio de parceiros, o roçado ao redor das nascentes, bem como as covas para receber as estacas. Das mil previamente selecionadas, 500 estão em território mineiro, na sub-bacia de Manhuaçu, e as outras 500 no Espírito Santo, na sub-bacia do Baixo Guandu.

    Voluntários em Linhares (ES), em outubro do ano passado, protegeram, dentro de um projeto piloto para o dia 5 de junho, cinco nascentes. Foto – Divulgação

    Projeto piloto no rio Doce

    Por ser uma ação complexa, que vai envolver um grande número de pessoas, ela vem sendo planejada desde meados do ano passado. Em 28 e 29 de outubro do ano passado, foi realizado o primeiro piloto em Linhares, no Espírito Santo, quando foram cercadas cinco nascentes e plantadas 1.500 árvores, com o apoio de 60 voluntários.

    No dia 10 de março, o movimento fará o cercamento de mais 23 nascentes do rio Doce, sendo três em território mineiro e 20 no Espírito Santo, como a última etapa preparatória para o grande dia, que será 5 de junho. Este trabalho também será feito por voluntários que o movimento Todos pelo Rio Doce está arregimentando.

    Inspiração vem da Estônia

    A ideia inicial de organizar uma grande ação para ajudar na recuperação do rio Doce foi do economista capixaba Theo Penedo. Ele conta que assistiu a um vídeo de uma ação de voluntários desenvolvida na Estônia em 2008 para recolher, num único dia, dez mil toneladas de lixo em todo o país. A iniciativa recebeu o nome de Let’s Do it (Vamos Fazer).

    Ativista ambiental, Theo vinha acompanhando, ao longo dos anos, a degradação do rio Doce. O quadro ficou ainda mais grave com o rompimento, no dia 5 de novembro de 2015, da barragem de Fundação, localizada no distrito de Bento Rodrigues, no município de Mariana, que foi o pior desastre ambiental da história do país.

    Rejeitos de mineração da mineradora Samarco se transformaram num tsunami de lama que percorreu 650 km rio abaixo, vilas inteiras ficaram destruídas, 19 pessoas morreram e até hoje os prejuízos ambientais não foram completamente contabilizados. Alguns especialistas, inclusive, chegaram a dizer, na época, que o rio Doce estava morto.

    “Quando assisti ao vídeo, fiquei pensando: por que não fazer algo parecido para ajudar o rio Doce? Conversava com muita gente e percebia que havia um grande interesse em ajudar, mas ninguém sabia como. Convidei um grupo de amigos e em dezembro de 2016 nasceu o movimento Todos pelo Rio Doce”, conta Theo.

    O economista, que é capixaba de Cachoeiro do Itapemirim, conta que o rompimento da barragem da Samarco agravou muito a situação do rio Doce. Mas ele lembra que o rio, que percorre cerca de 853 km entre sua nascente, em Minas, até desaguar no oceano Atlântico, no Espirito Santo, já vinha passando por um processo de degradação há anos e exigia cuidados faz tempo.

    Como se recupera um rio

    A opção do movimento por cercar as nascentes do Doce também tem uma explicação. Segundo especialistas, o trabalho de proteção dos rios está assentado em três grandes pilares: recuperação das nascentes, recuperação das matas ciliares e o esgotamento sanitário.

    Algumas ações dependem de iniciativas do poder público, especialmente das prefeituras municipais. Recuperar a mata às margens dos rios é tarefa de longo prazo, embora também possa ser feita. O movimento entendeu que proteger as nascentes, o que é fundamental para a sua recuperação ou manutenção, era a contribuição mais efetiva que poderia ser dada agora para ajudar no processo de renascimento do rio Doce.

    A bacia hidrográfica do Rio Doce tem uma extensão de 83.400 quilômetros quadrados (o que corresponde ao tamanho de Portugal), dos quais 86% pertencem a Minas Gerais e os outros 14% ao Espírito Santo. Abrange 228 municípios (202 mineiros e 26 capixabas), onde vivem aproximadamente 3,5 milhões de pessoas.  A estimativa é que essa bacia tenha cerca de 375 mil nascentes e, dessas, 350 mil precisam de algum tipo de recuperação ou proteção.

    Pode parecer, então, que a meta de proteger mil nascentes é modesta. Não é. A Samarco, que provocou o pior acidente ambiental do país, com enormes prejuízos ao rio Doce, já conseguiu cercar, desde o desastre, em novembro de 2015, um total de 511 nascentes, como informa a fundação Renova em seu site. Em dez anos, a meta é recuperar 5 mil nascentes. O movimento Todos pelo Rio Doce quer proteger mil, mas em um único dia.

    Serviço

    – Quem quiser ser voluntário no movimento Todos pelo Rio Doce pode se inscrever pelo site: www.todospeloriodoce.com

  • No Vale do Jequitinhonha, euforia e emoção para receber Lula

    No Vale do Jequitinhonha, euforia e emoção para receber Lula

    Gritos, celulares capturando cada movimento e muitas pessoas disputando um espaço na porta do ônibus. A situação, que se assemelha muito à de um grande astro da música chegando para um show, era a do ex-presidente Lula passando por diversas cidades da região do Vale do Jequitinhonha nesta quarta-feira, dia 25 de outubro, no terceiro dia de sua caravana pelo estado de Minas Gerais. A região foi uma das que recebeu mais benefícios durante o seu governo.

    Caravana do Lula por Minas Gerais. Foto: Ricardo Stuckert

    Paradas não previstas

    Durante o percurso, que previa passagens pelas cidades de Itaobim, Itinga e Araçuaí, o ex-presidente acabou fazendo algumas pausas no meio do caminho, pois diversas pessoas o aguardavam ansiosamente. Uma desses lugares foi Catuji, cidade com o 4º pior IDH de Minas Gerais.

    Maria das Neves Pereira, de 62 anos, era uma das pessoas que aguardavam o petista e relatou como o Bolsa Família melhorou as condições dela e de sua família, composta por quatro filhos e dois netos. “O Lula foi o melhor presidente que já tivemos. Eu tenho um problema de saúde e não posso trabalhar. Com a ajuda do Bolsa Família, agora eu posso fazer compra, pagar uma conta de água e comprar alguns remédios que não consigo de graça”.

    Foto: Patrícia Adriely | Jornalistas Livres

    Outra parada improvisada foi em Padre Paraíso. Tanto que Manoel Nunes Pinheiro, de 44 anos, nem sabia que Lula iria passar por lá, mas assim que foi informado pelo filho sobre a mobilização das pessoas para a passagem do ex-presidente, fez questão de sair de Itaraí e viajar por cerca de 50km para vê-lo. “Toda vida eu fui do lado de Lula, não existe outra pessoa que para substituí-lo. Com o governo dele, eu consegui comprar duas motos e uma bicicleta. Antes dele, pobre não conseguia comprar uma bicicleta, só com muito trabalho”.

    José Ramos Vieira, de 72 anos, revelou que essa não foi a primeira vez que ele viu o Lula. “Conheço ele desde 1976, época da primeira greve em São Paulo. Eu também trabalhava por lá. O Lula foi o melhor presidente da república. O que ele fez, melhorou para mim e minha família, não temos nada a reclamar. Consegui comprar casa, carro e me aposentar. Com ele, foi tudo mais fácil. Pela próxima geração, eu apoio ele”.

    O último local não planejado que Lula passou foi Ponto dos Volantes. Lá, a jovem Karina de Oliveira Alves, de 28 anos, não disfarçava a excitação por ver o ex-presidente. “Ele permitiu a mudança e nos tirou da miséria. Com seu governo, pudemos ter televisão, carro, moto e viajar de avião”, afirmou.

    Grande público

    Entre a multidão admiradora que o esperava na cidade de Itaobim, estavam os jovens Rafael Batista, de 22 anos, João Vitor Alves, de 18 anos, Leron Tanan, 20 anos, e Vinícius Araújo, de 17 anos. Eles afirmaram que não foram diretamente beneficiados por programas implantados durante o governo Lula, mas que reconhecem a importância das ações realizadas. “O comércio da cidade gerava dinheiro e atualmente parou. Ainda estamos em cima do muro, então viemos aqui ouvir o que ele tem a dizer”, ressaltou Vinícius.

    Em Itinga, Lula foi acolhido por um aglomerado eufórico de moradores, com direito, inclusive a um “camarote”. Quem proporcionou isso foi a moradora Thaísa Cordeiro, que abriu as portas e varandas da sua casa para que diversos amigos pudessem ter um bom ângulo para ver e ouvir o ex-presidente. “As outras vezes também foram assim na minha casa. Faço isso porque somos simpatizantes de Lula e reconhecemos a facilidade que ele trouxe para nós moradores”.

    Itinga foi um dos primeiros municípios a receber a visita de Lula após a posse dele como presidente da República em 2003. O lugar ganhou destaque após a construção de uma ponte sobre o Rio Jequitinhonha, que facilitou a locomoção dos habitantes do local e a atuação do comércio. Apesar disso, alguns moradores gritaram “Fora Copanor”, demonstrando insatisfação a um problema recorrente na cidade: a falta de água. De acordo com os moradores Aelson Batista Aguilar e Glória de Fátima Gonçalves, todos os meses de outubro e novembro falta água. “Estamos sem água já tem uma semana”, afirmou Glória.

    Por fim, Lula realizou um grande ato em Araçuaí, cidade que também recebeu grandes investimentos durante o seu governo. No local, 17 mil pessoas foram beneficiadas pelo Bolsa Família e foi realizado a instalação de 1.159 cisternas de água para consumo e 308 para produção. Para a camareira Cleusa de Sousa Câmara, Lula foi o melhor presidente pois ajudou os pobres. “Antigamente, a gente não tinha condições de comprar uma lata de óleo, agora conseguimos ter as coisas”.

    No ato, a estudante Natália Nunes, de 18 anos, segurava uma bandeira do Movimento dos Atingidos pela Barragem. Moradora de Guaranilândia, município a 169km de Araçuaí, ela afirmou que apoia o Lula por querer um país melhor. “Com o passar de dois anos do rompimento da barragem, nada melhorou. Acredito que o Lula pode resolver isso e muito mais”. Nesta quinta-feira (26 de outubro), o presidente continua a caravana com uma visita ao Campus de Araçuaí do IFNMG e à cidade de Salinas.

    *Editado por Agatha Azevedo
    Caravana do Lula por Minas Gerais. Foto: Ricardo Stuckert
  • Festival propõe construção colaborativa para regeneração do Rio Doce

    Festival propõe construção colaborativa para regeneração do Rio Doce

    Durante os dias 14 a 30 de Julho a vila de Regência e as comunidades de Areal e Entre Rios no Espírito Santo irão sediar o Festival Regenera Rio Doce. A proposta do Festival é criar um espaço para construção e compartilhamento de saberes, desafios e metodologias colaborativas, capazes de fortalecer os vínculos comunitários e engajar ações necessárias à Regeneração do Rio Doce.

    Em novembro de 2015, o Rio Doce foi afetado após o rompimento da barragem de rejeitos de mineração de propriedade da empresa privada Samarco, da qual são acionistas as mineradoras Vale e BHP. O crime ambiental casou ainda uma série de impactos sociais ao longo da bacia hidrográfica do rio, desde sua cabeceira, na região de Mariana em Minas Gerais e onde se deu o rompimento da barragem, até sua foz em Regência no Espírito Santo. Inúmeros municípios e suas economias locais, milhares de pessoas, além de toda a biodiversidade natural no percurso do Rio foram severamente prejudicados.

    A ambição do Festival é apoiar iniciativas locais, propondo experiências de regeneração que promovam processos de fortalecimento e autonomia nas comunidades. A regeneração é compreendida, portanto, não apenas como ambiental, mas comunitária, social, cultural, educativa, econômica, afetiva e ética.

    Para construir o Festival que é organizado pela Aliança Rio Doce, e outros grupos de ativistas, foi criado um crowdfunding para captação de recursos que pode ser acessado em: http://juntos.com.vc/regenerariodoce . A captação procura acima de tudo viabilizar recursos que possam cobrir os custos para que moradores de várias comunidades do Rio Doce possam participar do evento. O Festival também conta com uma página onde mais informações, como a programação, podem ser acessadas: http://www.regenerariodoce.org

    Todos os eixos temáticos da programação – que passam da permacultura e agroecologia, aos direitos humanos e comunicação e mídias livres, entre outros – partem da reflexão dos impactos da lama na consciência humana em relação à água e a natureza.

    De maneira colaborativa irão participar do Festival pessoas de diversas partes do país dividindo conhecimentos e saberes a fim de construir coletivamente ações de regeneração no sentido proposto pela iniciativa.

  • Um ano de lama, luto e luta

    Um ano de lama, luto e luta

    Nada dá mais orgulho para a Samarco que suas bolas de ferro. O principal produto da empresa são pelotas de minério concentrado. A mineradora as vende para diversas siderúrgicas espalhadas pelo mundo e só depois que elas são transformadas nos metais utilizados no nosso dia a dia. No entanto, esta maravilhosa alquimia tem um custo. Parte se torna o imenso lucro da empresa, que superou R$ 2,8 bilhões em 2014. Mas há outro custo, não tão assumido publicamente, apesar de inegável: os rejeitos.

    Conforme a gente ganha experiência tanto em lutas sociais quanto no jornalismo, aprendemos que existe uma convenção silenciosa que nos proíbe de abordar o assunto. Não é para se falar de rejeitos. Se se fala, não deve ser lembrado. Se se lembra, é para ser esquecido. Aquilo que é desprezado da produção capitalista, aquilo que não é visto como suficientemente lucrativo por algum empresário, deve ser ignorado. É simplesmente algo ou alguém inútil, descartado pelo mundo e indigno de nossa atenção: os rejeitados.

    Porém, chega um ponto que os rejeitos se acumulam tanto que não se pode mais desviar os olhos. Eles rompem as barragens e se lançam no ambiente, se somando a outros rejeitos, como rios, animais, plantas e pessoas. A tragédia que se iniciou em Bento Rodrigues em novembro de 2015 continua até hoje e não para de crescer. Em suas primeiras horas, levou 19 vidas e deixou centenas de desabrigados. Nos primeiros dias, contaminou uma das maiores bacias hidrográficas do mundo, afetando cerca de um milhão de pessoas que dependem do Rio Doce. Nas primeiras semanas, deixou milhares de pescadores sem trabalho e poluiu centenas de quilômetros do litoral do Espírito Santo e da Bahia. No seu primeiro ano, ninguém foi preso pelo crime.

    A esperança do governo e das empresas é que a omissão continue. Se não podem mais serem contidos em represas, os rejeitos devem ser descartados da vista e da memória. Sem o rio que lhes dava subsistência, ribeirinhos são deixados à própria sorte, cidades inteiras são abastecidas por água imprópria ao uso e milhares aguardam pela recuperação que não virá tão cedo. É indiscutível que o maior desastre ambiental da história do Brasil representa uma perda irreparável. Por isso, estamos em luto pelas vidas humanas, animais e vegetais atingidas. Mas, luto para que os responsáveis sejam devidamente punidos. Luto para que suas vítimas sejam justamente compensadas. Luto contra o ciclo de rejeição.

    O Movimento de Atingidos por Barragens (MAB) é a principal organização civil que lidera a luta pelos direitos dos impactados. Nas vésperas do aniversário do rompimento da Barragem de Fundão, eles marcharam por centenas de quilômetros, passando por várias das cidades atingidas pela lama de rejeitos. A Tragédia traz à tona as contradições de um modelo de desenvolvimento que se sustenta pela exclusão, seja de matéria seja de vidas. Aqui temos uma coleção de olhares que recusam rejeitar. Um ano de lama, luto e luta

     

  • 1 Ano de Lama e Luta – Barra Longa: reforma para inglês ver

    1 Ano de Lama e Luta – Barra Longa: reforma para inglês ver

    Barra Longa foi a única cidade que teve seu centro urbano soterrado pela Lama Tóxica da Samarco/BHP/Vale. A cidade, de quase 7 mil habitantes, era um oásis no interior de Minas. “O nome Barra Longa é por que se formava uma longa barra entre os rios do Carmo e Gualacho” explica Claudineia. “Era lindo, o Rio Gualacho com uma água clarinha, se encontrava com Rio do Carmo que tinha uma água bem escura”, recorda D. Geralda.

     

    Hoje é tudo igual. Um mar de lama.

    Foto: Maxwell Vilela.
    Foto: Maxwell Vilela.

     

    Em 05 de novembro de 2015, a barragem do fundão da mineradora Samarco, controlada pela Vale/ BHP Billiton, rompeu. Um mar de lama e rejeitos tóxicos, carregados de metais pesados, seguiu do Rio Gualacho, para o Rio do Carmo, até se transformar no Rio Doce; envenenando suas águas até seu afluente no mar, na cidade de Regência, no Espirito Santo. Mais de 600 km de destruição e morte.

     

    O Rio do Carmo passava pelo centro da cidade. Era lindo de ver.

     

    A lama chegou ao município por volta da meia-noite do dia 06 de novembro. “Estava em casa, colocando as capas no travesseiro. Meu filho chegou e falou: mãe passou na TV que a barragem estourou lá em Mariana e pode chegar aqui. Eu peguei meus documentos, minha bolsa, coloquei os dois gatinhos dentro dela e subi na moto”. Dona Geralda morava em Gesteira Velha, um vilarejo rural do município. Lá a lama chegou antes e lá a lama continua. D. Geralda subiu na moto a tempo de salvar sua vida, mas viu a lama passar em cima de seu sítio com tudo que tinha.

    Dona Geralda
    Dona Geralda. Foto: Leandro Taques

    O centro da cidade foi reformado, entregue pela Samarco às pressas após um ano da tragédia. A maquiagem feita pela Samarco, no entanto, não é o suficiente para esconder o que ali passou.

    Barra Longa virou um verdadeiro canteiro de obras. Titita, dona de um comercio local da região relata a deficiência das obras. Arrumaram tudo por fora, mas por dentro nada. “Minha casa foi tratada como construção. Me entregaram sem portas ou janelas, só o esqueleto”. Sua residência ficava aos fundos de sua pizzaria, no centro da cidade, ela ainda não conseguiu voltar para casa.

    Uma das construções da praça, um sobrado recém pintado de verde, de acordo com moradores, tem até lama dentro. A defesa civil mandou derrubar por que a construção apresenta riscos. Sem tempo hábil para resolver o problema para a inauguração: a Samarco pintou a casa e cercou com tapumes. A estrutura da casa, no entanto, denuncia as marcas da lama.

     

     

    O antigo prédio histórico da cidade, onde funcionava a escola, hoje é o escritório da Samarco. Titita tem dois filhos pequenos e reclama que a nova escola é abafada e sem espaço.
    lama5Simone Silva, neta de Dona Geralda, não é considerada atingida pela Samarco, isso por que, de acordo com a mineradora, ela não teve sua renda afetada.

     

    A rua da sua casa foi pavimentada com a lama tóxica.  Desde então, a filha pequena passou a ter problemas respiratórios graves. A lama agora está na porta de sua casa. “Ela foi internada com infecção respiratória gravíssima”. Ela mostra as receitas médicas, entre elas um laudo que atesta que os problemas respiratórios de sua filha são devido a inalação da lama tóxica. A cidade é pequena e não tem infraestrutura médica, devido a isso, quase todo o tratamento é feito na rede privada.

     

    Se no centro, bonito e pintado, as coisas não vão bem. No resto da cidade muito menos.

     

    Em Gesteira Velha, na área rural, a coisa é completamente diferente. As casas ainda estão cobertas por lama e os moradores não vêm horizonte de melhora.

     

    Dona Geralda perdeu tudo. Viu a lama passar por cima da sua casa e de seus familiares. Viu suas criações morrerem. Ela nos mostra o que restou de sua casa, de sua vida. Um amontoado de coisas e restos de paredes, móveis e objetos pessoais.

     

    Logo após a tragédia, foi alocada em uma casa. Por ser muito abafada, mudou-se para outra. Esta que mora hoje, no centro de Barra Longa. A Samarco não paga o seu aluguel há 4 meses. Ela havia recebido, na semana em que a tragédia completara um ano, a noticia que seria despejada, caso a mineradora não pagasse o seu aluguel.

    Aparentemente a Samarco não tem muitos critérios para indenizar os atingidos. Diversos atingidos relataram que a empresa teve pressa em restituir fazendeiros e pessoas influentes da cidade. Os moradores da roça de Gesteira por sua vez, padecem.