Já fui um adolescente anti-estadunidense, ainda acho deploravel quem tem Miami como marco cultural ou civilizatório, contudo aos poucos descobri Walt Whitman, Jack London, Dylan Thomas e a geração beat, esses caras, mais o combo jazz e blues, me fizeram mudar de opinião sobre os EUA, não sobre o monstro imperialista, mas sobre a possibilidade de vida inteligente naquele país sem nome.
A cobertura do golpe que sofremos em 2016 feita por veículos como New York Post, Washington Herald e outros também me fizeram pensar bastante, principalmente quando algumas vezes os rabujos bolsonaristas passaram a chamar essas publicações de panfletos comunistas.
Faz um tempo tenho vivido para tragar contradições, concordar com Reinaldo Azevedo foi uma dessas, posteriormente com youtubers como Felipe Neto, as doses de omeprazol inclusive aumentaram. O inicio desse pesadelo kafkiano, lembro muito bem, foi concordar com Arnaldo Jabor sobre a inanição moral e intelectual de Bolsonaro, depois disso, doei minha TV, tive até pesadelo me tornando um senhorzinho de meia idade com cardigan preto, óculos de vinil e que dizia:
”- Fui comunista na juventude.”
Mas qual a razão de dizer isso hoje? Expor minha pueril experiência anti-estadunidense, meu pavor em concordar com Arnaldo Jabor sobre o Bolsonarismo ou com Reinaldo Azevedo sobre o total desrespeito ao devido processo legal que representa essa opera-bufa chamada lava-jato.
Qual a razão disso?
Essa segunda-feira (02/09), depois de um dia de trabalho, cheguei em casa e ao tentar assistir Roda-Viva, o que assisti foram duas aulas paralelas. Uma de como deve ser um jornalista e o professor foi o entrevistado, um estadunidense, Glenn Greenwald. A outra aula ficou por conta dos entrevistadores, boa parte na folha de pagamento de jornalões, essa doeu mais, a matéria ali exposta consistia em como fazer o não-jornalismo.
Estou envelhecendo mesmo, as vezes sinto que nada faz sentido. Me pego pensando como reagiria se viajasse no tempo e pudesse dizer ao Igor de 2011 que em 2019, aplaudiríamos um jornalista estadunidense.
Estou bem, respiro sem ajuda de aparelhos.
”Um tango argentino me vai bem melhor que um blues”
Igor Santos – Jornalista, Cearense e morador de Santo André
Há apenas quatro anos, a Universidade Federal de Mato Grosso era umas instituições públicas de ensino superior que mais cresciam no país. Com os investimentos realizados nos governos petistas, a UFMT chegou aos atuais 25 mil alunos em 133 cursos de graduação e 66 de pós-graduação. São incontáveis as pesquisas realizadas e as diversas iniciativas de extensão que atingem toda a comunidade matogrossense, como foi provado no evento #BalbúrdiaUFMT. Mas, desde as restrições orçamentárias iniciadas em 2014 e principalmente a partir do corte de 30% nas verbas de custeio realizadas em março desse ano, chegou-se a uma situação sem precedentes.
Hoje, por volta das 10:00, enquanto as aulas corriam normalmente, a concessionária de energia do estado, Energisa, simplesmente cortou a luz dos cinco campi mais importantes da instituição, incluindo o de Cuiabá. Alunos, professores e funcionários sabiam que havia contas pendentes de pagamento e uma negociação aberta com a empresa que já havia ameaçado realizar o corte em junho. Mas ninguém foi avisado sobre o dia e o horário, havendo, inclusive, uma reunião marcada para essa tarde entre os gestores das duas instituições. Professores e alunos foram pegos de surpresa no meio da aula, o que aumentou ainda mais a ansiedade geral da comunidade acadêmica já afetada pelo anúncio da reunião dos reitores no MEC, realizada essa tarde, cuja pauta era confusa e não resultou efetivamente em nada. Amanhã pela manhã (9:00hs) faremos um ato em defesa da Universidade, do ensino público gratuito e contra os cortes:
A verdadeira balbúrdia na educação, no entanto, não está restrita às universidades públicas. O ensino estadual, especialmente o secundário, também tem sido alvo de embate, e crueldade, pelo poder público, como relata abaixo o colaborador dos Jornalistas Livres, Francisco Miguel:
GOVERNO DE MT MANDA CORTAR EMPRÉSTIMO CONSIGNADO PARA PROFESSORES GREVISTAS QUE JÁ PEDEM NOS SINALEIROS
Os grevistas, que tiveram o ponto ilegalmente cortado por determinação do governador Mauro Mendes (DEM) – e que ilegitimamente foi autorização pelo Poder Judiciário -, também não estão conseguindo mais acesso ao crédito consignado. A medida é mais uma retaliação do Governo aos grevistas que já estão há cerca de 55 dias em greve. Ao entrarem em contato com a Coordenadoria de Controle e Fiscalização das Consignações, os profissionais foram informados que a margem de empréstimo foi zerada para todos os servidores que tiveram o ponto cortado.
“Fomos informados que o corte aconteceu apenas para os servidores da Educação. Isso caracteriza claramente a perseguição aos professores e o esforço pessoal dele de humilhar e deixar os professores em situação de fome”, afirmou uma servidora.
O corte de ponto deixou 15.211 profissionais da educação que estão em greve desde 27 de maio sem salários neste mês. O número inclui professores, técnicos e profissionais de apoio das escolas públicas estaduais de Mato Grosso.
CAMPANHA DE DOAÇÃO SOLIDÁRIA AOS PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO, SUA CONTRIBUIÇÃO FAZ TODA DIFERENÇA PARA OS PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO EM GREVE
Os profissionais da Educação da rede estadual e o seu sindicato – Sintep MT, têm-se mobilizado, diariamente, na área central de Cuiabá, fazendo pedágio em frente ao Banco do Brasil de manhã e, posteriormente, na Praça Ipiranga. Além de pedirem nos sinaleiros, este ato de arrecadação mais ativo por parte destes profissionais, é composto por outras duas formas, um primeiro designado de ‘alimente quem te alimenta de conhecimento’ no qual a comunidade pode contribuir em dinheiro diretamente no Banco do Brasil, e um outro, em que todos podem doar alimentos não perecíveis junto do Sintep.
GRANDE ATO, PRÓXIMA QUARTA-FEIRA, ‘PELA EDUCAÇÃO DE MATO GROSSO
Sob o lema: ‘A Nossa Luta Unificou! É o Estudante, Funcionário e Professor!’, um Grupo de Estudantes da Baixada Cuiabana, estão organizando e marcaram já para a próxima quarta-feira, mais um grande ato, às 14 h, no Tribunal Regional do Trabalho (TRT) em frente ao Shopping Pantanal, aqui em Cuiabá. Todas as semanas, depois das Assembleias Gerais – geralmente lotadas, que têm deliberado seguidamente pela continuidade da greve dos trabalhadores na Educação da rede estadual, têm acontecido passeatas pelas as ruas de Cuiabá com milhares de pessoas. Todas as semanas essas passeatas têm sido muito grandes e todas as semanas a imprensa de MT as tem ignorado veementemente.
NOTA DE SOLIDARIEDADE À UFMT
O Movimento Enfrente se solidariza aos estudantes e servidores da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) em razão do corte no fornecimento de energia elétrica, que causa diversos prejuízos, sobretudo, a perda de materiais e amostras de importantes pesquisas realizadas pela instituição.
Entendemos como muito grave a situação que as Universidades estão chegando diante da austeridade praticada pelo governo Bolsonaro e lembramos que desde o anúncio do corte de verbas a reitora Myrian Thereza havia informado que a Universidade só teria condições para funcionar até o mês de julho, assim como em outros estados esse fato deve se repetir.
Repudiamos, mais uma vez, o projeto de desmonte das políticas sociais e os cortes de verbas na educação pública que visam o sucateamento e, por fim, a privatização.
No dia 13 de agosto estaremos novamente nas ruas resistindo pela Educação pública, gratuita e de qualidade, democrática, popular, inclusiva e emancipadora, e defendendo que o quadripé ensino, pesquisa, extensão e permanência seja o caminho de um futuro melhor para os e as estudantes!
Na manhã do dia 28 de setembro de 2018, a imprensa noticiou que o ministro do STF Ricardo Lewandowski autorizara Lula a conceder uma entrevista ao jornal Folha de S.Paulo. Em um grupo no Telegram, os procuradores imediatamente se movimentaram, debatendo estratégias para evitar que Lula pudesse falar. Para a procuradora Laura Tessler, o direito do ex-presidente era uma “piada” e “revoltante”, o que ela classificou nos chats como “um verdadeiro circo”. Uma outra procuradora, Isabel Groba, respondeu: “Mafiosos!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!”
Eram 10h11 da manhã. A angústia do grupo – que, mostram claramente os diálogos, agia politicamente, muito distante da imagem pública de isenção e técnica que sempre tentaram passar – só foi dissolvida mais de doze horas depois, quando Dallagnol enviou as seguintes mensagens, seguidas de um áudio.
28 de setembro de 2018 – grupo Filhos do Januario 3
Deltan Dallagnol – 23:32:22 – URGENTE
Dallagnol – 23:32:28 – E SEGREDO
Dallagnol – 23:32:34 – Sobre a entrevista
Dallagnol – 23:32:39 – Quem quer saber ouve o áudio
Dallagnol – 23:33:36 –
Leia a matéria completa no site do The Intercept Brasil:
Texto do Editorial 4P (@midia4p e www.midia4p.com)
O que as alas nacionais progressistas estão sentindo com relação às falcatruas, acordos espúrios e delações forjadas – construídas no âmbito da Lava Jato por juiz, procuradores e empresários, e reveladas neste domingo, 30, por reportagem da Folha de S. Paulo e do site de notícias The Intercept Brasil – é o mesmo que o movimento negro denuncia por décadas a fio em suas ações de combate ao racismo, apontando para o tratamento dado à população periférica e pobre do Brasil.
A matéria mostra como os procuradores “trabalhavam” mudanças de delações para, desse modo, incriminar pessoas. O exemplo usado foi o do empresário Léo Pinheiro, da construtora OAS, que ao mudar o seu depoimento por duas vezes, foi pivô da condenação de Lula e teve sua sentença reduzida 70% (de 10 anos e 8 meses para 2 anos e 6 meses).
O caso de Lula é emblemático para o Brasil e para o mundo. Mas, se “a lei é para todos”, como tanto tem se falado nesses últimos tempos, porque a dor dos negros injustamente encarcerados não causa comoção geral e, principalmente, dos setores progressistas nacionais?
Ao longo dos anos, casos semelhantes vieram a público inúmeras vezes, em vídeos mostrando policiais mudando cenas de crimes, disparando a arma e colocando mas mãos do cidadão abatido, da maconha colocada na mochila para incriminar, entre outros exemplos emblemáticos.
Mas por que os que se comovem com o caso Lula, em grande maioria, não saem às ruas, não criam fóruns de debates para se manifestar, não inundam a internet com hashtags que demonstrem a sua indignação e tão somente alguns poucos políticos denunciam tais violências?
Certamente porque os corpos negros encarcerados são invisibilizados pela cultura do racismo, que, além de estruturar a sociedade desumaniza os corpos negros, transformando injustiças em banalidade.
Casos como os de Amarildo, Rafael Braga e da modelo Bárbara Querino, além de serem esquecidos, não causam comoção por muito tempo, não servem de inspiração para a criação de movimentos em defesa de justiça e equidade e não são utilizados como modelos para apresentar tanto à sociedade brasileira quanto às autoridades internacionais as violações de direitos desses cidadãos, promovidas pelo Sistema de Justiça.
É como disse, certa feita, o sociólogo Jessé Souza:
“Essa lei social está para além da nossa consciência e comanda o cara que vai carregar o corpo desse pobre, o advogado que vai cuidar do caso, o juiz que vai dar a sentença. Está na cabeça da sociedade inteira e é o que diz que aquela pessoa é subgente, indigna do nosso respeito”.
Até quando?, perguntamos.
A cidadania plena para a população negra passa por esforços de todos os setores da sociedade e, quem sabe, o caso Lava Jato possa servir para uma reflexão mais profunda sobre a atuação do Sistema de Justiça, afinal a lei e a busca por uma justiça imparcial é para todos.
Por Walter Falceta, especial para os Jornalistas Livres
O jornalista Mario Magalhães e seu mais novo livro “Sobre Lutas e Lágrimas, Uma Biografia de 2018”
O jornalista Mario Magalhães e seu mais novo livro “Sobre Lutas e Lágrimas, Uma Biografia de 2018”
Por Walter Falceta, especial para os Jornalistas Livres
Atribui-se ao 32º presidente estadunidense, Franklin Delano Roosevelt, a perturbadora frase: “leva-se um bom tempo para trazer o passado ao presente”.
De fato, corre tempo demais até compreendermos o porquê das pequenas e grandes tragédias cotidianas. Roosevelt pensava, por exemplo, nos equívocos e desvarios econômicos e financeiros que haviam conduzido seu país à Grande Depressão.
O desprezo pelo passado frequentemente nos conduz ao horror e ao sofrimento, fenômeno que se apresenta aos olhos dos historiadores no período entre as duas devastadoras guerras mundiais que marcaram o Século 20.
No Brasil, há quem ainda não tenha compreendido, por exemplo, a natureza do Golpe Militar de 1964, que ceifou vidas, esperanças e amores.
Pior é a crença patológica em um passado edulcorado, no qual a farda supostamente garantiu aos brasileiros um tempo de ordem, progresso e segurança, de gestores públicos imaculados, jamais envolvidos em casos de corrupção.
Se o passado é moldado pela construção e reprodução de narrativas particulares, faz-se necessário garantir que o pensamento da civilidade possa concorrer com aquele da barbárie.
O livro “Sobre Lutas e Lágrimas – Uma Biografia de 2018” (Editora Record, R$ 44,90) escrito pelo jornalista Mário Magalhães, serve brilhantemente a esse propósito.
A obra trata do pretérito recente, esse que ainda não tivemos tempo de processar, cuja análise atenta exibe uma fieira de ocorrências espantosas, absurdas ou mesmo inacreditáveis.
A pena virtuosa do colega Mário nos choca ao narrar, por exemplo, os eventos de abril, quando o ex-presidente Lula deixou a resistente São Bernardo e rumou ao cárcere em Curitiba, vítima estoica das tramas lavajateiras.
Ora, um recuo modesto no tempo, que seja a 2008, exibe um país governado pelo mesmo nordestino. A economia cresce e multiplica-se a oferta de empregos, o filho do porteiro ingressa na universidade e a fome vai desaparecendo do cotidiano das famílias mais humildes.
Na época, poucos imaginavam que o ex-metalúrgico, mandatário colecionador de sucessos na gestão pública, pudesse cair vítima de um golpe articulado por procuradores reacionários em parceria com um magistrado de cultura limitada.
Causa estranheza que, em 2018, nos tenha faltado tempo para compreender 1968, o famoso ano rebelde que não terminou. Vivemos o ano passado de forma vertiginosa, ocupados, procurando entender o mês anterior, o dia de ontem, a hora passada.
Neste Brasil líquido, senão gasoso, como nos reconta o genial Mário, assistimos à caça de macacos, incriminados como transmissores da febre amarela. Se houve empoderamento das mulheres, multiplicaram-se os casos de feminicídio. O Doutor Bumbum revelou sua verdadeira índole. Caminhoneiros travaram o país, a intervenção militar amedrontou o Rio de Janeiro, a direita paranoica mobilizou-se contra a Ursal, índios e jovens recorreram ao suicídio para findar a aflição dos dias todos.
O neofascismo brasileiro, associado aos neoliberais que se desencantaram com o PSDB e o DEM, viabilizou a candidatura do ex-capitão Jair Bolsonaro. Neste medieval ano de 2018, milhões de brasileiros foram enganados pelo “tiozão” do WhatsApp, que repassou notícias sobre a “mamadeira de piroca” do Haddad, o mesmo candidato vermelho que, segundo ele, pretendia legalizar a pedofilia.
Na obra de Mário o que mais espanta, no entanto, é a celeridade nas mudanças de cenário. Nos textos escritos no início do segundo semestre, ele ainda cogita de uma candidatura de Lula e não descarta a vitória do ex-metalúrgico. Poucos meses adiante, o que se avalia é se Bolsonaro pode ou não vencer a eleição presidencial no primeiro turno.
O autor rememora o episódio da reportagem de Patrícia Campos Mello, da Folha, sobre o esquema ilegal de disparo de conteúdos anti-PT nas redes, bancado por empresas. Mas não faz olho militante. Investiga na minúcia os personagens de seu 2018, um ano que se converte, ele próprio, em personagem.
Na página 261, apresenta um rascunho do candidato presidencial de esquerda, Fernando Haddad:
Em piscada de olho para o centro, Haddad elogiou Sergio Moro (“ajudou” o Brasil, com “saldo positivo”), mas criticou a condenação de Lula. Errou ao endossar a acusação improcedente que atribuía tortura ao general Mourão, porém se corrigiu. Criticou decisões de correligionários, como a desmesurada renúncia fiscal do governo Dilma.
Se nos adiantamos aqui, é bem possível que façamos um curioso spoiler daquilo tudo que já sabemos, ou julgamos saber.
Quer colar no passado e trazê-lo para decifrar o presente? Embarque nessa leitura, no fascinante jogo das frescas reminiscências. São 330 páginas, mas que passam rapidinho, como aquelas 730 de “Marighella – O Guerrilheiro que Incendiou o Mundo”, obra luminosa e reveladora do mesmo Mário.
Bueno, como diz aquele ditado que inclusive ilustra a foto de capa do Twitter do Demori, PERO YA QUE ESTAMOS AQUÍ BAILEMOS. Pois vamos bailar, ENTONCES. Nesta edição sistematizamos questões a respeito do JORNALISMO que emergiram na semana, sejam elas fruto de nossas percepções, sejam elas suscitadas por manifestações de terceiros.
Comecemos com o que temos de EXCLUSIVO, portanto. Mandamos três perguntinhas para o Demori via ZAP. Depois da entrevista, seguimos com a nossa costura tradicional.
Entrevista com Leandro Demori
Farol Jornalismo – A #VazaJato é um furo de um veículo jornalístico nativo digital. A mídia tradicional parece se exceder no zelo, atribuindo todas as informações, repetidamente, ao Intercept, chamando-o de “site”. Como você avalia isso?
Leandro Demori – O Jornal Nacional reportou à gente inclusive o que está na Constituição Federal [este é o trecho a que Demori se refere: “O site “Intercept” diz que, na Constituição brasileira, um juiz não pode aconselhar o Ministério Público, nem direcionar seu trabalho. Deve apenas se manifestar nos autos dos processos, para resguardar a sua imparcialidade”]. Chega a ser engraçado, né? E o que chama mais atenção é que os diálogos que estamos publicando – que não foram desmentidos por ninguém até agora, porque são verdadeiros – são supostos; mas os ataques de hackers são verdadeiros. Nenhuma palavra “suposto” está sendo usada em relação a esses supostos ataques de hacker. Então eu gostaria de devolver as frases à normalidade e à realidade dos fatos. Os diálogos são verdadeiros e, por enquanto, os ataques de hacker são supostos.
Farol Jornalismo – Vocês estão mantendo um ritmo próprio na divulgação das informações vazadas. Como foi essa decisão editorial? Existe um planejamento interno de leitura do material e de sua veiculação?
Leandro Demori – Estamos mantendo o ritmo jornalístico. Procuramos histórias, a partir do momento em que encontramos e identificamos que são de interesse público, fazemos checagens, apuração, edição das matérias e, assim que estão prontas, publicamos. Não tem nenhum cronograma estabelecido em relação a isso que não seja esse.
Farol Jornalismo – Sem saber qual a natureza técnica dos arquivos fornecidos pela fonte do caso #VazaJato, quais os cuidados tomados pela redação para se certificar que o material oferecido é original, ou seja, que não foi modificado antes de chegar ao The Intercept Brasil?
Leandro Demori – Nós fizemos checagens técnicas do material, dos diálogos privados que estão dentro do arquivo, com coisas que aconteceram em paralelo na história do Brasil, checando se estão ali. E checamos também com terceiros, com pessoas que eventualmente tiveram conversas com essas várias pessoas que estão envolvidas no arquivo. Checamos a conversa desses terceiros com as conversas que estão no arquivo. Então todas as checagens técnicas e factuais foram feitas, e a autenticidade do arquivo é comprovada pelas primeiras três manifestações dos três principais envolvidos no escândalo: o juiz Sergio Moro, o Deltran Dallagnol e a força-tarefa da Lava Jato, em nota. Nenhum dos três negou a autenticidade do material, preferiram focar no que eles estão chamando de ataque hacker que alguém teria cometido, é uma denúncia que eles estão fazendo. O Intercept jamais falou sobre a fonte, então quem está atribuindo isso a um hacker é que precisa se preocupar com a investigação em relação a isso.
Então…
O papo reto do TIB e o jornalismo
Sempre quando fala sobre o The Intercept Brasil, Leandro Demori ressalta a postura ativa do veículo, que procura, especialmente por meio da linguagem, ser franco e direto. Às vezes ousado, diriam alguns. Combativo, diriam outros. Em alguma medida, essa característica parece refletir a personalidade de seus jornalistas, ao menos o próprio Demori, que desde os tempos de Nova Corja tem uma maneira AUSPICIOSA de fazer o seu trabalho, e Glenn Greenwald, por seu histórico jornalístico.
Até então essa postura estava circunscrita a um ecossistema jornalístico restrito, que poderíamos classificar como independente, sem que conseguisse, por uma série de fatores (inclusive o da linguagem adotada!) furar certas bolhas. Agora, a coisa muda de figura. GERAL está conhecendo o TIB. E isso tem uma implicação JORNALÍSTICA interessante:
Jornalismo nativo digital versus velha mídia?
Tá em andamento uma possibilidade SINGULAR de colocarmos lado a lado, durante a cobertura de um caso importantíssimo, maneiras diferentes de se fazer jornalismo. Estaríamos diante do primeiro grande embate entre o jornalismo nativo digital e a velha mídia? Ou, como definiu Moisés Mendes neste artigo: o banquete do jornalismo?
É uma discussão subjacente, às vezes aparece de forma sutil. Mas ela tá aí.
Por exemplo. Enquanto o TIB esbanja segurança e assertividade de quem parece não dar ponto sem nó, os veículos tradicionais usam e abusam de verbos na condicional e em uma distribuição indiscriminada e conhecida de “SUPOSTO” em seus textos.
Essa postura discursiva cuja natureza encontra eco na ideia de objetividade como ritual estratégico, conceito basilar de Gaye Tuchman para entender o jornalismo do século 20, reduz o TIB a um mero SITE (“diz site”, “afirma site”, “revela site”, etc). Sobre o jornalismo se esconder atrás de um discurso que se diz objetivo, deem uma olhada nesta thread. Demori e Greenwald se aproveitam desse recurso narrativo para apresentar ao público um veículo desconhecido para também virar fonte, e assim falar sobre o caso, claro, mas também sobre o FAZER JORNALÍSTICO nele implicado, oferecendo uma possibilidade de se discutir transparência que não é usual na nossa cultura profissional. Demori já deu entrevista para GaúchaZH e para a Guaíba, de Porto Alegre, para o podcast Ih Rita, para a rádio Sagres, de Goiás. Greenwald falou, vejam só, com o Pânico (algo que o Demori já fez).
Ao conversar com Reinaldo Azevedo, Demori concedeu ao colega um furo (In Fux We Trust). Como rolou em um grupo de Whats do qual editores do Farol fazem parte (olha o vazamento!), o jornalista tem um furo só seu, mas prefere oferecê-lo a um jornalista de outro veículo, em vez de publicar no seu. Tá tudo de cabeça pra baixo mesmo!
Outra coisa, e aí já avançando na discussão, o The Intercept Brasil parece ter encontrado no ritmo de publicação uma forma de poder. Na entrevista concedida concedida ao Farol Jornalismo, e também na concedida à Rita Lisauskas, do podcast Ih Rita, Demori diz que o material recebido por eles pede um tempo diferente do tempo do entretenimento. Não é uma questão de cliques, afirma o editor executivo do TIB.
O silêncio como ativo
Taí uma discussão interessante. Ao adotar um ritmo que vai contra a lógica dos page views, o TIB faz do silêncio um ativo. Neste texto, publicado logo após os atentados da maratona de Boston de 2013, cuja cobertura da imprensa americana foi, em geral, um fracasso estrondoso, Mike Ananny se pergunta: “o que significaria criar ambientes de breaking news cuidadosamente marcados pela ausência de informações?” Ele segue questionando:
Teria o TIB, seis anos após o texto de Ananny, encontrado no silêncio uma forma poderosa de se contrapor ao ruído? Talvez seja cedo para avaliar o cenário sob o ponto de vista jornalístico. O que podemos dizer até agora é que, sob o ponto de vista financeiro, vem dando resultados. Até a quinta passada (6/6), o financiamento coletivo recorrente do The Intercept Brasil no Catarse somava pouco menos de R$ 60 mil por mês. Hoje, até o fechamento desta edição da NFJ, a cifra passa dos R$ 130 mil.
O embate entre imprensa tradicional e novos atores se revela também na forma como os grandes veículos repercutiram o furo do TIB. Neste texto para o ObjETHOS, Sylvia Moretzsohn destaca o potencial devastador das reportagens, “capazes de derrubar o governo, mas que só começaram a repercutir na mídia tradicional mais de três horas depois, ainda assim muito timidamente”. A comparação entre as capas d’O Globo da época do grampo do Lula e da Dilma e do caso #VazaJato ilustra bem essa “timidez”. A crítica à nossa legacy media ganha força quando Moretzsohn sublinha que podem aparecer, na análise do conteúdo que está por vir, trocas de mensagens pouco republicanas entre os envolvidos não só com agentes públicos, mas também com jornalistas. Em texto publicado hoje, Moretzsohn voltou à carga, denunciando um movimento que pretende virar a narrativa.
Pois é. Bueno, deixemos tretas futuras de lado, pois temos uma já no PRESENTE.
Glenn versus Globo
Em suas manifestações públicas, Greenwald entrou em rota de colisão com a Globo. À Pública, na terça, Glenn disse que “a Globo e a força-tarefa da Lava Jato são parceiras”. No dia seguinte, o jornalista remarcou posição no Twitter:
Toda a mídia brasileira e internacional (exceto uma): revelações chocantes sobre o comportamento impróprio do ministro da Justiça Moro e da força-tarefa Lava Jato: explicamos o que os documentos mostram. Globo: HACKERS !!!!
O argumento de Glenn é que a emissora foca no “vazamento criminoso” e desvia a atenção do conteúdo das mensagens.
Na quarta, a Globo enviou uma nota à Pública narrando tratativas do jornalista com a emissora para propor uma parceria, porque tinha “uma grande bomba a explodir”. A Globo alega que “só poderia aceitar a parceria se soubesse antes o conteúdo da tal ‘bomba’ e sua origem”, e que Greenwald se despediu depois de ouvir essa ponderação. A nota termina dizendo: “O comportamento de Greenwald nos episódios aqui narrados permite ao público julgar o caráter dele” (para conhecer melhor Glenn Greenwald, deem uma olhada neste perfil da New Yorker, publicada em 2018.) No Antagonista, nota assinada pelo diretor de jornalismo da Globo, Ali Kamel, diz que a emissora “não dá cheque em branco a ninguém, especialmente a Glenn Greenwald”. Ontem, Greenwald voltou ao Twitter para sublinhar diferenças da cobertura da Globo em relação a outros meios, e que “isso fala por si”.
No mesmo tuíte, Glenn reforça que não vai entrar em disputas com a Globo, mas a disputa segue esquentando, porque acentua a pressão sobre a emissora e aumenta a repercussão dos vazamentos.
Ainda é cedo para prever os desdobramentos, principalmente porque o material que o TIB tem em mãos é gigantesco, mas não parece exagero dizer que a série de reportagens já entrou para a história do jornalismo. Neste outro texto para o ObjETHOS, Lívia Vieira (sim, a editora do Farol Jornalismo) e Amanda Miranda pontuam que, ao escancarar as falhas da operação que monopolizou a opinião pública na política recente, o veículo abre margens para se discutir a ética do judiciário e também a do jornalismo.
E é aí que algumas questões de procedimento jornalístico se impõem:
A proteção da fonte anônima. Alexandre de Santi, editor do TIB, diz que “só existe uma resposta sobre as perguntas sobre a fonte da #VazaJato: não falamos sobre a fonte”. E cita a garantia expressa na Constituição. Demori também martela.
Aliás, quando o contexto apareceu de forma mais clara, permitiu interpretações diferentes de algumas conversas. No Foro de Teresina, Malu Gaspar disse que a íntegra das falas deu uma aliviada para Moro – mas sem retirar a gravidade das conversas como um todo.
Cuidado ao repercutir os posts de Moro e do bolsonarismo como se fossem declarações. Não são declarações, são releases. O ministro deve responder às nossas perguntas, não ter nossas plataformas como microfones. Republicar tuíte de juiz exposto não é pauta. É propaganda.
Sobre o “outro lado”, aliás, uma das questões que as reportagens suscitaram foi o fato de o TIB não ter ouvido as partes envolvidas antes da publicação da reportagem. Os jornalistas deixam claro o porquê no editorial / parte 1: evitar que a publicação fosse impedida pelos próprios personagens. Demori, na entrevista à Lisauskas, repetiu: “o material fala por si, mas no minuto seguinte à publicação, contatamos os envolvidos”.
Em relação a isso, Alexandre de Santi, em entrevista ao Mescla, site produzido por alunos da Unisinos, foi taxativo:
Não é uma obrigação nossa ouvir o outro lado. Na verdade, é só uma boa prática jornalística, mas não tem nenhuma lei ou coisa do tipo que nos obrigue a fazer. […] A nossa intenção foi tentar publicar os diálogos da forma mais direta possível. Dizer o que aconteceu, o que tem ali, mas sem abrir mão de colocar os pingos nos is, de dizer o que está errado, não só reportar de um jeito frio e deixar que o leitor vire-se para entender se é ilegal ou antiético.
EDITORIAL DO THE INTERCEPT PUBLICADO EM 15/06, ÀS 16h36:
Sábado, 15 de junho de 2019
O site “aliado a hackers criminosos”
No último domingo, o Brasil foi surpreendido por três reportagens explosivas publicadas pelo TIB. Nelas, nós mostramos as entranhas da Lava Jato e mergulhamos fundo em poderes quase nunca cobertos pela imprensa. Quase todos os jornalistas que eu conheço preferem se manter afastados disso: apontar o dedo para procuradores e juízes é, antes de tudo, perigoso em muitos níveis – eles têm razão.
As primeiras reações dos envolvidos no escândalo foram essas: O MPF preferiu focar em hackers, e não negou a autenticidade das mensagens. Sergio Moro disse que não viu nada de mais, ou seja: não negou a autenticidade das mensagens.
Moro, na verdade, se emparedou: em entrevista ao Estadão, ele inicialmente não reconhece como autêntica uma frase que ele mesmo disse. Mas depois diz que pode ter dito. E depois ainda diz que não lembra se disse. Moro está em estado confusional.
Horas depois, à Folha, Moro confirmou um dos chats que publicamos: em uma coletiva, ele chamou de “descuido” o episódio no qual, em 7 de dezembro de 2015, passa uma pista sobre o caso de Lula para que a equipe do MP investigue. Confessou que ajudou a acusação informalmente, o que é contra a lei. Como dizem as piores línguas: tirem suas próprias conclusões.
Deltan Dallagnol não negou tampouco. Ele está bastante preocupado com o que diz ser um “hacker”, mas sequer entregou seu celular para a perícia.
É evidente que nem Moro, nem Deltan e nem ninguém podem negar o que disseram e fizeram. O Graciliano Rocha, do BuzzFeed news, mostrou que atos da Lava Jato coincidiram com orientações de Moro a Deltan no Telegram. Moro mandou, o MPF obedeceu. Isso não é Justiça, é parceria. Ontem nós mostramos a mesma coisa: Moro sugeriu que o MPF atacasse a defesa de Lula usando a imprensa, e o MPF obedeceu. Quem chefiava os procuradores? Só não vê quem não quer.
A imprensa séria virou contra Sergio Moro e Deltan Dallagnol em uma semana graças às revelações do TIB. O Estadão, mesmo que ainda fortemente aliado de Curitiba, pediu a renúncia de Moro e o afastamento dos procuradores. A Veja escreveu um editorial contundente (“Moro ultrapassou de forma inequívoca a linha da decência e da legalidade no papel de magistrado.”) e publicou uma capa demolidora. A Folha está fazendo um trabalho importante com os diálogos, publicando reportagens de contexto absolutamente necessárias.

Durante cinco anos, a Lava Jato usou vazamentos e relacionamentos com jornalistas como uma estratégia de pressão na opinião pública. Funcionou, e a operação passou incólume, sofrendo poucas críticas enquanto abastecia a mídia com manchetes diárias. Teve pista livre para cometer ilegalidades em nome do combate a ilegalidades. Agora, a maior parte da imprensa está pondo em dúvida os procuradores e o superministro.
Mas existe uma força disposta a mudar essa narrativa. A grande preocupação dos envolvidos agora, com ajuda da Rede Globo – já que não podem negar seus malfeitos – é com o “hacker”. E também nunca vimos tantos jornalistas interessados mais em descobrir a fonte de uma informação do que com a informação em si. Nós jamais falamos em hacker. Nós não falamos sobre nossa fonte. Nunca.
Já imaginou se toda a imprensa entrasse numa cruzada para tentar descobrir as fontes das reportagens de todo mundo? A quem serve esse desvio de rota? Por enquanto nós vamos chamar só de mau jornalismo, mas talvez muito em breve tudo seja esclarecido. Nós já vimos o futuro, e as respostas estão lá.
A ideia é tentar nos colar a algum tipo de crime – que não cometemos e que a Constituição do país nos protege. Moro disse que somos “aliados de criminosos”, em um ato de desespero. Isso não tem qualquer potencial para nos intimidar. Estamos apenas no começo.
Esse trabalho todo que estamos fazendo só acontece graças ao esforço de uma equipe incrível aqui no TIB. De administrativo a redes sociais, de editorial a comunicações, todos estão sendo absolutamente fantásticos. Nós queremos agradecer imensamente por tudo, e pedir para que vocês nos ajudem a continuar reportando esse arquivo.