Jornalistas Livres

Categoria: Diretas Já

  • Geisel e Figueiredo operaram pessoalmente na execução de inimigos do regime

    Geisel e Figueiredo operaram pessoalmente na execução de inimigos do regime

    O texto a seguir foi publicado nas redes sociais por Matias Spektor, professor da Fundação Getúlio Vargas:

    Este é o documento secreto mais perturbador que já li em vinte anos de pesquisa.

    É um relato da CIA sobre reunião de março de 1974 entre o General Ernesto Geisel, presidente da República recém-empossado, e três assessores: o general que estava deixando o comando do Centro de Informações do Exército (CIE), o general que viria a sucedê-lo no comando e o General João Figueiredo, indicado por Geisel para o Serviço Nacional de Inteligência (SNI).

    O grupo informa a Geisel da execução sumária de 104 pessoas no CIE durante o governo Médici, e pede autorização para continuar a política de assassinatos no novo governo. Geisel explicita sua relutância e pede tempo para pensar. No dia seguinte, Geisel dá luz verde a Figueiredo para seguir com a política, mas impõe duas condições. Primeiro, “apenas subversivos perigosos” deveriam ser executados. Segundo, o CIE não mataria a esmo: o Palácio do Planalto, na figura de Figueiredo, teria de aprovar cada decisão, caso a caso.

    De tudo o que já vi, é a evidência mais direta do envolvimento da cúpula do regime (Médici, Geisel e Figueiredo) com a política de assassinatos. Colegas que sabem mais do que eu sobre o tema, é isso? E a pergunta que fica: quem era o informante da CIA?

    O relato da CIA foi endereçado a Henry Kissinger, então secretário de Estado. Kissinger montou uma política intensa de aproximação diplomática com Geisel.

    A transcrição online do documento está no link abaixo, mas o original está depositado em Central Intelligence Agency, Office of the Director of Central Intelligence, Job 80M01048A: Subject Files, Box 1, Folder 29: B–10: Brazil. Secret; [handling restriction not declassified].

    Você pode lê-lo aqui em inglês.

    Costuma-se dizer que Geisel foi uma espécie de “ditador esclarecido”, que conteve a “tigrada linha dura”, começou a “abertura política” e amenizou os rigores do regime militar brasileiro. Mas a descoberta do documento de 1974 desmonta essa  narrativa sobre Geisel, construída principalmente pelo jornalista Elio Gaspari, ao longo de seus livros “A Ditadura Envergonhada”, “A Ditadura Escancarada”, “A Ditadura Derrotada”, “A Ditadura Encurralada”, “A Ditadura Acabada”…

    A descoberta do documento de 1974 prova que Geisel não conteve a tigrada. Ele mesmo era o tigre, que comandou a execução sumária dos principais inimigos do regime.

     

    Segue a tradução do memorando da CIA a Kisinger sobre a execução sumária de presos no governo Geisel:

    “Relações Exteriores dos Estados Unidos, 1969–1976, Volume E – 11, Parte 2, Documentos sobre a América do Sul, 1973–1976

    1. Memorando do Diretor de Inteligência Central Colby ao Secretário de Estado Kissinger

    Washington, 11 de abril de 1974.

    Assunto

    Decisão do Presidente do Brasil, Ernesto Geisel, de continuar a execução sumária de subversivos perigosos sob certas condições

    1. [1 parágrafo (7 linhas) não desclassificado]

    2. Em 30 de março de 1974, o presidente brasileiro Ernesto Geisel reuniu-se com o general Milton Tavares de Souza (chamado General Milton) e com o general Confúcio Danton de Paula Avelino, respectivamente o chefe do Centro de Inteligência do Exército (CIE) que estava deixando o cargo e aquele que estava assumindo. Também esteve presente o general João Baptista Figueiredo, chefe do Serviço Nacional de Inteligência (SNI).

    3. O General Milton, quem mais falou, delineou o trabalho do CIE contra o alvo subversivo interno durante a administração do ex-presidente Emilio Garrastazu Médici. Ele enfatizou que o Brasil não pode ignorar a ameaça subversiva e terrorista, e disse que métodos extra-legais devem continuar a ser empregados contra subversivos perigosos. A este respeito, o General Milton disse que cerca de 104 pessoas nesta categoria foram sumariamente executadas pela CIE durante o último ano, aproximadamente. Figueiredo apoiou essa política e insistiu em sua continuidade.

    4. O Presidente, que comentou sobre os aspectos sérios e potencialmente prejudiciais desta política, disse que queria refletir sobre o assunto durante o fim de semana antes de chegar a qualquer decisão sobre sua continuidade. Em 1º de abril, o presidente Geisel disse ao general Figueiredo que a política deveria continuar, mas que muito cuidado deveria ser tomado para assegurar que apenas subversivos perigosos fossem executados. O presidente e o general Figueiredo concordaram que quando o CIE prender uma pessoa que possa se enquadrar nessa categoria, o chefe do CIE consultará o general Figueiredo, cuja aprovação deve ser dada antes que a pessoa seja executada. O Presidente e o General Figueiredo também concordaram que o CIE deve dedicar quase todo o seu esforço à subversão interna, e que o esforço geral do CIE será coordenado pelo General Figueiredo.

    5. [1 parágrafo (12½ linhas) não desclassificado]

    6. Uma cópia deste memorando será disponibilizada ao Secretário de Estado Adjunto para Assuntos Interamericanos. [1½ linhas não desclassificadas] Nenhuma distribuição adicional está sendo feita.

    W. E. Colby”

     

     

  • Porto Alegre capital da democracia e resistência

    Porto Alegre capital da democracia e resistência

    Por Adriana de Castro Jornalistas Livres

     

    Milhares de militantes de todo o Brasil ocupam a capital gaúcha na espera do julgamento que acontece na manhã desta quarta-feira, em Porto Alegre.
    O julgamento da apelação de defesa do ex-presidente Lula pelo Tribunal Federal Regional – 4ª Região (TRF-4) é acompanhado em todo país e mundo afora, com muita atenção. Existe um estado de alerta dos movimentos sociais que apoiam Lula. E deixam o recado: “todo cuidado é pouco contra uma possível condenação arbitrária e sem provas”.
    A falta de energia elétrica transferiu a manifestação, que contou com 15 mil participantes, da Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul para a Praça Marechal Deodoro.

     

    “Por que o Lula está sendo condenado, sendo inocente? Já que tantos outros e outras são pegos(as) em com gravações, com mala de dinheiro, subindo e descendo, e estão protegidos a ponto de poderem concorrer livremente. Ou seja, estes(as) outros(as) não estão submetidos à Justiça”, afirmou a presidenta Dilma Rousseff durante ato esta manhã em Porto Alegre.

    De acordo com Dilma, o golpe é um processo, não um ato isolado. “Este processo começou com um impeachment sem crime de responsabilidades feito por um grupo de usurpadores. Esse impeachment não foi dado apenas contra o meu mandato de 54 milhões de votos. Foi dado contra um modelo de desenvolvimento, para reduzir o gasto social com o povo brasileiro”, concluiu.

    O filosofa e escritora Márcia Tiburi, também presente no ato, considera o momento grave e o julgamento, perverso. Ela fez um chamamento para que todos e todas estejam atentos quanto a violência e a insanidade do poder judiciário.

    Ainda nesta terça-feira, aconteceu em Porto Alegre uma grande marcha, que culminou na Esquina Democrática com a presença do ex-presidente Lula. Lá estão mais de 50 mil trabalhadores para a vigília em defesa da democracia e do direito de Lula ser candidato.

    Movimentos do campo

    Desde segunda-feira, os trabalhadores rurais sem terra estão agitando Porto Alegre. A largada da jornada, com a marcha de 5 mil camponeses do MST e Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), da Ponte do Guaíba (BR 116) até o local do acampamento.

    Hoje, de acordo com o MST, mobilizações de rua, bloqueios de rodovias e acampamentos, aconteceram em todo o país, numa vigília democrática nacional.

    Os estados da Bahia e de Pernambuco amanheceram totalmente paralisados por ações de militantes da Frente Brasil Popular e MST, bloqueando as principais rodovias e clamando à discussão sobre a falta de provas do processo e a inocência de Lula. O Fórum da cidade de Juazeiro-BA foi ocupado ainda na madrugada. Além disso, no extremo sul da Bahia, a BR 101 foi paralisada na altura dos municípios do Prado, Itabela e Itagimirim.

    Somente em Pernambuco foram mais de 10 trechos interditados nos municípios de Petrolina, Serra Talhada, São Caetano, Moreno, Jaboatão dos Guararapes, Goiana, Escada, Petrolândia, Bonito, Passira e Camuru.

  • Henfil não é pra qualquer um – o que ele veria no Brasil de hoje

    Henfil não é pra qualquer um – o que ele veria no Brasil de hoje

    Graúna, personagem genial de Henfil, uma espécie de voz do inconsciente coletivo do Brasil

    Por Luara RamosCamila Moreno, especial para os Jornalistas Livres

     

    “Mas sei que uma dor assim pungente
    Não há de ser inutilmente
    A esperança
    Dança na corda bamba de sombrinha
    E em cada passo dessa linha
    Pode se machucar”

    (João Bosco e Aldir Blanc)

    Nesse ano completaremos 30 anos sem Henfil. Criador da Graúna, que marcou gerações de luta e militante pelas Diretas Já e por um país mais justo, democrático e igualitário, Henfil certamente se entristeceria se visse o que ocorre no Brasil de hoje, o país do golpe, onde aqueles que assaltaram o poder insistem em usar de maneira cínica até mesmo a linguagem e a arte de quem lutou contra toda a forma de opressão.

    Henfil assistiria à campanha idealizada pelo seu irmão, “Natal sem Fome”, ter que ser relançada porque o país voltou pro Mapa da Fome. Henfil assistiria à história se repetindo com a operação da PF “A Esperança Equilibrista”, título, que remete à canção de João Bosco e Aldir Blanc – imortalizada na voz de Elis Regina – e que também faz menção ao “irmão do Henfil“, àquela época exilado. Esta música, que se tornou um hino da anistia, nos mostra o que parentes e sobreviventes dos horrores da ditadura já sabiam: a anistia “ampla, geral e irrestrita”, que também perdoou torturadores, não aplacou o terror, apenas o escondeu. A operação que levou professores coercitivamente parece rir dos que resistem, como se dissesse: o tempo de vocês dançarem na corda bamba se foi. O tempo da esperança acabou.

    Desde sua promulgação em 1979, a Lei da Anistia não corrigiu o ranço da nossa sociedade policialesca, resultando em números assustadores de violência e abuso policial, que se antes aconteciam nos becos das favelas, com autos de resistência forjados gerando genocídio da juventude negra, agora são televisionados para o deleite de quem patrocina e apoia o assassinato de reputações porque ainda não podem apoiar a morte literal de seus adversários. O estado de exceção nunca foi exceção: herança maldita de um passado colonial e escravocrata, a polícia brasileira sempre foi política. E a política, como sabemos, há 500 anos é dominada por “herdeiros”.

    A campanha “Natal sem Fome” foi relançada recentemente com apoio massivo de artistas como no passado recente. A classe artística agora empresta novamente sua imagem a uma campanha cujo objetivo é muito nobre. Afinal, como já disse Betinho: “quem tem fome tem pressa”. É possível afirmar, aliás, que os artistas foram os primeiros a sentir o golpe. Afinal uma das medidas de Temer assim que tomou posse foi dissolver o Ministério da Cultura, que até hoje ninguém sabe se realmente existe ou não, tamanho é o descaso com as políticas culturais. Mas voltando à campanha: sua última edição aconteceu há 10 anos, quando as políticas de erradicação da miséria ainda engatinhavam. De lá pra cá o Brasil saiu do Mapa da Fome, para o qual ameaça voltar devido às políticas de austeridade de Michel Temer. Os cortes expressivos em programas já considerados de sucesso, como o Bolsa Família, além da estagnação econômica, criaram o ambiente perfeito para o desespero. A cada dia é possível observar o crescimento de desempregados e, consequentemente, de trabalhadores informais e da população em situação de rua. As “reformas” aprovadas e as que devem vir em seguida, como a da previdência, também ajudam a empurrar os mais pobres para um cenário em que a humilhação é sempre o prato do dia. Com a nova legislação trabalhista nem mesmo o emprego será capaz de salvar da miséria e as novas leis para a aposentadoria querem que o povo trabalhe até a morte. Tudo isso sem falar no congelamento dos investimentos em saúde e educação por 20 anos, que vão piorar os índices de desenvolvimento. É retrocesso goela abaixo. Como diria Millôr, contemporâneo de Henfil n’O Pasquim: “O Brasil tem um enorme passado pela frente”.

    Henfil se entristeceria com a situação da educação, o principal alvo desde os primeiros minutos do golpe. A Reforma do Ensino Médio feita por meio de medida provisória lembra bastante certos acordos “MEC-Usaid” que colocavam o sistema educacional brasileiro totalmente a serviço dos interesses estadunidenses. A educação que prevê senso crítico é chamada agora de doutrinadora. Henfil talvez desse risada, talvez ficasse chocado, ao saber que Paulo Freire se tornou um inimigo do país e que a principal questão a ser corrigida na nossa educação é a ideologia de gênero e a doutrinação política. Agora a nova “reforma” prioriza o ensino técnico também para atender as demandas do capital internacional, visando baratear a mão de obra e esvaziar a formação, uma vez que prioriza disciplinas tecnicistas em detrimento da história, da filosofia e da sociologia. A oferta do espanhol substituída pelo inglês, decisão que combina com o esvaziamento do Mercosul. Empregos? Só se for os que não pagam nem a corda com a qual nos enforcaremos. E aqui é preciso ressaltar a perversidade da relação entre o desmantelamento da indústria nacional, a recessão econômica que, vendida como herança maldita do governo Dilma, só fez piorar com a crise política e mais uma vez a “deforma trabalhista” que foi aprovada sob a justificativa de que acabaria com o desemprego, mas seus defensores não lembraram que o Brasil ainda registrava sensação de pleno emprego no início de 2014 sem precisar retirar nenhum direito do trabalhador!

    Além do ensino médio, as universidades – outrora motivo de orgulho para a juventude que via na graduação uma oportunidade e do país para a produção de conhecimento – agora é atacada como gasto, sob o discurso de que não gera emprego ou riqueza e que estudantes custam caro. A UERJ resiste, mas seus servidores (assim como milhares da gestão criminosa de Sérgio Cabral) já não recebem há algum tempo. Na UFSC a perseguição resultou no terrível e ainda mal explicado suicídio do reitor Luiz Carlos Cancellier. A narrativa na grande mídia é a mesma já usada anteriormente com políticos: primeiro acusa, depois se apuram os fatos. E o fato é que na manhã do dia 06 de dezembro, reitor, vice-reitora e mais 7 professores da UFMG foram levados coercitivamente para depor sob a acusação de desvio de verba do Memorial da Anistia.

    A denúncia contra os professores da federal mineira não apresenta provas e os depoentes nem sequer receberam qualquer aviso. Foram levados à força, mesmo que nunca tenham se recusado a prestar esclarecimentos. A obra em questão, que se arrasta desde 2008 principalmente devido a problemas técnicos – uma vez que se trata de um prédio histórico – não recebe repasse do Ministério da Justiça desde o ano passado. O delegado responsável afirma que foram desviados pelo menos R$ 4 milhões sob um esquema de bolsas de pesquisa não pagas e uma “editora fantasma”. A investigação que começou em março deste ano ainda não deu conta de produzir provas, mas garantiu o espetáculo do dia. A vice-reitora Sandra Regina Goulart Almeida foi eleita para ocupar o principal cargo da universidade e a composição da lista tríplice seria na semana seguinte. Coincidência?

    Quem quiser crer no acaso, que fique à vontade, Henfil não acreditaria. Mas próximo ao aniversário do Ato Institucional nº5, que feriu de morte artistas, instaurou a censura, perseguiu e matou militantes da resistência, nos deparamos com o recrudescimento da polícia, aparelhada escancaradamente para servir aos interesses de quem deveria ser alvo de suas operações. O Brasil, um dos países-alvo da Operação Condor, que espalhou terror e retrocesso durante décadas de ditadura na América Latina – com contribuição bélica e econômica dos EUA historicamente registradas – nunca revisitou seu passado e todas as vezes que tentou fazê-lo, sofreu com a represália dos setores mais conservadores da sociedade que não apenas financiaram os anos de chumbo, como se beneficiaram deles. Ou será que a Rede Globo vai pedir desculpas novamente depois de 50 anos?

    E quais seriam os interesses por trás da intimidação de professores? O golpe é contra quem pensa, quem produz intelectualmente, quem questiona, quem critica, quem ri, quem dança, quem interpreta, quem canta, quem sonha… Porque o golpe é antes de tudo um projeto de entrega. O desmonte da Petrobras foi só o início. Vale voltar um pouco na história e lembrar que os indícios da existência de uma grande reserva de petróleo são da década de 1970, mas naquela época, auge da ditadura e do “milagre econômico”, o Brasil não tinha nem sequer tecnologia para explorar as riquezas do seu próprio quintal. Preferia, no entanto, ser eterno capacho dos Estados Unidos, estes sim mui “solidários” e diretamente interessados no ouro negro que movimento economias mundiais. Corta para 2012, quando sob pressão do Movimento Estudantil, é aprovado o investimento dos royalties do pré-sal para a educação. Àquela época, durante o 65º Congresso de Entidades Gerais da UNE, que ocorria num Rio de Janeiro que recebia ao mesmo tempo a Rio+20 e a Cúpula dos Povos, o debate amadurecia sobre como, por quê e para quem destinar o dinheiro vindo da exploração, ao mesmo tempo em que se falava em energia renovável e até se deveríamos de fato utilizar o petróleo como fonte de energia, uma vez que todos sabem seu potencial devastador numa conjuntura de aquecimento global.

    Hoje já não podemos decidir nada, o pré-sal foi entregue e os brasileiros não verão benefício algum. Outro fato daquele junho de quatro anos atrás: golpe “institucional” no Paraguai. A “casualidade” se dá por causa de um nome: Liliana Ayalde. A embaixadora que serviu até poucos meses antes da queda do presidente eleito Fernando Lugo se transferiu para o Brasil onde atuou até janeiro de 2017. Até os menos afeitos a teorias da conspiração devem estranhar tantos movimentos semelhantes. E caso ainda duvidem bastante é só dar uma rápida olhada nos documentos vazados pelo Wikileaks: de âncora racista da vênus platinada até presidente golpista e o José Serra (que ocupou o Itamaraty quando virou ministro de Relações Exteriores do golpe), que nunca escondeu sua vontade de entregar o petróleo nacional nas mãos dos EUA, diversos personagens já passaram pelas conversas com embaixadores, empresários e representantes dos interesses norte-americanos. Se o Brasil fosse um país sério essa gente já estava detida por crime de lesa-pátria e Henfil poderia escrever uma nova versão de seu “diário de um cucaracha” que alguns brasileiros parecem mesmo ter sangue de barata correndo em suas veias.

    Henfil assistiria a uma nova experiência neoliberal sendo implantada no país, onde a ordem é privatizar tudo, inclusive a educação, o conhecimento e a arte, que é o último refúgio de humanidade que uma sociedade pode ter. Ficaremos condenados à exportação de commodities, à flutuação dos preços internacionais (comandados pela mão bem visível das maiores economias e potências bélicas mundiais). Exportar inteligência? Tecnologia? Isso não é papel de um país de “terceiro mundo”. A terceira via construída pelos BRICs padece sob a ganância de quem paga a miséria dos outros povos em dólar. Por isso os ataques não são apenas no plano econômico. Não basta empobrecer a população e convencê-la de que a meritocracia é possível numa sociedade desigual: é preciso torná-la completamente imbecil. Só assim se mina a resistência, só assim os canalhas serão eternos vencedores. E sabemos todos que os “vencedores” é que contam a história. Depois de estar na China (antes da Coca Cola!), Henfil veria suas principais críticas ao modelo chinês implantadas de maneira arbitrária agora bem perto, na sua própria terra.

    Graúna, o bode Francisco de Orelana e o cangaceiro Zeferino: cadê a Esperança?

    Talvez Henfil chorasse ao ver que o maior líder popular vivo no Brasil pode ser condenado sem nenhuma prova, somente para não ser Presidente da República. Em um país que nunca acertou suas contas com o passado, uma denúncia significativamente menor que as malas do Geddel gera tanto constrangimento e o Estado de Direito segue sendo violado, não é necessário só resistir: é urgente contra-atacar. Henfil certamente lutaria, nas ruas, com ideias e com arte, pois sabia que na luta de classe todas as armas são boas. É bem verdade o que Henfil escreveu em uma de suas cartas-crônica para a dona Maria, sua mãe: “O atual sistema, para governar, nos fez pessimistas. E pessimista não dorme, não faz amor, não faz partidos, não incomoda, não reclama, não briga. Que diabo de país é este? Pessimistas de todo o Brasil, uni-vos! Somos a maioria. Às ruas!”

    Um artista como Henfil, que sabia que o verdadeiro humor deve ser um soco no estômago de quem oprime, não teria motivos para rir, mas inúmeros motivos para continuar lutando.

     

    ÀS RUAS!

     

    *Luara Ramos é mineira, mas atualmente mora no Espírito Santo. Otimista incansável, acredita no amor, no time do GALO e no poder popular.

    *Camila Moreno é carioca, mineira, brasiliense e vascaína. Acredita no povo organizado e no poder da arte.

  • Fernando Pacheco Jordão: Não esqueceremos!

    Fernando Pacheco Jordão: Não esqueceremos!

    Amigo-irmão de Vladimir Herzog, exemplo de coragem e destemor no enfrentamento do arbítrio: que falta Fernando nos faz neste momento em que a boa parte da imprensa se transformou em serviçal dos poderosos!

    Fernando era diretor do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo quando do suplício e assassinato do colega Vladimir Herzog, em 1975, nos porões do Doi-Codi. Em vez do silêncio, ele preferiu engolir o medo e saiu a enfrentar de peito aberto a Ditadura.

    Foi um dos organizadores, com o então presidente do sindicato, Audálio Dantas, do ato ecumênico na Catedral da Sé, um dos primeiros protestos de massa contra o regime, e um marco histórico da luta pelas liberdades democráticas.

    Seu nome ilumina o “Prêmio Jovem Jornalista Fernando Pacheco Jordão”, realizado pelo Instituto Vladimir Herzog desde 2009, destinado a prestigiar as boas práticas no jornalismo em Direitos Humanos.

    Jornalistas Livres deixam aqui sua solidariedade amorosa à mulher, a socióloga Fátima Pacheco Jordão, e aos filhos Bia, Júlia e Rogério.

    Fernando Pacheco Jordão seguirá como um farol de liberdade para os verdadeiros jornalistas.

  • A GRANDE SÃO PAULO TEM UM RECADO: NÃO VÃO NOS CALAR

    A GRANDE SÃO PAULO TEM UM RECADO: NÃO VÃO NOS CALAR

    No último dia 30, a cidade de Osasco contou com o protesto Diretas Já, que reuniu cerca de 5 mil pessoas, segundo os organizadores. O ato centralizado em frente ao Osasco Plaza Shopping, contou com várias bandas, entre elas, Teatro Mágico e Planta e Raíz. Embora esta seja uma das primeiras manifestações de grande porte em Osasco após esses dois anos de crise institucional, o papel da cidade e da Grande São Paulo em si é um fator essencial para barrar as políticas implantadas pelo Governo atual.

    O movimento sindical dos metalúrgicos de Osasco foi essencial para a luta contra a Ditadura Militar em 1968, logo após a implantação do AÍ-5 (Ato Institucional 5). A cidade que no início possuía apenas a articulação do movimento estudantil, através da inspiração da greve dos Sindicatos de Minas Gerias tomaram a mesma decisão, após diversas reuniões, a cidade de Osasco parou por meio da greve realizada pelos sindicatos, greve histórica, onde muitos foram presos e torturados.
    Mais uma vez, a cidade de Osasco, mostra-se vanguarda em situações de crise. Em meio a tantos golpes sofridos e as reformas realizadas nestes últimos dois anos, Osasco levantou-se para mostrar não só a sua indignação, mas a força da população. 5 mil manifestantes, todos exigindo a mesma coisa: Eleições Gerais e o fim do genocídio negro.
    Desde 2015, a Polícia Militar e a GCM vem executando chacinas dentro da cidade, saindo impunes de todos os crimes. No dia 8 de agosto, duas pessoas ficaram mortas e um ferido, no dia 13, saldo de 14 mortos e 6 feridos. Já em abril deste ano, quatro pessoas foram mortas. Porém nada foi feito para a proteção das famílias, pelo contrário, muitas ficaram refugiadas com medo de represálias da PM. A Prefeitura e o Estado que teriam a obrigação de fazer o julgamento do caso calou-se, junto com a grande mídia.

    Osasco não se cala. Osasco luta. Luta contra a violência, luta contra os direitos que vem sendo tirados desde a última gestão do ex-prefeito Lapas e dando continuidade à retirada com o prefeito Rogério Lins.

     

  • Lula: o réu e o candidato

    Lula: o réu e o candidato

    O maior líder popular e de esquerda da história do Brasil continua sendo uma das peças principais no tabuleiro da política nacional. Diuturnamente, é o pensamento fixo dos setores mais retrógrados, que o querem fora da disputa em 2018; e, da mesma forma, na mente de parte dos setores progressistas, que enxergam na sua candidatura a certeza da vitória para o país voltar a promover direitos.

    O objetivo dos primeiros avançou alguns passos desde o golpe que derrubou a presidenta Dilma do Palácio do Planalto. Desde lá, sentem-se à vontade para empreender, com Moro no comando, uma perseguição jamais vista no país. A última cartada, por enquanto, dessa euforia foi condenar Lula sem provas no chamado “caso do triplex”. Algo que não se sustenta nem na medida seguinte tomada pelo juiz de Curitiba quando mandou bloquear os seus bens e, pasmem, na lista não se encontra o tal apartamento de Guarujá.

    À condenação, Lula tem reagido bravamente. Circula o Brasil, concede entrevistas para TV´s, rádios, jornais, portais e blogs em várias regiões do país. Nessa peregrinação, repete em alto e bom som o teor da condenação: de caráter político e que tem como pano de fundo criminalizar o enfrentamento à desigualdade social, que tanto marcou suas duas gestões.

    Sagaz, Lula já se lançou candidato. Sabe que precisa mostrar cada vez mais força política para resistir à perseguição de mesma natureza que sofre. Essa postura coloca de forma ativa a combatividade da militância do seu partido, de aliados e de milhares de simpatizantes/eleitores.

    A iniciativa de apresentar sua candidatura ao próximo pleito presidencial atende bem ao objetivo de confrontar a condenação. Fica aquém, entretanto, de apresentar linhas claras para sanar a crise econômica e político-institucional no país. Empolga militantes, recupera o entusiasmo de parte daqueles que deixaram, depois da eleição de 2014, de se sentir representados pelo campo político que governava o país desde 2003, mas, por outro lado, não aglutina nenhum um novo setor representativo na sociedade.

    Até aqui, a discussão em torno de um programa concreto para apresentar uma alternativa ao país não tem sido mencionada no discurso do ex-presidente. Na posse da nova presidenta nacional do PT, Gleisi Hoffman, abriu uma exceção e falou dessa necessidade. Ao que parece, em resposta à provocação de um discurso anterior que havia chamado atenção para esse aspecto. De caráter estratégico, um programa abre possibilidade de diálogo com setores diversos da sociedade. É um ponto de partida para que agentes econômicos e setores políticos da rachada base de Temer possam se interessar em, pelo menos, saber o que podem ganhar com uma eventual vitória de Lula. E, a partir daí, definirem ou não se perfilar com o tal projeto, caso existia.

    Na engenharia política, a última movimentação conhecida por meio da imprensa vai no mesmo rumo. Divulgou-se o suposto interesse, não desmentido, de Lula em ter Flávio Dino (PCdoB) como seu vice. Há quem dê pulos de alegrias com a notícia. Afinal, diante do clima passional que vai tomando conta de todos os espectros da política e das “bolhas” formadas nas redes sociais, isso se encaixa perfeitamente. Mas para o desafio da construção de uma frente ampla joga pouco papel. Há quem diga que nenhum.

    É possível que haja a superestimação de alguns dados por parte dos apoiadores imediatos do ex-presidente. Há quem avalie a enorme rejeição a Temer e as suas reformas como automático aumento de força de Lula. O crescimento do número de filiados ao PT após sua condenação também. Assim como o fato de ele figurar em primeiro nas pesquisas eleitorais que simulam a disputa de 2018. Sendo que nada disso indica que a esquerda sozinha tenha ultrapassado sua média de 20 a 30% de votos.

    Além disso, o foco prioritário na disputa do próximo ano negligencia o desmonte que semanalmente Temer e sua base no Congresso Nacional promovem. Abrir mão de influenciar nos rumos que estão por ser construídos com a possível queda do ilegítimo também. Sua candidatura reforça sua imagem e realinha o seu partido internamente, mas já poderia jogar um papel maior para o país ao aglutinar mais forças, dialogar com amplos setores e lideranças diversas um projeto para o Brasil, além de influenciar nas peças que estão em permanente movimento a cada dia que passa.

    Impedir Lula de disputar em 2018 é uma violação grave que precisa ser denunciada veementemente. Por outro lado, isso só não basta. Há uma série de arranjos a serem construídos e que são impossíveis de se consolidarem no curto espaço de tempo entre as convenções eleitorais e o dia da votação.