Jornalistas Livres

Categoria: Negras e Negros

  • POR PRETOS, PARDOS E INDÍGENAS NA FACULDADE DE MEDICINA DA USP, SIM!

    POR PRETOS, PARDOS E INDÍGENAS NA FACULDADE DE MEDICINA DA USP, SIM!

     

    Depois da histórica vitória dos estudantes e movimentos negros na conquista das cotas raciais no vestibular da Universidade de Campinas (Unicamp), o Centro Acadêmico da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (CAOC – Centro Acadêmico Oswaldo Cruz) fez uma provocação necessária nos corredores do “porão”, a área reservada ao convívio de estudantes do curso mais disputado do Brasil.

    Há uma semana, o local conta com um grafite de apoio à política de reserva de cotas para pretos, pardos e indígenas no ingresso à chamada “Casa de Arnaldo”, apelido do campus em São Paulo que faz referência ao médico Arnaldo Vieira de Carvalho, o fundador da faculdade de Medicina e, curiosamente, um dos principais entusiastas do movimento da eugenia no Brasil. Doutor Arnaldo foi defensor da teoria de “purificação das raças”, desenvolvida meramente para justificar o preconceito e o racismo, e também dá nome ao edifício de escadarias e colunas de mármore Carrara.

    Neste prédio imponente, tombado pelo Patrimônio Histórico, o grafiteiro Mauro Neri estampou uma galeria de semblantes em diferentes tons de pele e feições raciais. O grafite acompanha palavras como “acesso”, “cotas sim ou não”, “quando”, “divergente”, “veracidade”, “inclusão”, “igualdade”, “marginalizados”, “dívida histórica”. É um marco.

    Se falar de cotas afirmativas para toda a Universidade de São Paulo ainda é tabu, o tema é ainda mais abafado dentro da Faculdade de Medicina. No último vestibular, cada uma das 175 vagas do curso foi disputada por 75 candidatos no campus de Ribeirão Preto e 63 no da capital. “O curso de Medicina é tão resistente à adoção de políticas afirmativas que dos 42 cursos da USP é dos únicos, ao lado apenas do Instituto de Física, que sequer aderiu à possibilidade de incluir vagas de entrada na universidade pelo SISU, única via pela qual é possível instituir cotas na USP atualmente”, explica o estudante Deivid Déda Araújo Nunes, um dos diretores do CAOC.

    Hoje, a Medicina da USP aplica apenas seu concurso vestibular, a FUVEST (Fundação Universitária para o Vestibular), que é regionalista no conteúdo cobrado, só aplicado no Estado de São Paulo e não oferece cotas. “Há apenas um sistema de bonificação que já se mostrou insuficiente”, diz Gabriel Chicote Guimarães, também diretor da nova gestão do CAOC, da chapa Mosaico, que volta a ter um caráter declaradamente progressista depois de quase 10 anos de gestões desmobilizadas.

    Vale lembrar: o SISU (Sistema de Seleção Unificada) vale-se das notas do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) para a entrada em universidades e é amplamente aceito em todo o país. A política do SISU possui duas modalidades de inscrição: por ampla concorrência (que vale todos os alunos indistintamente) e por reserva de vagas por cotas para alunos de escolas públicas, pessoas de baixa renda e estudantes autodeclarados pretos, pardos e indígenas. Além disso, as universidades participantes do SISU podem oferecer vagas para suas próprias ações afirmativas, como por exemplo: pessoas com deficiência e quilombolas.

    “Na minha turma de 175 pessoas há no máximo 10 negros. Essa falta de representatividade também se reflete no hospital. São pouquíssimos médicos, professores ou assistentes”, diz Pedro Santana, aluno do quarto ano que faz parte do primeiro grupo organizado de estudantes negros do curso. Ele conta que até em comparação com outras faculdades de Medicina, tanto do Estado de São Paulo como no país, a porcentagem de negros na USP é menor.

    “É um obstáculo não se imaginar como aluna ou aluno dessa faculdade quando você está prestando vestibular. A imagem que temos de estudantes da FMUSP é de pessoas brancas”, diz a aluna de medicina Maira Mello de Carvalho. “No cursinho popular (Medensina) a porcentagem de alunos negros é absurdamente maior do que na graduação. Outro dia uma menina negra do Medensina veio falar comigo, pedir dicas e fez alusão ao fato de ambas sermos negras, aí eu relembrei que eu pensava o mesmo. Representatividade importa, sim. Se a gente não vê pessoas com quem nos parecemos em um lugar, tendemos a achar que não pertencemos a ele”, completa Maira.

    Diante disso, os dirigentes do CAOC pleitearam e conseguiram uma primeira vitória: acabam de aprovar na Comissão de Graduação, que é a primeira instância para implementação da adesão da FMUPS às cotas, o pedido de inclusão de quase 30% das vagas de ingresso na faculdade pelo SISU. Isso representa 50 vagas, 10 delas para ampla concorrência e 40 reservadas para cotas. Destas, 15 são para alunos pretos, pardos e indígenas e 25 para alunos vindos de escolas públicas.

    Passo importante. Mas só o primeiro. A proposta ainda vai passar pela Congregação da faculdade para ter êxito. A comissão é formada majoritariamente por professores. “É necessária uma pressão da sociedade para que se promova a inclusão social na USP. Essa problemática precisa urgentemente ser revista e reparada”, pontua Deivid.

    “Apenas 5% dos estudantes se autodeclaram pretos, pardos ou indígenas na faculdade”, afirma Gabriel. “No Hospital das Clínicas, onde passamos boa parte da graduação, há uma concentração majoritária de pacientes pretos e pardos. Eles oferecem os seus corpos para que a gente aprenda Medicina mas não estão entre os aprendizes”. Gabriel lembra que, como um microcosmo do Brasil, na faculdade negros são os prestadores de serviços, pessoal da limpeza, atendentes do restaurante. “Não estão entre os formadores de conhecimento”.

    Foi ele quem convidou Mauro para fazer o grafite provocativo na instituição de excelência em ensino médico. “É uma contribuição a um público de maioria branca, com privilégios, que talvez não esteja habituado ou tratar dessas questões”, pontua o artista. “Essas imagens de negros e palavras que remetem à causa das cotas traz a esse cotidiano um repertório que é sabido mas é esquecido”. Ainda que o grafite não seja permanente e sua exposição seja efêmera, é impossível ser ignorado naquele corredor de acesso ao refeitório e sala de estudos do “porão” elitizado. “Foi muito bacana trazer a verdade para esse lugar”, diz Mauro. Que a Casa de Arnaldo receba, em breve, a devida visita dos ilustres brasileiros descendentes de escravos, mestiços e indígenas para dignificar ainda mais o exercício da Medicina.

     

    Por Flávia Martinelli/Jornalistas Livres

    Vídeo: Gustavo Aranda/Jornalistas Livres

  • UNICAMP aprova princípio de cotas étnicos-raciais:

    UNICAMP aprova princípio de cotas étnicos-raciais:

    Na tarde de terça feira (30/05), o Conselho Universitário da UNICAMP (CONSU), aprovou o documento no qual consta o princípio de adoção de cotas étnico raciais para os vestibulares de 2019. Do lado de fora do prédio, setores do movimento estudantil da universidade, bem como secundaristas e organizações de Campinas, assistiram à sessão do lado de fora da reitoria com o intuito de fazer pressão nos conselheiros de oposição.

    Foto: Fabricio Menza

    A discussão da pauta começou por volta das 11h da manhã e apesar das tentativas de adiamento da discussão e posterior inclusão de uma proposta alternativa — que não compunha o

    s princípios de cotas — a reunião continuou até às 06h da tarde. Somente então o documento (elaborado a partir de três audiências públicas e um grupo de trabalho (GT) paritário, com representação de alunos, funcionários e professores igualmente) proposto pelo Núcleo de Consciência Negra e Frente Pró-Cotas foi aprovado por unanimidade, .

    A proposta contém, além da implementação de cotas raciais, a inclusão de alunos de baixa renda oriundos de escola pública e coloca como meta a elaboração de um vestibular indígena na universidade para 2019. Todos estes pontos serão encaminhados para um grupo de trabalho, que criará o documento final de adoção progressiva das metas. O reitor Marcelo Knobel discursou também que a universidade pretende criar uma secretaria de inclusão social e equidade, além de refletir sobre a possibilidade de adoção do SISU como meio de ingresso na UNICAMP.

     

    Greve

    Importante ressaltar que a votação da terça-feira foi resultado da greve estudantil de 2016. A greve se estendeu de maio a agosto do ano passado — compreendendo os dois meses de ocupação do prédio da reitoria. Motivada pela determinação da reitoria em estabelecer um corte de gastos de R$ 40 milhões (que congelaria o orçamento da universidade), a assembleia que deliberou a movimentação estudantil contou com cerca de mil alunos. Outras pautas incluídas foram a construção de uma nova moradia e a adoção de cotas étnico-raciais, que foram disputadas até o final com a universidade, que se negou a dialogar sobre a questão orçamentária.

     

     

    Cobertura: Fabrício Menza, Rodrigo Cruz, Bruno de Paula

  • Ato em solidariedade a Rafael Braga

    Ato em solidariedade a Rafael Braga

    “Povo negro lindo é povo negro forte! Que não teme a Luta; que não teme a Morte!” Por Rafael Braga!

    Nesta segunda, 24 de abril, foi realizado na Avenida Paulista, um Ato-Vigília em solidariedade a Rafael Braga, condenado no último dia 20 de abril a 11 anos de prisão  por suposto trafico de drogas e associação para o tráfico. O Ato político é um entre tantos outros que acontecem no Brasil, em universidades e espaços públicos.

    A concentração começou a partir das 18h00 no MASP. Os organizadores entre eles Mães de Maio, Frente Alternativa Negra, Agenda Preta, Contra o Genocídio negro e UNEafro Brasil,  contaram com um carro de som que era aberto a todo negro que quisesse falar em nome de algum coletivo ou por si mesmo. Mas o ato não se deu apenas no âmbito do discurso, contando com performances de um coletivo de jovens negros que denunciavam o encarceramento e o genocídio da juventude negra.
    Além de representantes e militantes de diversos coletivos do movimento  negro, inúmeras pessoas não vinculadas a nenhuma organização estiveram presentes com velas e cartazes. Nota-se que o ato foi inteiramente protagonizado por homens e mulheres negras de diversas gerações. A denúncia à violência estatal foi uníssona, mas houve espaço para a diversidade de ideias durante as falas. As principais falas pontuaram como o caso de Rafael representa o estado da justiça no Brasil: seletiva, racista e classista, justificado por meio da guerra às drogas. Muitos deram testemunhos de ações violentas que passaram na mão da polícia militar.
    A marcha seguiu de forma organizada e combativa até a frente do Escritório da Presidência da República em São Paulo, que fica em frente ao metrô Consolação, na Avenida Paulista. O objetivo seria exigir providências  do Governo Federal em relação aos abusos cometidos pela PM. O fim da Polícia Militar era exigida em gritos de ordens entoados ao longo do ato.
    Essa mesma Polícia Militar que  acompanhou a vigília, inicialmente observando e filmando as movimentações do ato, acompanhando de longe o caminho e, finalmente, esperando os manifestantes no final do ato. Não causou espanto que estivessem prontos para iniciar mais um daqueles massacres tão comuns a um estado que reprime qualquer forma de democracia que supere os limites burgueses.

    O ato teve fim na frente do escritório com a simbólica ação de deixar os cartazes e velas em frente a porta de entrada, esperando que assim a voz de muitos, dessa vez, não fosse silenciada pelas autoridades.

  • Unicamp pune estudante negro por ativismo a favor de cotas raciais

    Unicamp pune estudante negro por ativismo a favor de cotas raciais

    Por Douglas Belchior, publicado em Negro Belchior

    Em nota, o Diretório Central dos Estudantes da Unicamp detalha a perseguição racista que o estudante Guilherme Montenegro tem sofrido por parte da reitoria desta universidade. Montenegro tem sido alvo de insultos e até ameaças sem que, no entanto, a reitoria se manifeste sobre isso. Ou seja, a universidade pune um estudante negro por seu ativismo por cotas raciais e democratização da instituição e por outro, é conivente com práticas racistas em seu ambiente.

    Segue abaixo o relato de Guilherme.

    Por Guilherme Montenegro

    Ao entrar na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) qualquer aluno se depara com a caracterização de uma universidade de ponta, grande polo científico e tecnológico brasileiro, mas ainda assim é impossível não notar a expressão da desigualdade. Ser um estudante negro em uma universidade majoritariamente branca me fez enxergar duas coisas: 1. o quanto é difícil estar em um ambiente onde nada do que se vê foi feito para você; 2. não conseguiria, enxergando essa realidade, me calar diante de tanta injustiça.

    Desde o meu ingresso na Unicamp participei do movimento estudantil e pouco tempo depois do movimento negro. Achava que esse lugar de vasta produção científica seria automaticamente mais tolerante, mas o elitismo e o racismo enraizado nas instituições brasileiras e no nosso cotidiano permite absurdos como cartazes e pichações de cunho racista ou mesmo a omissão da reitoria da universidade em tratar desse tema e de outros tão importantes, como a implementação de cotas étnico-raciais, de ampliação das políticas de permanência etc. Foi a partir dessa insatisfação com a situação da universidade, que nós estudantes da Unicamp, construímos em 2016 a maior greve estudantil da história dessa instituição. No momento em que se intensificam os ataques aos de baixo pelos de cima, contar com uma mobilização dessas trouxe um sentimento progressivo de que era possível a partir desse processo alcançar um modelo de universidade mais democrático, com cotas e respeito as diferenças.

    Conquistamos a realização de três audiências públicas que discutiram as cotas nas universidades e uma votação no conselho universitário que pode passar a escrever um novo capítulo da história da Unicamp, mudando essa situação de exclusão. Essas conquistas ainda assim não refletem a posição da Reitoria da Unicamp diante desse enorme movimento.

    Criminalização

    Em julho de 2016 fui notificado da abertura de um processo disciplinar contra mim por ter participado de uma das ações que os estudantes grevistas organizaram coletivamente. Nesse processo fui julgado arbitrariamente por uma comissão abertamente contrária a greve, que foi escolhida a dedo pela reitoria para aplicar uma punição severa contra mim de dois semestres de suspensão ou dez horas de trabalho semanal na universidade, sendo que por depender da bolsa de auxílio social já cumpro outras quinze horas semanais, ou seja, o estudante bolsista da Unicamp tem uma pena de sessenta horas a menos de estudo no mês devido a sua condição econômica.

    Assim que divulgado um vídeo da ação que participei durante a greve, recebi diversas ameaças de morte de grupos de extermínio, insultos racistas e diversas manifestações pedindo minha expulsão e até meu cárcere.

    Enquanto isso, a Unicamp ainda não respondeu a denúncia feita pelos estudantes através de um dossiê feito pelo DCE (Diretório Central dos Estudantes) que comprovam práticas racistas de docentes como chamar alunos negros de primatas, chamar uma manifestação que simulou a Via Crucis de terreiro de pomba-gira ou mesmo o ato de me expor nas redes sociais suscitando uma perseguição cibernética racista.

    Toda essa situação evidencia aquilo que notei quando pisei na Unicamp. De fato a universidade, apesar de teoricamente pública, não foi feita para mim ou para qualquer jovem negro que sonha com outro futuro. O futuro que é concedido para nós, segundo o lugar social que ocupamos nas estatísticas é outro. Assim que divulgado um vídeo da ação que participei durante a greve, recebi diversas ameaças de morte de grupos de extermínio, insultos racistas e diversas manifestações pedindo minha expulsão e até meu cárcere. É esse o lugar que gostariam que todos os jovens negros ocupassem e em certa medida já ocupam, como é evidenciado no caso de Rafael Braga, jovem negro em situação de rua preso em 2013 por portar Pinho-Sol em uma manifestação no Rio de Janeiro. Ele que sequer estava participando das ações, foi condenado recentemente a 11 anos de prisão por tráfico de drogas, alegado pela polícia militar de forma bastante duvidosa.

    Se a luta por direitos políticos acontece mesmo no regime “democrático”, qual o lugar dos negros nessa democracia?

    O Estado tenta nos esmagar. Se a luta por direitos políticos acontece mesmo no regime “democrático”, qual o lugar dos negros nessa democracia? Isso não significa que precisamos aceitar esses desfechos. Lutaremos até o fim pelo nosso direito a organização política, a livre manifestação de ideias e por universidades cuja composição racial seja equivalente a da sociedade brasileira. Em pouco mais de um mês, no dia 30 de maio, teremos a votação de cotas no Conselho Universitário da Unicamp. Espero estar ocupando a cadeira da representação discente para qual fui eleito e não ser proibido de participar da possibilidade de outro futuro para jovens negros, que como eu, ainda estão expostos a essas barreiras do vestibular e do racismo institucional.

  • Nós viemos para bagunçar os lugares da mesa.

    Nós viemos para bagunçar os lugares da mesa.

    Por Taina Aparecida Silva Santos, publicado em Negro Belchior.

    Falar sobre o atual panorama da luta por cotas nas universidades estaduais paulistas, em particular na Unicamp, me remete a pensar numa epígrafe contida no texto Racismo e sexismo na cultura brasileira, de Lélia Gonzáles. Ela diz o seguinte:

    “Foi então que uns brancos muito legais convidaram a gente prá uma festa deles, dizendo que era pra gente também. Negócio de livro sobre a gente, a gente foi muito bem recebido e tratado com toda a consideração. Chamaram até para sentar na mesa onde eles estavam sentados, fazendo discurso bonito, dizendo que a gente era oprimido, discriminado, explorado. Eram todos gente fina, educada e viajada por esse mundo de Deus. Sabiam das coisas. E a gente foi sentar lá na mesa. Só que tava cheia de gente que não deu prá sentar junto com eles. Mas a gente se arrumou muito bem, procurando umas cadeiras e sentando bem atrás deles. Eles tavam tão ocupados, ensinando um monte de coisa pro crioléu da platéia, que nem reparam que se apertasse um pouco até que dava para abrir um espaçozinho e todo mundo sentar junto na mesa. […] A gente tinha que ser educado. E era discurso e mais discurso, tudo com muito aplauso. Foi aí que a neguinha que estava sentada com a gente deu uma de atrevida. Tinham chamado ela pra responder uma pergunta. Ela se levantou, foi lá na mesa pra falar no microfone e começou a reclamar por causa de certas coisas que tavam acontecendo na festa. Tava armada a quizumba. A negrada parecia que tava esperando por isso prá bagunçar tudo. E era um tal de falar alto, gritar, vaiar, que nem dava prá ouvir discurso nenhum. Tá na cara que os brancos ficaram brancos de raiva e com razão. […].”

    Pensando na experiência que tive em participar da construção da luta por cotas, enquanto membro do  Núcleo de Consciência Negra da Unicamp me dedicarei ao longo deste texto a narrar a forma que fomos e estamos sendo recebidos nessa “festa”. Coloco isto não apenas como denúncia do racismo corriqueiro que enfrentamos cotidianamente em espaços brancos e elitistas como as universidades do estado de São Paulo, mas, também, enquanto uma proposta de fazer uma discussão sobre o lugar da luta antirracista nas agendas dos movimentos sociais. Nesse caso, daqueles que compõem a comunidade acadêmica e pouco se importam em dialogar com o movimento negro.

    A resistência da Unicamp em, pelo menos, discutir a implementação do sistema de cotas no ingresso dos cursos de graduação há muito vem sendo denunciada por negras e negros que passaram por essa universidade. Numa breve conversa com antigos membros do NEN – Núcleo de Estudos Negros, que existiu há, aproximadamente, dez anos , é possível tomar conhecimento da presença desses debates e questionamentos de longa data. Depois de todo esse tempo, ocorreram novas configurações da organização negra e da luta antirracista na Unicamp, o que culminou na existência do atual Núcleo de Consciência Negra e da Frente Pró-Cotas, que, em 2015, potencializaram os acúmulos que resultaram na implementação da reserva de vagas para negros e indígenas em alguns programas de pós-graduação. A conquista da reserva de vagas em alguns programas de pós do IFCH – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas abriu os caminhos. No ano de 2016, o programa da Faculdade de Educação também implementou e, na última semana, a pós-graduação do Instituto de Economia também se somou à adoção dessa política.

    Nesse percurso, a necessidade da implementação de cotas no sistema de ingresso dos cursos de graduação evidenciou-se ainda mais, pois, nenhuma política de ação afirmativa que a Unicamp utilizou, até então, foi eficaz no que se refere ao acesso de negras e negros. Ao ser colocada em cheque a credibilidade do PAAIS (Programa de Ação Afirmativa para a Inclusão Social,) a discussão causou mais impactos que trouxeram à tona muitas sutilezas do racismo presente na cultura brasileira e que orientou as maneiras que fomos recebidos nessa “festa”.

    O primeiro espanto, de boa parte das pessoas atingidas pela discussão, foi a possibilidade de não estarmos loucos e a cotas serem uma saída para democratização do acesso à universidade pública. Entendo que boa parte desse desconhecimento pôde ser oriundo de ignorância, mas a experiência das federais foi praticamente ignorada por essas bandas. Isso foi e ainda é muito nítido: é incrível o número de pessoas, entre elas, professores e professoras, que não tinham noção, e muitos, nem interesse em relação ao que ocorreu nas outras universidades brasileiras. Entre trancos e barrancos seguimos num terreno um pouco menos desconfortável, mas ainda sim, nada favorável. Esse marco pode ser ilustrado pela possibilidade de, já em alguns espaços durante os debates, a ideia de qualquer pessoa poderia ser racista no Brasil não fosse tratada como loucura.

     

    Foto de Rafael Kennedy

     

    O avanço e ganho político nesse embate, no qual se destacou o processo de luta pelas cotas, ficaram marcados por um momento nunca visto na Unicamp até 2016: uma greve de aproximadamente cem dias, na qual as reivindicações das cotas raciais, sociais e ampliação da permanência estudantil foram o carro chefe. Claro que isso não poderia ocorrer sem ter tido uma acirrada disputa. Foram longos e desgastantes afrontes para que isso fosse possível. Nos ápices das discussões, momentos em que tivemos que falar sobre branquitude, por exemplo, fomos acusados de estarmos “atrapalhando a discussão”.

    Quando passamos da fase de falarmos sozinhos ou para nós mesmos, o racismo foi reconhecido enquanto problema, porém, de maneira superficial, sem a profundidade e atenção que merece. Começamos a ser convidados para as festinhas, em que, no primeiro momento, “os brancos legais” falavam sobre todo o assunto de gente entendida, faziam “as discussões políticas” e depois nos cediam lugar na mesa para falar de “problemas específicos”, como se não tivessem responsabilidade nenhuma sobre, absolutamente, nada. Entretanto, não foram poucas as vezes que esperavam, somente, uma fala sobre nós: o lugar de negro – vítima, do oprimido – sem agência e sem resposta. A partir de então, algumas resistências passaram a fazer mais sentido para mim e foi possível perceber que mais coisas informavam os anseios de quem tinha expectativa que os negros “estivessem na universidade para sambar”.  Sutilezas que escancaram as leituras racializadas que são feitas dos nossos corpos e das nossas ações num espaço como este.

    As afirmações corriqueiras passaram a ter algo a mais, inclusive uma clássica: a que as pessoas negras são invisíveis quando ocupam lugares de produção de conhecimento, de poder, ou seja, aqueles em que se naturalizou a presença de brancos. Eu não discordo, porém acho que a situação é um pouco mais complexa e o debate deve ser mais qualificado para não nos aprisionarmos no perigo de uma história única, como alertou Chimamanda Ngozi Adichie. Além disso, ficarmos atentos para o que, quem ou do que provém esse silenciamento é um bom começo.

    No exercício de se isentar da discussão sobre relações raciais, aqueles que têm boa retórica usam como defesa, e até mesmo como álibi, a “questão de classe”. De maneira simplista subordinam a raça a ponto de quase apagá-la às custas de manter a integridade das questões “maiores”… de gente fina e educada. O lugar do subemprego ocupado por trabalhadoras e trabalhadores negros na universidade é volta e meia usado como um objeto para demonstrar empatia à população negra e conhecimento sobre o problema do racismo. Discurso que se acaba nele mesmo quando não se dá importância para que uma política como as cotas poderia ter na vida de famílias como as dessas pessoas que, no limite, são como as família de poucos pretos e pretas que ainda são os únicos nas suas salas. Frente a isso, quando chegamos nessa “festa” e tomamos o microfone para falar sobre isso, “está armada quizumba”, a possibilidade de passarmos despercebidos se esvai e se iniciam as tentativas de desqualificação e silenciamentos. No entanto, reconhece que nos calar não tem sido uma tarefa fácil, pois nós viemos para mudar os lugares na mesa.

    O trabalho científico e acadêmico de muitas pessoas negras sobre o assunto ainda continua sob um silêncio ensurdecedor, pois mesmo nossa argumentação sendo bem fundamentada, ela não vale, simplesmente porque inclui o pensamento de pessoas que a comunidade acadêmica deixa à margem. A atuação política do movimento negro brasileiro, que pauta as cotas raciais já em termpos anteriores à redemocratização, não conta e torna-se enfeite, pois, para muitos, a política de reserva de vagas “foi um mecanismo de cooptação que o Partido dos Trabalhadores – PT utilizou para conquistar essa população”. Foi, também no sentido de sanar esse “desconhecimento” da realidade que assombra o Brasil que foram organizadas três audiências públicas durante o segundo semestre de 2016. Foi um evento proveitoso, que contou com intelectuais, ativistas de movimentos sociais, estudantes de dentro e fora da Unicamp, cursinhos populares e etc. Desse processo, resultou um material elaborado pelo Grupo de Trabalho responsável pela organização dessas audiências que contém as transcrições, resumo das falas e, ainda, uma proposta para que a Unicamp adote as cotas raciais como política de ação afirmativa.

    Nas vésperas da votação do Conselho Universitário que irá decidir se a Unicamp implantará as cotas ou não, continuamos sendo ignorados por muita gente que ainda têm coragem de dizer esse não é o caminho para prosseguirmos nessa luta e até que precisamos de mais tempo para fazer esse debate, pois “a Unicamp precisa cuidar dos negros de dentro para depois incluir os de fora”. Posicionamentos que não são de se espantar e também não são inéditos- a experiência das universidades federais nos ensinaram  boas lições nesse sentido.

    Após 2012, ano no qual a discussão sobre cotas tomou âmbito nacional, uma série de estudantes e professores de uma universidade “de ponta” alegam incompreensão sobre o assunto e continuamos na saga de convencer essas pessoas que direitos sociais não são privilégio para os brancos. Espero que o dia 30 de maio seja um dia mudança, pois se, até lá, não conseguirem entender que negros e negras também são cidadãos deste país, não terão motivos para mais tarde nos chamarem de radicais.

    Taina Aparecida Silva Santos* – Milita no movimento negro e no movimento de mulheres negras da cidade de Campinas; graduanda em História no  IFCH/ UNICAMP.

     

  • RAFAEL BRAGA: QUANDO A JUSTIÇA MATA A JUSTIÇA!

    RAFAEL BRAGA: QUANDO A JUSTIÇA MATA A JUSTIÇA!

      O Judiciário do Estado do Rio de Janeiro, na pessoa do magistrado Ricardo Coronha Pinheiro, condenou Rafael Braga a 11 anos e três meses de reclusão e ao pagamento de R$ 1.687 (mil seiscentos e oitenta e sete reais) por tráfico de drogas e associação para o tráfico. A sentença foi publicada no dia 20 de Abril de 2017, mas ainda não transitou em julgado (ainda está no prazo para apresentação de recurso contra a sentença condenatória), ou seja, não vamos tratar Rafael como culpado, conforme nos garante a Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso LVII (cinquenta e sete), que afirma que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória“. As circunstâncias e algum senso de “justiça” nos permitirão manter esta postura, ainda que a condenação seja confirmada, conforme se pretende afirmar neste texto.

      A leitura da sentença penal fornece os elementos de sua própria contradição. Por isso, citaremos aqui alguns trechos da decisão do juiz. A análise será feita em três partes (a Terra, o Homem e a Luta), em franca alusão ao livro “Os Sertões” de Euclides da Cunha. Mais uma vez leremos sobre o conflito entre forças de repressão e gente que só deseja viver a vida sem fazer ou sofrer mal.

    A TERRA

      Brasil. Estado do Rio de Janeiro. Cidade do Rio de Janeiro. Bairro da Penha. Comunidade da Vila Cruzeiro. Rua 29. Local conhecido como “Sem Terra”. Vai ficando menos turístico conforme se aprofunda na geografia do local: o país é menos “tropical” e a “cidade é menos maravilhosa” naquele canto em que Rafael Braga foi torturado e preso por policiais militares.

      “Sem Terra” é uma denominação que não conhecemos a origem, mas representa dois fatos de máxima importância para compreender a relevância da condenação de Braga.

                – O direito interno é inerente ao território. A isto chamamos jurisdição. Não se pode falar em Estado e aplicação de leis estatais sem a delimitação de um território. Não se pode aplicar (via de regra) leis brasileiras fora do Brasil. Um hipotético lugar “sem terra” é um lugar “sem lei” que possa ser aplicada.

                – Ser “sem terra” é ser desprovido de propriedade privada. A opressão de classe se dá sobre aqueles que são despossuídos. O capitalismo impôs a confusão entre propriedade e riqueza.

      Em suma, não é de se estranhar que este lugar – SEM TERRA – seja cenário de [I] aplicação de medidas de exceção como as que ocorreram com Braga (tortura; acusação falsa; racismo institucionalizado) que, assim como os moradores da região [II], é um pobre sem propriedade que lhe garanta alguma riqueza. Ali, no “Sem Terra”, o direito se revela tão somente como instrumento de opressão de classe [e raça].

      Na sentença, a questão do local foi levantada mais de uma vez como “fundamento” para que o juiz pudesse condenar Rafael Braga, conforme se pode ler:

     

    Registre-se que a localidade em que se deu a apreensão do material entorpecente de fls. 12 e 13 (vide laudo de exame de entorpecente às fls. 99/100), mais precisamente na região conhecida como “sem terra”, no interior da Comunidade Vila Cruzeiro, no Bairro da Penha, nesta cidade, é dominada pela facção criminosa “Comando Vermelho”, conhecida organização criminosa voltada a narcotraficância.

    (…) segundo relato dos policiais que efetuaram a prisão do réu e a apreensão do material entorpecente, o local é conhecido como ponto de venda de drogas. (grifo nosso).

               

     

       

     

      Em outras palavras, o que o juiz diz é: se não estivesse na região “sem terra”, não teria sofrido a condenação por tráfico de drogas. Rafael Braga não foi acusado por ter sido flagrado comercializando maconha ou cocaína, mas por estar no local – vizinhança de sua casa – que se atribui à traficância, e não à existência de homens e mulheres que por ali transitam no caminho de casa, trabalho, estudo ou lazer.

      Não se aceita que o acusado estivesse lá para comprar pães na padaria (conforme versão de Rafael) e não para vender drogas (conforme versão dos PMs e do MP). Nenhuma outra forma de comércio poderia ser reconhecida pelo juíz. Todo mundo “sabe” da suposta existência do Comando Vermelho na região, mas ninguém fez nada contra a organização em si. Melhor ir para cima de pequenos traficantes do que tentar desmantelar um esquema que corrompe desde policiais a políticos.

    O HOMEM

      Um juiz: Ricardo Coronha Pinheiro. Quatro testemunhas de acusação: Policiais Militares Pablo Vinicius Cabral, Victor Hugo Lago, Farley Alves de Figueiredo e Fernando de Souza Pimentel. Um morador sem nome ou existência comprovada. Um réu: Rafael Braga.

      Dentre tantos casos de injustiças cometidas pelo aparato penal brasileiro, vale lembrar o porquê do nome de Braga se destacar: ele foi o único condenado por supostos crimes cometidos por manifestantes durante os atos de 2013. À época foi acusado de portar explosivos, que na verdade eram produtos de limpeza. Uma acusação tão absurda quanto a afirmação que você pode explodir sua casa enquanto limpa a privada do seu banheiro.

      O homem em questão (velho conhecido da repressão política e social do Rio de Janeiro) é negro e também pobre, e sofre como negro e pobre. É muito mais que experimentar a opressão cotidiana do racismo e a desigualdade de classe. Ele sofre algo que eu e a maior parte daqueles que nunca foram acusados de crimes que não cometeram jamais sofremos. O sentimento de injustiça é acompanhado de consequências objetivas: perda da liberdade e condenação a pagamento de multa.

      Outro homem, o Juiz, fundamenta quase toda a sua decisão apenas em testemunho de policiais militares. Desconsidera o que foi dito pela testemunha da defesa, como se fosse mentira:

     

    Embora a testemunha Evelyn Barbara (fl. 194) tenha afirmado em seu depoimento que o réu RAFAEL BRAGA foi vítima de agressão por parte dos policiais militares que o abordaram, fato este também sustentado pelo acusado quando interrogado neste Juízo (fl. 250), o exame de integridade física a que se submeteu o réu RAFAEL BRAGA VIEIRA não constatou “vestígios de lesões filiáveis ao evento alegado”, consoante laudo de fl. 136.

       

     

     

     

      Talvez, o senhor Coronha, que hoje é juiz, quando universitário deva ter faltado às aulas de criminalística para saber que a tortura nem sempre deixa vestígios. Evelyn, por ser quem é (moradora do “Sem terra”), talvez não tenha a abstrata investidura de “verdade” conferida ficcionalmente a agentes estatais, como se estes não tivessem ideologias, preconceitos e interesses materiais.

      Devemos nos perguntar sobre mais um homem, que talvez não seja um homem, mas tão somente o deus ex machina de um teatro de mentiras montado para incriminar um sujeito: o “morador“. Sem nome, é aquele que supostamente indicou os policiais até o ponto de traficância que, por sua vez, era conhecido pelos policiais.

     

    Narrou a testemunha policial militar Pablo Vinicius Cabral (fl. 195) que estavam em patrulhamento de rotina, com intuito de garantir a segurança de trabalhadores que implantavam blindagem no posto policial, na Comunidade da Vila Cruzeiro, quando um “morador” foi até a guarnição policial informar que havia um grupo de pessoas comercializando drogas nas proximidades.

               

     

      E já que falamos da imputação de crime de associação para o tráfico, onde estão os associados? Quais indícios de autoria para a associação com este fim? Segundo o juiz, o conteúdo da embalagem supostamente encontrada com o acusado e as pessoas que teriam corrido quando os policiais chegaram dão conta desta acusação… Nada mais vago!

     

    No caso presente a posse do material entorpecente (maconha e cocaína) embalado em saco plástico (vide laudo de exame de entorpecente de fls. 99/100), fracionado, inclusive, contendo inscrições “CV”, que sabidamente destinava-se à venda, evidencia a estabilidade do vínculo associativo com a facção criminosa “COMANDO VERMELHO” que controla a venda de drogas no local dos fatos.

        Ademais, com o réu houve a apreensão de um rojão (fl. 17), sendo certo que no momento da prisão em flagrante do réu RAFAEL BRAGA, conforme relato dos próprios policiais neste Juízo, havia inúmeros elementos que se evadiram.

        Dessa forma, restou inequívoca a estabilidade do vínculo associativo para a prática do nefasto comércio de drogas, sendo certo que a facção criminosa “Comando Vermelho” é quem domina a prática do tráfico na localidade conhecida como “sem terra”, em que o réu foi preso, situada no interior da Vila Cruzeiro.

        Por outro lado, a regra de experiência comum permite concluir que a ninguém é oportunizado traficar em comunidade sem integrar a facção criminosa que ali pratica o nefasto comércio de drogas, sob pena de pagar com a própria vida.

        Portanto, não poderia o réu atuar como traficante no interior da Comunidade Vila Cruzeiro, sem que estivesse vinculado à facção criminosa “Comando Vermelho” daquela localidade.

                           

     

     

     

      Pelo visto, o juiz tem perícia nas “leis anti-estatais de regulação de comércio de drogas”.

    A LUTA

      “O problema é antigo”.

      Assim começa a terceira parte d’Os Sertões, de Euclides da Cunha. A guerra às drogas e o encarceramento em massa de negros é um problema antigo no Brasil!

      Aqui não pretendo fazer mais nenhuma análise dos vícios de um processo que visa “coibir” o venda de entorpecentes para viciados. A “guerra às drogas”, que é a paz de grandes empresários do ramo de drogas e “segurança”, e uma afronta a direitos fundamentais neste país é absurda por si mesma. Enquanto se atribuir à questão das drogas à questão da segurança e não da saúde pública, milhões continuarão sendo acusados e mortos. Mas quem tem poder para mudar, simplesmente não se importa.

      Mais injusto que o processo é a legislação que lhe dá base no direito material: vender drogas enquanto conduta criminosa. Ainda que o juiz fosse exímio cumpridor da lei, uma injustiça teria sido cometida. Ainda que Rafael fosse o traficante que disseram que ele é, uma injustiça ainda assim teria sido feita.  Em 1842, o governo da Renânia, aprovou a “Lei da Repressão ao Roubo de Lenha” que impedia trabalhadores pobres, sujeitos ao frio extremo, de recolherem lenhas e gravetos caídos no chão, uma tradição nunca antes contestada. Supomos que Rafael Braga tivesse vivido naquela época e local, e tivesse sido acusado de apanhar lenha. Não importa se acusação era verdadeira ou não, ou se o juiz aplicou direito o Direito: a injustiça existia pela própria criminalização da conduta. Ou seja, o crime muda, mas o criminoso tem sempre a mesma cara: a de quem a justiça tem — interesse  —  em prender.

      Por hoje defendemos Rafael Braga, mas mantenhamos nossa posição pelo fim da, genocida e repressiva, Guerra às Drogas.