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Categoria: Mundo

  • EUA a caminho de serem “líder mundial da desigualdade extrema”, diz relator da ONU

    EUA a caminho de serem “líder mundial da desigualdade extrema”, diz relator da ONU

    Via Público.pt

    Philip Aston, relator especial das Nações Unidas, terminou a sua viagem de duas semanas pelos Estados Unidos para elaborar um relatório sobre a pobreza naquele país que será entregue em Maio ao conselho de Direitos Humanos da ONU. O Guardian acompanhou esta visita e publica a introdução deste documento, onde Aston diz que os EUA estão a caminho de serem “o líder mundial da desigualdade extrema”, defendendo que as políticas fiscais a serem implementadas por Donald Trump só vão agravar a situação.

    Alston, um académico australiano e professor de direito na Universidade de Nova Iorque, viajou pelo país a convite do Governo federal norte-americano – a quem agradece pela oportunidade – e passou por Los Angeles, São Francisco, Alabama, Geórgia, Porto Rico e pela Virgínia Ocidental. Durante essa viagem, lê-se na introdução publicada pelo Guardian, falou “com dezenas de especialistas e grupos de sociedade civil”, reuniu-se com políticos estaduais e federais e conversou “com muitas pessoas que estão sem casa ou a viver na pobreza extrema”.

    Alston desenvolve então um forte ataque às políticas de Washington em relação à pobreza, afirmando que o pacote fiscal que está em discussão actualmente no Congresso vai aumentar de forma drástica as disparidades entre ricos e pobres, acusando Trump de estar a tentar tornar a sociedade americana na “sociedade mais desigual do mundo”.

    “Estamos a entrar em 2018 – não deveríamos estar num país com 41 milhões de pessoas a viver na pobreza e tantos na pobreza extrema, e ninguém fala sequer disso”, disse o responsável da ONU.

    As últimas estimativas apontam para 41 milhões de americanos a viver em pobreza (cerca de 13% da população), sendo que metade destes, cerca de 19 milhões, vive na pobreza extrema.

    “O ‘Sonho Americano’ está a tornar-se rapidamente a ‘Ilusão Americana’ a partir do momento em que os EUA têm a mais baixa taxa de mobilidade social de todos os países ricos”, disse Alston numa conferência de imprensa citado pelo jornal britânico.

    “O excepcionalismo americano [crença de que os EUA são um país qualitativamente diferentes dos restantes] foi um tema constante nas minhas conversas”, relata o australiano na introdução do relatório que está a preparar. “Mas, em vez de perceber os compromissos admiráveis dos seus fundadores, os Estados Unidos de hoje provaram ser excepcionais em caminhos muito mais problemáticos que estão de forma chocante em desacordo com a sua imensa riqueza e com o seu compromisso fundamental com os direitos humanos. Como resultado, abundam os contrastes entre a riqueza privada e a miséria absurda”, continua, antecipando um relatório muito duro sobre a realidade social norte-americana.

    No final da primeira parte do relatório, Alston providencia alguns dados sobre a sociedade norte-americana: “Pela maior parte dos indicadores, os EUA é um dos países mais ricos. Gasta mais em defesa nacional do que a China, Arábia Saudita, Rússia, Reino Unido, Índia, França e Japão, todos juntos”; “As despesas em cuidados de saúde dos EUA per capita são o dobro do que a média da OCDE e muito mais altas do que em todos os outros países. Mas existem muito menos médicos e camas de hospital por pessoa do que a média da OCDE”; “A taxa de mortalidade infantil em 2013 era a maior no mundo desenvolvido”; “A desigualdade dos EUA é muito maior do que na maioria dos países europeus”. Estes são apenas alguns exemplos.

  • Macri enfrenta a pior crise política desde que assumiu a presidência da Argentina

    Macri enfrenta a pior crise política desde que assumiu a presidência da Argentina

    Por Coletivo Passarinho para os Jornalistas Livres
    Fotos do coletivo M.A.F.I.A

    Na tarde de ontem (14/12), dezenas de milhares de trabalhadores, estudantes e aposentados reuniram-se nas proximidades do Congresso Argentino, em Buenos Aires, para repudiar a reforma previdenciária que estava para ser votada. Estiveram presentes os movimentos sociais, territoriais e estudantis, as principais centrais sindicais da Argentina (Confederção Geral do Trabalho – CGT e Central dos Trabalhadores da Argentina – CTA), o sindicato representativo dos servidores públicos (ATE), o sindicato dos docentes (SUTEBA), as associações de aposentados, as diversas organizações kircheneristas (entre elas o Movimento Evita), os partidos de esquerda (PTA, PO e MST), as organizações de Direitos Humanos e muitos cidadãos que se solidarizaram com a manifestação e foram para a rua.

    O Congresso e suas imediações estavam cercados por grades, colunas de mais de mil policiais que usavam balas de borracha, gás lacrimogênio e caminhões com jatos d´agua para reprimir os manifestantes. A operação foi integrada pelas polícias federal, da cidade de Buenos Aires e de segurança aeroportuária. A dimensão da operação foi considerada inédita desde a transição democrática do país.

    A escalada da repressão policial na Argentina ascendeu consideravelmente no último semestre, com dois assassinatos de Estado no sul do país (de Santiago Maldonado e Rafael Nahuel), ambos casos relacionados ao avanço consentido pelo governo sobre terras reinvindicadas pelo povo originário Mapuche. As manifestações convocadas contra tais assassinatos também foram duramente reprimidas. Nesta semana, a situação de exceção chegou ao seu ápice com a repressão da manifestação pacífica organizada dentro da Semana de Ação Global Fora OMC, na última terça-feira.

    Na tarde de ontem, até mesmo alguns deputados da oposição foram atacados pela força repressora. A deputada da Frente para a Vitória, Mayra Mendoza, foi agredida com gás de pimenta enquanto tentava atravessar o cerco policial para ingressar no Congresso. A quantidade gás utilizada foi tão grande que o ar nas imediações do Congresso se tornou inrrespirável: era comum ver mulheres, trabalhadores e idosos caídos no chão com dificuldades para respirar. Todos se protegiam como podiam, especialmente com as camisetas sobre o nariz e a boca. Mesmo assim, o povo se manteve aí por horas, debaixo de um sol que fazia 36°C e de nuvens de gás lacrimogêneo.

    Quando a rua soube que a sessão havia sido suspensa, a alegria tomou conta das pessoas. Era o momento de cantar e fazer soar o bumbo, característica tradicional das manifestações na Argentina. Vitórias, ainda que passageiras, têm que ser comemoradas. Mas a comemoração durou quase nada: a polícia avançou sobre a praça quando já não havia nenhum conflito e foi jogando bombas e atirando com balas de borracha sobre o povo, em um trajeto de aproximadamente 500 metro, entre a Praça do Congresso e a Avenida 9 de Julho.

    O ato já havia terminado, mas se iniciava um novo operativo policial, o que, absurdamente, tem se tornado corriqueiro na Argentina: a caça a manifestantes individuais e também a jornalistas quando já estão a caminho de casa ou dirigindo-se a outros destinos. À noite, as organizações de direitos humanos, especialmente a CORREPI (Coordenação contra a Repressão Policial e Institucional), estiveram de plantão, buscando localizar os aproximadamente 30 detidos, garantindo assessoria legal e realizando vigílias pela liberação dos presos.
    A marcha de ontem e os acontecimentos no plenário da Câmara de Deputados produziram fissuras no bloco governista, integrado pelo partido do presidente Maurício Macri (PRO), Coalizão Cívica (CC) e União Cívica Radical (UCR). A oposição ao governo recusou-se a sentar-se no plenário, o que fez com que a sessão não tivesse o quórum necessário para a votação. A suspensão da sessão deu-se por iniciativa da deputada Elisa Carrió, que lidera a Coalizão Cívica. Ela não somente requereu a paralisação dos trabalhos legislativos como criticou duramente a Ministra de Segurança do governo, Patricia Bullrich. Disse que não eram necessários tantos policiais e que a ministra tinha que parar.

    Os principais meio de comunicação, alinhados com o chefe de gabinete, Marcos Pena, davam sua versão sobre os fatos. Um grupo de pessoas violentas e desrespeitosas estaria ameaçando as instituições democráticas e o processo legislativo. Já o governo havia agido de forma correta para garantir a paz social. O imaginário do piqueteiro, baderneiro, que tanto assusta os setores médios e altos argentinos, é difundido à exaustão, construindo um ambiente de deslegitimação da mobilização popular.

    O Presidente avaliou a possibilidade de aprovar a reforma, ainda ontem, por meio de um Decreto Nacional de Urgência (DNU), o equivalente às Medidas Provisórias no Brasil. Na coletiva de imprensa da CGT, o secretário-geral Héctor Daer foi claro: “se o governo aprova a reforma por DNU, a CGT vai para a greve geral”. Carrió, do bloco governista, também discordou das intenções de Macri em um posto no Twitter: “um DNU violaria gravemente a Constituição Nacional e nós juramos respeitar a Constituição Nacional”.

    Na tarde desta sexta (15/12), o Presidente Macri reúne-se com governadores provinciais para buscar uma solução para o impasse. Os governadores peronistas romperam o pacto com o governo que implicava em repasses de parte dos valores economizados com a redução das aposentadorias para as províncias, uma vez que não foram capazes de impor aos deputados dos partido que votassem as medidas claramente impopulares. Ao que tudo indica, o intenção do governo é retomar a sessão legislativa na segunda-feira.

    Os Argentinos têm uma longa tradição de se mobilizar no calor de dezembro. No emblemático dezembro de 2001, quando os pobres da região metropolitana de Buenos Aires se uniram em mobilizações massivas à classe média que havia tido seus depósitos bancários retidos, a crise política foi tão grave que o país teve cinco presidentes diferentes em duas semanas. Desde então, os dezembros são comumente conflitivos, com mobilizações contra os cortes de luz, contra a carestia e por bônus salariais e assistenciais de natal. Este ano ao que parece não será diferente, a manifestação de ontem acendeu a chama de um mal estar profundo. Dezenas de milhares gritaram: “Com os velhos não!”. Basta saber se as ruas terão força suficiente para mudar o tabuleiro político do país, uma vez que Macri consolidou sua força nas eleições legislativas de outubro.

  • Reforma Previdenciária argentina é adiada após repressão no Congresso

    Reforma Previdenciária argentina é adiada após repressão no Congresso

    Por Coletivo Passarinho

    Os próprios oficialistas foram obrigados a suspender a votação da Reforma Previdenciária argentina na Câmara de Deputados na tarde de hoje, após episódios de violência que deixaram dois parlamentares da oposição e vários manifestantes feridos.

    Os protestos desta quinta-feira (14), começaram às 9h da manhã (horário de Brasília) e reuniram até às 15h, horário previsto para a votação, milhares de trabalhadores contrários à reforma que pretende economizar 100 bilhões de pesos argentinos (aproximadamente 20 bilhões de reais) para o Estado às custas de 17 milhões de aposentados, pensionistas e beneficiários de programas sociais.

    Convocados pela CTA (Central Autônoma dos Trabalhadores) e a CGT (Central Geral dos Trabalhadores), os manifestantes marcharam pela Avenida de Maio em direção ao Congresso Nacional, mas tiveram que recuar ao serem reprimidos pelas forças policiais.

    Mais de mil oficiais da Polícia Federal, Gendarmeria (a Força Nacional Argentina) e Polícia de Segurança Aeroportuária participaram da ação. Bombas de gás lacrimogêneo, balas de borracha e jatos de água com corante eram atirados nos manifestantes que abriam a manifestação e em um grupo de pessoas mascaradas que se separou dos manifestantes para jogar pedras e garrafas nos policiais.

    Enquanto isso, dentro do Congresso, os policiais impediam a entrada de deputados da oposição na sala de votação; entre eles, Axel Kicillof, ex-ministro de economia do governo de Cristina Kirchner. Ao menos dois deputados ficaram feridos; um deles foi levado em uma ambulância após receber um golpe de um dos policiais.

    Também houve muita confusão entre os parlamentares. Para iniciar a sessão, eram necessários 129 deputados. O presidente da câmara, Emilio Monzó (PRO-Cambiemos), da base governista, anunciou às 15h30 que o quórum mínimo tinha sido atingido, mas a oposição questionou o número e a validade da sessão, e denunciou a repressão policial. Muita discussão e até empurra-empurra depois, por volta das 16h15, a deputada governista Elisa Carrió também pediu que a sessão fosse anulada e teve o seu pedido acatado por Monzó. Enquanto a oposição comemorava o adiamento e denunciava a atuação truculenta inédita do lado de fora, governistas diziam que a oposição tinha agido de forma violenta dentro do plenário.

    A reforma previdenciária proposta pelo governo altera o critério de atualização dos benefícios de aposentados, pensionistas, pessoas com deficiência e beneficiários de programas de renda mínima. A aprovação da proposta somente é possível porque uma parte da oposição peronista, composta pelos governadores, negociou com o governo para que uma parcela dos recursos economizados seja destinada às províncias, que atualmente estão fortemente endividadas.

    O projeto, que já recebeu meia sanção do Senado, deveria ser votado na Câmara de Deputados teve sua tramitação adiantada pelo partido do governo, para que a votação acontecesse hoje, data que coincide com o fim da Reunião Ministerial da OMC na cidade.
    O efetivo militar preparado para garantir a segurança de executivos e autoridades de Estado do mundo todo que participaram do evento foi então aproveitado para reprimir os protestos que já haviam começado desde terça-feira. A resistência, no entanto, deve continuar. A CGT (Central Geral dos Trabalhadores) convoca para amanhã uma greve geral de 24 horas.

     

  • Buenos Aires em Estado de Sítio: a OMC e a Reforma Previdenciária

    Buenos Aires em Estado de Sítio: a OMC e a Reforma Previdenciária

    Por Coletivo Passarinho

    Nesta semana, Buenos Aires sediou a 11º Reunião Ministerial da Organização Mundial de Comércio (OMC). O país anfitrião, a Argentina, presidido por Mauricio Macri e dirigido pelo partido Cambiemos, buscou dar um novo passo em sua estratégia denominada “volver al mundo” (voltar ao mundo), ou seja, liberalização econômica e inserção completamente dependente na economia mundial, com o aprofundamento do modelo agro-exportador.

    Os resultados concretos da reunião da OMC foram pífios. O Tratado União Europeia – Mercosul, cuja celebração se buscava anunciar nesta mesma reunião, foi postergado para 2018. Não houve consenso sobre nenhum tema geral importante.

    Porém, nem tudo foi em vão para o governo. Sob a justificativa de garantir a segurança dos executivos e autoridades de Estado de todo o mundo que participaram da reunião, construiu-se um verdadeiro estado de exceção na capital portenha. Representantes de ONGs e movimentos sociais que viriam para a conferência da OMC e, também, para a Semana de Ação Global Fora OMC foram impedidos de entrar no país. A região de Puerto Madero e o centro da capital foram sitiados. Mobilizaram-se milhares de policiais fortemente armados, caminhões de jatos d’água e instalaram-se grades por todos os lados.

    Em um jogo de mestre o governo aproveitou o efetivo militar já em posição de combate para outro propósito. Cambiemos, o partido do governo, acelerou a tramitação da reforma previdenciária e tributária, e convocou para a data de hoje, 14/12/2017, uma sessão especial para a votação do tema na Câmara de Deputados. O arsenal de exceção nem teve que se mover muito, já que o Congresso Nacional fica a mais ou menos 3 km da região onde se deu a reunião da OMC. Neste exato momento, um fortíssimo operativo de segurança isola o Congresso dos movimentos sociais, sindicatos e partidos da oposição que confluem para a região insurgindo-se contra o conteúdo regressivo das reformas a serem votadas.

    Os ensaios de violência explícita já começaram na terça-feira quando houve repressão desnecessária e meramente intimidatória ao final da manifestação Fora OMC, convocada nos marcos da semana de ação global contra tal organização e os tratados de livre comércio. Na quarta-feira a repressão foi ainda maior em marcha contra a reforma previdenciária organizada por diversos movimentos sociais e territoriais. Nesta quinta-feira, somam-se aos protestos os sindicatos dos docentes, a CTA (Central Autônoma dos Trabalhadores) e a CGT (Central Geral dos Trabalhadores), sendo que esta última, a maior central sindical da Argentina, convocou para amanhã uma greve geral de 24 horas.

     

     

    A reforma previdenciária proposta pelo governo altera o critério de atualização dos benefícios de aposentados, pensionistas, pessoas com deficiência e beneficiários de programas de renda mínima. Estima-se que tais mudanças representarão uma economia de uns 100 bilhões de pesos argentinos (aproximadamente 20 bilhões de reais) para o estado argentino, sendo que os afetados são cerca de 17 milhões de pessoas. A aprovação da proposta somente é possível porque uma parte da oposição peronista, composta pelos governadores, negociou com o governo para que uma parcela dos recursos economizados seja destinada às províncias, que atualmente estão fortemente endividadas.

    Foto: Cobertura Colaborativa Fuera OMC

     

     

  • O DEBATE, O ENCERRAMENTO, O QUADRO DE MOBILIZAÇÃO. CRÔNICA DO DIA 3

    O DEBATE, O ENCERRAMENTO, O QUADRO DE MOBILIZAÇÃO. CRÔNICA DO DIA 3

    Por Cobertura Colaborativa Fora OMC
    Tradução Juliana Medeiros / Jornalistas Livres

    APÓS UMA MANHÃ DE FECHAMENTO DOS FÓRUNS E MESAS DE DEBATE; PARA OUTRO DIA DE UMA COLORIDA MARCHA, RESPONDIDA PELO GOVERNO NACIONAL COM REPRESSÃO E DETENÇÕES; NO TERCEIRO DIA DE ATIVIDADE DE DEZENAS DE FÓRUNS, SEMINÁRIOS E MESAS DE DEBATE, ONDE ATIVISTAS, MILITANTES E PARTICIPANTES DA SOCIEDADE CIVIL CONSTRUÍRAM UMA DINÂMICA DE INFORMAÇÃO SOBRE OS PROBLEMAS GLOBAIS DO CAPITALISMO ATUAL; DEPOIS DE MESES DE COORDENAÇÃO INTERNACIONAL ATIVA EM QUESTÕES LOGÍSTICAS, COMUNICATIVAS, METODOLÓGICAS; APESAR DA REJEIÇÃO DE INGRESSO AO PAÍS DE DEZENAS DE ATIVISTAS INTERNACIONAIS E DO VETO À SAÍDA DE MILITANTES AFRICANOS PARA PARTICIPAR DO INÍCIO DA ASSEMBLEIA DA CONFLUÊNCIA, ONDE SE APRESENTARAM AS CONCLUSÕES DO TRABALHO DA CÚPULA DOS POVOS, FRENTE A UMA DEFINIÇÃO FINAL.

    Ao mesmo tempo, outra marcha chega à Avenida de ‘Mayo y 9 de Julio’. É a que foi convocada pela CTEP (Confederação de Trabalhadores da Economia Popular), a CCC (Corrente Classista e Combativa, agrupamento político e sindical argentino promovido pelo Partido Comunista Revolucionário) e a organização ‘Barrios de Pié’ (Bairros de Pé) contra a reforma da lei de previdência, que está sendo discutida no Congresso [Argentino] nesse momento. Cerca de 100 mil pessoas enchem as ruas da área, enquanto as cercas da polícia protegem uma Cúpula da OMC (Organização Mundial do Comércio) que se sabe que vai afundar. Eles não conseguiram assinar um documento conjunto devido à dinâmica protecionista dos Estados Unidos e as negociações para o acordo de livre comércio Mercosul-UE não avançam.

    Diante dessa afirmação, os(as) responsáveis por cada fórum realizam diante de uma assembleia com algumas centenas de pessoas, uma síntese do que foi analisado e dos acordos de cada fórum. Em suma, a análise conjuntural ressalta uma nova ofensiva do capital contra o trabalho que se encontra com sindicatos fragmentados na Europa e na América Latina; a geração de monopólios e as consequentes restrições no acesso à saúde com base na globalização das patentes médicas; a tentativa da OMC de se apropriar das demandas das lutas de gênero, ao incluí-las dentro de seus itens de discussão; o papel subordinado das mulheres na economia e o ataque às identidades de gênero e às orientações sexuais; a fragmentação do campo popular e um clima de falta de otimismo; o avanço do aquecimento global e da crise ecológica; o crescente lugar de poder de corporações, agências internacionais de crédito no controle sobre as formas de vida; a repressão como ferramenta central neste momento do capitalismo; a expulsão de povos originários de suas terras, impulsionados pelo agronegócio e o extrativismo, com assassinatos como os de Berta Cáceres¹, Santiago Maldonado² e Rafael Nahuel; o crescimento do aparato militar-industrial que gera um círculo vicioso de necessidade/estímulo à produção de guerras em todo o mundo; o avanço do Estado de Israel sobre os direitos do povo palestino, com uma clara manifestação na definição de Trump esta semana de reconhecer Jerusalém como a capital de Israel; a ocupação do Haiti e o bloqueio à Cuba; a manipulação dos resultados eleitorais; a definição de várias(os) sobre (e este cronista concorda com ela) uma crise civilizatória, onde as relações estabelecidas pelo sistema capitalista, o patriarcado, o racismo, o tratamento dado à natureza, a manipulação do clima, a democracia e os sistemas atuais de governo atuais chegaram a um momento de tensão que se deve enfrentar, não mais como uma lista de conflitos locais, mas como expressões heterogêneas e imbuídas da necessidade de uma transformação geral do significado com o qual a humanidade habita o planeta.

    Diante disso, se propõe uma série de dinâmicas de enfrentamento. Também em síntese restrita, estas são: a aposta pela soberania educacional, para que os povos definam a medida de seus valores, formas e conteúdos; a preparação de uma forte greve de mulheres para o próximo 8 de março; reconhecermo-nos diante dos sistemas de dívida como povos credores em termos econômicos, sociais e culturais, tomando medidas contra o pagamento da dívida pública; compreender as diferentes formas de soberania como complementos que residem nos povos e não nos Estados; construir territórios de paz onde os camponeses, pescadores, artesãos e pastores possam produzir alimentos saudáveis para a humanidade contra o avanço do capitalismo sob a forma de um suposto progresso; a busca de confluências gerais desde abaixo, com a democracia na mesma linha da necessidade de uma resposta sistêmica, de classe, anti-patriarcal e anti-racista.

    As contribuições dos fóruns são seguidas por um rascunho do documento, que dá origem a uma discussão sobre determinados conceitos com os quais a síntese é apresentada. A abertura ou o fechamento de certos conceitos, as omissões e a construção de acordos que representem o que foi falado nestes dias são discutidos com franqueza e intensidade. A definição sobre o(s) imperialismo(s) ou o império e o lugar dos Estados Unidos e do sionismo; o chamado a diferentes instâncias de luta no próximo ano; as definições de gênero e os níveis que abarcam, a visibilidade do avanço ou não de determinadas lutas em função de certos conceitos utilizados. O longo debate é resolvido com a intervenção de Norita Cortiñas, recém-chegada da marcha, encarregada de relatar a repressão, a necessidade de fechar o documento e sua tradicional injeção geral de otimismo, alegria e esforço na luta.

    Descemos para o pátio, caem gotas de chuva, alguém toca uma música. Se conversa sobre o que aconteceu há algum tempo, nos dias de hoje, do que sempre acontece, do que queremos que aconteça. Pela rua Santiago del Estero cruzam colunas [da marcha] que se dispersam desde o Congresso e cada vez que passam, cantamos com elas. Começam a chegar notícias do gigantesco aparato de repressão mobilizado, da repressão, de novas detenções. Neste contexto, o macrismo aposta por acelerar a reforma da previdência e a mobilização geral e crescente que enche as ruas é finalmente acompanhada pela CGT, obrigada a intervir depois de longos lobbies, piscadelas e acordos com o Estado argentino para o progresso das reformas liberalizadoras. O encerramento da Cúpula dos Povos nesta noite também sinaliza a expectativa de um amanhã, onde a resistência, a rebelião e a esperança mobilizarão a transformação do mundo em que habitamos.

    Notas da Edição:

    1 – Berta Cárceres: Berta Isabel Cáceres Flores, ativista ambiental Hondurenha, líder indígena e co-fundadora e coordenadora do Conselho Popular de Organizações Indígenas de Honduras (COPINH).Foi assassinada em sua casa por homens armados, depois de anos de ameaças.

    2 – Santiago Maldonado: Santiago Maldonado, jovem morador da Patagônia argentina, foi detido em 1º de agosto durante um despejo forçado de um acampamento mapuche – nação indígena – para onde havia se mudado, decidido a apoiar a luta daquele povo originário. Desde então, foi dado como desaparecido e se iniciou uma campanha com apoio internacional por sua aparição com vida. Em 17 de outubro deste ano, seu cadáver foi encontrado próximo ao local em que desapareceu. As investigações sobre as condições de sua desaparição forçada, seguida de morte, continuam. 

    3 – Rafael Nahuel: Rafael Nahuel, 22 anos, de Bariloche, foi atingido por uma bala disparada pela repressão das forças de segurança local, durante uma operação contra um ato da Resistência Ancestral Mapuche.

  • Cadê a Revolução que estava aqui?

    Cadê a Revolução que estava aqui?

     

     

    Por Laura Capriglione e Lina Marinelli, dos Jornalistas Livres

     

    Menos de 70 metros separam a múmia do revolucionário Vladimir Ilich Lênin (1870 – 1924), artífice da primeira revolução proletária vitoriosa, de um shopping center luxuoso, em que se exibem as principais grifes do alto consumo planetário  –Dior, Gucci, Louis Vuitton, Prada, Cartier, Tiffany, Bulgari, Moschino e outras tantas.

     

    O cadáver insepulto de Lênin resplandece sob iluminação cenográfica, dentro de um sarcófago de cristal, que —por sua vez— está dentro de uma espécie de pirâmide colada à muralha do Krêmlin, na praça Vermelha, a principal de Moscou e de toda a Rússia. É o único a ter esse, digamos, “privilégio” de parecer um boneco empalhado por toda a eternidade.

     

    Paradoxalmente, é uma sequela do derrame sofrido por Lênin em 1923, o único traço remanescente da humanidade perdida em mergulhos sucessivos em formol e recoberta por maquiagem pesada —para manter o rosto rosadinho. Morta há 97 anos, a mão direita do homem que soube “o que fazer” da Rússia czarista, permanece fechada, como é típico em pacientes que sofrem acidentes vasculares cerebrais. Pungente fraqueza do revolucionário irredutível.

     

    Bem perto de Lênin estão os túmulos de burocratas do regime soviético, como Leonid Ilitch Brejnev (1906—1982), Iúri Vladmirovitch Andropov (1914—1984) e Konstantin Ustinovitch Chernenko (1911—1985), o do cosmonauta e herói Yuri Alekseievitch Gagarin (1934 —1968), o primeiro homem a ser lançado ao espaço e a voltar com vida. E também tem o jazigo dele, Iossif Vissariónovitch Djugashvili, Stálin para a História (1878/79—1953).

     

    Antes do fim da União Soviética, o outro lado da Praça Vermelha era ocupado por um grande mercado socialista, conhecido pela sigla GUM, abreviação de “Gosudarstvennyi Universalnyi Magazin”, ou Loja de Departamentos do Estado. Ali, em filas quilométricas, os moscovitas compravam de tudo. De batatas a vitrolas, de roupas a livros –tudo sem marca, como convém a uma economia totalmente estatizada.

     

    A privatização do GUM, no fim da era soviética, possibilitou o surgimento do primeiro centro de consumo “ostentação” desde o fuzilamento da família Romanoff, em 1919. Como a palavra “estatal” tornou-se amaldiçoada, obviamente, a sigla GUM precisou ser ressignificada. Passou a ser “Glávnyj Universalnyi Magazin”, ou “Principal Loja de Departamenos”.

     

    É a Daslu de lá, o shopping Cidade Jardim, a Via Montenapoleone, de Milão, a Rue du Faubourg-Saint-Honoré, de Paris, ou a Bond Street, de Londres. Para os moscovitas endinheirados, trata-se do endereço certeiro das lojas de luxo.

     

    Neste momento, a decoração interna do GUM traz manequins, roupas, chapéus e ambientes rococós da época do Czar Nicolau 2º, com direito a um stand com a reprodução de seu manto e coroa imperial. Mais parece o castelo da Cinderela.

     

     

    É claro que os ricos não comemorariam o centenário da tomada do poder pelos Soviets, mas eles não precisavam chegar ao ridículo desse banzo imperial pelo czar. Executada na noite de 16 para 17 de julho de 1918, a família real, composta por Nicolau 2º, a imperatriz, Alexandra Feodorovna, suas quatro filhas (Anastásia, Tatiana, Olga e Maria), o filho caçula, de apenas 13 anos, Alexei Nikolaevich, já tinha sido canonizada em 2000 pela Igreja Ortodoxa Russa, como neomártires.

     

    Nicolau 2º: santo no parabrisa

    Em 2017, rostos de Nicolau 2º são visíveis em chaveiros, pins, camisetas. E também como santinhos, desses que ficam pendurados nos retrovisores de ônibus e táxis –sim, admita-se, tem pobre sofrendo de saudades do czar. Aí é triste.

     

    Foram pífias as comemorações dos 100 anos da Revolução Russa no país que a sediou. Equilibrando-se entre, de um lado, os neoliberais e os nacionalistas com forte influência da Igreja Ortodoxa, o presidente Vladimir Putin acabou com o feriado do dia 7 de novembro, que comemora o dia da Tomada do Poder pelos Soviets.

    (A Revolução de Outubro foi, sim, em Novembro. A discrepância deve-se ao fato de os russos, então, usarem o calendário Juliano, diferente do Gregoriano que servia para a contagem do tempo no Ocidente. Depois da tomada do poder, os bolcheviques sincronizaram a Rússia com o Ocidente, e baniram o calendário Juliano.)

     

    Cancelada aquela que era a principal festa nacional da extinta União Soviética, o que se viu no centenário da Revolução Russa de Outubro foram manifestações em São Petersburgo e Moscou que reuniram poucos milhares de militantes comunistas de todo o mundo –os chilenos eram, disparado, os mais animados, cantando hinos e gritando palavras de ordem, no meio de idosos heróis cansados de guerra.

     

    Manifestação comunista nos 100 anos da Revolução Russa, em São Petersburgo

     

    Contavam-se nos dedos os jovens presentes.

     

    Como a Grande Revolução de Outubro, sucessora legítima da Revolução Francesa, o sonho de liberdade e igualdade ao alcance da mão, o céu tomado de assalto… como aquilo deu nisso?

     

    O diretor do Centro de Documentação do Instituto de América Latina da Academia de Ciências da Rússia, Alexandr Jarlamenko, considera que desde os fins dos anos 80, início dos anos 90, o país vive um processo contra-revolucionário escancarado, tendo-se “aberto as eclusas da propaganda anticomunista e antissoviética”, que tratou de convencer as pessoas, os jovens principalmente, de que, em vez da “Abrir a Nova Era da História Universal”, a Revolução Russa representou a Grande Catástrofe, a perda de milhões de vidas, a repressão, os Gulags.

     

     

     

    Diferentemente do que aconteceu nos países da Europa do Leste, sob influência soviética, em que a restauração do capitalismo implicou a derrubada (às vezes sangrenta) dos burocratas comunistas, para dar início à ordem neoliberal, na Rússia foram os altos dignitários do próprio PC que lideraram a retomada do capitalismo.

     

    Alexandr Jarlamenko narra a luta clandestina feroz, com matizes terroristas, dentro do aparelho do Partido Comunista, que vitimou dezenas de altos dirigentes. Sobreviveram aqueles que ele denomina de “renegados”, Boris Ieltsin à frente.

     

    Nesta primeira parte da entrevista com o intelectual comunista, pode-se entender por que a reação capitalista não logrou colocar o povo nas ruas em defesa de sua Revolução.

    “O MOVIMENTO DE MASSAS ESTÁ EM GRANDE RECESSO, GRANDE ESTANCAMENTO E FRAQUEZA. A ESQUERDA FOI DESMORALIZADA MUITÍSSIMO POR ESSA REORIENTAÇÃO DA CÚPULA DO PC, DA ESQUERDA PARA A DIREITA. NEM SE PODE COMPARAR COM A BANCARROTA DA SEGUNDA INTERNACIONAL. É MUITO PIOR. PORQUE OS PARTIDOS SOCIAL-DEMOCRATAS NÃO ESTAVAM NO PODER. AGORA, O PROBLEMA NÃO É O PARTIDO APENAS, MAS O NÚCLEO DO SISTEMA POLÍTICO NA RÚSSIA… FOI A ESPINHA DORSAL DE TODO O SISTEMA POLÍTICO E SOCIAL. TUDO DE FATO ERA ORGANIZADO PELO PARTIDO. DENTRO DO PARTIDO SE TOMAVAM TODAS AS DECISÕES. E ESTE SUPER-APARATO PARTIDÁRIO, QUE UNIA EM SI O ESTADO E A SOCIEDADE CIVIL, ESSE ORGANISMO ÚNICO TRAIU SUA RAZÃO DE SER. ISSO DESMORALIZOU MILHÕES E MILHÕES DE PESSOAS.”

    Nos próximos capítulos, Jarlamenko fará seus prognósticos sobre os horizontes da esquerda mundial e sobre o futuro da ex-União Soviética. Não perca!