Por Helena Zelic, da Marcha Mundial das Mulheres, para os Jornalistas Livres
Nesta manhã de março, com muita dor e saudade, nos despedimos de nossa grande companheira Helena Nogueira. Helena era uma feminista incansável, batalhadora, amiga, solidária… sempre que podia, estava nas ruas de São Paulo contra as injustiças do mundo. No último 8 de março, Dia Internacional de Luta das Mulheres, aconteceu a última grande mobilização antes da quarentena. Nós estávamos lá, mas parecia que tinha uma peça faltando… já estávamos sentindo muita falta da Helena, que se resguardava, com a saúde frágil demais para sair.
Helena foi diagnosticada com leucemia há poucos meses. Foi internada em um hospital em Indaiatuba. Foi preciso muita organização entre a família, em São Paulo, junto com as companheiras de Campinas e da capital, para contornar as precariedades desse sistema desigual, que impõe às mulheres negras e pobres uma saga para salvar a própria vida. Há poucas semanas voltou para casa, para fazer o tratamento fora da internação. Depois de muitos dias de espera por uma vaga, ela começaria hoje seu tratamento. Nesta manhã, seu corpo, depois de tanta luta, não aguentou.
A companheira Lourdes Simões, de Campinas, que ajudou no período de internação, destacou “a coragem da Helena em enfrentar o desconhecido. Ali, naquele momento, ela enfrentou algo que não tinha controle, mas com coragem. Dentro do hospital, ela, de novo, foi muito solidária, dessa vez com sua companheira de quarto”.
A cerimônia de cremação será realizada amanhã, dia 25, às 10:30 no Memorial Parque Paulista, em Embu das Artes, com duração de quarenta minutos. Devido aos riscos de exposição ao COVID-19 de muitas companheiras que estão no grupo de risco, faremos também uma homenagem virtual durante estes quarenta minutos. Apesar da situação de isolamento, não iremos deixar esta triste perda passar batido.
Helena, uma vida de luta
Militante da Marcha Mundial das Mulheres e também do PT, não faltava a uma reunião, atividade, encontro, manifestação. Participou das Marchas das Margaridas e de todas as caravanas para Curitiba por Lula Livre. Não tinha como não gostar da Helena, com sua animação, coerência, companheirismo e sensibilidade.
“A história de Helena se mistura com a história da Marcha Mundial das Mulheres, que ela ajudou a construir diariamente, nunca abrindo mão da luta radical, feminista, antirracista, socialista, por um mundo novo”, diz a nota do movimento. As militantes estão, todas, muito tristes com essa grande perda, e o isolamento imposto pela pandemia torna o consolo à distância mais difícil. “Nesse estranho momento do mundo, não sabemos bem o que o futuro nos reserva. Mas sabemos que a luta continua e que, na próxima vez que formos para as ruas e nos encontrarmos todas, da forma como gostamos, com nossas bandeiras e batuques, não haverá uma militante que não sentirá a falta de Helena, sempre presente”.
A Marcha das Mulheres Negras também expressou seu pesar: “Que o Órun a receba em festa! Virou nossa ancestral e fará imensa falta na luta”. No ano passado, Helena fez uma fala pública muito emocionante sobre sua ancestralidade, durante o ato do Dia da Mulher Negra Latino-americana e Caribenha, dia 25 de julho.
No ato de homenagem e denúncia no marco de um ano do assassinato de Marielle, Helena também fez uma fala poderosa: “Marielle representava a voz preta da comunidade, a voz das pessoas pobres, das mulheres e pessoas LGBT. Nós estamos aqui para honrar o nome de Marielle Franco. Ela não tinha medo, como nós aqui. Nós não temos medo”. E continuou: “as armas e o ódio estão no Brasil. Nós, mulheres negras, mulheres de luta, estamos aqui para combater esse ódio. Nosso trabalho é trazer a paz, a luta e a coragem”. E, por tudo isso e muito mais, seguiremos, levando o jeito único de Helena na lembrança.
As companheiras da Marcha Mundial das Mulheres enviaram algumas mensagens homenageando Helena e recordando grandes momentos. Vou começar e passo a palavra para as outras:
“Este é um dia triste. Daqui de casa, sem saber quando vamos poder nos aglomerar de novo, me sinto desorientada, sem entender direito o que realmente significa perder uma pessoa como essa, uma mulher que tinha, ao mesmo tempo, muita luta pela frente e também muita história pra contar. Uma perda enorme. Sei que não vou ouvir mais o “e aí, xará?” de praxe, de toda vez que a gente se encontrava… e como era bom ouvir, e como é triste só poder lembrar.”
“Perdemos mais uma. Helena juntava um alto astral, uma indignação, a radicalidade bem própria, olhava pro que a maioria não vê, baita mulher. Que energia e disposição militante para mudar o mundo, ensinar, aprender. Linda, linda.” Tica Moreno
“Uma frase sobre a Helena: alegria de viver. Em todas as vezes em que me relacionei com ela, nas atividades da Marcha e também no hospital, ela sempre via o lado bom das coisas. Alegria de viver de quem enfrenta a dificuldade com esperança. Aquela risada boa, gostosa, que ela dava. Ela sabia que a dificuldade estava vindo, mas não abaixava a guarda.” Lourdes Simões
“Hoje perdemos uma companheira gigante. Helena estará sempre conosco em nossas lutas. Uma vida inteirinha de luta para nos inspirar.” Fabiana Oliveira
“Ela nos deixa um grande legado a seguir, um misto de combatividade e alegria, ela não se curvou nunca! Ela seguirá conosco, em nossa luta, até que todas sejamos livres! Temos que nos apegar às coisas boas que a Helena nos ensinou. Coerência, essa força que ela emanava por onde passava… cada sorriso largo… as lembranças incríveis… lembram quando ela deu umas porradas no capanga do Alexandre Frota? E ela ia nas padarias da região para retirar alimentos e distribuir para os moradores de rua em Pinheiros. Muito solidária. Lembram que na Marcha das Margaridas comemos um super lanche coletivo? Comemos salgadinhos e bolos de uma dessas coletas.” Fátima Sandalhel
“Ela era livre, tão livre e forte. E esperançosa. Vai ser muito difícil seguir em frente nessa despedida.” Vick Rocha
“E no dia do golpe da Dilma, que ela subiu a rampa do planalto? Helena nos lembrava todo dia que precisamos ser rebeldes!” Carla Vitória
“Que tristeza, companheiras! A Helena foi mulher muito batalhadora, engajada, divertida. Se envolvia com tudo. Fará muita falta!” Jéssika Martins
“Que triste essa notícia. Era uma pessoa rara. Estava sempre disposta a compartilhar sua energia, alegria e capacidade de luta quando se tratava de ajudar as pessoas.” Maria Luiza Costa
“Helena fará muita falta para nós pessoalmente, para o feminismo e para o PT, ela era uma militante de esquerda no PT, sempre muito disposta na luta, não faltou em nenhuma caravana por Lula livre. À Helena, toda nossa gratidão. Por ter lutado por mundo mais justo, feminista e antirracista.” Sonia Coelho
“Ela era muito solidária. Lembro que, na primeira vez que fui a Brasília com a Marcha, ela me deu uma marmita e água, com todo cuidado comigo porque eu estava ali pela primeira vez. Jamais vou esquecer como ela me recebeu pra de braços abertos.” Salete Borges
“A Helena era dessas pessoas que a gente não precisa nem conhecer para saber que são fundamentais. Se percebe pelo jeito que os outros falam dela. A Helena sabia que feminismo não tem nada a ver com obediência. Nada. E lembrava a gente disso. Ela não titubeava, não pedia licença. O peito dói muito de tristeza, mas dá muita alegria lembrar destes momentos e saber que a vida é tão maior que esse projeto de morte que pretendem pra nós. A Helena nos ensinou isso. A não aceitar o inaceitável. Não aceitar que a vida seja uma coisa miserável. Não pode ser que seja.” Natália Lobo
A propagação exponencial do Covid-19 mediante contato social é um fato incontestável e qualquer medida na direção contrária ao isolamento doméstico deve ser prontamente repelida. Me pergunto como se dará tal isolamento no país da eterna Casa-Grande e Senzala.
O Covid-19 chegou ao Brasil através daqueles cuja condição econômica permitiu a realização de uma viagem intercontinental, ou seja, diminuta parcela da população. Um esforço diligente de isolamento deste restrito contingente ajudaria muito na contenção do espraiamento viral. Seria uma medida factível e democrática, caso não morássemos no último país a abolir a escravidão.
As relações econômicas (e, portanto, sociais) nacionais residem em grande medida na capilaridade quase infinita dos circuitos de renda que afluem da classe alta, média alta e simplesmente média em direção a um contingente enorme de pessoas menos afortunadas. Apoiados numa miríade de serviçais os integrantes da classe média e seus superiores não imaginam uma vida sem as benesses e mordomias da Casa-Grande.
Empregadas, faxineiras, lavadeiras, babás, porteiros, jardineiros, entregadores, piscineiros (ocupação genuinamente pindorâmica) dentre outros amenizam a vida dos supostamente vencedores. Não passa pela cabeça dos mesmos acordar às 7:00 sem encontrar a mesa posta, ainda que para isso a empregada doméstica – maior contingente ocupacional do Brasil com mais de 9 milhões de indivíduos – tenha que acordar às 4:30 para estar de avental “limpa e sorridente” ao desjejum. Arrumar a própria cama, lavar a própria louça, recolher a própria roupa, jogar o próprio lixo e abrir o próprio portão são atitudes impensáveis para uma sociedade nascida do escravismo.
A escassez de oportunidades faz com que milhões de pessoas diariamente, na busca pela sobrevivência, vão ao encontro dos transmissores do Covid-19. E, na volta para casa, em ônibus e metrôs lotados, contaminem a grande parcela da população que nunca saiu do seu massacrante cotidiano. Ao chegarem em casa, a disseminação nas moradias mais precárias, principalmente nas favelas, tem enorme potencial propagador.
O Covid-19 poderia ser uma oportunidade para repensarmos o absurdo da sociedade excludente assentada na exploração dos serviçais baratos; da desigualdade, da injustiça, do preconceito, da dor e da tristeza. Mas a força de destruição do Covid-19 é menor que o carma da construção e consolidação de uma sociedade eternamente alicerçada no fantasma do escravismo. A primeira medida correta a ser tomada, a de isolar os endinheirados viróticos de seus serviçais, provavelmente nem será levada em consideração. Pelo contrário: hoje foi anunciada a morte da primeira empregada cujos senhores, conscientes da própria contaminação, não a dispensaram do serviço.
No Brasil, mais do que qualquer outro lugar, os mortos governam os vivos.
Elisa na terra de Eça: “o mundo está assistindo nossa dor” – foto: Jonathan Estrella
Estou em Póvoa de Varzim, terra de Eça de Queiroz, lindo lugar que pertence ao distrito do Porto, lançando o livro “A fúria da beleza” por uma editora luso cabo-verdiana, Rosa de Porcelana… Uma beleza. Somos muitos autores neste Encontro Internacional Literário bem chamado de Correntes D’Escritas. O país que nos colonizou vai muito bem, respeitando as artes e as ciências humanas e exibindo escolas públicas de altíssima qualidade. Pois vai muito bem mesmo este nosso Portugal. (não se preocupem não vou morar aqui… rsrs). É nutrição de esperança ver Portugal brilhando como esquerda europeia. O pequeno imenso país vai mesmo muito bem.
Meu coração brasileiro é que não.
Tenho vergonha do desmonte lá de casa. Vim representar um país cujo governo o despreza e o ataca diariamente. Para ele, fodam-se os índios, os pretos, a diversidade de gênero, a Amazônia, nossos metais valiosos, nossos museus, nossas universidades, nossa ciência, nossa pesquisa, nossa sustentabilidade, a soberania nacional. A elite brasileira não perdoa um governo que olhe para o povo. Por isso o ministro da justiça Sérgio Moro não luta mais contra corrupção; notaram? Se esqueceu da possível armação rachadinha do Queiroz, faz vista grossa para milícias e tudo que possa ferir o poder que alcançou negociando cargo em plena gestão de suas condenações da lava jato. Moro parece só pensar agora em ser o próximo presidente, e não tem tempo para a justiça. Tampouco se explica ao país. O poder é mais um dos seus brinquedinhos, coisa de menino rico que só sabe ser o dono da bola e ganhar sozinho o jogo. Nada pra ele é do coletivo. Não está nem aí pro genocídio da juventude negra pois, em sua balança cega para os que dela precisam, pesa a desigualdade. A cada hora uma criança perde a vida no Rio de Janeiro na chamada guerra contra o crime. E só é assassinada criança preta e pobre. Os petroleiros estão em greve. A cada hora um trabalhador perde ainda mais sua possibilidade de trabalho na constante desindustrialização do país por parte deste governo. Também, fodam-se os trabalhadores pois o ministro da economia quer o dólar alto por que não quer saber desta farra de domésticas viajando pra Disney sem parar, já que, a sonhada bobagem de grandes bonecos de Mickey e Pateta, é simbologia branca da classe média, e de quem tem dinheiro. Não é pra pobre não, senão vira bagunça. O presidente é racista, homofóbico, misógino e publicamente sem qualquer pudor, desrespeitador das mulheres e de várias vastas “minorias”. Tenho vergonha dele. Aqui ainda me sinto mais mal. Trago um Brasil doente no peito. Na internet do mundo rola o fedor da nossa roupa suja. O pessoal aqui tá sabendo. O ataque baixo do presidente à jornalista Patricia Campos Mello, ao jornal Folha de S.Paulo e a toda imprensa independente que o está criticando, todo mundo tá sabendo. Que horror! Socorro! Estou num festival de letras representando um país cujo presidente não me representa, não acredita nas letras e que, em nome de deus quer que o pobre continue pobre e não tenha dignidade nem saída. Estou representando um país cujo presidente se tornou internacionalmente metáfora de coisa ruim. Referência de despotismo, de fascismo, de atraso. Todos o sabem. Perguntam-me nas ruas daqui estarrecidos. Na lanchonete o rapaz que faz o sanduíche me questiona: “O que aconteceu ao Brasil? O homem só faz estragos! Só diz asneiras! E a Regina Duarte, será que não vê isto, oi?”
Por isso, declaro aos presentes aqui: Sei que o mundo está assistindo nossa dor.
Nossa democracia sofre duros e sucessivos golpes numa nocauteante sequência. Estava num bom caminho e nitidamente desandou aos nossos olhos e aos olhos do mundo que sinceramente tinham o Brasil num imaginário de um notável país, amante da liberdade e em desenvolvimento que, reduziu a fome, ostentou o SUS como melhor atendimento de saúde pública do mundo, zerou o analfabetismo, foi referência no combate à Aids. Fez o dinheiro circular e o trabalhador começou a poder andar de avião. Diminuiu com forte impacto a população abandonada e moradora das ruas das grandes cidades. Preto, indígena e pobre ocupando lugares nobres nas PUCs e outras importantes Universidades, LGBTQI+ avançando nitidamente ao seu lugar legítimo de cidadania.
De repente, o tempo virou.
Rapidamente o Brasil sai deste lugar pra virar constrangimento? Para citar e namorar os conceitos nazistas em pleno 2020? Enquanto as universidades do mundo estudam e aplicam o método Paulo Freire de ensino o presidente o ataca, ofende sua memória, importância e saber, na cara de quem o estudou? O presidente se volta contra a literatura, o cinema, os artistas, os professores, os direitos humanos? Enquanto os terreiros de candomblé e umbanda são atacados e vilipendiados por neo fundamentalistas, a Damares faz de seu ministério um templo, defende abstinência sexual para os jovens e o Estado, que era laico, faz culto evangélico na assembleia do Rio???!!!! O racista Sérgio Camargo insiste em assumir a Fundação Palmares, criada para defender os direitos dos negros! O cara está sendo imposto como um lobo destinado a cuidar das chapeuzinhos. Ele tem sede. É capitão do mato. É como designar um pedófilo para coordenar uma creche. Mas venho avisar a este mundo que estamos lutando. O senhor Sérgio não nos representa e não vai ocupar a presidência que leva o nome do Quilombo mais poderoso de que já se teve notícia. Quem trai Zumbi não ocupará Palmares. Este presidente não nos representa. Falo em nome dos que nunca acreditaram neste governo e também dos que por ele foram traídos e só agora estão entendendo. E parabenizo os nossos constitucionalistas, os ativistas, os bravos parlamentares, os professores, os estudantes, os petroleiros, povos da floresta, povos das favelas, povos quilombolas, ambientalistas, aqueles que de suas trincheiras não cansam de lutar. Bolsonaro não tem partido nem tem o congresso. Se cercou de militares, e não aceita que nem todo seu desejo possa virar decreto. A lei o atrapalha. O congresso e a constituição complicam sua vida.
O Brasil se revelou na sua hipocrisia:
Está mais assumidamente racista, perdido nas fake news, vendo atrocidades em nome de Deus, da pátria e da família. Mas está cada vez menos explicado: de qual Deus, de que pátria e de qual família fala o presidente? E quem entrou pelo sistema de cotas na universidade está entendendo sim e explicando pro seu pessoal, esclarecendo, conscientizando. Agora temos mais advogados pretos, temos rede social filmando as barbáries, desafiando e esfregando na cara da sociedade a realidade que ninguém quer e ninguém queria ver. O mundo mudou. O país é novo e complexo. Por isso advogados rapidamente se apresentaram diante do abuso sofrido por Raull Santiago. Sempre foi assim pros pretos. Desde o nosso holocausto que durou 400 anos. Há muito nos matam por lá. Por isso o governo Lula criou a Secretaria Especial da Igualdade Racial que este governo fez questão de acabar. Mas agora todo mundo vê. Lê. A fofoca é geral. Salva, comenta e compartilha. Estamos mais articulados do que nunca e, embora mais silencioso do que o conjunto de seus algozes, o quilombo contemporâneo se avoluma. A minoria está ficando do tamanho da maioria que é. É ao vivo, em tempo real, sem edição. Haverá revolução.
Agradeço a esse encontro das Correntes D´Escritas, lugar onde a palavra é celebrada, em que várias vezes o Brasil foi citado como uma preocupação mundial. Sei que vocês sabem que o Brasil não é um caso isolado, e a retrógrada e insana mão da extrema direita ameaça o mundo. Por isso o Brasil percebe a solidariedade de todas entidades do planeta comprometidas com a igualdade, sabedora de que a desigualdade não produzirá a paz. Aproveito para compartilhar uma das lições que a nossa democracia duramente está recebendo: Nós da esquerda temos que nos livrar de costumes separatistas, preconceituosos que engendramos e praticamos em nossa política do cotidiano, e dos quais se aproveitam as forças conservadoras. Enquanto formos machistas, racistas e homofóbicos na vida íntima ou coletiva, mais estaremos vulneráveis ao nazismo e ao fascismo. Agradeço a este país que me recebe de braços abertos, aos escritores e poetas do mundo que cá estão, e faço questão de vos lembrar as palavras de Martin Luther King: “A injustiça num lugar qualquer é uma ameaça à justiça em todo o lugar”. Há um país que não aceita mais o racismo explícito do jornalista William Waack ou do Rodrigo Bocardi e que, apesar de sofrer toda a peste da evangelização tóxica em toda parte a dominar as mentes com seus moralismos, há um país cuja população adulta é filha da liberdade, e seus filhos mais ainda. Há uma país que não abrirá mão desta liberdade, que não a negociará, e que não vai parar de fazer amor, nem de exigir saber quem mandou matar Marielle!
O MTST (Movimento Trabalhadores Sem Teto) se propõe a mais uma ocupação de peso em São Paulo, mas desta vez sem lonas, buscando uma construção coletiva para a câmara municipal da maior cidade do país. A chapa, formada por três mulheres negras do movimento, é um dos maiores desafios lançados depois de o coordenador nacional do movimento, Guilherme Boulos, ter saído pelo PSOL para a presidência, em 2018.
Débora Pereira, Jussara Basso e Tuca (Valdirene Cardoso) formarão a chapa que vai ser lançada pelo PSOL. O anúncio de que pretendem concorrer aconteceu no Teatro Oficina, região central de São Paulo, no dia 11 de dezembro de 2019, e contou com a presença de Guilherme Boulos e Juliano Medeiros, presidente nacional do PSOL, entre outros.
As três candidatas coordenam ocupações em diferentes regiões da cidade e, com isso, buscam trazer experiências de cada um desses espaços das “periferias de São Paulo que são, quase, municípios diferentes” e que, distantes e diversos, compõem a cidade. Cada uma trilhou um caminho diferente, mas chegaram até o MTST buscando encontrar sua casa. Ao que parece encontraram mais do que isso, como espaço para falar e serem ouvidas “nesse movimento que empodera mulheres”.
Na cidade que tem hoje uma câmara municipal com 9 vereadoras entre 55 cadeiras, a chapa coletiva tem conceito similar à chapa coletiva estadual na Assembleia Legislativa de São Paulo, (Alesp), a Bancada Ativista, formada hoje por vinte uma pessoas. A novidade da chapa proposta pelo MTST é que Débora, Jussara e Tuca são do movimento e buscam trazer “aquilo que a gente aprendeu dentro do MTST, todas as nossas lutas, é o que vamos procurar garantir para nosso povo. Não só o povo do MTST, como todo o povo comum, que luta. Todo o povo periférico, trabalhador”.
A câmara tem sido, desde o começo dos mandatos atuais, em 2016, um espaço de forte apoio para o prefeito Bruno Covas (PSDB), que no final de 2018 conseguiu aprovar a reforma da previdência no município e tem visto diversos projetos seus aprovados Dos 55 vereadores apenas nove são do PT e dois do PSOL.
Quem são
Débora Pereira durante ato no Teatro Oficina Foto de Lucas Martins / Jornalistas Livres
DÉBORA
“Meu primeiro contato com MTST foi em 2007. Em uma ocupação perto da casa dos meus pais, em uma região construída com mutirão. Meu pai foi ver como se organizava e depois de conhecer fiquei um tempo, mas depois me afastei. Já em 2012 eu resolvi entrar no movimento para fazer minha luta por moradia, na ocupação Novo Pinheirinho do Embu, que levou o nome por conta do massacre que aconteceu no despejo violento do Pinheirinho original, em São José dos Campos. Eu fui somente como acampada, na época eu trabalhava no E.C. Banespa como cozinheira e à noite eu fazia minha faculdade. Nessa ocupação, eu queria ser coordenadora, mas as condições não permitiram, porque tinha meu filho e as questões da faculdade. E algo me encantou muito nessa ocupação: eram as mulheres que tocavam, mulheres que cumpriam o papel da coordenação, mulheres que faziam assembleia. Eu fui com objetivo da moradia, mas fazíamos lutas diversas: lutávamos por vaga na creche para crianças da região, por melhoria de transporte e por melhoria de saúde. Isso me instigou, chamou minha atenção. Em todas as lutas que a gente foi, nessa ocupação, a gente saiu com alguma conquista, resultado. Isso me encantou no MTST. Eu queria muito, muito mesmo, entender direito o movimento. Em 2013 terminei minha faculdade e a gente foi ajudar uma galera em outra ocupação, na região do Campo Limpo, a ocupação Dona Deda. E decidi que queria ser coordenadora, nesse movimento que empodera mulheres. Antes de conhecer o MTST eu não falava, era travada. A gente vive numa sociedade que fala ‘lugar de voz, lugar de liderança, não é de mulher’ e nas rodas de conversa nas ocupações sempre o movimento empoderava isso. Hoje eu organizo a ocupação Marielle Vive, na zona norte. Essa ocupação é um grande orgulho, foi o povo que escolheu esse nome, já que a ocupação aconteceu pouco tempo depois da morte da Marielle e todo mundo estava muito revoltado. Escolhemos o nome porque Marielle seria o exemplo da luta para a gente. Uma mulher, mulher negra, que veio da periferia e lutava pela periferia. Que denunciava o genocídio, o massacre do povo negro. O povo todo clamou para que o nome fosse Marielle Vive, pra que a gente não deixasse cair no esquecimento a luta dela e que a ocupação fosse uma semente de Marielle.”
Jussara Basso durante ato no Teatro Oficina Foto de Lucas Martins / Jornalistas Livres
JUSSARA
“Entrei no movimento buscando minha moradia, em 2012, na ocupação Novo Pinheirinho de Embu das Artes. E identifiquei com as propostas políticas do MTST e estou até hoje. Acho que o que me seduziu a permanecer foi essa construção coletiva, essa ideia de você fazer parte de algo muito maior do que você mesmo.”
Tuca durante ato no Teatro Oficina Foto de Lucas Martins / Jornalistas Livres
TUCA
“Tenho 46 anos. Nasci em São Paulo. Sou de uma família de sete irmãos, comigo. Filhos de pais mineiros. Conheci o MTST em 2014 quando se instalou aqui em Itaquera a [ocupação] Copa do Povo. Em 2014 tivemos a conquista do terreno e lutamos ate hoje para a conquista da obra. Em 2 de junho de 2015 foi fundada a ocupação Dandara dos Palmares, no Jd Alto Alegre. Nisso fui até lá com companheiros e passamos a tocar aquela ocupação. Que já tem o empreendimento pronto, para ser entregue no próximo ano. Para 216 famílias.”
O que é a mandata do MTST?
Tuca: “Tudo aquilo que a gente aprendeu dentro do MTST, todas as nossas lutas, é o que vamos procurara garantir para nosso povo. Não só o povo do MTST, como todo o povo comum, que luta. Todo o povo periférico, trabalhador. É o que a gente pretende buscar, fazer a mudança, dentro da câmara. Ocupando a câmara enquanto mulheres. MTST ocupando. Mostrar o valor que nós mulheres temos, nós do MTST, nós que lutamos. Até onde podemos chegar e revolucionar em cima disso tudo. É um mandato coletivo de mulheres, pra isso mesmo. A câmara não foi feita para as pessoas ficarem lá. Se aposentarem lá dentro, ocupando a bancada, sem ao menos darem os nossos direitos. Chegou a hora de a gente chegar lá e fazer essa mudança, com o mandato coletivo de mulheres. Estamos lá para ocupar, não para ocupar por um espaço de tempo indeterminado, mas sim pra fazer a mudança e renovação.”
Jussara: “A principal ideia, principal bandeira, é a representatividade. A gente tem apenas nove mulheres vereadoras hoje na câmara. Nenhuma delas é negra. A principal experiência que surge de tudo isso é que nós três atuamos na construção coletiva. Na desconstrução dessa cultura de colocar a mulher em segundo plano na sociedade. A experiência de luta do MTST traz esse sentido do coletivo, da construção da unidade. Da solidariedade. O dialogar com a quebrada e saber o que rola e quais são as mazelas. Aquilo que dói na pele de quem mora do lado de cá. Isso é uma característica muito nova e principal. E retomar o trabalho de base, que foi abandonado por uma parte da esquerda, que é você estar nas bases, estar com as bases e, a partir disso, construir propostas de políticas que atendam reinvindicações que estão esquecidas. Você anda na quebrada e vê a falta de segurança e aqueles que deveriam garanti-la são os primeiros a oprimir, violentar e assassinar jovens. Você anda na quebrada e vê a falta de saneamento básico, de iluminação, de lazer, de cultura. Vê que a saúde pública está cada vez mais sucateada. Vê que as pessoas estão se virando como podem pra gerar renda para suas casas e que não existe uma política que realmente incentive isso. Tem muita coisa para fazer. Muita coisa. E ouvir as pessoas vai trazer elementos para a construção de políticas públicas muito efetivas e potentes. Eu acredito que, sinceramente, ocupar a câmara vem no sentido de ocupar a política com consciência. Consciência social – é isso que significa. Imagino que seja muito necessário que, no debate eleitoral de 2020, a gente traga muita qualidade a discussão sobre esse avanço neoliberal, que vem retirando direitos. E esse avanço de uma direita radical que persegue o pobre, o preto, o favelado, a mulher, o homossexual. A gente precisa ser a resistência dentro dos espaços institucionais. É um grande desafio, sem dúvida, mas acho que tudo que a gente construiu até aqui, enquanto MTST, vai ser uma ferramenta importante pra dentro da instituição.”
Débora: “O que as pessoas podem esperar é que haverá vereadoras que, de fato, vão representar os seus interesses. A gente sabe que a luta não vai ser fácil, mas estando lá dentro vamos dar voz ao povo da periferia, vamos pontuar as dificuldades e trazer melhorias para a periferia, porque na maioria das vezes grande partes dos políticos que estão lá, não estão para representar o interesse da maioria do povo da periferia. Estão lá para representar interesses individuais ou de uma minoria. Se a gente chegar lá, com certeza, na câmara vai ter voz da periferia. Vai ter voz dos sem teto. Vai ter voz das mulheres. Vai ter voz do povo negro.”
Projetos
Débora: “Existem questões que são diferentes e outras que são iguais. As questões da violência policial contra a periferia e de falta de creche são iguais. Mas, conversando entre nós três, percebemos que outras questões manifestam-se de forma diferente. Por exemplo. Na zona leste e norte temos um problema sobre algumas escolas que estão sendo fechadas por conta do argumento de não ter demanda e a gente que mora na região sabe que tem muita demanda. Muitas pessoas que tinham escola do lado de sua casa estão tendo que procurar escola em lugares mais distantes, por conta do fechamento. Outra coisa que é muito forte na zona norte é a questão da saúde, da falta de médicos ou cada dia um médico diferente, além de remédios faltando, da falta de saúde voltada para mulher ou conseguir consultas especializadas. A infraestrutura também é outra falta grave. Na sul, a Ju pode comentar melhor, a questão muito forte na luta da mobilidade e o trânsito para chegar ao centro. Não é que na Norte não exista essa luta, mas sem tanta força. E na Leste, pelo que já escutei da Tu, tem muito da questão da saúde e fechamento de escola. O legal de serem três regiões diferentes é que as lutas que têm em comum a gente pode pegar as experiências de uma região para a gente tentar aprender e nos fortalecer. Ver que a gente vive numa mesma cidade, com regiões diferentes e vários problemas diferentes.”
Tuca: “O contraponto agora é o olhar da periferia, trazendo as pautas da periferia pra cidade. Como a da saúde, educação, transporte e segurança. Esse é nosso ponto de vista, trazer as pautas periféricas enquanto MTST.”
Jussara: “Existe uma diversidade nas periferias de São Paulo que são, quase, municípios diferentes. Não dá pra você pautar a periferia de São Paulo, sem singularidade. É muito diferente. As pautas de reivindicações basicamente são as mesmas. Mas as pautas prioritárias dessas regiões diferem. Se pegamos o extremo sul, já mais pro Jd Ângela, é muito forte o debate sobre a mobilidade urbana, lá tem um afunilamento do trânsito local, na estrada do M’Boi Mirim que liga, inclusive, as cidades da região metropolitana (Embu, Embu-Guaçu, Itapecerica da Serra) ao município de São Paulo e a região central. Por outro lado, é uma região extremamente populosa, com a necessidade de transporte público muito grande o que causa problemas gravíssimos. São debates muito antigos, como a duplicação da M’Boi e as remoções necessárias para essa duplicação, já que famílias inteiras vão perder suas casas e precisam ser indenizadas. Outro debate antigo, como o Metrô JD Angela, e as remoções necessárias para a ampliação necessária da linha Lilás do Metrô. E se você for para a zona leste o debate é muito grande sobre os fechamentos dos cursos noturnos das escolas. Houve uma mobilização muito grande dos estudantes, nesse sentido. Lá também é crescente a discussão sobre saúde pública, sendo uma região superpopulosa. Já na região norte você tem outras caraterísticas de debate, que também traz as suas prioridades mais locais. As companheiras vão poder trazer elementos que eu não tenho acúmulo suficiente. Mas você percebe que existe essa diversidade e mesmo aqui na sul, onde moro, você tem três extremos (Grajaú, Jd Angela e Macedônia, que está no limite da cidade, o que traz mais carências porque o poder público não alcança os limites municipais). A cidade de São Paulo tem uma diversidade de debates e necessidades muito grande e de prioridades. A gente precisa trazer essa pluralidade para dentro do institucional. Os vereadores, os políticos de carreira, essas pessoas que estão sentadas há décadas na cadeira do poder público, elegem a sua região, seu curral eleitoral, e ali eles fazem políticas de acordo com seu eleitorado, mas sem atender toda a população local. E só se pautam no período eleitoral, depois esquecem. Outra questão é o orçamento que vem das emendas parlamentares e muitas vezes é destinada para um grupo específico e não atende a população. Precisamos, realmente, democratizar a política. Para além da candidatura do companheiro Guilherme Boulos, ano passado, essa nova candidatura, esse novo período eleitoral traz pra nós a possibilidade de trazer pra pessoas, claramente, o que é o cargo, quais são as competências do cargo.”
Como vai ser a pauta da moradia e a relação com o MTST?
Tuca: “Isso vai depender de nós mesmos, MTST, enquanto ocupação lá dentro da câmara. Tudo vai depender de nós. A influência vai ser muito forte e positiva. Vai fortalecer mais ainda os movimentos sociais, não só o MTST. Estaremos lá por todos.”
Débora: “No nosso programa político uma das pautas principais vai ser a questão da moradia. A gente está vivendo uma situação em que não existem mais políticas habitacionais. O foco na nossa mandata vai ser a questão de moradia”
Jussara: “O município lançou agora uma proposta de COHAB faixa 1, que vai seguir os mesmos métodos do programa Minha Casa, Minha Vida (MCMV), no sentido de produzir habitação no município. Uma grande questão é pautar as leis de zoneamento, como temos áreas municipais que podem se tornar ZEIS [Zonas Especiais de Interesse Social], que podem atender a moradia popular. Existem famílias cadastradas há mais de trinta anos e nunca foram atendidas. Você precisa produzir habitação de acordo com o déficit. Também a questão do número de imóveis na cidade que permanecem vazios e precisam ser discutidos – de que forma a gente consegue estabelecer políticas públicas de combate à especulação imobiliária para que tenha casa para quem precisa de casa? A população de baixa renda precisa acessar os espaços centrais da cidade. Entrar na discussão do direito à cidade é de extrema importância. O exemplo do que aconteceu em Paraisópolis, aquilo que aconteceu com aqueles jovens, está ligado a essa ausência de acesso. Um transporte caro que as pessoas não conseguem acessar a cultura, o lazer, que estão mais presentes na região central. Assim procuram da forma que podem morar, se divertir, estudar, trabalhar. Essa mandata não pode e não vai ser um mecanismo exclusivo do MTST, mas sim um mecanismo de discussão de todas as políticas necessárias para atender todas as pessoas que precisam de políticas sociais. É de fundamental importância que a gente tenha interlocução com diversos movimentos, com diversos personagens que atuam no sentido de trazer mais direitos para as pessoas.”
As futuras candidatas durante ato no Teatro Oficina Foto de Lucas Martins / Jornalistas Livres
Estação Primeira de Mangueira: Filhos da Liberdade
Quando soube donovo enredo da Mangueira, gostei de cara. Nutriu minha esperança. É muito poderosa a força narrativa da Sapucaí. A festa tem impressão espetacular, grifando bem a etimologia da espetaculosa palavra. O carnavalesco Leandro Vieira sabe certamente da força educacional política de uma escola e não vem medindo esforços para mirar no esclarecimento do povo brasileiro sobre as questões que dominam seu cotidiano e em usar a arte popular do rei momo pedagogicamente. Pelo que entendo do que li do enredo, Jesus Cristo volta ao mundo, o encontra extremamente intolerante, e o que é pior, em seu nome. Isso o desagrada. É realmente perigosa, escandalosa e abismal a diferença da vida e do pensamento entre Jesus Cristo e o que se tornou a igreja católica e as neopentecostais.
Chocante.
Ele não era intolerante nem preconceituoso. Sabemos que Cristo não era branco nem pregava riqueza! Ao contrário, vivia entre pobres, hippies e putas, e não estava em seus planos ver um fiel aos seus princípios um dia dizer: “Agora encontrei Jesus e já tenho dois carros”. Tanto que, desde que chegou ao Vaticano , o valente papa Francisco atua seriamente na desconstrução de toda pompa de tal império da fé e de tudo mais que afasta a igreja dos verdadeiros fundamentos cristãos. Não é tarefa fácil. Tudo está muito torto.
E o mundo está confuso. O Brasil numa maré de azar sem tamanho. Avançam as forças conservadoras numa miscelânea de ignorância radical e pregação de ideologias que não se assumem como ideologias, mentiras vestidas de verdades, e tudo isso leva nossa comunicação à beira do caos. Que confusão é essa?
Mata-se indígena em nome do desenvolvimento, nudez é crime mesmo sendo o nosso figurino original, condena-se a sexualidade como se fosse pecado, enquanto as igrejas cometem há séculos a desfaçatez de terem templos espalhados pelo nosso país com categorias separatistas e nomeados como igrejas dos escravos ou dos pretos e ninguém repara? Destroem terreiros, atacam babalorixás e ialorixás, e tudo em nome da fé, do bem, da família. Fé em quem? Bem de quem? E de que família? Nessa febre insana que inclui moralistas, terra-planistas em pleno século XXI, temos um presidente desmatador do Brasil que imita o presidente americano que ama armas e guerras e de cuja performance o mundo tem vergonha, e ainda uma ministra da Secretaria especial da mulher que é contra o feminismo, que faz do seu gabinete uma sucursal de sua igreja, e que, agora, inventou de propor a não-vida sexual entre adolescentes e jovens.
Socorro, “… o mundo está ao contrário e ninguém reparou?” Realmente Jesus vai ter muito com que se espantar com “isso daí”. E o enredo vai fazer muita gente refletir a partir da Sapucaí.
Estamos todos atordoados. A cada porrada, uma ação judicial, a cada inconstitucionalidade uma reação imediata dos direitos humanos, uma busca desesperada da sociedade que ainda pode usar a Constituição como um escudo contra as barbaridades que estão levando nosso país ao seu pior lugar de evolução diante de todos os avanços que havíamos conseguido nas últimas décadas. Uma merda geral. As milícias no poder, o Ministro da justiça afundado na falta de ética, comprometendo a imagem geral dos juízes, e um governo despreparado para compreender a complexidade do Brasil de agora, que ainda tem coragem de afirmar, esquizofrenicamente, que a economia vai bem, quando nenhuma economia pode ir bem chafurdada na desigualdade, nas injustiças sociais, na violação dos Direitos Humanos no extermínio das populações indígena e negra. É como dizer: “A economia daquela casa vai muito bem, só estão todos desempregados, não têm como se sustentar, as crianças da casa não tem boa alimentação, educação e saúde pública de qualidade, o pai é preto e pobre, por isso pode ser assassinado a qualquer momento, um dos filhos é gay, lésbica ou trans e por isso pode ser assassinado a qualquer momento, a mãe sofre violência doméstica, por isso pode ser assassinada a qualquer momento. Mas a economia daquela casa vai muito bem”. Não sou economista mas sei que se trata de uma ciência que se relaciona com outros fatores definidores. Nossa economia vai mal, meus senhores. Milhões de desempregados circulam desesperados na espiral da falta de perspectivas. Se eu fosse nossa querida e competente Flavia Oliveira, teria mais argumentos aqui. Mas o pouco que sei diz que isso não está certo, que vamos mal sim.
Porém, brilha uma luz no fim do túnel:
O que insanos conservadores não perceberam é que não adianta uma determinação para que jovens não façam amor, agora uma ordem. Quem vai obedecer? É tarde demais. Ninguém vai querer parar de transar e quem ainda nunca, não vai querer mudar a regra do jogo logo na sua vez. Nos 35 anos que nos separam do fim da ditadura, desenvolvemos uma profunda revolução amorosa começada mundialmente em 1968, encabeçada por jovens exigindo a liberdade de sua sexualidade, na base do “faça amor, não faça guerra”. Desde então nossos jovens estão transando em casa, na casa dos seus namorados e namoradas, e os pais sabem, orientam, ensinam prevenções sem hipocrisia e com responsabilidade. Esta é a luz: a nova gente.
Sou de uma geração que nasceu na ditadura e viu, e participou da luta pela restituição da liberdade e da democracia. Uma dura luta contra a censura e pela liberdade de expressão. Vi meu pai queimando livros no meio da noite no fundo do quintal. Temia ser descoberto como homem de pensamento livre, como amante da liberdade e igualdade para todos. Eu sou filha de quem lutou pela liberdade. Herdeira desta bandeira. Ter vivido essa história fez com que nós também lutássemos para que nossos filhos tivessem garantida a liberdade que um dia nos faltou .Vinte anos de ditadura fizeram muito mal ao país, creiam-me! Gênios, intelectuais, estudantes, artistas, professores, pensadores, pesquisadores, jornalistas, pessoas cujo único crime foi lutar pela liberdade, foram torturados e mortos. A ditadura insistia em ser chamada de revolução quando na verdade foi um duro golpe militar. Nesse tempo todos nos tornamos guardiões dessa liberdade e lutamos diuturnamente para preservá-la. Imagine o que farão então os que nunca viveram sem ela? Quem nasceu com esse grito –gozo da liberdade de expressão– solto não vai querer saber de outro rumo pra esta prosa e não vai se entregar assim .
Greta Thumberg, esta menina ativista sueca que está puxando a orelha dos adultos pela bagunça climática no mundo, não é um caso isolado. Os jovens estão estudando sustentabilidade em todos os sentidos. Estão atentos à contemporaneidade, à diversidade de gênero e enquanto negros e indígenas estão se tornando antropólogos, sociólogos, filósofos, e estão de olho nas contradições do país que caminha trôpego sobre profunda desigualdade. Sabem que dessa injustiça não poderá brotar a paz.
São os filhos da liberdade e não a entregarão com facilidade, nem imaginam o mundo onde não possam circular livres e expressarem sua opinião quando quiserem, à hora que quiserem e sobre o que quiserem. Não conhecem outro regime. Não estava nos seus planos. Os filhos da liberdade nasceram com o DNA de sua preservação. Seus pais lutaram pelas minorias e acharam maneiras alternativas para lhes prometer um mundo melhor. Lutaram por suas crenças, ervas e opiniões. Não será uma luta fácil, mas confio na força de quem nasceu numa casa onde a repressão deu lugar à uma educação sincera, verdadeira, informal e respeitosa.
Claro que também há os “jovens de direita” (ó triste encontro de duas palavras tão antônimas), mas ainda assim eu acredito que, como diz o poeta Manoel de Barros, “A liberdade é como água, caça jeito”, acha um modo de escoar. Não vão nos levar tudo na mão grande, haverá luta. Há luta! E os filhos da liberdade não vão negociá-la nem medir esforços para honrá-la. O carnavalesco da Mangueira é um filho desta grandiosa prole. Na esteira destas batalhas para assegurar nossos direitos veio o direito ao nosso pensamento livre, o direito à homoafetividade e à transexualidade sem condenação, veio o anticoncepcional que fez com que pudéssemos decidir e programar gestações, veio a mulher no mercado no trabalho, veio o homem se reconfigurando e se despoluindo de seu machismo tóxico.
Nosso grande quilombo misto somado aos que vieram depois de nós não é nada pequeno. Ou seja, estamos todos, os da tribo imensa da liberdade, dispostos a não perdê-la de modo algum. Confiemos nos frutos da liberdade e aí veremos que os filhos dela jamais fogem à luta.
A violência armada no Rio de Janeiro fez uma nova vítima nesta terça-feira. Ketellen Umbelino de Oliveira Gomes, 5, foi atingida por uma bala perdida quando ia para a escola acompanhada da mãe, em Realengo, zona oeste da cidade. Ela chegou a ser levada para o hospital Albert Schweitzer, mas não resistiu. Além de Ketellen, Davi Gabriel Martins do Nascimento, 17, também foi morto por um projétil de arma de fogo. De acordo com a Polícia Militar, os disparos que mataram ambos foram feitos a partir de um veículo que passava pelo local —os ocupantes ainda não foram identificados.
A jovem engrossa uma triste estatística fluminense: é a sexta criança morta por bala perdida no Rio de Janeiro neste ano. Em fevereiro, Jenifer Gomes, de 11 anos, foi baleada em Triagem, na zona norte da cidade. Um mês depois foi a vez de Kauan Peixoto, 12, ser morto durante uma operação da Polícia Militar na Chatuba, Baixada Fluminense. Maio foi marcado pela morte de Kauã Victor Rozário, 11, na Vila Aliança, em Bangu, enquanto ele andava de bicicleta —PMs são suspeitos do crime. Em setembro Kauê Ribeiro dos Santos, 12, morreu ao ser atingido por disparo na cabeça no Complexo do Alemão (familiares dizem que ele foi morto por policiais). Por fim, a pequena Ágatha Félix, de 8 anos, foi morta em outubro também no Complexo do Alemão, enquanto estava em uma van. Outras dez crianças foram atingidas este ano, mas sobreviveram, segundo a plataforma Fogo Cruzado.
Estes episódios de violência, que geralmente aconteceram em consequência de ações policiais nas comunidades, colocaram o governador Wilson Witzel (PSC) na mira dos críticos —ainda que no caso de Ketellen não haja evidências até o momento disso. Ele sempre foi um defensor do enfrentamento entre forças policiais e tráfico, independentemente do impacto que essa política possa ter para os moradores. Durante o mandato de Witzel também dispararam as mortes cometidas por agentes do Estado: houve um aumento de 16% nos primeiros oito meses de 2019 com relação ao mesmo período do ano passado.
Segundo estudos, mais de 90% das mortes cometidas por policiais em operações não são devidamente investigadas e acabam arquivadas, um estímulo à impunidade. Relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito dos Autos de Resistência (nome dado para ocorrências com morte envolvendo PMs) da Assembleia do Rio, de 2018, concluiu que 98% dos casos ocorridos entre 2010 e 2015 foram arquivados.
O caso de Ágatha foi emblemático deste padrão: de acordo com a revista Veja, entre 10 e 20 policiais invadiram o hospital para onde ela havia sido socorrida e exigiram dos médicos a bala retirada de seu corpo, o que não conseguiram. A conclusão óbvia é que eles buscavam dificultar a apuração do caso, e a munição poderia apontar para um disparo feito por agente do Estado.
O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, chegou a propor em seu pacote Anticrime a ampliação do excludente de ilicitude (ocasiões nas quais o policial poderia matar sem responder criminalmente). O texto elaborado pelo juiz previa, por exemplo, que o PM que matar agindo sob “forte emoção” não seria processado. Alvo de críticas, este trecho foi suprimido pelos parlamentares. Uma versão da proposta deve ser votada ainda este ano no Congresso.