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Categoria: MSTC

  • Contra vírus, filantropa se une a líder sem-teto: “Juntas conseguimos mais”

    Contra vírus, filantropa se une a líder sem-teto: “Juntas conseguimos mais”

    Por Flávia Martinelli, do blog MULHERIAS


    Em meio à pandemia do coronavírus, duas mulheres estão preocupadas. É preciso agir com urgência. Cada uma a seu modo, então, começa a articular as próprias redes de contatos. Ouvem ideias, buscam dados, sugerem e recebem propostas. Os dias, as horas e os minutos frenéticos de cada uma são ocupados por questões muito mais pontuais do que com as polêmicas do presidente sem rumo. O número de infectados aumenta, o confinamento exige condições de sobrevivência, há pessoas sem trabalho, sem comida, com filhos espremidos entre idosos em cômodos apertados ou simplesmente sem ter para onde ir ou a quem recorrer. Por diferentes vias e vivências, ambas sabem: a fome tem pressa.

    E assim nasce o Comitê Popular de Combate ao Covid-19, plataforma criada por um grupo diverso, com a participação de instituições privadas e lideranças de movimentos comunitários que, em menos de uma semana, mapeou os locais onde a crise se mostra mais aguda em São Paulo. Nesse meio-tempo, também captou R$ 3.037.000,00 (três milhões e 37 mil reais) para atender as demandas das populações mais vulneráveis da cidade.

    Em apenas dois dias de atividades, só na região central e arredores, mais de 3 mil famílias, cerca de 10 mil pessoas, receberam cestas básicas ou marmitas. No mesmo fim de semana, uma rede de oficinas de costura começou a confeccionar máscaras de pano para as comunidades.

     

    Os kits de alimentos e higiene, que em geral duram duas semanas para quatro pessoas, são comprados nas regiões onde vivem os moradores para o fomento da economia dos bairros. Cerca de 27 mil famílias serão assistidas, uma ação que atinge 110 mil pessoas que congregam bairros do Centro, Heliópolis,  Cumbica, Cidade Tiradentes, Sapopemba e Jardim Colombo, São Remo, Vila Guaraciaba e Jardim Keralux. Há ainda um núcleo na favela da Maré, no Rio de Janeiro.

    Nos próximos 15 dias, a meta é levantar um total de R$ 8.190.000,00 para ampliar o número de atendimentos e manter a constância de fornecimento e outras necessidades que surgem, botijões de gás e alcool gel, ao longo do período de isolamento social. 

    As duas mulheres, no entanto, continuam preocupadas. A mineira Marisa Moreira Salles e a baiana Carmen Silva, sabem que é preciso muito mais.

    Marisa é editora, redatora, designer e empresária do setor de livros na BEI Editora, que significa “um pouco mais” em tupi. Tem uma longa carreira no universo das artes, arquitetura, literatura e educação.

    Carmen é corretora de planos de saúde e há mais de 20 anos fundou o Movimento Sem-Teto do Centro, que já tirou quase 3 mil pessoas de moradias insalubres, de viadutos ou de aluguéis impraticáveis ao promover inclusão social e promoção do bem-estar em prédios abandonados da cidade.

    “Ela me deixa de queixo caído com as soluções que encontra para os problemas urbanísticos e do dia-a-dia das ocupações”, diz Marisa sobre Carmen. A editora costuma ouvir as aulas da líder sem-teto como professora convidada no Insper, o Instituto de Ensino e Pesquisa, onde Marisa é conselheira.

    A entidade oferece cursos de gradução e pós em administração, economia, direito e engenharia e conta com o Núcleo de Mulheres e Território em seu Laboratório de Cidades, um programa interdisciplinar voltado para ações transformadoras de gestão urbana. “Quando a empatia, o olho no olho, a solidariedade e a educação são valores sólidos, independentemente de educação formal, informal ou das ‘caixinhas’ onde nos colocam, surgem soluções inovadoras.”

    Marisa Moreira Salles, Carmen Silva e Tomas Alvim: em ação emergencial de combate ao coronavírus. “Carmen é da minha rede de confiança, minha amiga, com ela descobri que podemos trabalhar junto para conseguir algo melhor para a sociedade como um todo”, diz Marisa. A líder sem-teto completa: “sozinha não sou ninguém”, e Tomas reitera: “a tecnologia para lidar com crises e urgências já está estruturada nas organizações comunitárias” (Foto: acervo pessoal)

    Sem rodeios, Marisa defende que é preciso aproximar a sabedoria e a tecnologia das ruas às politicas públicas, academia e instituições públicas e privadas. “São inteligências diferentes. Devemos estar juntos como nunca agora. E se estivéssemos há mais tempo, já teríamos propostas mais próximas das necessidades humanas, de como as pessoas querem viver. E tudo isso ainda estaria normatizado pelas leis que o país nos oferece.” Numa mesa de decisões, ela sugere, sempre devem estar representantes da sociedade civil, Estado, instituições e comunidade. “Se falta algum, vai faltar eficácia.”

    Carmen, por sua vez, tem como mantra a frase “sozinha eu não sou ninguém”. As cinco ocupações do MSTC são famosas pelas portas abertas aos excluídos dos sistemas de moradia digna e a todo tipo de apoio e colaboração externa dos que vivem outras realidades. Pelos prédios ocupados já passam dezenas de especialistas, professores, estudantes de artes, gestão, urbanismo, arquitetura, paisagismo, engenharia, jornalismo, saúde pública, gastronomia, moda e até equipes de cinema e documentários.

    Quem passa pela Ocupação 9 de Julho sempre aprende sobre a logística da recuperação do imóvel que já foi um depósito de 50 toneladas de lixo e fedentina. Também vê de perto como funcionam os núcleos de autogestão de moradores e voluntários que desenvolvem programas de cuidados coletivos, sustentabilidade e, principalmente, cidadania.

    Sem Teto foram eleitos para ocupar o conselho tutelar da região e para a gestão do Parque Augusta, estão presentes em diversos conselhos participativos do governo, associações de bairros e campanhas para melhorias de espaços públicos.

    “A luta por moradia tem essa característica: é um ‘guarda-chuva’ de muitas negligências à população mas mostra, de maneira coletiva e organizada, como é possível atuar de maneira ativa na gestão da cidade como um todo”, ensina Carmen. Ela conta que, para além de sanar o problema imediato da falta de comida, a omissão das omissões, o objetivo da operação é prevenir o contágio do coronavírus entre os mais fragilizados e, claro, em toda a cidade.

    Cadastramento de moradores (Foto: Elton/Casa Verbo)

    “Sabemos quem vive na rua ou em lugar insalubre, como cortiços que não permitem isolamento e ainda compartilham banheiros, casos de idosos que dividem espaços com crianças que são comprovadamente vetores e ainda as situações de famílias que não têm renda nenhuma”, conta a consultora em políticas públicas Márcia Terlizzi, voluntária do projeto com experiência de 30 anos de carreira na Secretaria de Habitação do Município.

    Márcia acompanhou a gestão de dez prefeitos diferentes como gestora de conflitos entre a prefeitura e movimentos sociais. Na operação atual, também está na retaguarda das prestações de contas e transparência das atividades.

    “As pessoas precisam ter comida na mesa já, agora. Estamos falando de prevenção”, lembra Carmen, ressaltando a dificuldade de as populações de baixa renda ou sem renda manterem a quarentena. “Houve demissões em massa e todos estão impedidos de fazer seus corres como ambulantes ou no mercado informal.” Sem reservas econômicas, é uma questão humanitária a liberação, já aprovada pelo Congresso, do auxílio de R$ 600 ou R$ 1200 para as famílias.

    Tem gente com fome!

    A agilidade da Operação Povo Sem Fome acontece a partir do contato entre redes de apoio que se conversam e trocam boas práticas e saberes. “É a única maneira de chegarmos nas mesas das pontas da cidade e descobrir as reais necessidades das pessoas.” A ação conta com a participação de outras cinco líderes comunitárias e de movimentos por moradia da cidade.

    Tomas Alvim, braço direito e sócio de Marisa na BEI Editora, explica que a maneira mais ágil para alcançar o objetivo foi destinar a verba das doações diretamente a essas lideranças. “Estamos falando de mulheres que são especialistas em situações de crise desde sempre! Elas sabem dos lugares de maior vulnerabilidade de seus territórios como a palma da mão e conhecem pelo nome quem são as pessoas que passam por dificuldades.”

    A líderes comunitárias se tornaram, assim, as responsáveis pela logística de distribuição dos donativos. “Elas permitem que a ação tenha o alcance e a capilaridade necessária e de maneira rápida porque essa tecnologia já está estruturada nas organizações delas”, diz Alvim, que também é parceiro de Marisa na criação da plataforma ArqFuturo, que congrega arquitetos, economistas e empresários mais influentes do país e do mundo para debater soluções de desenvolvimento urbano com a participação popular.

    “Essas pessoas e organizações às quais encaminharemos os recursos arrecadados há anos se dedicam ao apoio das comunidades vulneráveis de São Paulo, e é com absoluta confiança que nos colocamos ao lado delas neste momento de grande apreensão para todos”, reitera Marisa, fazendo questão de citar, além de Carmen Silva (à esquerda da foto acima), a presidente da União de Núcleos, Associações dos Moradores de Heliópolis e Região, a UNAS, Cleide Alves; Ester Carro que preside a União Esportiva e Educacional do Jardim Colombo; Evaniza Rodrigues, diretora da União dos Movimentos de Moradia (UMM); Marília De Santis, gestora do CEU Professora Arlete Persoli, de Heliópololis e Eliana Silva, diretora das Redes da Maré, que também está organizando ações locais no Rio de Janeiro (Foto: acervo pessoal)

    “Talvez o grande motivo de a gente escolher se aglomerar numa cidade como São Paulo num país, assim, tão grande como o nosso seja a oportunidade de ter contato com as diferenças”, conta Marisa no vídeo (abaixo), sobre suas inquietações como moradora de São Paulo. “Vivemos diferenças de idades, de raças, de culturas, de gostos, enfim, uma variedade de coisas que te provocam e que te fazem crescer, pensar, mudar.”

    Para ela, esse contato, frente a frente, é o que pode gerar inovação, crescimento, desenvolvimento e se pergunta: “Por que que sendo esse o motivo que nos faz ficar numa cidade como São Paulo a gente continua se fechando atrás de muros? Não se preocupando com os espaços públicos e nossas calçadas? Sempre preocupados apenas com o nosso quintal e não na cidade como um espaço de encontro? E por que pessoas inteligentes ainda continuam fazendo políticas urbanas tão insensatas?” E revela que essa, talvez, seja sua maior inquietação.

    Quanto a Carmen, vale a pena assistir sua fala histórica momentos depois do resultados das últimas eleições presidenciais. “Nós iremos fazer a nossa resistência como nós sempre fizemos. A resistência não é com armas, é com a voz, com o canto, com amor. Nós somos uma família. Uma família que se ama e que independe de classe, cor e sexualidade. Somos nós.”

    EM TEMPO:
    Carmen Silva responde em liberdade a um processo que a acusa de prática de extorsão por “aluguéis” em ocupações. O caso é um desdobramento de uma investigação referente ao edifício Wilton Paes de Almeida, que era ocupado por sem-teto, e desabou depois de um incêndio ocorrido no dia 1º de maio de 2018. A filha de Carmen, a cantora Preta Ferreira e o filho, o educador Sidney Silva, chegaram a ser presos por três meses por acusações semelhantes. Hoje também respondem à Justiça em liberdade, depois de ampla reivindicação popular, de celebridades da mídia e de diferentes profissionais do Direito, da imprensa e das artes.

    Os chamados “aluguéis” do processo dizem respeito à contribuição mensal, acordada em assembleia com maioria dos moradores. No caso das ocupações do MSTC, essas contribuições são de R$ 200 por mês e por família. O valor é usado para reformas nas áreas comuns e para cumprir normas de segurança, como extintores de incêndio, corrimãos, instalações elétricas e hidráulicas dos edifícios.

    Em nenhum momento os ativistas tiveram relação com a ocupação do Wilton Paes, senão aquela estabelecida logo após o desabamento, quando comitês de ajuda organizados por Carmen prestaram auxílio às famílias desabrigadas.

    À época das prisões, Marisa Moreira Salles se pronunciou publicamente em defesa de Carmen. A empresária e editora, apesar de sua longa carreira e atividades, é muitas vezes citada na imprensa apenas como a esposa de Pedro Moreira Salles, presidente do conselho de administração do Itaú Unibanco. O banqueiro é um filantropo discreto de projetos culturais, artísticos e sociais. Cadeirante, entre os quatro irmãos da família, talvez seja o que mais tenha se dedicado aos negócios do banco criado pelo pai.

    Tanto Carmen como Marisa sabem que sempre serão julgadas tudo e por todos. Mas não estão preocupadas com isso no momento. Elas têm pressa. 

     

     

  • “O que não é floresta é prisão política”, está na galeria Reocupa

    “O que não é floresta é prisão política”, está na galeria Reocupa

    Dia 15 de setembro teve início a primeira ativação da galeria Reocupa com a exposição “O que não é floresta é prisão política”, no saguão do antigo prédio abandonado pelo Estado, onde um dia funcionou a sede do INSS,em São Paulo.

    O lugar que o Estado abandonou hoje está cheio de vida, uma vida diversa e pulsante conhecida por Ocupação 9 de Julho, organizada e revitalizada pelo Movimento dos Sem Teto do Centro (MSTC). Além de abrigar 140 famílias, é um ponto cultural, por onde circulam diversos grupos de artistas, que mobilizam muitos eventos e atividades, construídas coletivamente e em parceria com moradores e lideranças.

    Assim é também a galeria Reocupa, que se faz através de trocas e convívios entre essa rede. A Cozinha da Ocupação 9 de Julho, se tornou um evento imperdível, que acontecesse uma vez por mês, que além promover oficinas culinárias, serve almoços e acontecem diversos tipos de eventos e shows. Mais informações em: https://www.facebook.com/cozinhaocupacao9dejulho/

    Uma potente floresta

    O que não é floresta é prisão política inaugura o espaço com trabalhos de mais de 60 artistas brasileiras e brasileiros, numa lista em composição que hoje conta com 93 convidadas e convidados. Por isso, não há uma data limite para encerramento da exposição, que será ativada em eventos programados para acontecer a cada semana, continuamente.

     

    Quando o coletivo de artistas começou a construir a exposição, ainda não tinham no horizonte os incêndios na Floresta Amazônica, tampouco as notícias dos mandados de prisão das lideranças dos movimentos por moradia, “mas intuíamos que o inaceitável se aproximava”.

    Ver mais sobre a prisão em: 

    Justiça de São Paulo concede liberdade a Preta Ferreira

    Justiça de São Paulo concede liberdade a Carmen Silva

    Vitória histórica dos Sem-Teto: reintegração da Ocupação 9 de Julho é EXTINTA

    Entenda como foi a perseguição das lideranças:

    O que não é floresta é prisão política é uma mostra que nasce neste contexto. É um processo em curso que, como uma floresta, não se fecha e se realiza de forma colaborativa. Há uma partilha coletiva, múltipla, que toma de empréstimo a imagem da floresta para compor arranjos que se contaminam entre si, mesmo diante das diversas práticas de cada participante dessa exposição. Assim, não há uma hierarquia na montagem nem na seleção das obras, mas sim a intenção de construir um sentido sensível, livre, para esse espaço expositivo da Ocupação 9 de Julho, a Galeria Reocupa.

     

    Acompanhe a programação e próximas ativações semanais da mostra O que não é floresta é prisão política pelas páginas:

    @galeria_reocupa

    https://www.facebook.com/movimentosemtetodocentro/

    https://www.facebook.com/cozinhaocupacao9dejulho/

    @cozinhaocupacao9dejulho

    @oficina_de_arte_ocupa9dejulho

    @hotaocupa9dejulho

    Para ocupar as redes:

    #oquenaoefloresta #galeriareocupa #ocupacao9dejulho #mstc #cozinhaocupacao9dejulho #prisaopolitica #exposicaosp #liberdadepreta

    Galeria Reocupa / Ocupação 9 de Julho / MSTC, fica na  Rua Álvaro de Carvalho, 427.

    Mais sobre a Ocupação 9 de Julho

    Localizada no centro de São Paulo, na Bela Vista, o prédio da Ocupação 9 de julho representa um marco de luta por moradia social no Centro, e importante ponto cultural da cidade. O MSTC realizou um esforço pela valorização do prédio, acondicionando os espaços não só às necessidades dos moradores e o cumprimento da normativa vigente, quanto a sua adequação para dar espaço a uma quadra esportiva, horta comunitária, biblioteca e brinquedoteca, marcenaria, além de uma cozinha coletiva. Esses espaços e a gestão coletiva deles fazem com que a Ocupação 9 de Julho torne-se um exemplo de equipamento cultural – bem ali onde poderia existir o escuro e a invisibilidade, o apagamento e o silêncio, há a reabilitação da voz, da vida e dos afetos através da expressão artística e simbólica para a construção de um mundo possível.

     

    Sobre o MSTC

    Sobre a história do movimento e suas conquistas:

    https://www.movimentosemtetodocentro.com.br/

     

  • Poema para Preta Ferreira

    Poema para Preta Ferreira

     

    • Poema pra Preta –

    Preta na cor
    Preta na raça
    Preta no coração
    Preta luz na noite escura
    Preta gente
    Preta pura
    Preta doce
    Preta dura
    Preta Preta
    Quem te atura
    Tá criando confusão
    Tá fazendo ocupação
    Conquistando o chão pra vida
    Ser vida mesmo de vez

    Cala boca sua Preta!
    Já tá falando demais!
    Fala do pobre que é nobre
    Fala do rico que é cão
    Denuncia a injustiça
    Preta sem educação
    Pega o pobre da cidade
    Triste, velho, sem piedade
    Organiza faz a luta!
    Que Preta filha da puta
    Taca ela na prisão!
    Desbocada a Preta nova
    Que a Preta velha criou

    E lá vai a Preta Pobre
    Que orgulho insolente
    A Preta pensa que é gente
    Com esse condomínio aberto
    Desafiando a cidade
    Plantando fé e unidade
    Estancando a humilhação
    Faz a festa
    Faz piquete
    Luta por nosso interesse
    Diz que viver não é vão
    Que ser molenga e atoa
    Ter cara e não ter coroa
    Ter corpo e não ter um chão
    Isso é vida de barata
    Nós não é barata não!

    Vai Preta
    Ninguém te para
    Nem na cela
    Dos branquelas
    Nem no grito
    Nem na bala
    Tua fé na força pobre
    No direito à esse chão
    Pois que Deus não põe no mundo
    Nenhum infeliz que seja
    Pra viver nessa refrega
    De não ter um canto seu
    Essa luta é toda a luta
    Olhos de fogo no céu
    Resiste Preta bendita
    Que a Vitória virá
    Revivida renovada
    Cada semente jogada
    Preta cumpre a tua jornada
    Grande Preta
    Saravá.

     

    – Fernando Borgomoni –

     

     

    Ontem o movimento de luta por moradia obteve uma grande vitória com a concessão do HC preventivo de Carmen Silva, liderança histórica e símbolo do MSTC, no entanto essa semana completaram 100 dias da arbitrária detenção de sua filha Preta Ferreira. Esse absurdo não pode continuar. O direito constitucional à moradia e a utilização dos mecanismos legais de ocupação precisam ser respeitados, a luta dos movimentos da população sem-teto é uma luta de todos nós.

     

    Arte; Bacellar/Jornalistas Livres

  • Conjur mostra que Ministério Público generalizou as denúncias contra movimentos por moradia

    Conjur mostra que Ministério Público generalizou as denúncias contra movimentos por moradia

    Denúncia do MP-SP tenta ligar movimentos por moradia com organização criminosa

    Por Fernanda Valente, do CONJUR

    O Ministério Público de São Paulo quer transformar uma exceção nos movimentos por moradia em regra. Uma denúncia assinada pelo promotor Cássio Conserino, no dia 11 de julho, diz que 19 lideranças têm ligação com o Primeiro Comando da Capital (PCC). O embasamento são interceptações telefônicas e depoimentos “de inúmeras vítimas protegidas” que narram terem sido coagidas ou ameaçadas por membros dos movimentos.

    Membros do Movimento Sem Teto do Centro (MSTC), que gere a Ocupação 9 de julho, estão presos desde junho, acusados de organização criminosa e extorsão (Foto: Jeroen Stevens)
    Membros do Movimento Sem Teto do Centro (MSTC), que gere a Ocupação 9 de julho, estão presos desde junho, acusados de organização criminosa e extorsão (Foto: Jeroen Stevens)

    A denúncia foi apresentada depois da prisão preventiva de quatro integrantes dos movimentos, acusados de organização criminosa e de extorquir famílias que ocupam os prédios no centro de São Paulo. O inquérito está na 6ª Vara Criminal da Barra Funda e tramita em sigilo, por determinação da juíza Erika Soares de Azevedo Mascarenhas.

    No cerne da discussão está o desabamento do edifício Wilton Paes de Almeida, no Largo Paissandu, em maio de 2018. À época, a Polícia Civil instaurou um inquérito para investigar as irregularidades no prédio, como denúncias de que os líderes obrigavam famílias a pagar taxas mensais para morar na ocupação e que, em caso de inadimplência, seriam expulsas com a ajuda do PCC.

    O que o Ministério Público faz agora é usar o inquérito policial para estender as acusações a diversos movimentos sem individualizar as condutas. Com isso, não é possível distinguir se as ocupações revertem o dinheiro recolhido em benefício dos imóveis ocupados.

    “Temos os chefes de cada movimento, cada um batizado com um nome diferente, mas com o mesmo móbil, explorar sob o pretexto de ceder moradia a pessoas de diminuto poder econômico”, diz o promotor. Segundo ele, o grupo se associou para “obter direta e indiretamente vantagens de cunho econômico, mediante a prática de incontáveis extorsões”.

    Conserino pede a imediata interdição de todos os prédios e a realocação dos moradores em abrigos, ainda que a justiça criminal não tenha competência para isso.

    Coloração política
    O delegado André Figueiredo, responsável pelo inquérito que levou às prisões, disse ter provas documentais, interceptações telefônicas, depoimentos e cartas anônimas que relatam as ameaças. Em junho, quando o Departamento de Investigações Criminais (Deic) pôde cumprir os mandados de prisão temporária, foi citado como pontapé da investigação o recebimento de uma carta (digitada) que denunciava a extorsão e detalhava os valores cobrados. Escrita a mão, uma advertência: “isso ocorre em todos os prédios invadidos”.

    Anexada na denúncia, a carta pode ser considerada uma prova fraca já que seu conteúdo aparece em diversas páginas da internet e não dá pra verificar sua autoria. Como mostrou o site Jornalistas Livres, o provável autor do texto é Victor Grinbaum, que se apresenta como jornalista e já foi banido das redes sociais por publicações fraudulentas.

    Também chama atenção a tentativa de estampar que os movimentos agem com motivação partidária. Conserino afirma que algumas das lideranças são filiadas ao Partido dos Trabalhadores, que obrigavam os moradores da ocupação a votar na legenda ou seriam expulsos.

    “Eram compelidas a votar em integrantes do Partido dos Trabalhadores, mudar o título eleitoral para o centro de São Paulo, participar de invasões a novos prédios e, por fim, participar de atos em apoio ao ex-presidente Lula e a ex-presidente Dilma”, diz a denúncia.

    O promotor, no entanto, não aponta o número de cadastro ou data da possível filiação das pessoas. Ele também desconsidera, ou não sabe, que o domicílio eleitoral é uma exigência para que se possa dar entrada nos programas habitacionais.

    Busca e apreensão
    Em outro tópico, a denúncia considera uma busca e apreensão feita na ocupação Marconi, onde foi apreendido um livro que trazia na capa “Filiação PT – OK”. Para o promotor essa é uma indicação da “possível associação entre tais movimentos, política e criminalidade organizada”.

    Além disso, Conserino vê um panfleto do Movimento de Moradia Para Todos (MMPT) como um documento “revelador” que “retrata a estabilidade e organização dos grupos criminosos”. No caso, o panfleto apreendido informa que o interessado em morar na ocupação deve apresentar RG, CPF, título de eleitor, comprovante de residência e fotos 3×4.

    Hotel Cambridge, no centro de São Paulo, foi ocupado por 174 famílias em 2012 (Reprodução)
    Hotel Cambridge, no centro de São Paulo, foi ocupado por 174 famílias em 2012 (Reprodução)

    Os mandados de prisão expedidos em junho alcançavam diversos líderes, dentre eles Carmen da Silva e seus filhos, Sidney Ferreira da Silva e Janice Ferreira da Silva, conhecida como Preta Ferreira, membros do Movimento Sem Teto do Centro (MSTC), que gere a ocupação 9 de julho.

    Recentemente, a ministra Maria Thereza de Assis Moura, vice-presidente do Superior Tribunal de Justiça, negou o pedido de Habeas Corpus deles. A ministra entendeu que iria suprimir instâncias, já que o HC anterior ainda não teve o mérito julgado pelo TJ de São Paulo.

    De acordo com os advogados Ariel de Castro Alves e Francisco Lúcio França, que representam o movimento, o MP está acusando Carmen pela segunda vez com fatos já apontados em outra investigação. Em janeiro, ela foi absolvida, sob entendimento de que as provas não eram suficientes para uma condenação.

    Em um dos depoimentos colhidos no Deic, é narrado que o processo foi movido contra Carmen depois que alguns integrantes do movimento ficaram fora de um financiamento do programa Minha Casa Minha Vida, que previa a reforma do Hotel Cambridge, no centro da capital. O imóvel, alvo de uma batalha na justiça, foi desapropriado pela Prefeitura em 2011. Em 2015, o MSTC, que ocupava o imóvel, conseguiu edital de chamamento do programa. Com o financiamento da Caixa Econômica Federal e sob administração do movimento, o antigo hotel está em obras e vai virar uma moradia popular regularizada pela Prefeitura.

    “As denúncias são requentadas, assim como as mesmas testemunhas do processo anterior foram novamente ouvidas no Deic. Inclusive algumas que eram ligadas ao crime organizado e queriam levar traficantes para vender drogas nas ocupações e a Carmen não permitiu”, dizem os advogados, que alegam que as prisões são ilegais.

    LEIA AQUI A PUBLICAÇÃO ORIGINAL

    Outras reportagens:

    Desmontamos a farsa que incriminou Preta e os movimentos de moradia

    Carmen, mãe de Preta, líderes de sem-teto: por que nos querem presas

    Quem é Carmen Silva, a líder dos sem-teto que a (in)Justiça quer prender

    Promotor Conserino pede prisão de dirigentes do movimento de moradia de SP

     

    Fake news alimentadas por sites bolsonaristas estão na origem da perseguição a líderes sem-teto

  • Ato FPSM: Ditadura nunca mais

    Ato FPSM: Ditadura nunca mais

    Segunda-feira, 5 de Agosto: Frente Povo Sem Medo leva milhares de manifestantes às ruas de SP em passeata do Masp ao 36º DP da policia civil, terreno onde, durante a ditadura cívico-militar (64-85), funcionou o famigerado DOI-CODI (Centro de Operações de Defesa Interna do Destacamento de Operações de Informação) responsável pela tortura e assassinato de militantes políticos.

    O ato, em memória dos mortos e torturados pela ditadura e em repúdio às condutas antidemocráticas e sinalizações favoráveis ao período mais negro da História do Brasil no Século XX por parte do atual Governo Federal, foi um apelo para quaisquer forças sociais – sejam institucionais ou empresariais, privadas ou governamentais – pensarem o tamanho da responsabilidade que tem a frente. Que o barbarismo e o terror contra adversários políticos jamais voltem a ser referendados pelo estado brasileiro.

    Fotos: Isabela Naiara, Cyro Assahira, Lucas Martins e João Bacellar

  • EXCLUSIVO: Estrutura do prédio Wilton Paes de Almeida propagou o fogo e causou desabamento

    EXCLUSIVO: Estrutura do prédio Wilton Paes de Almeida propagou o fogo e causou desabamento

    Por Patrícia Cornils, especial para os Jornalistas Livres

     

    Assim que se soube do incêndio e desabamento do edifício Wilton Paes de Almeida, no Largo do Paissandu, centro de São Paulo, a imprensa paulista e nacional, a polícia e o Judiciário iniciaram uma caçada implacável a provas que permitissem jogar a culpa pela tragédia sobre os movimentos de moradia que ocupam edifícios abandonados do centro de São Paulo. O engenheiro Paulo Helene, diretor da PHD Engenharia e professor da Universidade de São Paulo, entretanto, trabalhando com uma equipe composta por 44 pessoas (engenheiros em carreiras de gestão pública, professores universitários e peritos, além de estudantes de engenharia), elaborou parecer que sustenta a tese de que o Wilton Paes de Almeida ruiu por características de seu projeto estrutural.

    Ao menos sete pessoas, inclusive crianças, perderam a vida naquele dia 1º de maio de 2018, o que serviu para aumentar os apetites sensacionalistas da grande imprensa. Mas, esfriados os ânimos, o parecer técnico assinado pelo engenheiro Helene, apresentado no último dia 1º de agosto no Instituto de Engenharia, tornou-se um alerta para os acusadores levianos.

    Construído na década de 60, o edifício Wilton Paes de Almeida foi apresentado como jóia modernista na cobertura da mídia. O que não se disse é que o prédio não incluía (nem nunca incluiu), medidas de segurança obrigatórias segundo a legislação atual, como a compartimentação (portas corta-fogo, paredes corta-fogo, espaços entre os andares, espaço entre edificações), para evitar que incêndios se alastrassem por partes diferentes do edifício. Também tinha uma planta assimétrica, em que a posição do centro de gravidade não coincidia com o centro de torção. E um ponto terrivelmente fraco: um de seus pilares era a parede de um fosso de elevadores, que não suportou o movimento de torção causado pelo calor gerado no incêndio. Ao se romper, foi um componente a menos a suportar o peso da estrutura. Este peso foi redistribuído por outros pilares, vigas e lajes do edifício que, também afetados pela torção, não aguentaram a carga extra, causando o desabamento.

    Muito técnico? Sim, era uma palestra para engenheiros e essa descrição já é uma simplificação das conclusões do Parecer, que tem 216 páginas e que está disponível neste link: (https://www.phd.eng.br/wp-content/uploads/2019/04/19.04.30ParecerCompletoPaesAlmeida.pdf). Mas sua conclusão é importante porque afeta milhares de outros prédios na cidade com problemas de projetos de infraestrutura e segurança contra incêndios elaborados antes de 1974. Naquele ano, um incêndio no Edifício Joelma causou a morte de 189 pessoas e levou a mudanças na legislação de normas de segurança para prédios. De acordo com matéria publicada pela Folha de S. Paulo em maio de 2018 (https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2018/05/quase-metade-dos-predios-de-sp-sao-anteriores-as-regras-duras-anti-incendio.shtml), “a capital paulista tem 53 mil prédios, conforme consta na base de dados do IPTU de 2017, da Prefeitura de São Paulo. Destes, 24,7 mil foram construídos antes de 1974.” A proporção de construções antigas é grande no Centro de São Paulo — na Sé, 85% dos prédios são anteriores a 1974. Na República, 87%. Todos eles foram vistoriados e adequados ao que se aprendeu nas décadas de 70 e 80?

    Não.

    Na apresentação, Helene mostrou o retrato de um edifício na Avenida Rio Branco, vizinho ao Wilton Paes de Almeida, sem o que os técnicos chamam de “compartimentação vertical”. Toda a fachada é feita de vidro (“pele de vidro”) e a distância entre o fim da janela de um andar e o início da janela de outro andar não prevê a necessidade de evitar que labaredas se propaguem pelas janelas. Está lá, o prédio. Hoje. E não se trata de uma ocupação. “Eu mesmo vivo em um prédio assim”, disse Helene na palestra. “Um projeto do Mário Franco, de 1964, tremendo edifício, gosto muito dele, mas não tem porta corta-fogo, escada pressurizada. E moro no 20º andar.” O prédio de Helene recebeu uma ligação entre suas duas torres, para dar maior segurança aos moradores em caso de incêndio.

     

    Não são apenas prédios ocupados por movimentos de moradia que pegam fogo. O Edifício Grande Avenida, por exemplo, sofreu um incêndio em 1981 no qual 17 pessoas morreram e 53 ficaram feridas. Neste prédio, na Avenida Paulista, ficavam os escritórios da Construtora Figueiredo Ferraz, fundada por José Carlos de Figueiredo Ferraz, que foi secretário municipal de Obras (1957) e de Transportes (1968), além de prefeito de São Paulo (1971). O Wilton Paes de Almeida era uma estrutura de concreto armado, da mesma forma que outros que sofreram incêndios em São Paulo. O Andraus, em 1972, queimou por 240 minutos. O Joelma (1974) queimou por 390 minutos. O Grande Avenida queimou em 1969 e também em 1981 — desta vez por 280 minutos. Nenhum dos três desabou ou “colapsou”, como dizem os engenheiros. Os três foram recuperados e voltaram a ser usados. Já o Wilton Paes de Almeida colapsou completamente com apenas 80 minutos de fogo. Por quê?

     

    Edifícios projetados e construídos em concreto armado costumam resistir a incêndios. Podem se deteriorar, mas não caem. François Hennebique, patenteou o concreto armado em 1892, para substituir metais, alvenaria e madeira nas estruturas dos prédios. Seu slogan: “Chega de incêndios desastrosos”.

    No caso do Wilton Paes de Almeida, a equipe que participou do Parecer Técnico nem sequer conseguiu encontrar o projeto estrutural do prédio, apesar de pesquisas realizadas com a colaboração, inclusive, de profissionais contemporâneos de Roger Zmekhol — autor do projeto de arquitetura. A equipe considerou a possibilidade de Zmekhol ter feito o projeto estrutural. No entanto, a filha de Zmekhol, Denise Zmekhol, informa que todos os projetos do escritório de seu pai, formado na primeira turma da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, onde também lecionou até sua morte, em 1976, eram calculados por outros profissionais. [Este trecho foi corrigido dia 7 de agosto]. Outra possibilidade é que a construtora responsável pela obra, a Morse & Bierrenbach, fechada em 2000, tenha feito o projeto estrutural.

    Três das lições aprendidas com a elaboração do parecer são que 1. estruturas de concreto mal projetadas podem ruir em incêndios, sim, mesmo que a duração seja curta; 2. que existem muitos prédios em situação similar em São Paulo, incluindo os legalmente habitados e os  abandonados. Incêndio, de novo, não é uma maldição das ocupações. E 3., que cabe aos proprietários a responsabilidade pela segurança dos edifícios, mas eles precisam ser fiscalizados. Uma das recomendações, básicas, é que sejam arquivados os projetos executivos estruturais ou projetos “como construído” — no momento de receber o Habite-se da Prefeitura.

    Helene deixou claro, em sua exposição, que o objetivo de todo este trabalho não é apontar “culpados”, mas entender o que houve. Deste entendimento fazem parte medidas a serem tomadas pelo poder público e pelos projetistas, construtores, proprietários e moradores dos prédios. A simples lista dos atores envolvidos permite dizer, também, que a responsabilidade pela segurança é compartilhada, ainda que de formas desiguais, por todos esses atores. E é um alerta para a imprensa que segue a cantilena fácil de agentes da polícia, de governos e do Judiciário paulistano, que acusam sempre o elo mais fraco da corrente, no caso, os movimentos de moradia. Se o objetivo de todos é ter edifícios mais seguros, não faz nenhum sentido voltar o olhar — e as acusações — exclusivamente a movimentos e pessoas que ocupam prédios abandonados por não ter onde morar.

    No parecer apresentado por Helene, há um manifesto do Instituto Brasileiro de Concreto (Ibracon) que fala dessas responsabilidades. Publicado em maio de 2018, o documento diz:

    “Qualquer edificação deve ser vistoriada periodicamente, como ocorre com outros bens de valor, como um automóvel ou um equipamento industrial, e deve ser alvo – automática e rotineiramente – de intervenções e modificações corretivas e de manutenção. Este acidente com vítimas fatais demonstra o descaso do Estado, proprietário do edifício, com seus imóveis e seus cidadãos, colocando em risco usuários e patrimônio, além de toda uma vizinhança, ameaçada com a falta de manutenção. (…)

    Para o Estado, o melhor seria implementar de imediato um programa de vistoria e diagnóstico desses edifícios públicos, seguido de eventual recuperação e retrofit, dando novos usos e mitigando a ocorrência de acidentes futuros.

    Uma ocupação regular, mal administrada e mal orientada é tão nefasta quanto uma ocupação irregular. Essa constatação significa que muitos condomínios e edifícios públicos acabam sofrendo, seja por desconhecimento, seja por omissão, alterações de carregamento e de segurança, que aceleram a degradação do edifício, potencializando os riscos de acidentes.”

    Destroços do prédio. No desabamento, fragmentos do edifício atingiram a igreja luterana que fica bem ao lado da construção sinistrada