Jornalistas Livres

Categoria: memória e Justiça

  • “Choram marias e clarices no solo do Brasil”

    “Choram marias e clarices no solo do Brasil”

    Ivo Herzog, filho de Clarice e Vladimir, o jornalista torturado até a morte pela ditadura civil-militar no Brasil em 1975, escreve nota sobre a condenação do país pela Corte Interamericana de Direitos Humanos.

    #ParaQueNãoSeEsqueça

    #ParaQueNuncaMaisAconteça

    Na última quarta-feira, 4 de julho, a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Brasil pela não investigação e falta de julgamento e punição aos responsáveis pela tortura e assassinato em 24 de outubro de 1975 do então diretor de jornalismo da TV Cultura, Vladimir Herzog. O tribunal internacional também considerou o Estado culpado pela violação ao direito à verdade e à integridade pessoal, em prejuízo dos familiares de Herzog (veja matéria do El País a respeito aqui). A versão oficial sobre a morte segue sendo a farsa, comprovada pela foto abaixo, de um suicídio (para um relato histórico do fato, acesse aqui o blog Zona Curva, de onde tiramos algumas das fotos publicadas nessa matéria). O assassinato revoltou a sociedade civil, levando milhares de pessoas a acompanharem o ato ecumênico em sua memória celebrado pelo rabino Henry Sobel (que garantiu o sepultamento do corpo dentro do cemitério israelita, o que seria proibido se ele tivesse se suicidado) e o cardeal de São Paulo Dom Paulo Evaristo Arns, entre outras autoridades.

    A foto oficial de Herzog morto. É impossível se matar por enforcamento tendo os joelhos dobrados.

    Leia a seguir a nota de Ivo Herzog:

    “Choram marias e clarices no solo do Brasil”

    “Há 43 anos atrás eu perdi meu pai. Assassinato violentamente. Uma pessoa de paz, que gostava de pescar, fotografar a família, de astronomia. Eu tinha 9 anos, meu irmão 7 e minha mãe 34. Ele morreu por desejar que todos tivessem o direito à livre manifestação em um Estado democrático.
    Pude conhecer-lo pouco. Ficaram 43 anos de luta para que provássemos que ele foi barbaramente torturado e assassinado. Ficou a luta, capitaneada por Clarice Herzog, pela Verdade e pela Justiça.
    Não encontramos esta resposta no país que meu pai adotou como pátria. Tivemos que buscar nas Cortes Internacionais.
    Finalmente, hoje, saiu a sentença tão aguardada. Resultado de um processo doloroso que consumiu nossa família.
    O Brasil TEM que investigar os crimes da Ditadura. O Brasil precisa ter, como política de Estado, a Verdade e a Justiça, se queremos ter um país melhor, menos violento, justo.
    Agradeço ao empenho da CEJIL neste processo.
    Termino agradecendo uma lutadora implacável: minha mãe que dedicou TODA sua vida para que a verdade sobre a morte do pai de seus filhos viesse a tona. E que a justiça fosse feita.
    Obrigado mãe.”

    O título utilizado para a nota é um verso da canção O Bêbado e a Equilibrista, de Aldir Blanc e João Bosco, que ficou super conhecida na voz de Elis Regina (veja aqui) e que além de citar a esposa de Herzog, ainda fala do exílio do sociólogo Herbert José de Souza, o Betinho, criador do Fome Zero e irmão do cartunista Henfil.

    A fotógrafa Elvira Alegre, do jornal EX- registra o desespero de Audálio Dantas, presidente do Sindicato de Jornalistas do Estado de São Paulo, no velório de Vladimir Herzog. A foto só foi publicada anos mais tarde e não integrou a matéria do EX-
    Lembrar esses fatos e exigir a restituição da verdade e da memória histórica do período da ditadura é fundamental para evitar novos períodos ditatoriais que nos ameaçam HOJE. Um exemplo claro é um candidato militarista que em entrevista no dia seguinte à condenação do Estado Brasileiro pelo caso Herzog novamente negou que houve uma ditadura e reafirmou que “suicídio acontece, pessoal pratica suicídio” (se tiver estômago para assistir, o trecho sobre Herzog está a partir do minuto 28. A íntegra da entrevista aqui).
  • Nem os  Ossos dos Desvalidos São Respeitados

    Nem os Ossos dos Desvalidos São Respeitados

    Fogueira de Ossos num ritual macabro dos que destoem os signos da indiferença mórbida do Capital, com seus lacaios escolhidos para fazer o espetáculo dos negócios escusos de um poder a serviço do construto cultural do Capital Financeiro apoiados num Sistema Judiciário perverso se manifestaram neste domingo dia 23 de junho deste ano. Este é o novo modo de privatizar dos tucanos liderados por seu mais jovem agente político que governa a Cidade de São Paulo. Já estamos há muitos anos vivenciando esse processo em que a mágica do poder desses grupos apoia-se na privatização a qualquer custo. Assim foi possível verificar mais uma etapa desse processo: os cemitérios públicos serão privatizados. Como eles estão num estado lamentável de abandono, o Prefeito Covas, ironia do nome, resolveu limpar a área para obter melhores preços para esses lugares que para ele nada significam, uma vez que esses mortos apenas ocupam poucas gavetas nos cemitérios ricos da cidade e muitas covas rasas nos cemitérios das periferias.

    O que nesse tema nos importa: em primeiro lugar, o poder público desde o início da história desta cidade foi responsabilizado pela tarefa de dar destino ético e digno aos restos mortais de seus moradores. Dever que congrega duas responsabilidades públicas: o respeito aos vivos em suas memórias e perdas afetivas e manter a cidade saneada, devido a centralização dos locais destinados aos mortos, onde seus parentes pudessem simbolicamente visita-los e tratar da morte como um ritual que demonstra a generosidade e os afetos dos vivos, e ao mesmo tempo preservar esses restos como provas da vida humana ao longo dos tempos históricos.

    Entretanto, no tempo presente, onde a banalização da vida e da morte é parte da ação dos “gestores públicos “, o lidar com essa esfera da vida passou a apontar o descaso e a omissão frente ao grande número de pobres que vivem na cidade, sem qualquer proteção, sejam homens, mulheres ou crianças. Assistimos há alguns anos mortes ocorridas por miséria, por fome, falta de abrigo, desespero pela solidão, ataques policiais, desocupações forçadas por tropas genocidas que despejam moradores das ruas da cidade com jatos d´água ou por tratores que derrubam imóveis ainda ocupados por sem tetos com suas crianças e idosos desassistidos e considerados lixo urbano.

    Além desses flagelados, também aparecem na cena macabra desses espetáculos de crueldade, corpos de pessoas perdidas, atropeladas ou assassinadas e desovadas em terrenos baldios da cidade, muitas delas identificadas e colocadas em necrotérios ou tanques hospitalares a espera de que seus parentes as encontrem, aliviando o desespero das perdas não resolvidas para realizarem o luto necessário ao descanso de todos os seus membros.

    Os ossos hoje ameaçados de desaparecimento escondem todas essas histórias e atestam como o mundo privado do capital exige dos governantes filiação incondicional aos seus interesses, não tolerando nem mesmo as covas rasas dos pobres que muitas vezes nem as possuem, e seus ossos acabam sendo emparedados em cubículos apertados nos muros fronteiriços dos cemitérios entre o lugar dos mortos e a cidade.

    Soube-se pela imprensa numa nota muito escondida em seus jornais, que as ossadas tinham fichas de identificação, mas que ao serem empilhadas fora das covas (rasas ou fundas?) como haviam sido feitas à caneta, os dados foram borrados e nada mais se poderia identificar nesses restos. Será mesmo? Há nas possibilidades científicas formas de se saber com clareza dados das ossadas e a Arqueologia é prova cabal desse conhecimento cujas ancestralidades já existem há séculos!

    Deste modo, quero concluir afirmando que a atitude do Prefeito e seus auxiliares não permitem outra compreensão senão a do descaso, indiferença e submissão aos ditames do mercado, que para comprar os cemitérios dos pobres e lucrarem com esse grande negócio o Município deve retirar todos os entulhos para que os compradores não arquem com o ônus desse descarte. Assim os compradores ao recebe-los poderão transformá-los em cemitérios para ricos construírem seus mausoléus, demonstrando que seus restos mortais devem seguir à posteridade, apagando a história de que essas riquezas foram obtidas pela violenta exploração dos trabalhadores ou da ausência de afeto, cuidado e proteção aos pobres descartados como se fossem lixos.

    Acordem trabalhadores, esse Modelo é revelador de quem são os gestores, de como nos consideram e de como escondem seus processos de massacre e morte daqueles que se voltam a criticá-los por seus atos.

     

    Zilda Marcia Grícoli Iokoi  Mestre e doutora em História Social pela Universidade de São Paulo. É professora titular do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, na área de História do Brasil Independente, atuando principalmente na linha de pesquisa História das Relações e dos Movimentos Sociais, nos temas da educação, lutas camponesas, políticas públicas, imigração contemporânea, humanidades, direitos e outras legitimidades. Atualmente coordena o Diversitas ? Núcleo de Estudos das Diversidades, Intolerâncias e Conflitos e o Programa de Pós-Graduação Humanidades, Direitos e Outras Legitimidades.
  • EXCLUSIVO! PSDB consegue na (in)Justiça o direito de descartar como lixo os cadáveres de 1.600 pessoas

    EXCLUSIVO! PSDB consegue na (in)Justiça o direito de descartar como lixo os cadáveres de 1.600 pessoas

    Que a Prefeitura de São Paulo está movendo mundos e fundos para privatizar os 22 cemitérios públicos da cidade, as 15 agências funerárias, as 118 salas de velórios e o crematório municipal da Vila Alpina, já se sabe desde a posse de João Doria, em 1º de janeiro de 2017. O negócio é milionário. A Prefeitura de São Paulo possui 350 mil jazigos públicos, realiza mais de 45 mil sepultamentos e 10 mil cremações por ano na cidade. Passar isso nos cobres, cobrando da população pelo que hoje é gratuito, além de uma taxa anual pelas sepulturas (tipo IPTU), é o que está na mira dos tucanos e dos investidores interessados. Para tornar o negócio mais atraente aos compradores, entretanto, a Prefeitura precisa lidar com um passivo desconcertante… Os milhares de mortos indigentes ou que não foram nunca localizados pelas famílias. Miséria post mortem existe também. Sem famílias, quem pagaria pelo descanso eterno desses corpos? A Prefeitura precisa se livrar desses pobres, expulsá-los da terra urbana escassa, a fim de que mortos pagantes tomem-lhes o lugar.

    Como?

    Em abril, a Prefeitura conseguiu que o Tribunal de Contas do Município levantasse o embargo à privatização dos cemitérios públicos. Então, iniciou-se imediatamente o processo visando ao despejo dos mortos inconvenientes. No último dia 13 de junho, a Prefeitura obteve autorização judicial para começar a destruir 1.600 ossadas sem identificação, provenientes de exumações realizadas entre os anos de 1941 e 2000 no Cemitério da Quarta Parada, o cemitério do Brás, fundado em 1893, sendo um dos mais antigos na cidade de São Paulo com mais de 122 anos.

    Ocupando área de 183 mil metros quadrados e “dormitório” de cerca de 400 mil pessoas, que ali estão sepultadas, o cemitério da Quarta Parada é uma espécie de “jóia da coroa” entre as necrópoles paulistanas, porque tem milhares de túmulos de famílias de classe média. Mas Doria e seu sucessor, Bruno Covas (PSDB), querem que entre mais gente endinheirada e por isso precisam despejar os pobres. É algo muito parecido com o que acontece quando se expulsam os pobres de uma região da cidade para em seu lugar instalar a classe média pagante. Chama-se de “gentrificação”. Agora, os pobres e miseráveis não terão nem um lugar para cair mortos. Literalmente.

    No total, a cidade de São Paulo tem mais de 50.000 corpos assim, que serão destruídos, descartados como lixo. Entre eles, estão pessoas oficialmente reclamadas como desaparecidas por suas famílias ou conhecidos, e que foram enterradas como indigentes, sem que seus familiares tenham sido avisados da localização do corpo.

    É gravíssimo.

    São famílias, amigos e conhecidos que sofrem diariamente a angústia de nunca mais saber de um ente querido desaparecido, que vivem um luto sem fim por absoluta incúria do poder público. O Ministério Público do Estado de São Paulo apurou que pessoas oficialmente reclamadas como desaparecidas, muitas vezes portando seus próprios documentos, são enterradas como indigentes, sem que os seus familiares sejam informados. É o que se chama de “redesaparecimento”.

    Também devem se encontrar entre esses corpos que a Prefeitura pretende destruir as ossadas de opositores da Ditadura Militar que vigorou no país entre 1964 e 1985. Já se localizaram as ossadas de presos políticos desaparecidos, que foram enterrados como indigentes no Cemitério de Perus e é razoável supor que haja mais porque centenas desses opositores seguem figurando nas estatísticas de “desaparecidos” políticos.

    Ativista dos Direitos Humanos e ex-presidente da Comissão Estadual da Verdade de São Paulo, Adriano Diogo foi o descobridor da decisão tomada em 4 de junho de 2018 pela juíza Renata Pinto Lima Zanetta, autorizando a destruição das 1.600 ossadas do Cemitério da Quarta Parada. Segundo ele, trata-se de um grave erro, um atentado à memória, à Justiça e aos direitos fundamentais das famílias de desaparecidos, uma vez que nessas ossadas reside a possibilidade de um reencontro.

    “A destruição das ossadas, que serão cremadas, vai acontecer em todos os cemitérios. Começa na Quarta Parada, atingirá todos os cemitérios mais tradicionais, cercados pelos bairros mais ricos. Depois chegará à Vila Formosa, Guaianazes, Itaquera”, explica Adriano. “A morte e o luto não poderiam nunca ser transformados em objeto de lucro, entregues a empresas de papa-defuntos”.

    A promotora Eliana Faleiros Vendramini Carneiro, que atua no Plid (Programa de Localização e Identificação de Desaparecidos), do Ministério Público, calcula que só no ano de 2013, 23.194 pessoas foram dadas como desaparecidas no Estado de São Paulo. Muitas delas desaparecem por muitos anos ou para sempre, a exemplo das 7.501 crianças do Estado de São Paulo, que nunca foram localizadas.

    Boa parte dessas desaparições, entretanto, ocorrem por falha do serviço público. Dimas Ferreira Campos Júnior, então com 42 anos, desapareceu no dia 3 de junho de 2015. Ele saiu de casa, foi a uma lan house e sumiu. A família dele providenciou um boletim de ocorrência de desaparecimento. Mas Dimas havia morrido em decorrência de um infarto fulminante, que aconteceu no meio da rua, no próprio dia de seu desaparecimento. Sem identificação, o corpo foi periciado pelo Instituto Médico Legal que em quatro dias obteve sua identificação pelo exame das impressões digitais. Mesmo assim, o IML não procurou saber se havia familiares em busca do “desaparecido” e mandou enterrá-lo como indigente. Bastava ter cruzado os dados do boletim de ocorrência de desaparecimento com o boletim de ocorrência da morte. Mas isso não foi feito. Os pais de Dimas só foram avisados da localização do corpo mais de um mês depois, porque a equipe da doutora Eliana Vendramini fez o que a polícia e os órgãos públicos que cuidam da morte não fizeram.

    “Essas pessoas desapareceram, apareceram e o Estado redesapareceu com elas. Em absoluto desrespeito ao sofrimento das famílias e à memória do morto”, diz ela, que coleciona casos tristíssimos de longas e incansáveis buscas de familiares por seus entes queridos, como Dimas Ferreira Campos Júnior. As famílias querem o corpo. Porque querem saber o motivo da morte. Porque precisam viver o luto para reencontrar a vida”, diz a promotora Eliana.

    Há ainda a questão da Justiça. Contabilizam-se milhares de crimes sem solução (inclusive muitos da Ditadura) no Estado de São Paulo.

    “Para evitar a apuração de seus crimes, uma das medidas adotadas pelo regime militar foi desaparecer com os corpos de suas vítimas. Essa prática de desaparecimentos continuou durante a democracia, com a militarização da segurança pública, com a noção de inimigo interno, as execuções extrajudiciais. Por causa disso, é importantíssimo identificar os corpos em vez de tentar sumir com eles, destruindo-os, apagando provas de crimes e a possibilidade de Justiça”, diz o advogado Pádua Fernandes.

    Tem mais.

    Corpos identificados, enterrados como indigentes, recebem etiquetas escritas a caneta. E são empilhados em piscinas de corpos e ossos. Resultado: as etiquetas misturam-se, a tinta borra e então esses corpos se tornam de fato inidentificáveis por incúria do poder público. É o tal “redesaparecimento”, de que fala a doutora Eliana, promovido pela omissão do poder público.

    Adriano Diogo localizou nos cemitérios da Quarta Parada e da Vila Formosa duas dessas piscinas de ossos, “que são caixas de concreto cheias até a borda de sacos de ossos, a maioria sem identificação, socados, um em cima do outro, cheias de água, cheia de bichos, em total desrespeito.”

    “Eugenia, higienização dos cemitérios, é o que se fará agora, visando a liberar espaço para comercialização de novas sepulturas, novas tumbas, novas caixas. É a barbárie”, diz Adriano.

    A juíza que autorizou o descarte dos ossos de 1.600 pessoas registra essa aberração como se fosse um acidente natural: “O Serviço Funerário atestou a impossibilidade de identificar os ossos em correlação aos assentamentos de óbitos, em razão do tempo decorrido, da perda das inscrições nas etiquetas e, em alguns casos, das próprias etiqueta”. Ou seja, o poder público não cuida e a forma de resolver isso é “jogando fora”, fazendo desaparecer mais uma vez –agora para sempre.

     

    “Neoliberalismo implica negação dos Direitos Humanos. São imigrantes engaiolados como animais, favelados sendo fuzilados por helicópteros e os mortos sendo transformados em lixo descartável. Não sobrou mais nada!”, revolta-se o padre Julio Lancellotti, membro da Pastoral do Povo de Rua e pároco da Igreja São Miguel Arcanjo no bairro da Mooca. O padre tem vários parentes enterrados no cemitério ,da Quarta Parada, que fica a 1,8 km de sua paróquia.

    Em vez da dignidade de ossários bem organizados, o que se pretende é incinerar a história da vida e da morte dos pobres. Deletar-lhe a existência. “Isso é mais um sintoma da Aporofobia, doença social que implica ódio aos pobres”, diz o padre Julio. Deles, nem a memória restará.

    É um jeito de acabar com a pobreza, não resta dúvida.

  • “Direitos não se pede de joelhos, exige-se de pé”

    “Direitos não se pede de joelhos, exige-se de pé”

    Um lutador ao lado dos trabalhadores, dos camponeses, dos indígenas, o Bispo Emérito de Goiás, Dom Tomás Balduíno, foi incansável nas décadas em que atuou junto ao Conselho Indigenista Missionário e à Comissão Pastoral da Terra, entre 1972 e 2005 numa vasta região entre Minas Gerais e o Araguaia. Assim, nada mais natural aos movimentos sociais de Mato Grosso usarem uma frase sua, o título desta reportagem, como tema da 29ª Romaria dos Trabalhadores e Trabalhadoras e da 1º Romaria da Terra e das Águas.

    De pé, pelos direitos – www.mediaquatro.com

    O evento tradicional em celebração ao Dia do Trabalho, ocupou por dois dias a sede do Sindicato dos Trabalhadores da Universidade Federal do Mato Grosso, Sintuf-UFMT, e se encerrou hoje com uma marcha pelas ruas da capital do estado. Trabalhadores sem terra, índios, quilombolas, religiosos e sindicalistas se revezaram nas mesas de debates, plenárias e no microfone do carro de som da romaria para denunciar a violência contra as populações originais e humildes, o Estado de Exceção que o país vive desde o golpe de 2016 e para exigir, de pé e na caminhada, os direitos básicos de cidadania que merecemos todos e todas.

    Mulheres foram forte presença na romaria – www.mediaquatro.com

    O evento com o tema “Direitos não se pede de joelhos, exige-se de pé” teve como objetivo fortalecer a luta pelo direito à cidade, direito à terra e à permanência no campo com qualidade de vida e respeito à realidade camponesa. Entre as mensagens destacadas estava o apelo do Papa Francisco à urgente unidade da luta: “o tempo para encontrar soluções globais está acabando. Só podemos encontrar soluções adequadas se agirmos juntos e de comum acordo. Portanto existe um claro, definitivo e improrrogável imperativo ético de agir”. Segundo a coordenação do evento, a Romaria contribui para transformar a mística e a espiritualidade em gesto concreto. Afinal, como disse o padre Dirceu Fumagalli, agente da CPT Paraná, “As Romarias da Terra e das águas e dos trabalhadores e trabalhadoras são o Sacramento da caminhada. Elas são o templo do encontro do divino com o humano”.

    A romaria juntou a luta pelos direitos com espírito cristão – www.mediaquato.com

    Direito à cidade e direito à terra e às águas

    Pela primeira vez em 29 anos de evento, à Romaria dos Trabalhadores e Trabalhadoras se somou a Romaria da Terra e das Águas, tão importantes no estado do cerrado, das chapadas e do pantanal. Para os organizadores, “defender o direito à cidade é garantir o exercício do poder para a classe trabalhadora, para as pessoas de cor, para os imigrantes, os jovens as mulheres, LGBTs e para todas as pessoas comprometidas com uma sociedade verdadeiramente democrática”. Já sobre a questão agrária, o folder de divulgação do evento afirmava que “a concentração de terras propaga a fome, o desemprego, os conflitos sociais, a miséria e a morte. Assim, a luta pela terra é a luta por trabalho, produção de alimentos, respeito à biodiversidade e geração de renda. A luta pela terra é a luta pela vida. A terra não pode ser fonte de lucro e exploração, ela tem que ser terra de trabalho, de alimentação, de sustentabilidade. Uma terra da qual brote vida e não devastação, envenenamento, destruição da biodiversidade. A luta pela terra é a luta pela vida em abundância.

    A denúncia do Golpe de 2016 e da prisão política de Lula também se fez presente – www.mediaquatro.com

    Denúncia do Golpe

    Durante a romaria propriamente dita, no dia 2 de maio, os organizadores (CPT, Centro Burnier, CEBs, CEBI, Paróquia S. Família, MST, CIMI, Assessoria Dep Ságuas, Economia Solidária/Caritas, CUT, Sintep – MT, Sintuf – MT, Seeb-MT, Sindsep-MT e JPT) distribuíram uma carta aberta ao povo matogrossense em que denunciam a situação vivida pela maioria da população após o “golpe parlamentar, midiático e jurídico em conluio com as elites do atraso no Brasil em 2016”. Segundo eles, os únicos beneficiados com isso são os interesses do empresariado nacional e internacional que lucram com a privatização do patrimônio do povo, incluindo as terras agriculturáveis da Amazônia e do cerrado.

    O povo do Mato Grosso e do Brasil –
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    Os mais prejudicados com isso também estão indicados no documento: as mulheres, o povo negro, a juventude e as populações LGBTs. Entre os elementos causadores dessa desgraça estão, segundo a carta, a corrupção de um Congresso antidemocrático que aprovou leis como a Emenda Constitucional 95, de congelamento dos gastos sociais por 20 anos, “as reformas trabalhista e do Ensino Médio, desmonte das universidades, institutos federais e a qualquer momento a Reforma da Previdência”. O documento denuncia, ainda, os cortes em programas essenciais para o povo do campo como o PRONERA, ATER, PNAE e PAA “que asseguravam a educação, a produção e a compra de alimentos da agricultura familiar”.

    Nas cruzes cobertas de terra, os nomes dos lutadores e lutadoras que tombaram mas não são esquecidos – www.mediaquatro.com

    Por fim, durante a mística da romaria, os trabalhadores e trabalhadoras do campo e da cidade apresentaram cruzes com os nomes de dezenas de pessoas assassinadas por causa de sua luta social nas últimas décadas. Entre elas foram lembradas as nove vítimas da chacina de Colniza (assassinadas há um ano por pistoleiros a mando de madeireiros no extremo oeste de Mato Grosso), a missionária Dorothy Stang (morta em 2005 por defender as comunidades extrativistas no Pará) e a vereadora carioca Marielle Franco (executada há exatamente 50 dias num crime ainda não esclarecido).

    Nota de esclarecimento sobre edição na reportagem:

    A Associação dos Docentes da Universidade Federal de Mato Grosso – Adufmat, solicitou a retirada de seu nome da matéria acima. Apesar de fazer parte dos apoiadores da Romaria, a entidade não assinou a Carta Aberta citada. Segundo a assessoria de imprensa da Adufmat, “o sindicato assina outro material, que compõe o folder da atividade, mas não a carta. A Adufmat-Ssind apoia a luta dos trabalhadores, mas tem posição política contrária ao termo ‘golpe’”.  A entidade afirmou estar afinada à posição do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior – ANDES, filiado à central sindical CSP Conlutas. Na próxima semana, dias 9 e 10 de maio, haverá eleições no ANDES opondo a situação, chapa 1 “ANDES Autônomo e de Luta”, e a oposição na chapa 2 “Renova ANDES” que, diferente da primeira, usa como slogan: “Na luta contra o golpe. Em defesa da democracia”.

  • Líderes latino-americanos prestam solidariedade a Lula

    Líderes latino-americanos prestam solidariedade a Lula

    Líderes populares de toda a América Latina recorreram a suas redes sociais nesta quinta-feira para manifestar solidariedade ao ex-presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva. Aproveitaram também para repudiar tanto a negação do pedido de habeas corpus feito pela defesa de Lula ao Supremo Tribunal Federal quanto o ultimato do juiz Sérgio Moro para que o ex-presidente se entregue em Curitiba.
    “Hoje, no Brasil, algo ficou muito claro: Lula está para ganhar as eleições presidenciais e as elites poderosas, aquelas que nunca se interessaram pela justiça nem pela democracia, recorrem ao aparato judicial para interditá-lo”, escreveu a ex-presidente e hoje senadora argentina Cristina Kirchner em sua conta no Twitter. “Todo nosso afeto para com ele”, concluiu Cristina, que também tornou-se alvo de uma ofensiva judicial depois de deixar a Casa Rosada.
    O presidente da Bolívia, Evo Morales, repudiou a decisão do STF e observou que a justiça brasileira, “sob ameaça de oligarquias corruptas, negou o direito constitucional” de Lula a defender-se em liberdade. “Essa sentença ilegítima é um golpe institucional contra a democracia e o povo do Brasil”, tuitou Morales.
    “Todos somos Lula”, escreveu por sua vez o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro. “Não poderão com as esperanças e convicções dos rebeldes. Nada deterá a marcha por justiça e dignidade do Brasil. Falando com a verdade e o coração somos invencíveis”, prosseguiu o sucessor de Hugo Chávez.
    Primeira vítima da série de golpes institucionais que na última década derrubou governos populares democraticamente eleitos nas Américas Central e do Sul, o ex-presidente hondurenho, Manuel Zelaya, deposto em 2009, defendeu a inocência de Lula. “Seu pecado foi enfrentar os U.S.A, abrir as relações Sul-Sul e não obedecer aos conservadores que governam o Brasil.”

  • Pôncio Pilatos, o patrono dos juízes covardes

    Pilatos

    Por Jônatas Baptista

    Cedeste ao vil clamor, receoso de perder
    O cargo, o mando, a glória, o luxo, a ostentação.
    O medo te prostrou. Não te quiseste erguer
    Além da turba infame, em louca exaltação.

    Sufocaste ao interesse o mais santo dever,
    Foste surdo à consciência, à alta voz da razão…
    Esfarrapaste a toga! O crime, a arremeter
    Contra o Justo, triunfou num sinistro clarão…

    Homem da lei, fugiste ao nobre compromisso
    De amparar o Direito, erguendo o teu protesto,
    Contra a sanha do mau, soberbo, insubmisso…

    A História recolheu teus fingidos alardes…
    Lavaste as mãos, bem sei, mas não te salva o gesto
    __Serás sempre o padrão dos juízes covardes.