Jornalistas Livres

Categoria: Lula

  • “Tchau, Querida” estreia revelando os primeiros passos do caminho da extrema direita até o poder

    “Tchau, Querida” estreia revelando os primeiros passos do caminho da extrema direita até o poder

    POR ANA CAROLINA RODRIGUES

    Três anos para a História é muito pouco. Normalmente, são de períodos mais longos que saem as grandes transformações que vão moldando a sociedade. No entanto, de 17 de abril de 2016, data da aprovação do processo de impeachment da então presidenta Dilma Rousseff na Câmara dos Deputados, até os primeiros meses de 2019, o Brasil foi de um governo democraticamente eleito por 54 milhões de pessoas, passando pelas mãos de uma ala golpista e terminando sua caminhada em um governo de extrema direita. E é justamente para o ponto inicial dessa trama, o crucial 17 de abril, que o documentário “Tchau, Querida” olha atentamente.

    Dirigido pelo documentarista Gustavo Aranda e pelo jornalista Vinicius Segalla, e produzido pelos Jornalistas Livres, o longa será exibido, com entrada gratuita, no CINUSP Maria Antônia, em São Paulo, na próxima quarta-feira, dia 17 de abril. O filme, que acompanha os bastidores das votações que culminaram com o afastamento de Dilma do Palácio do Planalto, traz uma visão equilibrada das forças atuantes no processo. Com igual espaço para os que gritavam “não vai ter golpe” e para aqueles que só queriam acabar com o “comunismo e a esquerda”, a produção acerta ao deixar que espectador tire suas próprias conclusões a respeito dos desejos e anseios de cada um dos lados.

    (Assista ao trailer do filme “Tchau, Querida”)

    Enquanto os vestidos com camisas da seleção brasileira posavam para selfies em espaços equipados com food truck e Djs, se diziam “diferenciados” e vendiam pixulecos “originais”, os de vermelho compartilhavam refeições comunitárias, recebiam doações e ouviam atentamente a um presidente Lula quase afônico de tanto discursar.

    Entre uma entrevista e outra, o documentário vai também revelando o crescente apoio da extrema direita aos militares e até mesmo a uma possível intervenção, além do alinhamento com correntes religiosas. Não por acaso, retrato fiel do governo atual.

    A produção abarca ainda a relação conturbada que a sociedade estabeleceu com a imprensa no período, discutindo por meio de pontos de vista divergentes o papel da comunicação no processo. Quando Dilma aparece na tela, já virtualmente fora do comando do país, são flores e sorrisos que ela traz nas mãos e distribui aos seus eleitores. E a frase “Tchau, Querida”, tão negativamente explorada durante muito tempo, ganha seu real e único significado.

    SERVIÇO
    “Tchau, Querida”
    17 de abril, 19h
    Centro Universitário Maria Antonia
    Edifício Rui Barbosa – Sala Carlos Reichenbach
    Rua Maria Antonia, 294
    Após a exibição, haverá mesa redonda com os diretores e convidados

  • Lula e as Cartas

    Lula e as Cartas

    Por Henrique Nunes

    Assim como o fax, o telefone fixo e a tevê de tubo, as cartas escritas a punho agonizam diante da implacável transformação do mundo. Símbolo máximo da comunicação durante séculos, as mensagens de papel e tinta serviam aos mais variados anseios: um simples recado direcionado a alguém que nunca a recebeu, um tratado de paz assinado com as letras ainda trêmulas, uma desesperada súplica para reatar um caso desfeito.

    Havia um certo tempo que não tínhamos notícias de cartas que estremecessem a vida de um povo. Mas, ao contrário do fax, do telefone fixo e da tevê de tubo, as cartas tiveram a sorte de contar com um improvável defensor, ironicamente um homem que tem na fala espontânea e certeira a sua maior arma para cativar as massas: Luiz Inácio Lula da Silva.

    Como tudo na vida do homem que negligenciou os prognósticos e ousou chegar ao cargo máximo de uma nação, as cartas de Lula estão superando a razão que o levou ao cárcere político: silenciá-lo.

    Pobre dos que acreditaram que um punhado de tijolo e concreto seria capaz de impedir um comunicador da estirpe de Lula de dialogar com o outro lado dos muros. Apenas um dia após ser conduzido ao isolamento, um bilhete direto e de poucas palavras mostrava a verdade que agora é incontestável: jamais iriam calar o presidente de maior aprovação popular que o Brasil já teve.

    365 dias depois, o poder de Lula de se comunicar segue inabalável. De carta em carta, deu o seu parecer sobre futebol, a situação do país, os ataques sistemáticos contra ele e sua família, mandou abraços, consolou tragédias e, mais do que tudo, agradeceu o apoio incondicional dos milhões de Lulas que ainda podem usar a voz para defendê-lo nas ruas.

    A nós, leitores indignados, fica a sensação de que Lula deveria agradecer por ainda poder escrever cartas. Mas a história certamente provará que são as cartas é que deveriam agradecer a Lula.

    Que a próxima carta seja sobre a aguardada e merecida despedida do cárcere.

    (mais…)

  • Lula: Por que têm tanto medo de Lula livre?

    Lula: Por que têm tanto medo de Lula livre?

    Faz um ano que estou preso injustamente, acusado e condenado por um crime que nunca existiu. Cada dia que passei aqui fez aumentar minha indignação, mas mantenho a fé num julgamento justo em que a verdade vai prevalecer. Posso dormir com a consciência tranquila de minha inocência. Duvido que tenham sono leve os que me condenaram numa farsa judicial.

    O que mais me angustia, no entanto, é o que se passa com o Brasil e o sofrimento do nosso povo. Para me impor um juízo de exceção, romperam os limites da lei e da Constituição, fragilizando a democracia. Os direitos do povo e da cidadania vêm sendo revogados, enquanto impõem o arrocho dos salários, a precarização do emprego e a alta do custo de vida. Entregam a soberania nacional, nossas riquezas, nossas empresas e até o nosso território para satisfazer interesses estrangeiros.

    Hoje está claro que a minha condenação foi parte de um movimento político a partir da reeleição da presidenta Dilma Rousseff, em 2014. Derrotada nas urnas pela quarta vez consecutiva, a oposição escolheu o caminho do golpe para voltar ao poder, retomando o vício autoritário das classes dominantes brasileiras.

    O golpe do impeachment sem crime de responsabilidade foi contra o modelo de desenvolvimento com inclusão social que o país vinha construindo desde 2003. Em 12 anos, criamos 20 milhões de empregos, tiramos 32 milhões de pessoas da miséria, multiplicamos o PIB por cinco. Abrimos a universidade para milhões de excluídos. Vencemos a fome.

    Aquele modelo era e é intolerável para uma camada privilegiada e preconceituosa da sociedade. Feriu poderosos interesses econômicos fora do país. Enquanto o pré-sal despertou a cobiça das petrolíferas estrangeiras, empresas brasileiras passaram a disputar mercados com exportadores tradicionais de outros países.

    O impeachment veio para trazer de volta o neoliberalismo, em versão ainda mais radical. Para tanto, sabotaram os esforços do governo Dilma para enfrentar a crise econômica e corrigir seus próprios erros. Afundaram o país num colapso fiscal e numa recessão que ainda perdura. Prometeram que bastava tirar o PT do governo que os problemas do país acabariam.

    O povo logo percebeu que havia sido enganado. O desemprego aumentou, os programas sociais foram esvaziados, escolas e hospitais perderam verbas. Uma política suicida implantada pela Petrobras tornou o preço do gás de cozinha proibitivo para os pobres e levou à paralisação dos caminhoneiros. Querem acabar com a aposentadoria dos idosos e dos trabalhadores rurais.

    Nas caravanas pelo país, vi nos olhos de nossa gente a esperança e o desejo de retomar aquele modelo que começou a corrigir as desigualdades e deu oportunidades a quem nunca as teve. Já no início de 2018 as pesquisas apontavam que eu venceria as eleições em primeiro turno.

    Era preciso impedir minha candidatura a qualquer custo. A Lava Jato, que foi pano de fundo no golpe do impeachment, atropelou prazos e prerrogativas da defesa para me condenar antes das eleições. Haviam grampeado ilegalmente minhas conversas, os telefones de meus advogados e até a presidenta da República. Fui alvo de uma condução coercitiva ilegal, verdadeiro sequestro. Vasculharam minha casa, reviraram meu colchão, tomaram celulares e até tablets de meus netos.

    Nada encontraram para me incriminar: nem conversas de bandidos, nem malas de dinheiro, nem contas no exterior. Mesmo assim fui condenado em prazo recorde, por Sergio Moro e pelo TRF-4, por “atos indeterminados” sem que achassem qualquer conexão entre o apartamento que nunca foi meu e supostos desvios da Petrobras. O Supremo negou-me um justo pedido de habeas corpus, sob pressão da mídia, do mercado e até das Forças Armadas, como confirmou recentemente Jair Bolsonaro, o maior beneficiário daquela perseguição.

    Minha candidatura foi proibida contrariando a lei eleitoral, a jurisprudência e uma determinação do Comitê de Direitos Humanos da ONU para garantir os meus direitos políticos. E, mesmo assim, nosso candidato Fernando Haddad teve expressivas votações e só foi derrotado pela indústria de mentiras de Bolsonaro nas redes sociais, financiada por caixa 2 até com dinheiro estrangeiro, segundo a imprensa.

    Os mais renomados juristas do Brasil e de outros países consideram absurda minha condenação e apontam a parcialidade de Sergio Moro, confirmada na prática quando aceitou ser ministro da Justiça do presidente que ele ajudou a eleger com minha condenação. Tudo o que quero é que apontem uma prova sequer contra mim.

    Por que têm tanto medo de Lula livre, se já alcançaram o objetivo que eraimpedir minha eleição, se não há nada que sustente essa prisão? Na verdade, o que eles temem é a organização do povo que se identifica com nosso projeto de país. Temem ter de reconhecer as arbitrariedades que cometeram para eleger um presidente incapaz e que nos enche de vergonha.

    Eles sabem que minha libertação é parte importante da retomada da democracia no Brasil. Mas são incapazes de conviver com o processo democrático.

    Recepção da caravana na cidade de Inhuma.
    Fotos Ricardo Stuckert
  • Promotor que chamou Lula de “encantador de burros” é condenado em R$ 60 mil

    Promotor que chamou Lula de “encantador de burros” é condenado em R$ 60 mil

    O promotor de Justiça de São Paulo, Cássio Roberto Conserino foi condenado a pagar indenização de R$ 60 mil por danos morais ao ex-presidente Lula por causa de um post no Facebook.

    A decisão foi proferida pelo juiz Anderson Fabrício da Cruz, da 3ª Vara Cível da Comarca de São Bernardo do Campo (SP), em ação ajuizada por Lula sob alegação de que o réu abusou das prerrogativas do cargo de promotor de Justiça para poder assumir as investigações sobre o caso Bancoop, sem observar o princípio do Promotor Natural. O pedido cita uma entrevista concedida por Conserino à revista Veja.

    A defesa do ex-presidente, feita pelo advogado Cristiano Zanin Martins, do Teixeira e Martins Advogados, também pediu indenização por danos morais por uma publicação feita no Facebook do réu. Segundo o pedido, que queria indenização de R$ 1 milhão, as informações divulgadas demonstraram a intenção de perseguição pessoal e motivação de abalar os direitos da personalidade de Lula.

    Cássio Conserino alegou que não houve qualquer violação ao princípio do Promotor Natural no caso, como reconhecido pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e pela Corregedoria Geral do Ministério Público do Estado de São Paulo. Sobre as declarações dadas à Veja, o promotor confessou que houve excesso e eventual malícia, mas por parte do entrevistador. A publicação na rede social foi justificada como uma “piada ou brincadeira”.

    Ao julgar o caso, o juiz Anderson da Cruz entendeu que a imagem compartilhada pelo réu teve a “nítida intenção calculada e provocativa de humilhar, menoscabar e desprezar”. Segundo o magistrado, foi um “conteúdo ofensivo, pejorativo e injuriante que atinge a honra e a imagem do autor e de qualquer outra pessoa na mesma situação, já que a figura do “Burro” é notoriamente associada à falta de inteligência”.

    Segundo a decisão, a publicação é um insulto capaz de ofender a honra subjetiva do ofendido e não de uma mera piada, “o que deveria ser do conhecimento de um experiente integrante do sistema de justiça”, conforme disse o juiz.

    “Ora, pessoas públicas como o autor, especialmente aquelas ocupantes de cargos públicos de natureza representativa, estão sujeitas a críticas e a um escrutínio mais severo dos demais cidadãos, entretanto, essa mitigação dos seus direitos de personalidade tem limites, não sendo possível que o exercício do direito de crítica transborde para a difamação e a injúria como parece que, desafortunadamente, vem se tornando a regra em nossa sociedade”, destacou o magistrado.

     

    Responsabilidade do Estado

    A respeito da parte do pedido da defesa de Lula que reclamava pela postura do promotor, o juiz afirmou que o Código de Processo Civil, em seu artigo 181, prevê “que os membros do Ministério Público responderão, quando agirem com dolo ou fraude no exercício de suas funções, apenas em ação regressiva”.

    “Ademais, os integrantes do Ministério Público são depositários da imunidade judiciária pelos atos praticados no exercício da sua atividade funcional, isto é, são invioláveis pelas opiniões ou manifestações lançadas durante seu mister”, disse Cruz ao afastar a possibilidade do réu responder diretamente pelos atos em sua atividade funcional.

    Ofensas anteriores

    O juiz lembrou que o promotor réu é reincidente na violação dos direitos da personalidade alheios e que já foi condenado a indenizar por danos morais no valor de R$ 20 mil em uma decisão da 6ª Vara Cível de Santos (SP). “Entretanto, aparentemente, a referida condenação não surtiu o efeito pedagógico esperado”, disse ao decidir que Cássio Roberto Conserino deve indenizar o ex-presidente Lula em R$ 60 mil.

    Clique aqui para ler a decisão.
    Processo 1000387-62.2017.8.26.0564

  • O velho do saco vai te pegar!!!

    O velho do saco vai te pegar!!!

    Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História da Universidade Federal da Bahia

     

    Lembro que quando criança, eu morria de medo do “velho do saco”. Quando eu não queria comer, quando ficava de pirraça, minha mãe gritava, olhando pra porta da sala: “Vem velho do saco pegar esse menino mal-criado e desobediente”.

    Eu me tremia todo, com medo do velho me jogar dentro do saco e me levar sabe Deus pra onde. Quando querem e precisam, as mães sabem ser cruéis.

    Foi exatamente a imagem de uma criança tremendo de medo do velho do saco que me veio à cabeça em 1º de março, sexta-feira de Carnaval, quando o presidente Lula deixou a prisão para o sepultamento de seu neto, o menino Arthur.

    Aparato de segurança hollywoodiano, homens armados até os dentes para escoltar um homem de 73 anos. Era como se ali estivesse um velho muito perigoso, alguém tão poderoso que com um sopro fosse capaz de derrubar o país.

    Ainda que conserve a elegância no andar, a postura ereta e altiva dos tempos da juventude, os cabelos grisalhos e as rugas não conseguem esconder a verdade óbvia: Lula é um idoso com 73 anos.

    Por que um velho é capaz de assustar tanto o governo da décima maior economia do mundo?

    Antes de tudo, é importante dizer que o velho não é um velho comum, como outro qualquer. É óbvio!

    Lula deixou de ser um homem comum quando subiu a rampa do Palácio do Planalto. Naquele momento o homem morreu e nasceu uma instituição. É que Lula não foi um presidente comum, como outro qualquer.

    A vitória eleitoral de Lula representou o encontro do Brasil com a sua identidade profunda. Pela primeira vez, um político nascido e criado nas bases da sociedade chegava ao topo do poder. O operário nordestino e sem curso superior tornava-se presidente da República proclamada pelos bacharéis.

    Lula assusta o governo porque é a instituição mais poderosa e influente da história política brasileira. Mas o que representa essa instituição?

    Ao longo dos anos, Lula mudou, se transformou, o que nos permite falar em dois Lulas: o primeiro Lula nasceu nas greves do ABC paulista e morreu em 1994, na ocasião da segunda derrota presidencial.

    O segundo Lula nasceu na derrota de 1998, a terceira, e está vivo até hoje. Esse não morrerá nunca.

    Mudou os trajes, a barba embranqueceu, passou a ser cuidadosamente aparada. Terno e gravata se tornaram uniforme de trabalho. A aliança com Brizola e com a herança trabalhista apontava para um amadurecimento político que se consolidaria plenamente quatro anos depois.

    Lula começava a entender que o Brasil não precisava de um grevista, mas, sim, de um líder popular capaz de colocar o pobre no orçamento do Estado.

    No final da década de 1970, Lula liderava o “novo sindicalismo” que pretendia ser independente da tutela do Estado. Lula negava o sindicalismo corporativo dos tempos de Getúlio, dizia que a CLT era fascista e defendia o fim da Justiça do Trabalho e a livre negociação entre patrões e empregados.

    Ah, os jovens, sempre tão afoitos!

    Brizola, experimentado que era, ironizava, dizendo que o PT era a UDN de macacão. O jovem Lula respondia, dizendo que Brizola era cria de populista e ditador. Brizola entendia o Brasil.

    O tempo passa e as pessoas envelhecem, felizmente.

    O presidente Lula fortaleceu a Justiça do Trabalho porque entendeu que só existe livre negociação entre iguais. Patrão e empregado não são iguais. Outra verdade óbvia.

    Finalmente, Lula entendia o Brasil, entendia que no capitalismo periférico, em uma sociedade de modernização incompleta, o Estado não é o inimigo a ser combatido. É território a ser ocupado, ainda que a custo de concessões, de dolorosas concessões.

    No Brasil, o Estado tem uma missão civilizatória a ser feita na forma de políticas públicas que garantam direitos sociais básicos.

    Nos governos de Lula o Estado cumpriu essa função, uma função, repito, civilizatória. A população entendeu e entendeu tanto que Lula se transformou na personificação do Estado provedor de direitos sociais.

    É exatamente esse o sentido da instituição Lula: o Estado que garante o básico, comida no prato, água gelada na geladeira, fogão pra cozinhar e até uma televisãozinha pra assistir novela. Não chega a ser distribuição de riqueza. De comunismo, de socialismo, chega nem perto. É o Estado provendo o básico.

    Por isso, Lula assusta tanto o governo. Bolsonaro foi eleito representando os mesmos interesses que levaram Temer à Presidência em meados de 2016. O objetivo é claro: o desmonte do Estado, o ataque à vocação assistencialista do Estado moderno brasileiro.

    PEC dos gastos, reforma trabalhista, reforma da previdência. Todas apontam para o mesmo sentido: retirar do Estado os aparelhos institucionais de intervenção na sociedade, de garantia de acesso a direitos sociais básicos.

    Bolsonaro não é apenas sucessor de Temer. É herdeiro também.

    Os responsáveis pelo desmonte sabem perfeitamente que Lula representa a antítese desse projeto: Lula é o Estado que atua, que ampara. Por isso, foi preso e está sendo mantido em um regime penal de exceção.

    Lula não pode dar entrevista, não pode falar. Também não pode morrer, pois os desdobramentos seriam imprevisíveis. O governo precisa que Lula fique onde está, completamente isolado, silenciado.

    Lula não é preso da Justiça. Éistos, o menino Arthur morreu. 

    Não dava pra impedir o avô de sair para enterrar o netinho. A comunidade internacional acompanha com atenção a situação de Lula. A candidatura do ex-presidente ao prêmio Nobel da paz está formalizada. O governo precisou ceder, teve que ceder. Pela primeira vez desde que foi preso,  preso do governo. O juiz que condenou se tornou ministro de Estado. Nunca é demais lembrar.

    Como a vida é feita de imprevistos. Lula saiu da cadeia, foi visto, teve contato com o povo.

    O velho saiu da jaula e o governo tremeu. Avião, escolta armada, todo um aparato para neutralizar um velho, um velho.

    Lula não podia falar, não podia acenar, o ideal mesmo é que nem fosse visto.

    É claro que o velho foi visto, e pelo mundo inteiro. A simples imagem de um homem que representa um certo modelo de Estado, em si, é um evento político de primeira importância. Lula é uma instituição tão conhecida que os discursos já se tornaram redundantes. Basta que ele apareça para que todos saibam quem está ali.

    Por algumas horas, na pessoa de um velho de 73 anos, de um avô destruído pela morte do neto, o Estado provedor brasileiro saiu do cárcere e viu a luz do sol. Andou, acenou. Por onde passou, o povo gritou e chorou.

    O velho voltou pra cela e o governo respirou aliviado, como o menino que, depois de raspar o prato, ouve a mãe dizer “Pode ir embora, velho do saco, ele comeu tudinho”.

     

     

  • Evaristo Magalhães: para a família do presidente Lula

    Evaristo Magalhães: para a família do presidente Lula

    Evaristo Magalhães – Psicanalista

    Nada é mais generoso que morrer.

    Quem parte deixa tudo.

    A morte é a maior das entregas.

    Na verdade, ninguém morre.

    Ninguém parte sem deixar algo.

    Todos que vão – de alguma maneira – ficam também.

    A herança humana é o que conforta a perda.

    A morte é apenas um corpo que vai.

    As atitudes ficam.

    As escolhas permanecem.

    As concessões também.

    Fora a dedicação e o amor que jamais serão esquecidos.

    Isso vale mais que tudo.

    O valor de uma pessoa não está na qualidade de sua formação intelectual e nem na quantidade de riqueza que acumulou.

    Não tem preço uma vida bem conduzida.

    Precisamos focar na bonita trajetória de amizade, simpatia e generosidade de quem partiu.

    Precisamos eternizar a dedicação e a sensibilidade daqueles que não estão mais entre nós para promover o bem e a união entre todos. Precisamos lembrar sempre da capacidade – de quem passou por aqui – de manter acesa a esperança em um mundo mais justo e mais solidário.

    Não se trata de uma vida interrompida.

    Trata-se de uma vida construída de forma vitoriosa.

    Ninguém que vai deixa um vazio.

    Todo mundo que parte deixa tudo de si para os que ficam.

    Neste mundo individualista – em pouco tempo – não mais choraremos nossos mortos.

    Se não há o que ser lembrado, também não há motivo para a tristeza.

    O melhor remédio para a dor da perda é o reconhecimento da importância dos que se foram para a vida dos seus e para a vida do mundo.

    É a única maneira de mantê-los de alguma maneira ainda vivos.

    Vai o corpo e fica a alma.

    Louvemos a partir de agora a memória dos que se foram.

    Façamos homenagens e falemos deles para o mundo.

    Deve ser um alento para quem morre saber que deixou um legado de atitudes, ideias, sentimentos e crenças para as gerações posteriores. Aos mortos, cabem a nossa reverência.

    Que bom que temos o que lembrar, o que dizer e o que apontar daqueles que nos deixaram.

    É em função dos que se foram que a vida pode seguir melhor.

    A vida é um ciclo e precisamos dar continuidade.

    Precisamos testemunhar a lembrança.

    Se assim não for, não há porque viver.

    Podemos e devemos assegurar aos que ficam, que os que se foram, de alguma maneira continuarão para sempre conosco!