Jornalistas Livres

Categoria: Índios

  • Um ritual que celebra a chegada das chuvas e clama pela preservação da natureza

    Um ritual que celebra a chegada das chuvas e clama pela preservação da natureza

    Na Aldeia Imbiruçu, a 200 km de Belo Horizonte, indígenas celebram a Festa das Águas e dão um recado: “Se os pataxós deixarem de existir, o não-indígena também vai”

    Por Aline Frazão, especial para os Jornalistas Livres

    Ano passado a natureza não quis dar capivara não. Esse ano ela deu pra nós”, diz pensativo e com olhar no horizonte Aricuri Máximo Ribeiro, jovem da etnia Pataxó, sobre a Festa das Águas de 2015. O ritual acontece todos os anos na Aldeia Imbiruçu, em Carmésia, a 200 km de Belo Horizonte, e celebra a chegada das chuvas.

    Os índios que vivem na reserva indígena no centro-oeste do Estado só não plantam o arroz da sua alimentação. Há consumo de muita batata, mandioca, banana e muito frango — criação que se vê em toda a aldeia. Mas tem bala e refrigerante também. As crianças adoram. Quando se escuta “galinha gorda”, a meninada já corre logo, pois a expressão quer dizer que alguém vai distribuir um saco de balas.

    Preparando para sair à caça para alimentação. Foto: Aline Frazão

    Os índios da Aldeia Imbiruçu não caçam todos os dias para não desequilibrar a natureza, e também porque eles têm de andar 60 km para pescar ou caçar. No território deles, única área onde há mata preservada na região, às vezes aparecem tatus. Alguns indígenas têm carro e por isso nem sempre o ofício de caçar e pescar é tão difícil. Imagine andar cerca de 6 horas para caçar uma capivara? Que é um bicho muito esperto…

    A reserva indígena tem quase 4 mil hectares, onde estão três aldeias. E como os índios ali estão cercados por fazendeiros e mineradoras, o que já não é muito, como a água e a mata, diminui com a ação devastadora do não-indígena: uma cachoeira está completamente seca. No alto dos morros que circundam a reserva, dá pra ver as plantações de eucalipto, além do gado no pasto. O Rio do Peixe, onde eles pescam, diminui sua profundidade a cada ano.

    Para a Festa das Águas, que representa a fartura, é bom que tenha muito alimento, oferecido a todos os visitantes. Por isso, a caça à capivara, além da pesca, são certos para aquele dia. Mas se a natureza não quiser dar, ela não vai dar, e a vontade dela é a mais respeitada pelos indígenas. Antes de entrar na mata para caçar, pescar, ou raramente fazer o corte de uma árvore para o artesanato, os índios pedem licença ao “Pai da Mata”. Quando o alimento é dado, o agradecimento é feito de forma festiva, com muito canto e dança.

    A cada ano, a preocupação dos pataxós — que são os filhos da água- com relação à preservação desse recurso natural, aumenta. O ritual passou a ser aberto a visitantes também para conscientizar sobre o problema que é a destruição do meio ambiente. “Se os pataxós deixarem de existir, o não-indígena também vai. Boa parte não se deu conta da destruição do planeta e a sociedade não discute valores, apenas poder”.

    As palavras são do cacique Mesaque, da aldeia Sede, vizinha a Imbiruçu, proferidas durante abertura da festa. Ninguém consegue fazer água, nem tem o poder de fazer chover. Os índios cantam e dançam para celebrar a chegada das chuvas. Eles agradecem e pedem, mas o homem branco não pára de destruir a natureza, e a espécie humana corre o risco de desaparecer junto com ela.


    Senso comum aqui no Brasil ‘é mato’

    Um “meme”, que sempre circula na internet, traz um índio em um cartaz, como aqueles do Faroeste, em que se procura um índio para fazer a dança das chuvas. Isso pode ser considerado uma piada frente a tantas ofensas e preconceito. Mas, ainda assim, demonstra desinformação com relação àqueles povos. Eles conhecem muito bem a natureza, chamam a terra de mãe e sem dúvida alguma são os seres humanos que mais preservam o meio ambiente. Mas os índios são expulsos de suas terras originárias e silenciados — muitas vezes com o genocídio, em curso em pleno século 21!

    Enquanto muitos empresários que só pensam no lucro passam despercebidos ao olhar do senso comum, os modos de vida do indígena remetem à preguiça. Mas, ao contrário do que a maioria das pessoas pensa, na aldeia há muitos afazeres, sim: as mulheres cuidam da casa, da alimentação da família, das crianças e também produzem artesanato, maior fonte de renda dos indígenas. Os homens lidam com a roça, produzem muita farinha de mandioca, caçam, pescam, confeccionam armas para captura de animais. Alguns indígenas também saem da aldeia para trabalhar em ofícios como de pedreiro ou mecânico, e claro, além dos trabalhadores, há os estudantes.

    Na cidade, o índio se sente deslocado. Além de perder o contato com a terra, ele tem de enfrentar o preconceito. A sociedade costuma achar que índio vive na Amazônia, e o resto é fingidor. As pessoas não sabem que, mesmo com os milhões de indígenas exterminados ao longo da história de formação do país, ainda existem muitos. E eles estão nos locais onde a natureza é mais preservada.

    Quem é o atrasado e burro da história? O homem branco, que destrói sem pensar nas conseqüências, ou os indígenas, que querem salvar a natureza para que as futuras gerações também estejam a salvo?

    Foto: Aline Frazão

    O cacique Mesaque, que faz Direito em Belo Horizonte, foi convidado para atuar em uma pasta da Secretaria do Estado de Direitos Humanos do governo de Fernando Pimental (PT). Em um evento sobre a cultura indígena, ele ouviu de professores universitários críticas recheadas de preconceito, que diziam que em Minas Gerais não existem aldeias e que ele deveria se conformar, pois quando o território deles começou a ser demarcado no Brasil, isso fez com que eles não fossem mais indígenas.

    É muito enriquecedor para um brasileiro viajar até a Europa ou aos Estados Unidos. Aprender outra cultura, outros modos de vida… Mas mais importante seria conhecer o que está tão perto de nós, como os indígenas espalhados pelo território, originalmente ocupados por eles, e hoje chamado Brasil. Só em Minas Gerais, são 12 etnias vivendo em dezenas de aldeias.

    A situação dos pataxós que vivem em Carmésia é muito boa se comparada aos indígenas que ainda não conseguiram um pedaço de terra para viver. Mas a etnia deles já passou por processo de expulsão. Eles são originários do extremo sul da Bahia, em Porto Seguro, e depois de um massacre a mando de fazendeiros na década de 70, muitos pataxós se dispersaram. Outras gerações vieram e hoje eles vivem bem no novo território em Minas Gerais, com características bem diferentes do original, mas pelo menos deles. Para rever os parentes, todo janeiro os pataxós se encontram em Barra Velha, na Bahia.


    O ritual das águas

    Foto: Aline Frazão

    No dia anterior à Festa das Águas, acontecem os casamentos e os batizados da aldeia. Os rituais indígenas são marcados por muitos cantos com dança, ora na língua portuguesa, ora na língua dos pataxós, a Patxoha. Para os batizados, os indígenas se reúnem na beira do lago que há na aldeia, e as crianças passam pela bênção do cacique e do vice-cacique. Depois são banhadas na água.

    O casamento dos indígenas começa com uma pedrinha lançada. Quando um indígena se interessa por uma indígena, ele joga um pedra em sua direção. Se a mulher devolve a ele uma pedra, é sinal de que ela também está interessada, e a partir daí começam um namoro. Para pedir a índia em casamento, o índio entrega uma flor a ela. Se a Índia jogar a flor de volta ela quer se casar. Na cerimônia, o noivo tem que carregar uma pedra, do peso da noiva, por cerca de 500 metros. Isso quer dizer que ele vai conseguir carregar a mulher no caso de uma enfermidade ou para dar à luz. No lugar da troca de alianças, os casais trocam os cocares: o homem usa o cocar da mulher e a mulher usa o cocar do homem. Isso quer dizer que não haverá distinção de gênero na relação. Durante a cerimônia, os noivos tomam cauim, bebida feita de mandioca, muito consumida na aldeia. Para os índios, ela purifica e traz fertilidade para a mulher. Por último, o noivo tem que lutar, prática comum em forma de jogo nas aldeias indígenas. Quem fizer o adversário derrubar o toco que está no centro ganha a luta.

    Foto: Aline Frazão

    A festa das Águas é o grande ritual dos pataxós. Os indígenas se preparam para ela com muita pintura e também muito ensaio. As danças e cantos são harmônicos, ritmados e profundos. Após dançar e cantar por horas, os indígenas vão para a mata: é hora de o Pai da Mata participar da festa, incorporando no cacique da aldeia. O ritual celebra a chegada das chuvas, que vai proporcionar a fartura na colheita da plantação dos indígenas. No final do ritual, todos os participantes são jogados na lama e depois na água do lago. O ato é para purificar o corpo.

    Foto: Aline Frazão

    A festa demonstra que os índios não perderam a cultura deles, pelo contrário, lutam para que ela esteja viva a cada geração. Mas o Brasil não é mais como era em 1.500, e o indígena da atualidade precisa ter acesso à cidade, estudar e trabalhar para garantir a sobrevivência deles.

    É engraçado voltar pra cidade e contar que você esteve numa aldeia indígena. As pessoas ficam muito curiosas para saber se o índio anda pelado, se ele usa celular, se tem redes sociais… Eu digo a elas: vá ver de perto! Há muito mais índios que possamos imaginar, e não muito longe. Nas cidades há indígenas, com certeza carentes de amizades do homem branco. Ir a uma aldeia, então, é fantástico, principalmente quando ela está em festa. E os índios adoram receber visitantes, são simpáticos, cordiais e muito alegres. Como diz o cacique da Aldeia Imbiruçu, Romildo Alves da Conceição, “são todos sempre bem vindos, se não estivermos em festa, vamos nadar, pescar, caçar”.

    Foto: Aline Frazão
  • O que sabemos até agora sobre a situação dos Guarani-Kaiowá no MS

    O que sabemos até agora sobre a situação dos Guarani-Kaiowá no MS

    Expulsos de suas terras nos anos 1940 e 50, não é novidade que o povo Guarani-Kaiowá vive um cotidiano de guerra civil no Mato Grosso do Sul. O conflito com grandes proprietários de terra, reflexo da falha política indigenista brasileira, vem se arrastando por décadas e acumulando cada vez mais vítimas.

    A situação foi até motivadora de uma grande campanha nas redes em 2012, o que deu, pela primeira vez, visibilidade à questão. No entanto, três anos depois, o genocídio continua.

    Segundo o relatório “Violência contra os Povos Indígenas do Brasil do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), em um ano foram registrados 41 assassinatos apenas no Mato Grosso do Sul, isso significa 29% do total nacional (138). O relatório referente a 2014 destaca também para o alto número de suicídios na região dos Guarani-Kaiowá, 48 do total nacional de 135. Como a cultura Guarani-Kaiowá é fortemente ligada à terra para viver e trabalhar, acredita-se que a falta de perspectivas desses indivíduos de reconquistarem seus tekoha (território sagrado) seja o maior motivador desses suicídios.

    Alguns fatos recentes ocorridos no Mato Grosso do Sul colocaram a situação dos Guarani-Kaiowá novamente em alerta para o mundo. Cansados de esperar por ações concretas dos orgãos governamentais, os indígenas resolveram retomar pelas próprias mãos parte de seu territórios tradicionais, muitos já demarcados e homologados desde 2005.

    Foram, pelo menos, 4 retomadas na região de fronteira com o Paraguai em menos de um mês(veja abaixo), o que resultou em violentas retaliações dos fazendeiros. A mais grave, na terra tradicional Ñanderú Marangatu, perto do município de Antônio João, no sul do estado, culminou no assassinato brutal do líder indígena, Semião Vilhalva, no dia 29 de agosto. O Ministério Público Federal em Mato Grosso do Sul já determinou instauração de inquérito policial para apurar possível prática de formação de milícia privada por fazendeiros.

    Ritual de Velório de Simeão Vilhalva -Brasília DF/2015. Foto: Midia NINJA

    Segundo informações do Cimi, os ataques também estão sendo incentivados por parlamentares. Na semana passada, a deputada estadual Mara Caseiro (PT do B) usou a tribuna contra os índios e pediu ao MPF e MPE uma investigação da destinação do dinheiro que o Coletivo Terra Vermelha está arrecadando em campanha online. A “vakinha” do Movimento tem objetivo arrecadar fundos para compra de alimentos, lonas e cobertas para os Guarani-Kaiowá que se encontram em processo de retomada de suas terras tradicionais. Saiba como doar aqui.

    A bancada ruralista no congresso foi além, em uma tentativa de adiantar o processo de votação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC-215), o relator Osmar Serraglio (PMDB-PR), apresentou, no dia 2 de setembro, seu parecer favorável à proposta. Para a PEC seguir em votação na Câmara, o relatório ainda precisará ser debatido e aprovado pela Comissão Especial.

    A PEC visa transferir do Governo Federal ao Congresso o poder sobre o reconhecimento de Terras Indígenas (TIs), quilombolas e zonas de conservação ambiental. Basicamente essa é tentativa de inviabilizar as demarcações pendentes e violentar os direitos dos índios.

    Estudo produzido pelo Instituto Socio Ambiental (ISA) revela que a PEC impactaria diretamente os processos de demarcação de 228 TIs que ainda não foram homologadas. Essas terras representam uma área de 7.807.539 hectares, com uma população de 107.203 indígenas.

    Linha do tempo dos ataques no último mês:

    29/08 — Ataque e expulsão dos ocupantes do território Ñanderú Marangatu, no município de Antônio João. Fazendeiros e capangas da Fazenda Primavera assassinaram o líder indígena Semião Vilhalva, 24 anos.

    3/09 — Ataque a comunidade do território Guyra Kamby’i, localizada entre as cidades de Douradina e Itaporã. Após dias de acordo, fazendeiros e capangas encerram o cerco e comunidade permanece no local;

    14/09 — Jovem indígena Eliezer Araujo, de 14 anos, foi atropelado no territórioÑu Porã, existem fortes suspeitas de que o atropelamento tenha sido criminoso, ele não resistiu e faleceu.

    18/09 — Ataque e expulsão dos ocupantes do território Pyelito Kue na Fazenda Maringá, em Iguatemi. A comunidade foi removida à força do território retomado desde 16 de setembro, pelo menos dez pessoas feridas, com hematomas e pequenos cortes, entre idosos, crianças e mulheres, uma delas gestante.

    19/09 — Ataque e expulsão dos índios Guarani Ñandeva que ocupavam o território de Potrero Guasu, no município de Paranhos.

    Ritual de Velório de Simeão Vilhalva -Brasília DF/2015. Foto: Midia NINJA

  • ‘Fazendeiros ‘não aceitam o envolvimento da Igreja na defesa dos excluídos’ afirma Bispo do MS’

    ‘Fazendeiros ‘não aceitam o envolvimento da Igreja na defesa dos excluídos’ afirma Bispo do MS’

     

    Em pronunciamento difundido no dia 22 de agosto, logo após a ocupação de uma fazenda no município de Antônio João por indígenas da região, a fazendeira Luana Ruis Silva acusou o Conselho Indigenista Missionário (CIMI) de estar incentivando as “invasões”, e desafogou seu ressentimento contra a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil afirmando:

    “Abomino esse braço demoníaco da Igreja Católica que é a CNBB”.

    A crítica acerba — uma das muitas levantadas contra a CNBB e o CIMI por quem se sente prejudicado em seus interesses — foi assim explanada pela denunciante: «Ontem, dia 20 de agosto, o Conselho Indigenista Missionário, pregando essa ideologia da subtração, da qual todos os resultados são negativos, atuou junto à comunidade indígena, destituiu os caciques que primavam pelo diálogo e prometeram invadir tudo e nos expulsar de nossas casas. E, realmente, a promessa se consumou nessa madrugada. Invadiram a Fazenda Primavera, amarraram o capataz, o espancaram e, até o momento, não temos notícias de resgate. O Conselho Indigenista Missionário prometeu que está trazendo índios do Paraguai e que vai invadir o Estado».

    Antes de tudo, gostaria de esclarecer que, na quinta-feira, dia 20 de agosto, membros do CIMI participavam de uma reunião comigo em Dourados, numa tentativa de diálogo com alguns produtores rurais de Amambai. Se se achavam em Dourados, não poderiam estar em Antônio João, destituindo caciques e incentivando ocupações… Aliás, quem deu tamanha autoridade ao CIMI para exonerar caciques? Ademais, afirmar que os índios se deixam manipular pelo CIMI em suas iniciativas e decisões é menosprezar a inteligência de suas lideranças, que são as únicas responsáveis pelas “invasões” (assim vistas pelos produtores rurais) ou “retomadas” (como são consideradas pelos indígenas).

    Nos 17 municípios que formam a Diocese de Dourados vivem em torno de 35.000 índios e 70.000 agricultores. Muitos destes últimos são sulistas e gaúchos, como eu. Ou seja, pessoas habituadas a cultivar a terra. Migrantes que aqui chegaram a partir de 1970 e que adquiriram legalmente suas propriedades. E que delas precisam para sobreviver e para construir a riqueza do país.

    Não quero generalizar, mas, a meu ver, quem semeia o ódio de classes entre a população sul-mato-grossense não é o CIMI, mas pessoas que, tendo em mãos o poder político e econômico, envenenam os produtores rurais. Justamente insatisfeitos ante uma situação de conflito que se prolonga indefinidamente e que a todos prejudica: índios e agricultores, já que o Governo Central teima em não tomar providências, parece mais fácil e mais cômodo a essas pessoas transformar o CIMI no “bode expiatório” do momento.

    Ao longo desses quinze anos em que tenho a alegria de residir no Mato Grosso do Sul, foram inúmeras as vezes em que os Bispos do Estado nos manifestamos a respeito. Fizemos nossa uma proposta levantada por agricultores e indígenas, que nos parecia a única viável: a indenização justa das terras identificadas como indígenas pelo Governo Central, a fim de que também os índios — do jeito que seus costumes e sua cultura pedem — tirem seu sustento, assim como fazem os demais agricultores do Estado.

    Calúnias tão pesadas e insustentáveis como as levantadas pela fazendeira de Antônio João devem estar sujeitas a medidas judiciais, que já estão sendo pensadas. Tais calúnias refletem a insatisfação de quantos não aceitam o envolvimento da Igreja na defesa e na promoção dos excluídos e marginalizados, para não perderem seus privilégios.

    É o que, com outras palavras, afirmava Dom Hélder Câmara:

    “Quando dou comida aos pobres, me chamam de santo. Quando pergunto por que eles são pobres, me acusam de comunista!”.


    Dom Redovino Rizzardo
    Bispo diocesano de Dourados

     

  • Sobre a agressão e prisão arbitrária de uma índia

    Sobre a agressão e prisão arbitrária de uma índia

    Pelo fato de carregar arco e flecha artesanais, Juvana, da etnia Xacriabá, foi agredida e presa durante Grito dos Excluídos no norte de Minas Gerais

    Juvana e a amiga Silla ainda tentam entender o que teria levado à prisão a índia Juvana naquele sete de setembro, em Montes Claros, no norte de Minas Gerais. Na internet, as mensagens direcionadas à indígena se dividem entre apoio e racismo. Das falas de ódio e desinformação, já conhecidas pelo brasileiro, talvez a que mais impressionou Juvana foi uma em que dizia que ela não é indígena. “Nós somos indígenas sim. Estamos em Montes Claros pra estudar”, diz Silla.

    Foto: Gustavo Ferreira

    Outra mensagem que também abalou Juvana, não mais que a agressão policial e a morte de seus parentes (índios da etnia Guarani-Kaiowá), foi uma que dizia que ela tem antecedentes criminais. “Como a pessoa fala isso? Ela terá de provar na justiça”, desabafa.

    “A cabeça ainda dói, o braço está dolorido, e o psicológico está péssimo”, contou Juvana, que veio a Belo Horizonte nesta quarta-feira, dois dias depois da agressão, a convite do deputado estadual Rogério Correia (PT). Ela participaria de audiência pública da Comissão de Direitos Humanos, que trataria justamente de violência policial, não contra indígenas, mas contra jornalistas, em Minas Gerais. Mas agressão é agressão, e o momento não poderia ser mais propício.

    Juvana e Silla são da etnia Xacriabá. A aldeia delas fica no município de São João das Missões, a 300 km de Montes Claros. Elas deixaram o lar e os familiares e foram para a cidade realizar o sonho da maioria dos jovens: se formar em uma universidade. Juvana faz Direito e Silla, Enfermagem. Mas, para concretizar a graduação, elas enfrentam todo tipo de preconceito e dificuldade. Na universidade, elas recebem apoio dos colegas, mas fora de lá, a vida não é fácil: machismo em cada esquina e a recusa em empregá-las em algum trabalho.

    Foto: Gustavo Ferreira

    De personalidade forte, mas com a característica marcante de uma pessoa tranquila, Juvana não imaginava que seria agredida, um dia, por um policial. Mas aconteceu. Naquele dia em que se comemora a Independência do Brasil, ela saiu, com outros quatro indígenas, para participar do Grito dos Excluídos, evento paralelo aos tradicionais desfiles cívicos, que acontece há 21 anos em várias cidades de todo o país. Além do arco e flecha, artesanais, Juvana empunhava um cartaz que dizia: “somos todos Guarani-Kaiowá. Contra o genocídio a mando do agronegócio”.

    Nos últimos dias temos visto o assassinato cruel de lideranças indígenas no Mato Grosso do Sul. Os verdadeiros donos do país, que povoavam aqui antes da chegada dos portugueses, são expulsos à bala por fazendeiros, que desmatam a floresta e contaminam os rios em nome do “progresso”. Mas aprende-se na escola que o Brasil foi “descoberto”. E deve ser por causa de mais essa distorção que até hoje os índios continuam sendo exterminados. O brasileiro não sabe a própria história. Triste!

    Além do genocídio, em curso, dos índios da etnia Guarani-Kaiowá, os indígenas ali presentes no ato protestavam contra a aprovação da PEC 215, que tramita no Congresso e pretende tirar do Poder Executivo e da Funai, a demarcação de terras, e passá-la para o Senado. Sim, essa Casa Legislativa vem mostrando bem ao lado de quem está: dos ruralistas.

    Durante o protesto, as índias não perceberam, mas o policial que agrediu e efetuou a prisão arbitrária de Juvana estava próximo a elas o tempo todo. As fotografias postadas por várias pessoas na internet, após o evento, comprovaram isso. O que deixa Juvana pensativa: “Não sei se foi por preconceito contra nós, ou se alguém havia pedido que ele ficasse tão perto da gente”.

    Quando os manifestantes do Grito dos Excluídos chegaram até o palanque onde estava o prefeito Ruy Muniz, as pessoas se sentiram ofendidas com a reação do chefe do Executivo local. E não é pra menos: nos vídeos postados na internet dá pra ver claramente que ele estava sorrindo e dançando, em um momento onde não se tinha o que comemorar. As pessoas estavam ali lutando por direitos negados a elas.

    Conforme contou Juvana, nesse momento ela entregou ao prefeito o presente que havia levado para ele: uma camisa com os dizeres “não à PEC 215”. Apesar de agradecer, o prefeito não mostrou o presente, como gostaria Juvana. Foi quando muitas pessoas se juntaram a uma grade, que caiu. Repito: muitas pessoas. Mas só Juvana foi levada pelos policiais, que disseram que ela queria acertar Ruy com a flecha em mãos. Além da prisão arbitrária, Juvana foi agredida. E o detalhe do arco e flecha não pode passar despercebido, pois se eles representavam uma ameaça, por que não foram “tomados” de Juvana e dos outros indígenas no início do protesto?

    O dia de Juvana e Silla foi movimentado na capital mineira. Os telefones não paravam de tocar: havia gente querendo mesmo se solidarizar e ajudar de alguma forma, como havia também os oportunistas. Durante a audiência, Juvana, que se mostrou forte em todas as entrevistas de TV, rádio, jornal e internet, não conseguiu concluir sua fala, e desatou a chorar.

    Mas a expectativa com a audiência é boa. No dia 28 deste mês, será realizada, a pedido da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa de Minas Gerais, uma audiência em Montes Claros. O prefeito da cidade, Ruy Muniz, e o cacique da etnia Xacriabá foram convidados. O comandante da PM em Montes Claros, Sérgio Ricardo de Oliveira, foi convocado pelos legisladores para prestar esclarecimentos.

    Depois de muitas entrevistas concedidas à imprensa, as índias foram até a Casa de Direitos Humanos em Belo Horizonte. Elas contariam, em forma de oitiva, o ocorrido neste sete de setembro em Montes Claros. Apesar da agressão sofrida, Juvana disse não ter medo de lutar por seu povo, pois ela tem “o sangue do sangue que foi derramado nesses mais de 500 anos de colonização do Brasil”.

    Foto: Gustavo Ferreira
  • Governo Dilma fica inerte enquanto os ruralistas intensificam os ataques contra os povos indígenas no MS

    Governo Dilma fica inerte enquanto os ruralistas intensificam os ataques contra os povos indígenas no MS

    Na noite deste domingo, 30, por volta das 21 horas, famílias indígenas de Ñanderú Marangatú sofreram novamente com ataques paramilitares de fazendeiros armados e seus jagunços. Os indígenas, fragilizados, famintos e aterrorizados, não esboçaram resistência, pois segundo eles o que houve ontem à noite “não foi confronto, foi uma nova tentativa de massacre”.

    Desta vez o acampamento de retomada das famílias Guarani e Kaiowá foi invadido por mais de 60 pistoleiros, que entraram realizando disparos e ameaçando crianças, velhos, mulheres e homens. O novo ataque foi realizado sobre o território sagrado de Ñanderú Marangatú, no local onde se encontra a fazenda denominada Piquiri, sobreposta aos 9.300 hectares de chão tradicional homologados pela Presidência da República.

    Ainda com as cicatrizes e traumas do ataque, um dia antes, em que o líder indígena Simião Vilhalva, de 24 anos, foi assassinado pelas milícias dos ruralistas à beira de um córrego onde procurava seu filho, as famílias relatam que apenas tiveram tempo de juntar alguns poucos pertences e correr para o meio da mata, buscando segurança para não serem também assassinadas.

    Apavorados e revoltados, os indígenas denunciam a inoperância das forças de segurança em garantir a vida e integridade de suas famílias. Em mensagens enviadas por telefone indagam:

    “Eles não estavam aqui para impedir o conflito? Para impedir massacre? Como, então, caminhonetes se juntam em bandos, entram, atiram, matam e eles não fazem nada como se nem enxergassem isso? Eu vou dizer o que eles estão fazendo. Esta Força Nacional está deixando os fazendeiros invadirem nosso território e se apossarem das sedes, aí eles vêm e fazem cordão contra nossa comunidade. Estão garantindo a devolução de nosso território para os fazendeiros, e a DOF (Departamento de Operações de Fronteira), além de acompanhar os jagunços, mesmo quando estão armados, agora ajudam a levar comida para eles e abastecer os bandidos que mataram o Semião”, desabafa, inconformada, uma das lideranças. (Matérias jornalísticas veiculadas ontem registraram o momento da entrega de alimentos, a qual a liderança se refere.)

    Uma das poucas verdades advindas dos pronunciamentos ruralistas até agora é de que a soberania nacional está ameaçada. Realmente está, porém não pelas participações de “indígenas paraguaios”, como tentam argumentar os ruralistas e seus sindicatos, mas sim pelas ações milicianas e paramilitares dos próprios fazendeiros. Desrespeitando a democracia e os direitos individuais e coletivos, essa “gente de bem” decidiu deliberadamente abrir uma temporada de “caça aos índios”, e promover reintegrações de posse à revelia da lei, com as próprias mãos. Desse modo, investem sobretudo contra famílias indefesas, o que, além de temerário e covarde, se constitui em crimes diversos e devem ser punidos nos rigores da lei.

    Enquanto isso, o governo — em especial o Ministério da Justiça — assiste inerte a bandidagem de latifundiários sem tomar providências efetivas de defesa dos povos indígenas e nem apontar algum tipo de intervenção. Os indígenas denunciavam, desde o primeiro ataque, que o clima continuava tenso e que não se sentiam seguros com as estratégias de “segurança” adotadas pela Força Nacional que, segundo eles, estava mais interessada em manter seguros os fazendeiros do que evitar novas invasões milicianas pelo perímetro da terra indígena. O silêncio do governo continuou: sequer lamentaram publicamente o assassinato de Semião.

    José Eduardo Cardozo, ministro da Justiça, em sua última declaração voltada aos Guarani e Kaiowá, realizada em Brasília, no início deste mês, afirmou que não “baixaria nenhuma portaria declaratória” (procedimento demarcatório essencial e de sua responsabilidade) por conta da conjuntura de alta violência e de “ataques de direitos” advinda dos produtores rurais e da própria Justiça. Cardozo afirmava que não poderia baixar as portarias porque teria plena consciência da violência sofrida pelos indígenas. Afirmou, por fim, que não estaria disposto a agir como um “Pôncio Pilatos” frente à crucificação de “Jesus Cristos Kaiowás”. Pois bem, neste momento o ministro age exatamente como um Pôncio Pilatos, assistindo ao acirramento da violência. Ao lavar suas mãos da responsabilidade em garantir a segurança destas famílias, Cardozo condenará quantos outros indígenas ao mesmo destino de Semião?

    Os Guarani e Kaiowá, diante da dor da perda de sua liderança, exigem que seja feita justiça. Exigem a punição imediata aos assassinos e mandantes e intervenção do Ministério da Justiça para garantir a segurança das famílias e coibir crimes e a continuidade do esbulho de seus territórios. Enquanto houver silêncio e inércia das autoridades responsáveis pela garantia da ordem e da justiça, a cada dia uma nova lápide de indígena assassinado será erguida, pois a intenção de matar é publicamente declarada por fazendeiros em reuniões e em depoimentos que circulam nas redes sociais. Até quando, senhora presidente da República e senhor ministro da Justiça, isso vai perdurar?

  • Guarani Kayowaa: a dolorosa retomada

    Guarani Kayowaa: a dolorosa retomada

    Depois de quase duas décadas de espera, a comunidade Guarani Kayowaa está retomando áreas da Terra Indígena Ñanderu Marangatu, na fronteira do Brasil com o Paraguai. Lideranças relatam que tiveram sua aldeia invadida esta semana por agentes do Departamento de Operações da Fronteira (DOF) e que foram ameaçados com disparos de armas de fogo.

    Os Guarani Kayowaa cansaram de esperar. Querem avisar a toda a sociedade que dezoito anos já foi tempo bastante aguardando uma solução oficial para a demarcação de seu tekoa (território sagrado) no município de Antônio João, na fronteira do Brasil com o Paraguai. A Terra Indígena ÑanderuMarangatu, com cerca de 9 mil hectares, teve sua demarcação homologada em março de 2005 pelo então presidente Luís Inácio Lula da Silva. Poucos meses depois, porém, o Supremo Tribunal Federal, anulou a conquista. Com essa decisão, o presidente do STF na época, Nelson Jobim, atendeu aos apelos dos que alegam ser donos das terras. Teve início, então, uma sucessão de sofrimentos para a comunidade que hoje conta com cerca de mil indígenas. Mortes por assassinato, fome, atropelamento. Despejos. Invasões.

    Na semana passada, os Guarani Kayowaa decidiram retomar o território. Homens, mulheres e crianças seguiram para a chamada Fazenda Primavera, cujas terras são reivindicadas pelo ex-prefeito da cidade, Dacio Queiroz Silva (PMDB). “Pouco tempo depois de ocupar a fazenda o Departamento de Operações da Fronteira (DOF) apareceu e fez ameaças aos indígenas. Os guaranikayowaa recuaram então um pouco, por prudência. Mas na terça-feira, dia 25, por volta das 14h, os policiais do DOF invadiram e atacaram a área da aldeia. Não foi nem na área de retomada esse ataque, foi na aldeia mesmo”, denuncia um dos membros da organização indígena AtyGuasu, que não quis se identificar.

    Segundo ele, durante a invasão teriam sido feitos disparos com armas de fogo. Em comunicado, a comissão AtyGuasu relata que os invasores procuravam pelas lideranças da comunidade, entre eles o líder conhecido como Loretito. “Felizmente não houve vítimas nesse ataque. A comunidade está muito assustada, mas decidiu resistir e ampliar a retomada para as áreas de outras fazendas que estão dentro da Terra Indígena”, afirma o representante da organização.

    A reportagem tentou entrar em contato com a regional da Funai em Ponta Porã, sem sucesso. Em comunicado divulgado esta semana, o DOF não responde às denúncias feitas pelos Guarani Kayowaa, mas alega que no sábado teria participado de uma ação para “socorrer e liberar reféns de índios, após invasão de propriedade”. Exibindo fotos divulgadas anteriormente pelos indígenas em redes sociais como se fossem imagens de divulgação do próprio órgão, o DOF acusa dos Guarani Kaiowaa de ter feito reféns um adulto e dois adolescentes durante a retomada da Fazenda Primavera e de tê-los ameaçado com flechas e armas de fogo. A Comissão AtyGuasu diz que todas as acusações são falsas.