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Categoria: Feminismo

  • 200 mil mulheres e dissidências debatem realidade possível no 34º Encontro na Argentina

    200 mil mulheres e dissidências debatem realidade possível no 34º Encontro na Argentina

     

    Por Fernanda Paixão, do Coletivo Passarinho, em Buenos Aires

    Com fotos de Vivian Ribeiro e Nuria Alvarez

     

     

    O que não se nomeia, não existe.

    Essa máxima atravessou os debates do 34ª Encontro Nacional de Mulheres, evento anual em que se encontram mulheres e dissidências em uma cidade diferente da Argentina a cada edição. Cerca de 200 mil participantes conformaram o Encontro e habitaram a cidade de La Plata neste último fim de semana, durante os dias 12 a 14 de outubro. E se a questão da linguagem  e a importância de nomear como um ato político foi uma constante nesse Encontro, o desfecho desta 34ª edição pode ser considerado exitoso: a partir de agora, o grito uníssono é por um Encontro Plurinacional de Mulheres, Lésbicas, Trans, Travestis, Bissexuais e Não-Bináries.

     

    O que melhor caracteriza os encontros são a coletividade organizada e afetiva e a participação popular, tanto nas inúmeras atividades e marchas nas ruas e nas praças quanto nas dezenas de grupos de discussão nas universidades e escolas sobre temáticas que interpelam às diversidades. Não é à toa que conta, em grande parte, com cobertura colaborativa: o encontro massivo de mulheres e dissidências de diversas nacionalidades debatendo para construir perspectivas e repensar propostas políticas e combater o patriarcado capitalista heteronormativo parece não ser fato noticioso para as grandes mídias argentinas.

     

     

    Das divergências

     

    Apesar de ser organizado horizontalmente, há uma forte divisão na comissão organizadora entre as que querem manter o nome original, desde sua primeira edição, em 1986, e entre quem segue a campanha “Somos Plurinacional”, que defende a mudança oficial por um nome mais inclusivo e democrático. Dessa forma, estariam nomeadas, devidamente representadas e com suas existências reivindicadas xs migrantes, os povos originários e as dissidências sexuais.

     

    Portanto, um evento tão abrangente em seu conteúdo é permeado por embates partidários e posturas obsoletas que reproduzem as práticas patriarcais que são denunciadas pelas próprias diversidades que participam e compõem os encontros. As grandes divergências que geram os conflitos centrais do Encontro são derivados de uma lógica que a maioria que os conforma quer combater: o conservadorismo, o pensamento colonizador, a opressão do capitalismo e do patriarcado. Em diversos grupos de debate e nos discursos nas praças foi enfatizado categoricamente que o que não se nomeia, não existe. Nomear –ou escolher não nomear– é um ato político.

     

    A cada Encontro fica mais claro que as concepções de “mulher” e “nacional” ficaram no tempo, e não correspondem ao que se dá a cada ano. A comissão organizadora liberou comunicados que deixavam clara a divergência, fincando a bandeira do “Encontro Nacional de Mulheres” como um “nome histórico” referente ao evento. A campanha Somos Plurinacional defende, por sua vez, que a ideia de “nacional” exclui xs migrantes e povos originários e a palavra “mulher” reforça o binarismo patriarcal que não dá conta das diversidades que conformam o encontro. Ainda assim, há um segundo nível de debate, já que os povos originários não seguem a ideia de Estado e, portanto, não se veem unanimemente representados no termo “nação” e, por outro lado, as chamadas dissidências também rechaçam a invisibilização de sua autenticidade ao serem agrupados em um termo tão abrangente e que acaba se esvaziando.

     

     

    Xs silenciadxs tomam a palavra

     

    Muito ainda há que se debater. Nesse aspecto, o Encontro é um espaço extremamente fértil: foram 114 grupos de discussão com temáticas urgentes, essenciais para construir novas maneiras de pensar, de descolonizar os corpos e as mentes, de relacionar-se unxs com xs outrxs a partir de um lugar novo. Em 2019 deu-se o primeiro grupo temático sobre pessoas não-binárias que, como muitos outros, teve que de desdobrar em dois, três ou quatro salas. Nos encontros também é onde se percebe a demanda que existe por certos temas. Na abertura do segundo dia de discussão, x mediadorx abriu a sessão esclarecendo a importância da mudança oficial do nome do Encontro, porque “o que não se nomeia, não existe”, e que ficava determinado uso da linguagem inclusiva em todo o âmbito da discussão. “Se alguém errar, tudo bem, estamos em desconstrução. É só se corrigir e seguir”, pontuou.

     

    A palavra tem peso e um enorme valor nesse contexto de encontro. Todxs estão em desconstrução e em constante reflexão ao mesmo tempo que promovendo mudanças sociais, seja em um âmbito macro ou micro. A palavra é política, o pessoal é político. Os relatos pessoais compartilhados, gatilhos de lágrimas, sorrisos de cumplicidade e abraços de contenção e por identificação se unem aos questionamentos de falta de representatividade institucional, de amparo legal, de políticas públicas, de direitos sobre o próprio corpo e poder de decisão.

     

    No ato político de tomar a palavra e reivindicar existências, há um movimento de descolonização do pensamento também em relação às próprias formas de relacionar-se afetivamente. Os grupos de discussão desta temática se desdobraram em pelo menos seis grupos, em salas lotadas. Predominaram reflexões sobre formatos de relacionamento, sobre o próprio desejo, o autoconhecimento, sem as amarras e etiquetas sociais, vinculados à responsabilidade afetiva.

     

    Através da fala e da escuta, em um grande e coletivo processo de empatia e compartilhamento, se constroem sentidos e se geram novos pontos de vista. Em um depoimento emocionado no grupo de não-bináries, umx jovem profundamente tocadx por ter em volta a tantas outras pessoas com quem se podia identificar, enfatizou: “Só conheço a uma pessoa não-binária, e na minha cidade é muito difícil, são muito conservadores. Criem laços de confiança, se apoiem, conversem com essas pessoas. É muito importante.”

     

     

    Apesar dos desencontros

     

    Superando as censuras e os inúmeros problemas logísticos do evento  em La Plata, entre dias de chuva e frio, a atmosfera de encontro e coletividade encheu as ruas. Nesses dias de encontro, predomina a realidade de uma vida possível, as ruas repletas de cânticos no lugar do medo, com debates construtivos e a potente vontade de construir um mundo igualitário.

     

    No sábado, primeiro dia do 34º Encontro, a abertura dos grupos de discussão foi seguida de uma marcha contra os travesticídios, que já expressava a notável quantidade de participantes reunidxs para esta edição. Diversas atividades culturais fecharam a primeira noite e, no domingo, deu-se continuidade aos grupos de discussão para, depois, fechar as conclusões que seriam lidas no palco do Estádio Ciudad, no dia seguinte. A tarde de domingo foi reflexo do poder da coletividade, em rádios abertas, apresentações artísticas e assembleias nas praças, banhadas pela luz do sol inesperado em um fim de semana inteiro previsto com chuvas torrenciais.

     

    O Encontro foi, e continua sendo, um grande transformador da história do movimento feminista argentino há 34 anos, com poucas iniciativas comparáveis em outros territórios. Dele, nasceu a campanha pelo Aborto Legal, Seguro e Gratuito, de grandes proporções e visibilidade internacional – que quase culminou na aprovação da lei no ano passado, em 2018.

     

    O desfecho foi igualmente uma mistura de tensão e comemoração. Os portões abriram uma hora mais tarde, o que provocou um alvoroço de uma multidão correndo para ocupar o espaço de audiência do estádio. Os agrupamentos políticos levavam enormes bandeiras e lutavam por posicionar-se o mais próximo possível do palco. A confusão resultou em pessoas machucadas, algumas caíram com os empurrões, e, outra vez, um clima anti-sororidade contradisse o propósito do Encontro.

     

    Mas o ponto alto do conflito no evento de fechamento foi a tentativa de impedir o inevitável: o grito em uníssono pela mudança oficial do nome do evento. O público cantava em coro, enquanto integrantes da campanha Somos Plurinacional eram impedidas de falar a respeito no microfone do palco, dedicado, naquele momento, à leitura das conclusões de cada grupo de discussão.

     

    Ao passarem com dificuldade por uma barreira de algumas integrantes da comissão organizadora contrárias à mudança do nome, as jornalistas Claudia Vasquez Haro, professora e militante trans, e Zulema Enríquez, quechua  e também docente, anunciaram o caráter inclusivo do evento e a mudança do nome, apoiadas por uma multidão que não deixava de soar o cântico “plurinacional e com as dissidências”. Por aplausômetro, ficou decidido que o encontro era plurinacional e das dissidências, da mesma forma que assim se decidiu a próxima sede do Encontro: na província de San Luis.

     

    “Estamos muito felizes de poder abarcar todos os corpos que habitam esse espaço”, disse Claudia, em entrevista após o anúncio do novo nome. “Isso mostra que temos um feminismo potente, que reúne todas as diversidades, a pluriculturalidade e expressões de forma horizontal. Todas as particularidades que temos, de diferentes mulheres, feminidades e corpos dissidentes, faz o movimento feminista na Argentina ser o mais potente da região latino-americana e caribenha. Estamos felizes que essas questões foram discutidas em todos os grupos de debate, pelas redes sociais, na mídia, e que esse 34º Encontro termina sendo plurinacional.” No palco, Zulema enfatizou: “O feminismo não é mais branco e europeizado, os feminismos são favelados, indígenas, comunitários, trans e travestis, são afro, são do povo.”

     

    A mensagem final deste encontro pode ser lida como um chamado a seguir discutindo, questionando e transformando, até encontrar palavras que correspondam, para dar sentido e linguagem ao movimento das bases e dos pensamentos que, na prática, já está acontecendo. A linguagem é construção e um preciso reflexo da nossa expressão.

     

  • Damares ataca reportagem sobre aborto seguro recomendado pela OMS

    Damares ataca reportagem sobre aborto seguro recomendado pela OMS

    Não basta defender cadeia de no mínimo um ano para qualquer mulher que, simplesmente dona de seu corpo, queira interromper uma gravidez indesejada no Brasil. Não basta ignorar que uma brasileira morre a cada dois dias por complicações de abortos inseguros segundo o Ministério da Saúde. Não basta sequer fechar os olhos para a o fato de que são as mulheres pobres e vulneráveis que padecem nessas condições por aqui – o que transforma o procedimento seguro em mais um privilégio dos ricos. Em sua nova cruzada anti-feminista, Damares Alves, a ministra da Mulher, Família e dos Direitos Humanos do governo Bolsonaro, quer privar a população do acesso à informação confiável sobre como evitar os riscos de morte ou as sequelas de um aborto inseguro.

    Na sexta-feira, dia 20 de setembro, a ministra se pronunciou, pelo Twitter, contra a reportagem “Como é feito um aborto seguro?”, de autoria da repórter Helena Bertho, publicada na revista feminista digital AzMina, que também reproduzimos neste post dos Jornalistas Livres para difundir ainda mais o conteúdo. A matéria é fundamentada em informações públicas sobre os protocolos médicos recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e conta como o procedimento foi realizado, a partir dessas diretrizes, pela estudante de direito Rebeca Mendes, 32 anos, em uma clínica na Colômbia, onde o aborto é legalizado.

    Pelo twitter, Damares chama de apologia ao aborto reportagem com as recomendações da OMC (reprodução)

    Realizamos o trabalho jornalístico de transmitir informações sobre saúde pública, de uma fonte confiável que é a OMS.” (Revista AzMina)

    Damares não gostou. Na rede social, avisou que encaminhou o caso às autoridades em uma denúncia. De acordo com a ministra, “liberdade de expressão é uma coisa. Isso aí é apologia ao crime e pode matar meninas e mulheres”. A ministra não mencionou, porém, que os dados da reportagem, assim como o procedimento realizado ou mesmo o nome de medicamento utilizado e a dose indicada para a colombiana Rebeca, são informações de acesso público e em português constam no documento “Abortamento seguro: orientação técnica e de políticas para sistemas de saúde”, como bem lembrou a revista. “Realizamos o trabalho jornalístico de transmitir informações sobre saúde pública, de uma fonte confiável que é a OMS.”

    Damares busca criminalizar o jornalismo e o ato de informar. Parece tentar usar o sistema penal e a máquina pública para impedir que pensamentos diferentes dos dela sejam divulgados” (André Lozano, mestre em Direito Penal, IBCCRIM)

    O documento de divulgação mundial foi criado para direcionar as políticas públicas nos países que permitem a interrupção da gravidez e conta orientação técnica para abortamento seguro que trata de tudo: desde os procedimentos para a interrupção até orientações sobre contracepção que devem ser dadas à mulher após o procedimento.

    A reportagem ainda explica que a colombiana tentou na Justiça o direito de fazer o procedimento no Brasil, mas teve seu pedido negado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e, por isso, buscou ajuda para fazer o aborto no exterior. “Na época, Rebeca tinha um emprego temporário, fazia faculdade com bolsa e já criava sozinha seus dois filhos. Sem condições para bancar a viagem, ela teve a ajuda de uma organização internacional”, esclarece a matéria, que além dos dados da OMS traz entrevistas com profissionais da área médica e investiga o contexto do aborto no Brasil.

    USO DA MÁQUINA PÚBLICA PARA CRIMINALIZAR O JORNALISMO

    Para o mestre em direito penal André Lozano, a reportagem deixa evidente que aborto, via de regra, é proibido no Brasil e explica as exceções e os procedimentos adotados para fazer o aborto legal por aqui. “O que a Damares busca é criminalizar o jornalismo e o ato de informar. Ela parece tentar usar o sistema penal e a máquina pública para impedir que pensamentos diferentes dos dela sejam divulgados”, diz o especialista, que é coordenador do laboratório de ciências criminais do IBCCRIM (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais), centro de referência de ciências criminais que há 22 anos posiciona-se como entidade não-governamental, sem fins lucrativos, de utilidade pública e promotora dos Direitos Humanos.

    O mais correto, diz Lozano, é realizar “o arquivamento imediato da denúncia feita pela Damares, pois não há indício de crime”. Se houver investigação, esclarece, há a possibilidade de arquivamento após investigações ou oferecimento de uma denúncia pelo Ministério Público. “Nesses casos me parece que se estaria usando a máquina pública e os órgãos de persecução penal de maneira irregular, talvez um aparelhamento das instituições, como a polícia e Ministério Público, uma vez que quando não há indícios de crime não podem ocorrer investigações pois além de causar constrangimento ilegal a um cidadão, há gastos públicos injustificados.”

    Não é apologia ao aborto. É informação de saúde pública que já existe e está disponível, nós apenas organizamos.” (Helena Bertho, repórter AzMina)

     

    A repórter Helena Bertho levou dois anos para se preparar para a reportagem e, por sua vez, reitera que tudo o que está na matéria são recomendações da OMS sobre aborto seguro e também sobre como é feito o aborto quando é legal. “Quais são os procedimentos? E os remédios? As doses? Os efeitos esperados? Quais os sinais de alerta? Não é apologia ao aborto. É informação de saúde pública que já existe e está disponível, nós apenas organizamos.”

    Como era de se esperar, houve internautas que responderam à publicação com ameaças de processo e ofensas, e chegaram a divulgar dados pessoais de uma das mulheres da equipe. Sobre a denúncia de Damares, diz a revista, “está em seu direito, como qualquer cidadão, isso faz parte da democracia. Seguiremos fazendo jornalismo responsável e defendendo os direitos das mulheres.”

    Para saber mais:

    A Revista AzMina é um veículo independente, financiado por pessoas físicas e fundações que apoiam os Direitos Humanos. O ataque representa risco para a existência do veículo e abre mais um precedente contra a liberdade de toda a imprensa brasileira. Para ajudar, divulgue a reportagem , marcando AzMina nas redes sociais e seja um  apoiador da Revista.

     

    Como é feito um aborto seguro?

  • Semeando a Resistência: Mulheres de Mato Grosso se preparam para o encontro nacional do MST

    Semeando a Resistência: Mulheres de Mato Grosso se preparam para o encontro nacional do MST

    Texto e fotos por Vinicius Souza e Maria Eugênia Sá – www.mediaquatro.com – Especial para os Jornalistas Livres

    Depois do grande sucesso da última Marcha das Margaridas, que reuniu mais de 100 mil trabalhadoras rurais em Brasília na primeira quinzena desse mês, agora é hora de preparar o I Encontro Nacional de Mulheres Sem Terra, marcado para os dias 22 a 26 de novembro no Pavilhão do Parque da Cidade, também na Capital Federal. Na última terça, 27 de agosto, professoras, ativistas e lideranças do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra de Mato Grosso fizeram sua terceira reunião preparatória numa sala do Instituto de Enfermagem da Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT. Nesse momento estão ocorrendo algumas ações para levantar o dinheiro suficiente para transporte e alimentação das participantes. A primeira é um acordo com a Cia D’Artes do Brasil para uma apresentação no próximo dia 20 de setembro da peça teatral Cafundó – Onde o vento faz a curva, de Amauri Tangará, no Cine Teatro, com renda revertida para o MST. Também está prevista uma feijoada comunitária mas a data ainda não foi definida.

    Uma das principais preocupações das mulheres matogrossenses é o feminicídio, já que o estado possui atualmente o maior índice do país, com 4,6 assassinatos por 100 mil mulheres, segundo levantamento de 2018. De acordo com a polícia civil da capital, Cuiabá, somente na região metropolitana houve um aumento no ano passado de 38% em relação a 2017 e 21 casos no primeiro semestre desse ano em todo o estado. Já a Comissão Pastoral da Terra – CPT, alerta que 28 mil trabalhadores e trabalhadoras rurais sofreram algum tipo de violência no campo ano passado. Dessas, muitas são mulheres, já que o número de famílias acampadas (portanto sem o título da terra) saltou de 96 em 2017 para 474 em 2018. “Temos várias mulheres, sozinhas ou com crianças, em assentamentos, sem a presença da figura masculina”, contou Elizabete Flores, ativista da CPT em reportagem para o RDNews em maio (https://www.rdnews.com.br/cidades/conteudos/113477). Comumente, elas foram abandonadas ou decidiram deixar uma vida na qual eram vítimas de violência”.

    Outra preocupação é o avanço das queimadas no estado, que até o dia 21 de agosto acumulava 13.682 focos de calor acumulados no ano, conforme levantamento do Instituto Centro da Vida com dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – INPE, superando todos os outros estados da nação. A maioria dos incêndios, 60%, ocorrem em áreas privadas, muitos sobre mata nativa para o aumento da exploração pecuária. No entanto, 16% são em áreas indígenas. Tanto trabalhadores rurais pobres e sem terra quanto indígenas e quilombolas estão na alça de mira de latifundiários, com apoio, às vezes explícito mas agora mais discreto, do governo federal. Lutar por mais demarcações e mais assentamentos da reforma agrária, que trabalham com agricultura agroecológica sem depredar o meio ambiente, é uma das prioridades das mulheres do MST.

  • #13ACuiabá – Mato Grosso na luta pela educação

    #13ACuiabá – Mato Grosso na luta pela educação

    Sete meses e meio de governo de extrema-direta já deixaram mais do clara a guerra aberta contra a educação, a ciência e todos os direitos duramente conquistados por anos pela classe trabalhadora. A miséria voltou, a recessão bate à porta e o presidente que venceu as eleições com fake news e o processo ilegal contra Lula não tem nenhuma proposta para o desemprego, a retomada econômica e a redução das desigualdades sociais. Entre escatologias e nepotismo, lança o Fu(a)ture-se, um projeto de privatização do ensino superior com rendição da autonomia universitária (e financeira) em favor de Organizações Sociais e Comitê Gestor que sequer existem ainda e com regras a serem definidas. Por isso, movimentos sociais, estudantes e comunidade acadêmica voltaram às ruas nesse 13 de agosto de 2019 no 3º #TsunamiDaEducação. Segundo balanço da União Nacional dos Estudantes, mais de um milhão e meio de pessoas protestaram em pelo menos 205 cidades de norte a sul. Uma delas foi Cuiabá, capital de Mato Grosso.

    foto: www.mediaquatro.com

    Enquanto os colegiados da Universidade Federal de Mato Grosso ainda se reúnem para uma posição conjunta oficial, que deve ser tomada até a próxima quinta 15 de agosto, Diretórios Acadêmicos e Departamentos de diversos cursos já decidiram refutar o Future-se. Instituições de Ensino Superior públicas federais por todo país, como a UFRJ e a UFMG, também escolheram rejeitar o projeto. A UNE e centenas de outras entidades, como a ADUFMAT – Associação dos Docentes da Universidade Federal de Mato Grosso, idem. Mesmo cansados de uma longa greve de quase 80 dias encerrada dia ontem, a maior da categoria, os professores estaduais organizados no SINTEP/MT – Sindicato dos Trabalhadores no Ensino Público de Mato Grosso, tomaram novamente as bandeiras para pisar o asfalto e exigir nenhum direito a menos.

    Lélica Lacerda / ADUFMAT, Edna Sampaio / UNEMAT, RUA Juventude Anticapitalista- www.mediaquatro.com –

    Mulheres, negros, quilombolas, indígenas, LGBTs… Gente de todo jeito, de toda cor, marcharam, se abraçaram, gritaram palavras de ordem e avisaram em alto e bom som que esse governo vai cair. Ninguém vai voltar para o armário, para a senzala, para a falta de esperança no futuro. Ninguém vai desistir de garantir e ampliar os espaços de inclusão e diversidade conquistados com muita luta, suor e sangue. O ensino TEM de ser público, gratuito, universal e laico. O governo precisa garantir o acesso, a permanência e, na saída, a igualdade de condições no mercado de trabalho e a plena cidadania. Estamos nas ruas e das ruas não sairemos!

  • Promotor Conserino pede prisão de dirigentes do movimento de moradia de SP

    Promotor Conserino pede prisão de dirigentes do movimento de moradia de SP

    Na última sexta-feira, dia 11 de julho, o promotor de justiça criminal Cassio Roberto Conserino, do Ministério Público do Estado de São Paulo, denunciou à Justiça que 19 diferentes lideranças ou membros de movimentos de luta por moradia, entre os quais Carmen Silva Ferreira e Preta Ferreira, do Movimento dos Sem-Teto do Centro (MSTC), fazem parte de uma suposta “organização criminosa”, inclusive com ligações com a facção PCC. Não dava para esperar nada diferente de Conserino.

    Em documento sigiloso a que os Jornalistas Livres tiveram acesso, o promotor afirma que os membros das diversas ocupações da cidade “associaram-se entre si” de maneira ordenada, em vários grupos, com divisão de tarefas, ainda que informalmente, “com o objetivo de obter direta e indiretamente vantagens de cunho econômico, mediante a prática de incontáveis extorsões”.

    Cassio Roberto Conserino, autor da denúncia, foi um dos promotores que apresentaram a denúncia criminal sobre o tríplex atribuído ao ex-presidente Lula, transformando-o em réu. Anticomunista militante, em março desse ano, Conserino foi condenado a pagar indenização de R$ 60 mil por danos morais a Lula por causa de um post no Facebook em que se referia ao ex-presidente como “encantador de burros”, expressão que o juiz Anderson Fabrício da Cruz, da 3ª Vara Cível de São Bernardo do Campo, em São Paulo, disse tratar-se “de conteúdo ofensivo, pejorativo e injuriante”, conforme “deveria ser do conhecimento de um experiente integrante do sistema de Justiça”.

    No caso dos movimentos de moradia, o promotor Conserino baseou a denúncia no inquérito policial que tinha como propósito investigar responsabilidades pelo incêndio e desabamento do edifício Wilton Paes de Almeida, ocupado por pessoas sem casa, no dia 1º de maio de 2018. Na tragédia, sete pessoas perderam a vida. O Movimento de Luta Social por Moradia (MLSM), dirigido por Ananias Pereira dos Santos, era quem coordenava aquela ocupação.

    O problema é que o inquérito policial e depois a denúncia do promotor Conserino, em vez de apurar as irregularidades que por ventura existissem no prédio sinistrado, resolveram mover uma cruzada contra todos os movimentos de moradia que atuam no centro da cidade de São Paulo.

    Estariam a serviço da especulação imobiliária? Dos proprietários de imóveis vazios que ficam anos e anos sem pagar IPTU, cheios de lixo, focos da criminalidade, de ratos e doenças?

    Conserino denuncia várias lideranças, entre as quais, como dito acima, as lideranças do MSTC (Movimento dos Sem-Teto do Centro), por supostamente extorquir, mediante violência, moradores pobres das ocupações. Se pelo menos tivesse se dado ao trabalho de andar alguns quarteirões entre o Fórum e a Ocupação 9 de Julho, dirigida por Carmen Silva Ferreira, o Promotor Anticomunista Militante Conserino teria se surpreendido com a organização, a limpeza, a habitabilidade de um prédio que até três anos atrás era apenas um depósito de lixo, doenças e ratos (fora os dependentes químicos que utilizavam o local para consumir drogas).

    O prédio já foi inspecionado pela Prefeitura e até premiado internacionalmente por sua atuação na solução do problema de moradia em São Paulo. Mas, para o Promotor Anticomunista Militante Conserino, todos os gestores e movimentos seriam, como diz o povo, “farinha do mesmo saco”.

    Depoimento de Chucre sobre Carmen
    Depoimento de Chucre sobre Carmen

    Ocorre que os movimentos populares por moradia são diversos. O secretário de habitação de São Paulo, Fernando Chucre, sabe disso. À época do incêndio do Wilton Paes, por exemplo, declarou que aquele grupo que o coordenava “não participa da política habitacional, como os demais movimentos que, inclusive, são parte da solução desse problema”. E na semana passada, em depoimento aos Jornalistas Livres, afirmou sobre Carmen Silva: “Ela é uma mulher extremamente segura e envolvida com o movimento que administra. Eu tenho muito respeito por ela.” E não só.

    Chucre apontou que “o movimento de Carmen conseguiu o retrofit [reforma de imóvel antigo] para o Hotel Cambridge”. De fato, agora renomeado como Residencial Cambridge, o imóvel ganhou edital para financiamento da Caixa Econômica Federal, dentro do programa Minha Casa Minha Vida-Entidades. A obra segue sob severas e constantes fiscalizações do poder público. Importante dizer: ao contrário do que imaginam os críticos dos movimentos sociais por moradia, nada vem de graça. Todos os futuros moradores vão pagar pelo financiamento que, por sinal, já colabora com os impostos da cidade ao arcar com custos de IPTU, o Imposto Predial e Territorial Urbano.

    DEPOIMENTOS ANÔNIMOS

    A denúncia do Promotor Anticomunista Militante Conserino é baseada em depoimentos anônimos e interceptações telefônicas que, coisa gravíssima, provam que havia discussões entre vizinhos! É isso o que o promotor cita à guisa de provar que todos os dirigentes dos movimentos de moradia extorquem dinheiro dos moradores “mediante grave ameaça e com o intuito de obter para si indevida vantagem econômica, a fazer alguma coisa, ou seja, pagar alugueres e outras verbas para entrar e permanecer em edifícios invadidos pelos grupos criminosos”. Carmen Silva Ferreira já foi acusada desse mesmo crime e foi inocentada em 2018, porque ficou comprovado que as pequenas contribuições pagas pelos moradores das ocupações que ela dirige (R$ 200 por mês de cada família) são revertidas em melhorias nos imóveis ocupados.

    Além disso, a denúncia do Promotor Anticomunista Militante Conserino padece do vício de ser in-in (incompetente e inventiva). Por exemplo, diz que as ocupações são habitadas por “estrangeiros em sua maioria”, um erro crasso, sanável com meia hora de trabalho sério. Acusa o movimento de Carmen Silva Ferreira, o MSTC, de estar por detrás da ocupação do Cine Marrocos, fechada em 2016 depois de se terem encontrado armas e drogas no poço do elevador. Ali quem atuava era o Movimento Sem Teto de São Paulo (MSTS), mas a letrinha dissonante não incomodou o Promotor Anticomunista Militante Conserino. Carmen nunca nem sequer pôs os pés no Cine Marrocos. Se tivesse conversado com o delegado de polícia que atuou no Cine Marrocos e assina o inquérito sobre a moradia, o Promotor Anticomunista Militante Conserino teria evitado o vexame de confundir movimentos tão diferentes (ou será que esse é mesmo o propósito?). E há várias mentiras como essa na acusação, revelando, mais uma vez, o caráter persecutório das denúncias do Promotor Anticomunista Militante Cassio Conserino.

    Entre as 19 prisões pedidas pelo promotor, quatro já estão sendo cumpridas: a da  cantora, atriz e produtora cultural Preta Ferreira, formada em publicidade, do educador Sidney Ferreira, ambos do MSTC, e de Ednalva Silva Franco Pereira e Angélica dos Santos Lima, do Movimento de Moradia para Todos (MMPT). Todos negros e pobres.

    Para comentar a denúncia do Promotor Anticomunista Militante Conserino, Jornalistas Livres entrevistaram Lúcio França, advogado que representa Carmen Silva, Preta Ferreira e Sidney Ferreira, do Movimento dos Sem-Teto do Centro.

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    Jornalistas Livres — O senhor poderia comentar a denúncia contra Carmen Silva Ferreira e seus filhos, Preta Ferreira e Sidney Ferreira, do Movimento dos Sem Teto do Centro (MSTC), apresentada no dia 3 de julho na segunda promotoria de Justiça Criminal Ministério Público pelo promotor Cassio Conserino?

    Doutor Lúcio França — É muito importante ir um pouquinho mais atrás, onde começou tudo isso. Houve um processo com as mesmas acusações contra Carmem Silva Ferreira em 2017. Nesse processo, houve uma investigação sobre esses mesmos fatos agora descritos na atual denúncia do promotor Cassio Conserino. Ou seja, investigou-se se Carmem Silva Ferreira cometeu atos de extorsão, cobranças indevidas, se ameaçou ou coagiu moradores das ocupações. Ficou comprovado que isso nunca existiu. Quando uma pessoa entra no movimento dirigido por Carmen, ela é orientada sobre as regras de conduta, os regulamentos e os procedimentos internos das ocupações dirigidas pelo MSTC. Por exemplo: não se admite violência doméstica de nenhuma forma; mães não podem deixar seus filhos trancados no apartamento e sair para trabalhar ou se divertir; todas as crianças são obrigadas a frequentar escolas; não se pode consumir drogas na ocupação; tráfico, nem pensar. As contribuições para a manutenção do prédio são decididas em assembléias e todas as famílias devem colaborar ou justificar eventuais faltas; há uma escala de limpeza dos andares e todas as famílias precisam contribuir com a higiene do espaço comum, e por aí vai. No processo que se iniciou em 2017, tudo isso foi juntado, e Carmen Silva Ferreira foi inocentada. Estamos assistindo agora a uma reedição daquele processo que ocorreu em 2017 e a denúncia atual do promotor de justiça Cassio Conserino cita “coincidentemente” contra a Carmen as mesmas testemunhas acusadoras que foram desqualificadas no processo que resultou na absolvição da liderança do MSTC.

    Jornalistas Livres — Quem são essas pessoas que acusam Carmen?

    Doutor Lúcio França — São dissidentes do MSTC, o movimento dos sem-teto do centro. São pessoas que queriam ocupar o lugar da principal dirigente do movimento, que nutriam por ela uma profunda inveja da liderança que ela conquistou com o movimento, e que se ligaram a pessoas inidôneas para acusá-la. É importante falar que Carmen é a liderança principal da Ocupação que se instalou no antigo Hotel Cambridge e que agora se encontra em fase de reforma para ser transformado moradia de interesse social, isso tudo com o financiamento da Caixa Econômica Federal. A história desse movimento de moradia acabou transformada no filme da premiadíssima diretora Eliane Caffé, “Era o Hotel Cambridge”, de 2016.

    Jornalistas Livres — Como o senhor avalia a prisão temporária pedida para Carmen Silva Ferreira e a prisão preventiva de seus filhos, Preta Ferreira e Sidney Ferreira Silva?

    Doutor Lúcio França — É importante ressaltar que o promotor que atuou no primeiro processo chegou a pedir a prisão de Carmen por três vezes na primeira instância e foi recusado. Ele então foi à segunda instância e os desembargadores por unanimidade recusaram-se a prendê-la. Ao final, viu-se que a prisão não cabia mesmo, já que ficou comprovada a inocência de Carmen e ela foi absolvida. Quanto aos demais acusados do MSTC, os filhos de Carmen —Preta Ferreira e Sidney Ferreira—, é preciso dizer que Sidney nem mora mais em ocupações, tendo fixado residência em outra cidade na região metropolitana de São Paulo. Quanto a Preta Ferreira, ela nunca fez qualquer ameaça contra qualquer pessoa, morador de ocupação ou não. As pessoas que disseram terem sido ameaçadas por Preta estão mentindo e sabem disso. Aliás, na verdade, é bem o contrário o que se passou. Foi Preta Ferreira quem foi ameaçada, bem como toda a família de Carmen, por essa denunciante.

    Jornalistas Livres — Como se chegou, então, a essas prisões?

     Doutor Lúcio França — A nossa leitura é a seguinte: no meio desse primeiro processo contra a Carmen ocorreu a tragédia com o edifício Wilton Paes de Almeida (1º de maio de 2018), no Largo do Paissandu, centro de São Paulo. Trata-se de um antigo prédio da Polícia Federal que ficou abandonado por anos e acabou ocupado. Essa ocupação, entretanto, nunca fez parte do MSTC (Movimento dos Sem Teto do Centro), mas sim de um tal Movimento de Luta Social por Moradia (MLSM), coordenado e dirigido por uma pessoa de nome Ananias Pereira dos Santos. São movimentos absolutamente distintos. Mas, a partir do desabamento e da tragédia Wilton Paes de Almeida, onde morreram sete pessoas, foi instaurado inquérito para apurar as responsabilidades. Era isso mesmo o que deveria ser feito. O problema foi aproveitarem-se da tragédia para prejudicar Carmem e outras lideranças idôneas e honestas do movimento de moradia. A polícia em primeiro lugar e o promotor, logo depois, colocaram todos os movimentos que atuam no centro na mesma vala comum da criminalidade. Trata-se de uma clara manipulação, já que Carmen Silva Ferreira é uma liderança reconhecida nacional e internacionalmente. Agora mesmo, é uma das convidadas da Bienal de Arquitetura de Chicago (EUA), o que mostra seu prestígio internacional. No ano passado, a Bienal de Veneza instalou-se na Ocupação Nove de Julho, dirigida por Carmen, exatamente por tê-la como modelo de intervenção urbana levada a cabo com o movimento social. Carmem dá palestras no Brasil e no mundo inteiro sobre direitos humanos e o Direito à Cidade. Enfim este é o trabalho dela, que foi muito bem explicado no primeiro processo, aquele do qual ela saiu absolvida. O juiz que decidiu pela absolvição desqualificou assim as testemunhas mentirosas que visavam colar na pessoa de Carmem a pecha de alguém que extorque, ameaça e constrange pessoas. Uma mentira completa.

    Jornalistas Livres — Fiquemos no caso de Carmen Silva Ferreira: como é possível que ela esteja sendo acusada novamente de cometer delitos pelos quais ela já foi processada e julgada inocente?

     Doutor Lúcio França — Quanto ao fato de Carmen estar sendo acusada pelos mesmos crimes pelos quais já foi absolvida do primeiro processo, isso configura-se uma clara ilegalidade. O princípio non bis in idem (não repetir sobre o mesmo) estabelece que ninguém pode ser julgado duas vezes pelo mesmo fato delituoso. O bis in idem no direito penal seria a não observância desse princípio, acusando e julgando uma pessoa pelo mesmo crime.

    Jornalistas Livres — E por que isso está ocorrendo?

     Doutor Lúcio França — Isso se deve ao fato de que as acusações contra Carmem e filhos são acusações políticas, típicas de ditaduras. Por exemplo, isso ocorreu no Brasil durante a ditadura militar entre 1964 e 1985. Caetano Veloso e Gilberto Gil, para ficar em dois casos apenas, foram presos em São Paulo aqui na região da Praça da República pelo pessoal do Segundo Exército. Eles perguntaram por que estavam sendo presos, mas só ficaram sabendo anos depois que contra eles pesava a acusação de terem pego uma bandeira do Brasil e escrito, no lugar do Ordem e Progresso, a frase do [pintor, escultor, artista plástico e performático] Hélio Oiticica “Seja marginal, seja herói”. A acusação, portanto, seria eles terem “ultrajado a bandeira nacional”. Um mero pretexto. Foi esse o motivo alegado para a prisão de oito meses incomunicáveis, ao fim dos quais Gil e Caetano foram obrigados a se exilarem em Londres. Então, é assim que nós temos hoje gente disposta a criar fatos ficcionais para acusar pessoas honestas, abrir um processo, destruindo vidas e reputações. Carmen teve a sorte de encontrar um juiz justo na primeira vez, alguém que analisou as provas e decidiu pela sua absolvição.

    Jornalistas Livres — Como o senhor avalia o fato de terem sido decretadas as prisões de várias lideranças de moradia, entre os quais Sidney e Preta? Como é possível que a prisão de Carmen tenha sido pedida e concedida por um juiz se antes, mediante as mesmas provas e as mesmas testemunhas, a prisão dela foi recusada por três vezes e depois também recusada na segunda instância?

     Doutor Lúcio França — Agora, chegaram de repente e decretaram a prisão de Carmen. Não poderia ser assim. Por que não houve flagrante, nenhuma acusação grave envolvendo a figura dela. Quando houve a queda do Wilton Paes de Almeida, todas as lideranças do movimento de moradia começaram a ser chamadas à polícia para serem ouvidas. Eu mesmo fui com a Carmen e ela deu todas as explicações pedidas a respeito de seu movimento, o MSTC. Ou seja, ela já foi ouvida. Preta, também. Então, não houve obstrução da Justiça não houve fuga. Carmen e seus filhos, que têm endereço domiciliar e trabalho conhecido, se apresentaram com a cabeça erguida para fornecer todas as explicações pedidas pela autoridade policial. Tudo estava correndo em segredo de Justiça, mas –estranhamente— há três meses essas prisões foram anunciadas no programa “Fantástico” da TV Globo. Como é que é um canal de televisão, num programa de domingo, uma das maiores audiências, anuncia que haverá prisões dois meses depois? Trata-se de uma coisa montada. Trata-se de uma questão política porque querem criminalizar as lideranças da luta por moradia digna na cidade de São Paulo. O objetivo é depois acabar com os próprios movimentos de moradia.

    Jornalistas Livres — Isso não se configura numa terrível forma de violência do Estado contra pessoas pretas pobres?

    Doutor Lúcio França — Sim é uma violência de Estado. A filha de Carmem, Preta Ferreira, estava iniciando uma carreira como cantora, atuava como atriz e produtora cultural. Ela, de repente, foi arrancada de seu trabalho e de sua vida e colocada atrás das grades por uma denúncia absolutamente vazia. Isso é uma violação de direitos. O mesmo ocorre com Sidney. Mas não podemos generalizar. O próprio judiciário de São Paulo já absolveu Carmen uma vez antes. Hoje, estamos vivendo retrocesso muito grande em todo o país e sabemos que judiciário é muito conservador em sua maioria. Mas, “nem todas as mães são Marias e nem todos os juízes são iguais”.

    Jornalistas Livres — O movimento por moradia começou a se organizar na época do ex-governador de São Paulo, Paulo Maluf, um homem de direita. Mas nem mesmo Maluf pedia a prisão das lideranças que lutavam por moradia digna. Maluf era contra a luta por moradia e pedia a reintegração de posse, mas nunca ousou prender lideranças por serem lideranças…

    Doutor Lúcio França — É por isso que nós consideramos as prisões de Carmen, Preta e Sidney como prisões políticas. São prisões de pessoas primárias, sem antecedentes criminais, com endereços e trabalhos conhecidos, que não têm envolvimento criminal algum, muito menos com crime organizado, como eles querem fazer crer. São prisões totalmente políticas. Nós acreditamos na inocência de Carmen Silva Ferreira, de Preta Ferreira e de Sidney Ferreira. Pela vida que eles têm, por tudo que eles fazem pela população mais pobre da cidade de São Paulo, até sacrificando suas vidas pessoais em função de uma causa.

    Jornalistas Livres — Cassio Conserino, o promotor que denuncia agora as lideranças de moradia é o mesmo promotor que, em 2016, queria denunciar Lula na investigação do tríplex do Guarujá, que usou as redes sociais para chamar o ex-presidente de ‘encantador de burros’ e que acabou condenado a a pagar indenização de R$ 60 mil a Lula por danos morais. É coincidência o fato de, de repente, um promotor anticomunista militante seja alçado à condição de promotor de Justiça em um caso como este?

    Doutor Lúcio França — Não só ele fez isso como convocou alguns promotores fazer uma manifestação contra Lula e Dilma dentro do Fórum. O promotor de justiça tem que ser isento. Por isso, ele é “promotor de justiça”. Este é o nome do cargo dele. Ele não é um “promotor de acusação”. Ele tem que ser isento assim como o juiz. Tem que ser técnico. Mas, aqui, estamos vendo que a questão política está acima da técnica. Isso é gravíssimo. É uma usurpação do estado de direito.

    Jornalistas Livres — O senhor esteve hoje com a Preta Ferreira no presídio feminino de Santana. Como está a Preta?

    Doutor Lúcio França — Ao contrário do que imaginávamos, ela não está abatida. Está muito firme, com a serenidade de quem sabe da sua inocência. Preta nos disse que agora está muito mais consciente da luta que terá de travar quando sair da prisão. Da sua luta como negra, mulher e artista ligada ao movimento social. Está lendo muito e ficou bastante emocionada quando soube que o ex-presidente Lula lhe enviou uma carta de solidariedade. Ela não sabia disso ainda.

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  • Vem aí a Primeira Marcha das Mulheres Indígenas

    Vem aí a Primeira Marcha das Mulheres Indígenas

    Via Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).

     

    De 09 a 13 de agosto acontece, em Brasília, a Marcha das Mulheres Indígenas, que reunirá 2 mil mulheres dos mais diferentes povos, de todo o Brasil.

    Com o tema “Território: nosso corpo, nosso espírito”, o objetivo é dar visibilidade às ações das mulheres indígenas discutindo questões inerentes às suas diversas realidades, reconhecendo e fortalecendo os seus protagonismos e capacidades na defesa e na garantia dos direitos humanos, em especial o cuidado com a mãe terra, com o território, com o corpo e com o espírito.

    A realização do encontro foi deliberada durante a plenária das mulheres no ATL em abril de 2019. Desde então lideranças de todas as regiões do país iniciaram o processo de mobilização das mulheres e a captação de recursos para a realização do encontro.

    O encontro será realizado com recurso próprio das indígenas, apoio de organizações parceiras e com as doações arrecadadas nessa vakinha! Sua contribuição é fundamental para garantir a chegada das lideranças até Brasília e a realização do encontro.
    Você também pode colaborar doando milhas de viagens, mantimentos, cobertores e colchonetes para quem está em Brasília. A arrecadação será realizada pela APIB, mais informações em apibbsb@gmail.com

    #MarchaDasMulheresIndigenas #MulheresIndigenas