Jornalistas Livres

Categoria: Feminismo

  • Igreja Católica quer criminalizar luta das mulheres por causa de pichações na Catedral!

    Igreja Católica quer criminalizar luta das mulheres por causa de pichações na Catedral!

    Por Laura Capriglione, especial para os Jornalistas Livres

    Os padres católicos Luiz Eduardo Baronto, cura da Catedral da Sé, e Helmo César Faccioli, auxiliar do cura, foram hoje (31/10) até o 8º Distrito Policial, no Brás, onde denunciaram por vandalismo todas as entidades que promoveram o ato público contra o PL 5069/2013, de autoria do deputado evangélico Eduardo Cunha, realizado no dia 30.

    Portas e paredes de pedra da catedral foram pichadas durante o ato com frases como

    “Tire seus rosários de meus ovários!”

    “Útero Livre!”

    “Fora Cunha!”

    “Se o papa fosse mulher o aborto seria legal!”

    Em nota, os padres que administram a catedral lamentaram e repudiaram o que chamaram de atos de vandalismo contra a igreja, dizendo que ela é um “monumento arquitetônico-artístico de referência para a cidade de São Paulo”.

    Entre as entidades citadas no boletim de ocorrência, estão a Marcha Mundial das Mulheres, a Liga Brasileira de Lésbicas, a Frente Contra o Assédio e o coletivo As Mina é Zica, que soltaram um manifesto de repúdio ao PL 5059 em que se lê:

    “Novamente os rosários e as bíblias teimam em catequizar nossos ventres laicos”.

    A Igreja Católica anima um dos movimentos anti-legalização do aborto mais sinistros do Brasil, o chamado “Pró-Vida”, que tem como lema a frase “Coração Imaculado de Maria! Livrai-nos da Maldição do Aborto!”

    Como se vê, quando se trata de punir as mulheres que lutam pela liberdade e contra o jugo patriarcal, a Igreja Católica anda de mãos dadas com o retrocesso apelidado Eduardo Cunha.

  • ‘A violência contra a mulher não é um mundo que a gente quer’

    ‘A violência contra a mulher não é um mundo que a gente quer’

    Por Tati Pansanato, especial para os Jornalistas Livres


    Milhares de mulheres se mobilizaram e se manifestaram na sexta e no sábado (30 e 31/10) contra o PL 5069/2013, projeto de lei que…

    • Quer restringir o direito da vítima de violência sexual de fazer a profilaxia da gravidez sem a apresentação de um boletim de ocorrência e de um exame de corpo de delito;

    • Quer criminalizar os profissionais de saúde que a façam;

    • Quer punir com cadeia a circulação de informações que orientem ou instruam a gestante sobre como praticar o aborto.

    Do alto de sua falta de compaixão, o projeto de lei quer exigir que o atendimento à mulher estuprada seja precedido pela denúncia em uma delegacia e pela feitura de um exame de corpo de delito.

    Imagine…

    Foto: Mídia NINJA

    O sêmen do criminoso ainda dentro do corpo da vítima e ela (em choque) sendo obrigada a reviver a agressão diante de um escrivão de polícia, em uma delegacia que em sua maioria está despreparada para acolher casos assim.

    Boçais.

    O PL é de autoria do (sempre ele!) deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que o apresentou em 2013, quando ainda não era presidente da Câmara. Voltou à cena agora que Cunha precisa tirar do foco as denúncias de corrupção contra ele, envolvendo milhões de dólares em contas no exterior. Para tanto, Cunha recebeu parecer favorável do relator deputado Evandro Gussi (PV-SP), que aproveitou a oportunidade para piorar o que já era ruim.

    Para quem nutre preconceitos contra os evangélicos, considerando que só entre os neopentecostais –como Eduardo Cunha– encontram-se os inimigos das causas das mulheres, aí vai uma informação importante. Evandro Gussi é um fanático fundamentalista católico, membro da Canção Nova e de uma sinistra organização anti-mulheres, chamada Pró-Vida, que tem como lema “Coração Imaculado de Maria! Livrai-nos da Maldição do Aborto!”

    Marcha Mulheres Contra Cunha em São Paulo. Foto: Mídia NINJA

    Bom, mas vamos à linda resistência feminista contra esses maníacos inquisidores modernos…

    Pelas redes sociais, marcou-se o ponto de encontro: praça dos Ciclistas, ali na esquina das avenidas Paulista e Consolação –impossível não sentir os ecos das jornadas de luta contra o aumento das tarifas de ônibus e metrô de 2013.

    Foto: Lina Marinelli / Jornalistas Livres

    Mulheres pintadas, mulheres de sutiã, mulheres sem, mulheres cis, mulheres trans, mulheres negras, brancas e indígenas. Feministas históricas ao lado de meninas secundaristas. Mulheres valentes. Mulheres gordas. Mulheres magras. Peitudas e sem peito. Mulheres Frida, Simone (de Beauvoir, viu?), Nina e Olga. Mulheres livres, andando ao lado de homens libertários e também inimigos das fogueiras e dos instrumentos de tortura.

    Em todas as vozes, o grito:

    “Vai cair, vai cair… O Cunha vai cair!”

    Foto: Mídia NINJA

    Milhões de mulheres já decidiram fazer um aborto ou conhecem alguém que já o fez. Isso sempre ficou em segredo, no silêncio doído e solitário das escolhas difíceis, clandestinas e estigmatizadas. Algo mudou.

    Uma das redes de solidariedade mais impressionantes dos últimos dias é a que se formou em torno da hashtag #PrimeiroAssédio, com as mulheres rompendo as convenções opressoras ditadas pela vergonha e pela humilhação. “Deixa estar… Melhor esquecer… Bola pra frente… Como você vai provar?” –que vítima nunca escutou esse tipo de conselho? Mas eis que, de repente, tudo aquilo que se tentou enterrar no passado aflorou como em uma erupção.

    Foto: Mídia NINJA

    E nós começamos a falar! E dessa fala veio a solidariedade, a compaixão, a sensibilização, uma se identificando com as outras… Com todas.

    Juntas somos fortes.

    Surpresa! Nem Cunha e nem o católico Gussi esperavam por isso…

    Motivado, o formigueiro feminino e feminista se conectou e, em poucos dias, organizou um ato #MulheresContraCunha, tag que rapidamente ganhou milhares de adeptos nas redes sociais.

    Foto: Lina Marinelli / Jornalistas Livres
    Ato Mulheres Contra Cunha em Belo Horizonte. Foto: Caio Santos / Jornalistas Livres

    Priscila, 28 anos, técnica arqueológica que é contra esse projeto de lei, conta que esteve ali pelo direito ao corpo, pela legalização do aborto e pela descriminalização da pílula. Ela diz que tem uma amiga que, aos 12 anos de idade, foi estuprada “violentamente” pelo padrasto e engravidou. A menina teve que passar duas vezes por atendimento médico-cirúrgico pelo SUS (Sistema Único de Saúde) e até os dias de hoje sofre com o trauma. Uma história. Tantas histórias.

    O ato seguiu pela avenida Brigadeiro Luís Antonio até a Catedral da Sé, no centro da capital. Sob as estátuas de santos, debaixo da cruz, defronte às imensas portas fechadas da igreja, fechadas para nós, milhares de mulheres carregando faixas, cartazes, bateria, gritos, ovários e garra avisávamos:

    “Não vamos desistir até o Cunha cair!”

    “Tirem seus rosários dos meus ovários!”

    “Amanhã vai ser maior”

    Assim seja.

    Foto: Lina Marinelli / Jornalistas Livres
  • Caça às Bruxas

    Caça às Bruxas

    Por Nivia Machado, para os Jornalistas Livres

    As fogueiras da Inquisição ainda estão acesas

    Doces ou travessuras? Incontáveis crianças e adultos vão celebrar o Halloween, ou Dia das Bruxas, em diversas partes do planeta, no dia 31 de outubro. Por trás de uma data tradicional e cultural, que acontece principalmente em países de língua inglesa, a história vivida pelas mulheres que ganharam o título de bruxas na Idade Média foi marcada por todo o tipo de violência, incluindo a tortura, a exclusão social e a morte nas fogueiras da Inquisição. O artigo publicado na Revista Espaço Acadêmico, em outubro de 2005, da militante feminista e doutora em Ciências Jurídicas pela Universidade de Osnabrück, na Alemanha, Rosângela Angelin, relata que mais de 9 milhões de pessoas foram acusadas, julgadas e mortas em uma campanha assumida, tanto pela Igreja Católica, como a Protestante e até pelo próprio Estado. Dessa porção, 80% eram mulheres.

     

    Imagem: Garroting and burning witches or heretics. Por Freeparking (Fotos históricas, flickr)
    Com o nome de Caça às Bruxas, o genocídio de mulheres teve início em 1450 e fim somente por volta de 1750 e se deu por meio da perseguição de parteiras, enfermeiras e assistentes. Elas também conheciam e entendiam sobre o emprego de plantas medicinais para curar enfermidades nas comunidades onde moravam e, conseqüentemente, eram portadoras de um elevado poder, uma ameaça para a sociedade patriarcal, e por isso foram consideradas o primeiro movimento feminista da humanidade, segundo Rosâgela.

    Um Congresso Medieval

    De acordo com a doutora em Filosofia, Márcia Tuburi, a Caça às Bruxas tomou novos formatos. A relação entre o período medieval e o atual pode ser constatada pelas atuais decisões tomadas no Congresso Federal ao passar pela Comissão de Constituição e Justiça e aprovar, no dia 21 de outubro, o Projeto de Lei PL 5069/13.

    “ A gente pensa no Brasil contemporâneo, na criação de políticas que promovem um retrocesso nos direitos humanos”. Márcia Tuburi, sobre o Projeto de Lei 5069

    Tal projeto propõe impedir o acesso das mulheres à anticoncepção de emergência, ao atendimento da saúde reprodutiva, aos serviços já escassos de interrupção da gravidez nos casos previstos por lei.

    O PL tenta ainda impedir que as mulheres tenham acesso à informação sobre o aborto e que o tema seja discutido na sociedade. Propõe também, a prisão de profissionais de saúde que realizem o abortamento em qualquer circunstância e que novamente se exija de mulheres que engravidem após estupro, o exame de corpo de delito e o Boletim de Ocorrência policial. “De fato ainda existe uma perpetuação da demonização das mulheres e isso está relacionada ao machismo que vai do simbólico ao físico. No Brasil, a criação de políticas que promovem o retrocesso nos direitos reprodutivos têm as mesmas razões do período medieval

    A misoginia, promovida pelas religiões e defendida por um Estado que deveria ser laico, leva mulheres para a atual fogueira da inquisição” afirma. Não tem como obter um dado exato, mas o Centro Feminista de Estudo e Assessoria, Cfemea, aponta que cerca de 1 milhão de brasileiras submetem-se a abortos em clínicas clandestinas todos os anos, o que aumenta o risco de lesões na alma, no corpo e o pior: o óbito.

    A violência persiste de todas as formas

    Para a Mestre em Psicologia Social, Karina Mendicino, outro fato que reforça a demonização das mulheres e perpetua a ideia entre o bem e o mal são os contos de fadas.

    “Nos disseram que somos menos aptas para grandes decisões e para ocupar cargos de poder porque somos instáveis, porque existimos para parir, porque nosso emocional é naturalmente mais abalável. Nada disso é verdade!” Karina Mendicino.

    “Parecem algo inofensivo, mas apresentam um inigualável poder de perpetuação de ideias, pois agem desde a infância, na formação das nossas representações sociais e exploram bastante a imagem negativa da mulher bruxa e o que vemos é que essa ideia da bruxa malvada, um ser macabro, feio e perigoso existe até hoje” conta.

    Atuando como psicoterapeuta, na Clínica Psicossocial para Mulheres, Karina percebe que a inferiorização da mulher, considerada violência psicológica, mina a autoestima delas e consequentemente, interfere em todas as áreas da vida. Em 2014, a Central de Atendimento à Mulher realizou 485.105 atendimentos, uma média de 40.425 atendimentos ao mês e 1.348 ao dia. No ano foram feitas 52.957 denúncias de violência contra a mulher, sendo que 16.846 foram relatos de violência psicológica, correspondendo a 31,8% das denúncias.

    Segundo Márcia Tiburi é visto que no período muito antigo, como foi a Idade Média, e o atual, a sociedade ainda encontra dificuldades de entender que a violência sempre combina com simbólico e o físico. “Na violência psicológica, a necessidade de dizer que elas estão erradas, que são fracas, incapazes e inferiores resulta na opressão, submissão e na naturalização da violência”, conta.

     

    Imagem: Burning at the stake. An illustration from an mid 19th century book. Por Robert Benner

    Com isso, ainda é comum ver mulheres ganharem menos que os homens exercendo o mesmo ofício, é comum que elas aceitem e também pratiquem funções ditas femininas, como o cuidado com a casa, sendo estas funções pouco reconhecidas do ponto de vista financeiro e social. É o caso das doulas, verdadeiros anjos da guarda para as gestantes, que têm como missão acompanha-las até entrarem em trabalho de parto. Exercícios, massagem e a mão amiga proporcionam apoio e segurança às mulheres que vão dar a luz. Porém, a remuneração dessas mulheres ainda é inferior aos outros profissionais e o trabalho não é reconhecido pelos que atuam na área da saúde.

    Segundo o Grupo de Doulas do Brasil, existem doulas voluntárias, que trabalham sem remuneração, e particulares, que cobram de R$200 a R$1000 reais pelo pacote de atendimento do parto, visitas prévias e visitas pós. No entanto, os trabalhos não aparecem com tanta frequência e no Brasil ainda não é possível se viver do ofício. As doulas atuantes em geral são também fisioterapeutas, psicólogas, educadoras físicas, terapeutas corporais, professoras de yoga, entre outras.

    Para Márcia, o caso das doulas é mais um exemplo de mulheres que vivem em desigualdades salariais e de reconhecimentos. Além disso, essa antiga função tem despertado a ira de profissionais da obstetrícia. Segundo o Ministério da Saúde, os Conselhos de Medicina não apoiam a existência das casas de partos ou dos partos domiciliares, alegando risco à saúde das mães e dos bebês. “A mulher sempre foi tratada como um instrumento na relação de poder, há um cálculo sobre a vida delas que apaga seus direitos em relação ao corpo. Elas têm dificuldades de escolher se querem ter filhos, de que forma querem que isso aconteça e não têm o direito de escolher se não querem ou não podem ter filhos”.

     

    Fotografia Heresy, por Daniel Cely

    Rosângela Angelin aponta ainda, no artigo, que o feminismo deve buscar o resgate e a verdadeira imagem das bruxas em nossa história, analisando não somente os aspectos religiosos, mas também políticos e sociais que envolveram a “caça às bruxas” na Idade Média. No olhar feminista, as bruxas, por meio dos conhecimentos medicinais e a atuação em suas comunidades, exerciam um contra-poder, afrontando o patriarcado e, principalmente, o poder da Igreja.

    Em verdade, as mulheres medievais e as atuais nada mais são do que vítimas do patriarcado.

    Mulheres Contra Cunha — Contra a PL5069 | Rio de Janeiro (RJ) 28/10. Foto: Mídia NINJA
  • Tire o Cunha do Corpo das Mulheres do Brasil

    Tire o Cunha do Corpo das Mulheres do Brasil

    por Ricardo Targino, da Mídia NINJA

    Milhares de mulheres ocuparam o centro do Rio de Janeiro contra Eduardo Cunha e todos os retrocessos que ele representa. Diante do cenário de crise institucional e política em que está submergido o país vem prosperando o atraso, neste que é o pior Congresso já eleito em nossa história.

    As mulheres tomaram a rua para dizer que não aceitaremos nenhum passo atrás. Elas são mães de família, estudantes, artistas, trabalhadoras, putas, vadias e lindas. Milhares de brasileiras que não fingem ser santas e ousam desafiar o conservadorismo que paira sobre a vida institucional do país para afirmar o direito a decidir sobre o próprio corpo. Mulheres que decretam guerra diária ao machismo. Mulheres que sabem que a mudança começa em nós e nossas casas. Mulheres que não se calaram e insistem no caminho de mais conquistas.

    Mais do que nunca, a humanidade busca saídas criativas para a crise civilizatória que ameaça a vida no planeta neste começo de século. Mais do que nunca o Brasil pode colaborar com o mundo. Somos o remix de todas as humanidades que há e podemos desenvolver aqui as tecnologias sociais da civilização futuro. Para isto, mais do nunca, quanto mais democracia melhor.

    A criatividade feminina coloriu as ruas em defesa da vida das mulheres, contra a violência de gênero, o racismo, o machismo e a homofobia. A pílula fica, o Cunha sai. Foi este o recado que se ouviu no Rio. Diante da ruína do patriarcado, do desmoronamento deste ordenamento econômico, do colapso ambiental que ameaça a própria vida, na urgência de uma verdadeira reforma política que seja capaz de ampliar a participação cidadã e agregar qualidade à democracia, as mulheres se dispõem a ajudar o Brasil a reencontrar o rumo. É delas o século XXI!

    #ForaCunha
    #MachismoMata
    #LegalizeODireitoDeDecidir
    #NenhumDireitoAMenosNoBrasil

  • ‘Mulheres contra Cunha’ param o Rio de Janeiro em protesto

    ‘Mulheres contra Cunha’ param o Rio de Janeiro em protesto

    Por Mídia NINJA

    Milhares de mulheres marcharam pelas ruas do Rio de Janeiro nesta quarta-feira (28/10) contra o ataque do Deputado Eduardo Cunha a seus direitos conquistados. Estão desde as 14h concentradas em frente à ALERJ, onde tramita a “CPI do aborto”, destinada a estabelecer punições mais rígidas para mulheres e profissionais de saúde que realizarem aborto.

    Segundo a Organização Mundial de Saúde, a cada 2 dias uma brasileira morre por causa do aborto clandestino.

    Às 17h o cortejo partiu em direção à Cinelândia, passando pelo escritório do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha. Ele declarou, assim que assumiu o cargo, que as leis sobre a legalização do aborto só passariam “sobre seu cadaver”, ignorando assim o cadáver de milhares de mulheres que morrem em decorrência de procedimentos clandestinos.

    Foto: Mídia NINJA

    A marcha chegou, neste momento, à Cinelândia, e se tornou um grande palco de intervenções artisticas para ajudar a conscientizar sobre o retrocesso que seria a entrada em vigor do PL 5069.

    Foto: Mídia NINJA
    Foto: Mídia NINJA
    Foto: Mídia NINJA
  • O que a redação do ENEM 2015 me ensinou

    O que a redação do ENEM 2015 me ensinou

    Por Diógenes Júnior*, especial para os Jornalistas Livres

    Nas 5 horas e meia (ou 330 minutos) de duração da prova do ENEM realizada no domingo, que incluiu a elaboração da redação com o tema “A persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira”, nada menos que 825 mulheres foram agredidas.

    Como um dos 7 milhões de brasileiros que fizeram a prova do Enem, ao abrir meu caderno de questões, ansioso que estava para saber qual seria o tema da redação, recebi a primeira bofetada:

    “Nos 30 anos decorridos entre 1980 e 2010 foram assassinadas no país mais de 92 mil mulheres, 43,7 mil só na última década. O número de mortes nesse período passou de 1.353 para 4.465, que representa um aumento de 230%, mais que triplicando o quantitativo de mulheres vítimas de assassinato no país.”

    A constatação de que não teria muita dificuldade para escrever sobre o tema proposto não diminuiria a dor que a próxima bofetada causaria:

    “237 mil relatos de violência foram feitos ao Ligue 180, serviço telefônico da Secretaria de Políticas para as Mulheres. Sete em cada dez mulheres que telefonaram para o Ligue 180afirmaram ter sido agredidas pelos companheiros.”

    Essas informações, que me alertavam para uma triste realidade, estavam escritas na contra capa do caderno de questões de todos os candidatos.

    Imagem ilustrativa do texto III no caderno de respostas azul do ENEM — contra capa

    Mais de 7 milhões de candidatos leram essas informações, além de mim mesmo, e não apenas nós.

    A discussão sobre o tema se tornou em polêmica e ultrapassou o universo acadêmico.

    “Ponto para as mulheres, ponto para a humanidade, ponto para a luta contra a violência!” — comemorei com meus botões.

    A violência contra a mulher no Brasil tem persistido e precisa ser combatida, isso é fato e tem de ser o ponto de partida para qualquer discussão séria sobre o assunto.

    A redação do ENEM trouxe para os holofotes da mídia, para o centro do palco das discussões, uma agenda que alguns preferem relativizar, ou abordar com a indigência intelectual que é característica de pessoas truculentas, cuja violência cauterizou o bom senso.

    Pessoas para as quais a violência é algo natural, e a violência contra as mulheres é apenas mais um tipo de violência:

    “Formulado pelo corrupto e tresloucado governo federal, o ENEM virou uma aberração acadêmica, o pior de tudo é saber que o dinheiro dos nossos impostos é usado pela quadrilha que nos governa para produzir esse lixo cultural.”

    A frase acima foi escrita em uma página de Facebook que se diz “de utilidade pública”.
    (Nota deste que vos escreve: “utilidade pública” para essa — e outras — páginas significa, entre uma foto ou outra de um buraco na rua ou um cãozinho perdido, inserir dezenas de críticas ao Governo Federal, cuja responsabilidade não é tapar buracos nas ruas e muito menos cuidar da gestão da Sociedade Protetora dos Animais local.)

    Para o editor dessa página a questão da violência contra as mulheres se reduz à crítica ao Governo Federal cuja representante máxima, pasmem… é uma mulher!

    Para ele e para seus “seguidores” a ideia da violência contra as mulheres não tem importância.

    Importa mesmo é a oportunidade de fazer uma crítica ao governo (de uma mulher, repito) que eles desejam derribar do poder. E os impostos que eles pagam, claro!

    Os impostos… talvez as mulheres, inclusive as agredidas, segundo a visão de mundo do autor da frase infeliz, não paguem impostos.

    A questão da violência contra a mulher transcende questões políticas e ideológicas, transcende a questão da direita ou da esquerda.

    Transcende qualquer opinião a favor ou contra o governo Dilma.

    A questão da violência contra as mulheres vai muito além de alguém ter votado em um candidato acusado de ser espancador de mulheres, ou ter votado em uma mulher que durante a ditadura foi espancada por homens.

    Não se trata disso!

    Trata-se de algo muito maior, mais elevado e que se encontra em um nível que temos por obrigação alcançar, colocando de lado as diferenças ideológicas, sejam quais forem.

    É violência, é desumanidade, é injusto, é indigno, é sórdido.
    É inadmissível: ponto.
    Nisso todos temos de concordar.

    A escolha do tema da redação do ENEM foi um marco, um degrau que subimos em direção a um nível mais elevado, um nível onde a sociedade em uníssono condena a violência em geral, mas especialmente a violência contra as mulheres.

    Tenho plena convicção de os 7 milhões de brasileiros que leram no caderno de questões do ENEM os alarmantes dados sobre a violência contras as mulheres no Brasil saíram da sala do exame pessoas diferentes.

    Ouso dizer que as bofetadas que receberam — na forma de informações — fará com que lutem para que nenhuma mulher em lugar algum do mundo receba uma bofetada, de maneira alguma.

    Tenho plena convicção de os 7 milhões de brasileiros que fizeram o ENEM entregaram suas redações na condição de brasileiros que não mais podem permitir que a violência seja admitida, sob que formato for, contra quem for.

    Eu sou um desses brasileiros.

    E mais do que um bom resultado no ENEM, que é o que todos desejam, desejo que essa discussão nos eleve àquele nível o qual creio ser nossa obrigação alcançar, colocando de lado as diferenças ideológicas, sejam quais forem.

    Ano que vem tem outro ENEM.

    “No Brasil, 7 milhões e 200 mil mulheres com mais de 15 anos já sofreram agressões, das quais 1 milhão e 300 mil nos 12 meses que antecederam a pesquisa. Quanto aos homens, 8% admitem já ter agredido fisicamente uma mulher, 48% dizem ter um amigo ou conhecido que fizeram o mesmo e 25% têm parentes que agridem as companheiras.”

    Espero que esses números sejam outros, e que a violência contra a mulher não seja mais tema de jornais, e jamais precise ser novamente tema de redação.


    *Diógenes Júnior é ativista social, militante do PCdoB e pesquisador independente. Estudante de Ciências Sociais, paulistano de nascimento, caiçara de coração e gaúcho por opção está radicado em Porto Alegre, RS, de onde escreve sobre Política, História, Cinema, Comportamento, Movimentos Sociais, Direitos Humanos e um pouco de um tudo.​