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Categoria: Feminismo

  • Cadeia feminina — relatos de sobrevivências

    Cadeia feminina — relatos de sobrevivências

    Na semana em que o Ministério da Justiça divulga o censo que prova a explosão demográfica nas penitenciárias de mulheres, publicamos entrevista com a antropóloga Debora Diniz, que passou anos entrevistando e ouvindo os relatos das encarceradas

    O Brasil registra crescimento inquietante no encarceramento de mulheres, nos últimos 15 anos. Entre 2000 e 2014, a população feminina privada de liberdade saltou de 5.601 indivíduos para 37.380. Para dizer o mínimo, trata-se de uma verdadeira explosão demográfica, incrementando a população dos presídios de mulheres em 567%. Como comparação, no mesmo período, a população masculina encarcerada subiu 220%.

    E quem são essas mulheres tão perigosas que precisam ser retiradas do convívio social?

    Responde o relatório do Departamento Penitenciário Nacional, órgão do Ministério da Justiça, divulgado nesta semana:

    “Em geral, as mulheres em submetidas ao cárcere são jovens, têm filhos, são as responsáveis pela provisão do sustento familiar, possuem baixa escolaridade, são oriundas de extratos sociais desfavorecidos economicamente e exerciam atividades de trabalho informal em período anterior ao aprisionamento. Em torno de 68% dessas mulheres possuem vinculação penal por envolvimento com o tráfico de drogas não relacionado às maiores redes de organizações criminosas. A maioria dessas mulheres ocupa uma posição coadjuvante no crime, realizando serviços de transporte de drogas e pequeno comércio; muitas são usuárias, sendo poucas as que exercem atividades de gerência do tráfico.”

    Em uma só expressão: são pés-de-chinelo.

    Também são negras (duas a cada três mulheres presas, ou 67%, são negras). Um terço do total estava presa sem condenação (no estado de Sergipe, o índice das presas sem condenação atinge a vergonhosa taxa de 99%!!!).

    Para ir além da frieza dos números e começar a compreender o que é a devastadora experiência da prisão feminina, a antropóloga e militante feminista Debora Diniz passou anos na Penitenciária Feminina do Distrito Federal, chamada de Colméia. Fez entrevistas e aplicou questionários (prancheta nas mãos e olhar inquisidor). Foi quando percebeu que usava uma abordagem intrinsecamente masculina, identificada com o método policial. Largou tudo isso e se pôs a apenas escutar os relatos de mulheres que frequentavam o Núcleo de Saúde da cadeia.

    No livro “Cadeia, relatos sobre Mulheres” (224 páginas, Civilização Brasileira, R$ 26), lançado recentemente, Debora coleciona 50 textos que explicam a experiência carcerária real, vivida no maior presídio feminino da Capital da República, habitado por quase 700 seres humanos. É sobre suas humanidades (tantas vezes negadas) que a autora fala neste livro doloroso e perturbador. Leia a seguir a entrevista concedida por Debora aos Jornalistas Livres.

    Jornalistas Livres — Você está lançando esse livro, “Cadeia”, com relatos das mulheres privadas de liberdade. E esta entrevista está sendo realizada dentro da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, da USP, território masculino por excelência, marcado por quadros, esculturas, afrescos, retratos de homens. Como as mulheres da sua pesquisa se relacionam com esse mundo do Direito, marcadamente masculino e patriarcal?

    Debora Diniz — As cadeias foram pensadas como instituições feitas por homens para homens. É muito recente nós agendarmos a questão das mulheres dentro de uma faculdade como esta. Isso não quer dizer que as mulheres em presídios não tenham história no Brasil. Mas até isso é uma história miúda, é uma história esquecida. Então as mulheres que vivem nesses espaços, elas enfrentam camadas de silenciamento e de resistência que lhes são muito particulares. “Cadeia” é um livro que tenta contar o mundo miúdo e cotidiano da sobrevivência no presídio na capital da República. As formas tradicionais com que nós nos aproximamos, e quando eu digo “nós”, refiro-me às pesquisadoras desses espaços, são formas também masculinas de contar histórias. Chegamos lá com uma prancheta, um questionário. Aqui está a pergunta que vou fazer a você. Qual é a sua cor? Quantos anos você tem? Que crime você cometeu? Para essas mulheres, nós estamos reproduzindo as maneiras policiais tradicionais. É a interpelação do poder punitivo sobre elas. Em um dos filmes que eu fiz lá, bastava eu chegar com a câmera e os indivíduos já chegavam dizendo: “Eu matei”, “eu roubei”. Neste livro, eu tentei fazer de um jeito diferente. Não fazia pergunta alguma. Sentava-me como num sonho do cinedocumentário, como a mosca na parede, só ouvindo o que acontecia.

    Jornalistas Livres — Mas será que aqueles que trabalham por ali: carcereiras, médicas, psicólogas, não acabavam encenando para você?

    Debora Diniz — É possível, mas é difícil. É difícil encenar todos os dias, durante seis meses, dez horas por dia. Há uma hora em que a desgraça vem. Quer um exemplo? Na hora em que chega aquela dizendo: “Eu vou matar, e vou matar agora.” E aí vem o sossega leão, a droga calmante. E se ouve a ordem: sossega, injeta, amarra! Isso é o que está no livro. Trata-se de um livro que retrata uma longa escuta daquilo que é dito para sobreviver num espaço de sobrevivência que é um núcleo de saúde.

    Jornalistas Livres  Uma das coisas de que o livro trata com bastante ênfase é a questão do abandono. Nas filas de visitas dos presídios masculinos, vê-se um monte de mulheres aguardando a hora de entrar para ver os seus maridos, filhos, noamorados. Mas, nas filas dos presídios femininos há poucos homens e, em geral, muito menos gente. Sugere-se com isso que as mulheres são de fato abandonadas muito mais frequentemente do que os homens. Como elas lidam com o abandono?

    Debora Diniz — Há duas formas de responder a essa pergunta sobre o abandono nas cadeias. A primeira é por aquilo que é palpável nas filas de visitas… As mulheres visitam os homens e a pergunta que sucede é: quem é que visita as mulheres? E a resposta que advém é: outras mulheres. Porque o cuidado é coisa de mulheres. Fora e dentro dos presídios. As principais visitadoras de mulheres presas são outras mulheres. As mulheres dos afetos… a vizinha, a amiga. Depois, a mãe, a filha, a irmã. Então, o mundo do cuidado se reproduz no mundo da cadeia. É por isso que os homens saem ganhando. Eles saem ganhando porque eles já são mais bem cuidados aqui fora por nós. Mas há um segundo nível do abandono e esse é o que mais me provoca. A cadeia é uma máquina de produzir abandono. No sentido existencial, a pessoa se transforma em um indivíduo só, porque os parentes, os aderentes começam a sumir. As pessoas se cansam. Elas têm vidas para viver. É muito difícil enfrentar a visita vexatória; o dia da visita é quinta-feira — e quem trabalha??? A cadeia é uma máquina cuja engrenagem produz uma mulher que se transforma em um indivíduo só. Então, sobreviver em cadeia é permanentemente manter vínculos. É por isso que os princípios da lealdade e da confiança são tão fortes no mundo do crime e da bandidagem da cadeia. Porque é por onde se resiste. É por onde se sobrevive. Quando o Estado falha, a família é uma instituição fundamental, não é? Por isso não é à toa que várias alegorias da família estão presentes dos regimes das organizações criminosas. É o “irmão”, o “pai”, o “primo”, o “tio”. Trata-se de produzir vínculos de solidariedade que de outra forma já se perderam.

    Jornalistas Livres — Estamos vendo o aumento dramático da população carcerária feminina. É possível esperar que as cadeias femininas comecem a apresentar aqueles espetáculos de violência explícita a que nos acostumamos nas rebeliões ocorridas em penitenciárias masculinas?

    Debora Diniz — A sua pergunta pressupõe uma resposta preditiva sobre quais serão os efeitos da feminização da prisão. Ou seja, já que vamos crescer em número de mulheres encarceradas, como elas vão resistir aos abusos de poder? Uma hipótese é que haverá formas de lidar com o encarceramento que reproduzirão as formas do feminino. Estudos internacionais mostram que os processos de adoecimento e de medicalização do sofrimento são mais intensos nas cadeias femininas. Medicalização psiquiátrica, contenção, depressões, sofrimentos intensos, suicídios. As estatísticas internacionais mostram que esse tipo de problema é muito mais intenso nas cadeias femininas do que nas masculinas. Isso faz com que a linha-dura do sistema penal se apresse em dizer: “É porque são as loucas que são criminosas.” Mas pode ser que seja esse sistema que produz o adoecimento nas mulheres.

    Jornalistas Livres — E as rebeliões sangrentas?

    Debora Diniz — Tenho a hipótese de que as formas de resistência femininas são muito mais difíceis do que a dos homens. Porque o homem, quando ele cai no crime e vai parar pela primeira vez em uma cadeia, ele passa por um teste que se chama de “carômetro”… Ele entra na cadeia e os carcereiros submetem a ele uma lista com os rostos de todo mundo que está na ala a ele destinada. Em geral, o novato aponta seus inimigos dizendo “guerra”, “guerra”, “guerra”, indicando as alas para as quais não pode de modo algum ir. De outro lado, ele indica as alas em que estão seus amigos e parceiros.

    Já uma mulher, quando chega, ela não vem desses grandes bandos criminosos. O teste do “carômetro” é a prova de que aquela será uma experiência solitária. Pela primeira vez, ela terá de formar redes de solidariedade no crime, lá dentro. Quando nós vemos que não há essa força tão bruta, essa resistência tão massificada, é porque elas são muito mais solitárias do que eles dentro do presídio. E, para formar o bando de resistência, precisa de muito mais tempo.

    Jornalistas Livres — “Orange is The New Black”, o nome da série produzida pelo Netflix, é uma experiência exclusivamente americana, ou as cadeias femininas brasileiras têm similitudes com aquela situação?

    Debora Diniz — Uma das coisas que ouvi, tão logo o livro foi lançado, foi o convite: “Vamos fazer uma série brasileira como ‘Orange is the New Black’?” Na verdade, tanto na série americana como no livro “Cadeia”, mostra-se a microvida cotidiana que existe em um presídio feminino. Nesse sentido, são muito parecidas as realidades retratadas. As personagens, a entrada do sexo, a personagem que ocupa o lugar do poder masculino, o bicudo de cadeia (um bicudo de cadeia não é uma simples contrafação do homem, mas é um personagem muito curioso. Não lava roupa, não melhora a comida e ela tem benefícios por isso)… E esse é um dos personagens de um dos episódios do seriado. As orgias sexuais que acontecem à noite… Eu jamais direi que a cadeia é um lugar feliz, mas como é um lugar em que se vive, os prazeres existem, as formas de encontro existem. Em algum sentido, o que existe em comum é a humanidade vivendo. E, nessas instituições, as formas de encontro e desencontro acabam sendo muito parecidas, porque as formas de gerenciamento são as mesmas.

    Jornalistas Livres — Não daria para encerrar essa entrevista sem lhe perguntar o que você acha da redução da maioridade penal.

    Debora Diniz — Uma das grandes descobertas que eu fiz em “Cadeia” é que uma em cada quatro mulheres que hoje estão presas em regime fechado passou pela cadeia na adolescência. Me permita chamar uma unidade sócio-educativa, destinada a adolescentes em conflito com a lei, de cadeia. Uma em cada quatro! Então, estamos falando de um itinerário punitivo que começou muito cedo na vida.

    Se compararmos a população do presídio feminino da capital (700 mulheres) com a da unidade sócio-educativa que tem uma média de 50 internações por mês, praticamente todas as adolescentes que passaram pelas unidades sócio-educativas acabaram presas quando adultas… Então reduzir a maioridade penal me parece apenas uma brutalidade e uma violência. Trata-se daquela realidade que nós não queremos ver e queremos o quanto antes esconder dentro dessas instituições. A minha decisão depois de “Cadeia” foi ir para esse momento anterior… Lá eu descobri que elas chamam o reformatório de “cadeia de papel”. É uma alegoria linda. Nem é uma cadeia de verdade, mas já é um projeto de cadeia. Desde janeiro deste ano eu puxo um plantão. A cada 72 horas, passo 24 na unidade, vivendo por ali. Não tenho mais idade para me passar por adolescente. E elas sabem que não sou uma carcereira. Está sendo uma imersão definitiva para contar essa história de que aquilo ali já é punição suficiente para o adolescente infrator no Brasil. Não precisamos de mais sofrimento e dor.

  • #AgoraÉqueSãoElas!

    #AgoraÉqueSãoElas!

    As mulheres demonstraram nos últimos dias um protagonismo inquestionável na luta contra os ataques de Eduardo Cunha. O vigor deste movimento animou a iniciativa #AgoraÉqueSãoElas. Por isso, o espaço desta coluna será hoje ocupado por quatro militantes sem-teto, de diferentes Estados do país. Com a palavra Sylvia Malatesta, Natalia Szermeta, Ana Paula Perles e Claudia Favaro, militantes do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) e da Frente Povo Sem Medo.

    “Desta vez, o grito feminino que saltou da goela de milhares de mulheres brasileiras ecoou nas grandes avenidas do país como um som de liberdade, de ruptura e de força. Ocupamos as ruas com nossos corpos vestidos ou despidos, com nossa fina voz e com nosso ventre!

    A tirania, que se sustenta nos resquícios arcaicos do período imperial, tremeu! A velha frase “A libertação da mulher é condição fundamental para a libertação da humanidade!” deixou de ser ‘delírio feminista’ e passou a estar na pauta do dia!

    Simone de Beauvoir (1908–1986) foi a bruxa da vez, levando a santa Inquisição a se manifestar direto do plenário na Câmara de Campinas: Campos Filho, vereador campinense, verbalizou que “é uma iniciativa demoníaca (do MEC). Por que eles estão querendo empurrar goela abaixo das pessoas quando se coloca uma situação como dessas na prova do Enem”.

    Por ironia, o sujeito faz parte de um partido cuja sigla é DEM. E, pasmem, a moção que pede a anulação da questão do Enem que cita a filósofa Simone de Beauvoir, foi aprovada e encaminhada para o MEC!

    Na mesma semana, belas manifestações tomaram as ruas do país em reação às absurdas movimentações que estão ocorrendo no Congresso Nacional. Eduardo Cunha não tem freio, ele é incansável. Quando o tema em questão é revanche, vingança ou abuso de poder, ele está lá, pronto a desafiar os direitos sociais e civis.

    As manifestações são também um grito de que é inaceitável a passividade, quando virou rotina a manifestação de pensamentos retrógrados, desrespeitosos e criminosos contra as mulheres. Não ficaremos caladas assistindo a uma sociedade que caminha a passos largos para a naturalização do horror, da pedofilia e do sexismo!

    Estamos nas ruas em defesa das milhares de meninas assediadas, das presidiárias que dão vida a seres humanos de cócoras no cárcere, das mulheres mutiladas, assassinadas, das que se suicidaram e das que ainda suspiram!

    Os ataques são uma verdadeira artilharia de retrocessos: o PL 5069/2013, que proíbe a venda da pílula contraceptiva do dia seguinte e obriga passar no IML antes de ser atendida, criminalizando movimentos e organizações feministas ao proibir qualquer divulgação de informações sobre o aborto; o PL 478/2007 — Estatuto do Nascituro, que dá status de sujeito de direitos ao nascituro, impedindo qualquer caso de aborto e cria pensão obrigatória a ser paga pelo estuprador ou pelo Estado; a PEC 99/2013 que dá o direito a Associações Religiosas de propor ação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos; o PL 7382/2010 que penaliza pessoas que discriminam heterossexuais; o PL 6583/2013, que dispõe sobre o Estatuto da família, desconsiderando as relações homoafetivas e assim descobrindo-as de direitos.

    Uma sociedade mais humana não existirá se o Estado for tirano, se as leis forem injustas, se a Constituição não garantir os direitos fundamentais, se Eduardo Cunha e sua corja não forem varridos da história!

    Resistiremos bravamente ao nosso assassinato, não aceitaremos as nocivas medidas contra a humanidade, não ficaremos recolhidas em nossos lares. A cada direito atacado, ocuparemos as ruas. O corpo é nosso, a decisão á nossa e o Estado é laico.

    Dia 8/11 daremos continuidade nesta luta em todo o país . Queremos que Eduardo Cunha seja preso, que nossos direitos sejam preservados, que nossas filhas não sejam assediadas, que os criminosos não fiquem impunes. Que todas as famílias sejam reconhecidas e tenham proteção do Estado, que todas as religiões se manifestem com a mesma liberdade, que mulheres e homens tenham o mesmo salário ocupando a mesma função. Queremos igualdade e liberdade. Lema tão antigo e, ao mesmo tempo, tão atual.

    Não sairemos das ruas!

    #AgoraÉQueSãoElas!#ForaCunha.”

     

    Foto: Mídia NINJA
  • Todos Cunhã

    Todos Cunhã

    por Helio Carlos Mello, especial para os Jornalistas Livres

    Numa tarde de sexta-feira piso no negro chão da rua na cidade grande. Uma estranha sensação me remete à uma aldeia xinguana em dia de Yamuricumã*. Aqui na avenida as mulheres também entoam cantos de cunhã**, vozes de mulher, como em aldeia. Aqui e agora são elas, é música de regra.

     

    Penso logo nos desatinos que aqui me conduzem e trazem as mulheres pra rua em inúmero número. A palavra de ordem é Fora Cunha, um imbecil do gênero masculino, que não me representa, mas é homem, e como no mito de aldeia, onde o índio matou o jacaré que namorava as mulheres em beira de rio, aqui me resigno e devo me portar sóbrio e pronto a apanhar delas.

     

    Somos um país de presidenta, cineasta e geneticista abrido caminhos. O vermelho proibido na avenida em outros dias, aqui ressurge hoje em pontos de útero, trompas e tambores. É música, é dança é protesto.

    Importante aqui citar Lia Zanotta Machado (1):

    “-Antes do feminismo dos anos setenta, a diferença de gênero era a diferença de sexo posta no biológico; era a diferença percebida como inferioridade do sexo feminino ou como complementaridade dos sexos na divisão sexual do trabalho.

    -Nos últimos anos, o direito à diversidade cultural se constituiu em discurso globalizado e politizado. Na arena dos acordos internacionais, o direito à diversidade cultural tem se constituído em moeda de troca para arrefecer a intensificação das reivindicações de direitos individuais à igualdade de gênero e acesso a direitos sexuais, sem que, no entanto, tenham se intensificado os direitos coletivos ou comunitários dos povos indígenas. A diversidade cultural tem sido reivindicada especialmente por estados nações onde os interditos da divisão sexual e dos lugares das mulheres são postos não somente como regulados pelos costumes tradicionais e orais, mas sim por leis seculares e códigos religiosos.

    -O conceito de gênero é entendido como tornando-se ou podendo tornar-se em outra forma, não mais identidades, mas identificações, propondo uma ruptura das dicotomias como a heterossexualidade e a homossexualidade, masculinidade e feminilidade”.

     

    Não quero ser o poeta de um mundo caduco ou negociarei desigualdades. Nem Drummond o foi ou fez, e como Simone de Beauvoir (2) renascida em solo secundarista me pergunto feminino

    quem somos nós? Sem marido, sem filho, sem lar, sem nenhuma superfície social e vinte e seis anos: nessa idade, tem-se vontade de pensar um pouco no mundo”.

    Na avenida encontro um país que pulsa na ressignificação cultural e avança em antigas questões de direitos e dominação patriarcal e corta o machismo de cena. Em canto e cantos há todas as cores do mundo, e vermelho é regra e marco. Num mundo possível, livre de opressão, reinventado , onde homem no resguardo e mulher dona de si avançam de mãos dadas.

     

    Na Avenida, como diante de rio, me sinto em fluxo.

    Fora Cunha. Somos Cunhã.


    *Yamurucumã : rito de Yamurikumã (na terminologia kamaiurá, mais difundida na região), realizado na estação seca, no qual as mulheres atuam com armas, movimentos tipicamente masculinos e ornamentos de penas e chocalhos nos tornozelos, que normalmente são usados por homens; lutam, inclusive, ohuka-huka.

    http://pib.socioambiental.org/pt/povo/xingu/1550

    ** Cunhã: mulher, mulher jovem, mulher bonita

    (1) Professora Titular de Antropologia da Universidade de Brasília.

    (2) http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-83332014000100013&lng=pt&nrm=iso&tlng=en

    (2) A Força Da Idade — Simone de Beauvoir — 1960

  • Toda nudez

    Toda nudez

    Diante da crueldade do mundo, o corpo nu

    O show Frou Frou é marcado pelo non-sense da arte do disco, pela simplicidade. As letras das músicas tiram sarro dos amores e suas dores, mas também falam de curar o coração e se conectar. Tem música sem letra, libertação da palavra! Fui juntando tudo isso, visualizando um convite à diversão, à liberdade, ao desbunde, à felicidade, ao amor.

    Vejam bem que quando falo tanto sobre amor, estou falando do amor incondicional, cósmico, daquilo de que somos feitos, do essencial. E amar-se significa aceitar o que se é, como se é. Amar os outros significa aceitá-los exatamente como são. Somos humanos, feitos de carne, somos uma máquina genial. Porém não passa disso. O corpo é só essa embalagem, esse vaso. É natural e é lindo. Em algum momento na história, decidiram que era feio e vulgar. Principalmente o corpo feminino. Crianças são criadas para esconderem o corpo, terem vergonha, é um tabu! Que coisa mais atrasada esse negócio de tabu…

    Mulheres ficam de calcinha rendada fazendo pose sensual, ficam praticamente nuas em vídeos musicais, em festas populares. Isso, tudo bem. Por que não pode mostrar tudo? Por que ser natural não pode? O que pode é ser vulgar, é alimentar a cultura machista em que vivemos, alimentar uma indústria do medo.

    Preconceito é medo, violência é medo.

    Pensando nisso tudo, tive a ideia de fazer uma performance, uma intervenção no meu show. Ficar nua e dizer algumas palavras, mostrar que um corpo é só um corpo, que não tem nada além. Chegando ao Sesc Belenzinho, local do show, falei com meus parceiros queridos Tatá Aeroplano e Peri Pane, que iriam participar em algumas canções, e os convidei para entrarem comigo segurando uma faixa escrita: “você tem medo de que?”

    Fiquei muito feliz por eles toparem, fortaleceu a ideia toda. São só corpos, o que importa? Homem, mulher, somos todos feitos de partículas subatômicas que vibram criando a matéria. Na essência, somos a mesma coisa. Pra que tanto barulho, por que tantas barreiras?

    Não lembro exatamente minhas palavras ali no show, mas foi algo mais ou menos assim: “eu queria dizer que quanto mais se olha pro que tá de fora, pro superficial, menos se olha pro coração. Essa desconexão é a grande causa de toda essa merda que está acontecendo. Falta olhar pra dentro. E respirar. Vai dar tudo certo. Nada é tão importante assim.”

    Por uma bela sincronicidade da vida, esse show acabou acontecendo no mesmo fim de semana em que mulheres (e muitos homens) saíram às ruas a favor de sua liberdade, após aprovação na CCJ de um projeto de lei absurdo e escabroso (PL5069/2013) em que, basicamente, a mulher violada tem seus direitos negados.

    Estamos próximos a um abismo perigoso, porém acredito que nada vá derrubar essa força que é a mulher. Os papeis estão se redefinindo após um longo limbo. Existirão choques, haverá confusão, e faz parte. Sugiro que trabalhemos, todos os dias desde o mínimo ato, para que reine a harmonia. Deveria ser natural, mas se é necessário um esforço então vamos arregaçar as mangas!

    Não é pela naturalidade da nudez, é pela naturalidade da vida.

    Agradeço demais todo mundo que está apoiando e espalhando a mensagem de forma positiva!

    E espero que os maldosos encontrem sua paz.

    Cada um no seu processo, mas aqui sem retrocesso, seguimos adiante!!!

     

     

  • Casa de Eduardo Cunha é escrachada em Brasília

    Casa de Eduardo Cunha é escrachada em Brasília

    texto e fotos por Levante Popular da Juventude

    Na tarde desta segunda-feira (02), cerca de 400 jovens realizam escracho em frente à casa do presidente da Câmara, deputado federal Eduardo Cunha (PMDB-RJ), localizada na chamada ‘Península dos Ministros’ do Lago Sul, área nobre de Brasília.

    O objetivo do ato é denunciar Cunha, investigado por corrupção e principal articulador da ofensiva conservadora contra a classe trabalhadora no país, e pedir sua deposição de presidente da Câmara.

     

    Para Janderson Barros, do coletivo de juventude do MST no DF, o Cunha representa a agenda conservadora do Congresso que retira direitos fundamentais do povo brasileiro.

    “Lutamos contra essa bancada conservadora que está no Congresso que não nos representa. A retirada de direitos do povo coordenada pelo Cunha é um retrocesso. Por isso, precisamos de uma reforma política para reestruturar a sociedade e a juventude tem um papel fundamental nesse processo”, salienta Barros.

    As pautas do Cunha e seu próprio histórico político — do partido de Collor, passando pela legenda herdeira da ditadura até a agremiação que liderou a oposição oficial do regime militar — além da confusão ideológica que reina no sistema político brasileiro, criaram um cenário em que o deputado utilizando-se de manobras, algumas delas torcendo a legalidade, recolocou em votação, da noite para o dia, questões da sua agenda conservadora que havia legalmente perdido.

     

    Cunha é proponente de projetos considerados machistas e homofóbicos, como o Projeto de Lei (PL) 1.672, de 2011, que institui o Dia do Orgulho Hétero, a PL 5069/13, que proíbe o Sistema Único de Saúde (SUS) de oferecer às mulheres vítimas de estupro a pílula do dia seguinte e de prestar-lhes orientações sobre o direito ao aborto. Todos são bandeiras do presidente da Câmara que garante a fidelidade de deputados eleitos por conta das ajudas financeiras para as suas campanhas e pelo quoficiente eleitoral.

    De acordo Laura Lyrio, da coordenação do Levante, a juventude se soma à luta pelo ‘Fora Cunha’ e afirma que o retrocesso contra os direitos do povo brasileiro deve ser barrado.

    “A juventude está na rua para defender que um outro projeto para o Brasil é possível e que não aceitaremos sem lutar projetos como o 5069, que é uma violência contra o corpo das mulheres, uma das muitas que o Estado comete”, afirma Laura.

    Ele também é o principal articulador da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 171/93, que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos, do PL 4.330, que libera a terceirização em qualquer função nas empresas, e de tornar o financiamento privado de campanhas eleitorais constitucional, mesmo após decisão de ilegalidade do Supremo Tribunal Federal (STF). E do Estatuto da Família.

  • ‘Contratempo’: Em Minas, discurso contra Cunha se volta contra a Polícia Militar

    ‘Contratempo’: Em Minas, discurso contra Cunha se volta contra a Polícia Militar

    Em ato #Mulheres contra Cunha, polícia prende casal em BH; após ameaça com chegada da Tropa de Choque, manifestantes encerram movimento

    Por Aline Frazão, para os Jornalistas Livres

    Enquanto movimentos feministas e de direitos humanos lutam pela descriminalização do aborto (no Brasil as ricas abortam, as pobres morrem), o atual presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, quer tirar um direito duramente conquistado. Desde 1940, a lei prevê que as mulheres podem realizar aborto nos casos de estupro e se for comprovado que o bebê é acéfalo.

    Esse senhor quer incluir um ARTIGO no Decreto Lei do Código Penal. O texto do ARTIGO, o 127 A, diz que “anunciar processo, substância ou objeto destinado a provocar aborto, induzir ou instigar gestante a usar sustância ou objeto abortivo, instruir ou orientar gestante sobre como praticar aborto, ou prestar-lhe qualquer auxílio para que o pratique, ainda que sob o pretexto de redução de danos”, a pena é detenção, de quatro a oito anos. Se o agente for funcionário da saúde pública, ou exercer a função de médico, farmacêutico ou enfermeiro, a pena é prisão, de cinco a dez anos. Reparou na maldade? Preste atenção ao “ainda que sob o pretexto de redução de danos”.

    As mulheres não querem parir filhos de seus estupradores.

    Fotos: Olívia Porto Pimentel / Nicole Marinho

    Esse recado ficou explícito nas manifestações que ocorreram nesta semana. Para protestar contra esse retrocesso, ativistas criaram o movimento

    #MulheresContraCunha, que ocorreu no Rio de Janeiro e em São Paulo, e no último sábado em BH. Apesar de não ter recebido tanta força quanto nas duas maiores metrópoles do país, onde foram organizados atos com milhares de pessoas, as mineiras insistiram em também tomar as ruas e protestar por seus direitos. Começando um pouco tímido na Praça da Liberdade, na frente do Palácio do Governador do Estado, aglomerou-se cerca de 500 pessoas que partiram em marcha para o epicentro da cidade, a Praça Sete de Setembro.

    Elas caminharam pela avenida João Pinheiro. Alcançaram a Avenida Afonso Pena, e em frente à prefeitura entoaram um canto já conhecido na Capital mineira: “ei Lacerda, seu governo é uma merda! Dança lacerda, dança até o chão, chegaram as mulheres pra fazer revolução”.

    Foto: Caio Santos

    A manifestação ocupava todas as pistas. No entanto, o trânsito estava tranquilo e a ideia era andar até a Praça da Estação. Porém antes de chegar à Praça Sete, a PM pediu aos manifestantes para liberar uma faixa. Liberaram. Logo em seguida eles quiseram a liberação da segunda faixa. Nessa hora se formou uma confusão. Policiais correram atrás de um rapaz e o deteve. Sua namorada questionou a prisão, e acabou sendo detida também. De forma violenta. Cinco policiais a seguravam pelos braços e pernas.

    Vários manifestantes tentaram proteger o casal, outros já saíram correndo, assustados. O que era uma bela manifestação até então, se tornou cena de ditadura militar, ainda comum no Brasil. Um novo grito de ordem começou a ser bradado: “que coincidência, sem a polícia, não tem violência”.

    O casal foi levado. Os gritos contra Cunha e seu projeto bizarro, como “Legaliza! O corpo é nosso! é nossa escolha! é pela vida das mulheres”, tiveram de se voltar contra a PM: “não acabou, tem que acabar, eu quero o fim da Polícia Militar”.

    Foto: Olívia Porto Pimentel

    Depois disso, os manifestantes continuaram na Afonso Pena, por pouco tempo, resolvendo o que fazer com a questão dos companheiros detidos. Enquanto isso, a PM cercava o grupo que sobrou e mandou um aviso: “a tropa de Choque estava a caminho”. Ficou decidido que seria criada uma comissão, composta por representantes dos movimentos e por advogados, para liberar os presos.

    Foto: Caio Santos

    A deputada federal pelo PC do B (Partido Comunista do Brasil), Jô Moraes, acompanhava o ato e fez alguns telefonemas. Em conversa com um tenente da PM ela afirmou: “ a mulher foi presa por cinco policiais. Como é que precisa de cinco policias pra prender uma mulher? Eles saíram correndo atrás dela. Eu estou chocada. Eu espero que o senhor me assegure que não haja nenhum problema na delegacia. O batalhão não veio e realmente, era pouca gente pra tanto espetáculo”, concluiu, agradecendo.
    Os manifestantes tiveram de liberar toda a avenida, sob a ameaça de uma ação truculenta da polícia. O movimento se dispersou, enquanto alguns foram até a Central de Flagrantes mais próxima, com a comissão.

    Foto: Olívia Porto Pimentel

    O casal preso foi liberado durante a madrugada de sábado. Eles devem responder por processo. A comissão formada por integrantes dos movimentos que tomaram a frente do ato vai acompanhar o caso.

    A polícia reconheceu que foi necessário usar da força para dominar a jovem detida. A força de cinco homens contra uma mulher.

    Foto: Caio Santos