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Categoria: Escolas em Luta

  • CRÔNICA DE 15 DE MAIO

    CRÔNICA DE 15 DE MAIO

    Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História na Universidade Federal da Bahia

     

     

    Escrevo este texto sob os impactos dos movimentos que construíram a greve geral da educação, em 15 de maio. Ações foram organizadas nas principais cidades brasileiras. Participei do ato realizado na região central de Salvador e acompanhei com cuidado o que aconteceu nas outras cidades através de relatos de amigos e da imprensa.

    Novamente, há guerra entre narrativas. A oposição de esquerda diz que a greve geral da educação é o início do fim do governo de Bolsonaro. O outro lado diminui a importância do evento. O presidente Jair Bolsonaro disse que os que estavam nas ruas eram “idiotas úteis manipulados por uma minoria”.

    Como acontece quase sempre, a sobriedade analítica nos convida a tomar o caminho do meio, o que não significa neutralidade. Há uma distância enorme separando a sobriedade da falácia da neutralidade.

    O 15 de maio de 2019 diz muito sobre o atual estágio da crise brasileira. Antes, uma breve contextualização com informações que são óbvias para o leitor do presente. Não serão óbvias para o leitor do futuro. A disputa pela memória já começou. A obviedade sempre é uma questão de localização histórica.

    No início de maio, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, determinou corte de cerca de 30% do orçamento da educação federal. Em um primeiro momento, o argumento era de natureza ideológica: as universidades foram acusadas de serem ineficientes (quando todos os índices dizem o contrário) e de servirem como palco para “balbúrdias” (leia-se, manifestações políticas de oposição ao governo).

    Como não poderia deixar de ser, a comunidade acadêmica reagiu. As mídias digitais foram acionados e as diversas entidades que representam interesses de professores, alunos e funcionários das instituições de ensino federais convocaram a greve geral para o dia 15 de maio.

    As ruas estavam cheias, bastante cheias. Naturalmente, os organizadores apresentam números ambiciosos, talvez inflacionados. De todo modo, foi o principal ato de mobilização desde o “Ele não”, que aconteceu ainda durante as eleições. Pela primeira vez o governo de Bolsonaro foi confrontado nas ruas.

    Dentro das possibilidades e considerando a gravidade da conjuntura, os ventos parecem ser favoráveis aos que estiveram nas ruas. Nem todos os grupos que formam o governo apoiam o ataque de Weintraub ao sistema de ensino federal.

    É que desta vez não se trata da simples redução de recursos, algo que todo o governo, cedo ou tarde, acaba fazendo. Já sabemos bem que em momentos de cobertor curto na economia, a educação é o primeiro setor a ter os pés descobertos.

    O PSDB, com o odiado ministro Paulo Renato (talvez não mais tão odiado assim), impôs dificuldades orçamentárias às universidades federais durante grande parte da década de 1990. Até mesmo Dilma cortou recursos da educação. Alguém aqui não lembra do ajuste fiscal de Joaquim Levy?

    Agora é diferente, muito diferente. O ataque é ideológico, puramente ideológico.

    O ministro está agindo assim porque faz parte de um grupo que se lançou numa guerra cultural contra as universidades. Olavo de Carvalho é o mentor intelectual dessa guerra. Desde os anos 1990, Olavo de Carvalho afirma que as universidades públicas brasileiras estavam tomadas pelo “marxismo cultural”. Agora, o guru da Virgínia acredita que chegou o momento de combater a tal doutrinação marxista.

    Para dinâmica política da crise, pouco importa se esse “marxismo cultural” existe ou não. Importa mesmo o que as pessoas acreditam, suas convicções.

    O núcleo ideológico, contudo, é tão somente um entre os diversos grupos que hoje disputam o governo por dentro. A tendência olavista é hegemônica, sem dúvida, mas não é única, tampouco está voando em céu de brigadeiro. Há adversários internos que não estão apoiando a guerra cultural.

    Nos últimos dias, percebendo a falta da apoio dentro do próprio governo, o ministro Weintraub mudou o discurso e passou a justificar o corte orçamentário com argumentos de natureza técnica: como a crise econômica não arrefeceu, o orçamento definido pelo governo anterior não pode ser cumprido. Se a reforma da previdência for aprovada e a economia apresentar sinais de recuperação, segundo o ministro, a verba contingenciada será liberada.

    A mudança na narrativa é, sim, sinal de recuo, e sugere que o ministro está reconhecendo que a guerra cultural olavista não tem eco em todos os grupos que sustentam o governo.

    O Congresso Nacional demonstrou isso com clareza.

    No dia 14 de maio, na véspera da greve geral, mais de 300 deputados aprovavam a convocação de Weintraub para sessão especial destinada, exatamente, a explicar os cortes na educação. Foi um constrangimento ao ministro e ao governo. Apenas as bancadas do PSL e do Novo tentaram preservar Weintraub.

    PMDB, DEM, PSDB, que são aliados do governo em outras agendas, como, por exemplo, a Reforma da Previdência, não saíram em defesa do ministro da Educação. Se quisessem, poderiam ter evitado a convocação. Não fizeram. Não fizeram porque não quiseram. Tá aí um indício de que a guerra cultural olavista é projeto forte dentro do governo, mas sua força se explica mais pelas convicções ideológicas do presidente do que pela real correlação de forças em Brasília.

    Politicamente, a insistência nessa jornada neomarcartista não é uma boa estratégia para Bolsonaro, isso se ele quiser, de fato, governar. Nada sugere que o presidente irá amenizar o discurso.

    As ruas também não são nada homogêneas. É possível sentir uma tensão no ar, algo que envolve a figura do ex-presidente Lula.

    Parece que se formou o consenso de que a pauta “Lula livre” e o protagonismo do PT agiriam como forças desmobilizadoras. Ora ou outra, alguém gritava um “Lula Livre”, mas a agenda oficial do movimento esteve claramente delimitada: defesa da educação e protesto contra a reforma da previdência.

    Talvez seja mesmo mais prudente agir assim. De fato, Lula e o PT poderiam funcionar como fatores de desmobilização da sociedade civil organizada. O problema é que existe também uma sociedade civil desorganizada formada por uma massa de trabalhadores ultraprecarizados e famintos. Pra essa gente, “aposentadoria”, “desenvolvimento científico” e “inovação tecnológica” não dizem muita coisa. Essas pessoas já não aposentam, pois morrem antes. Essas pessoas não estudam na universidade. São semiletradas.

    Essa é a base social do lulismo.

    Foram essas pessoas que lotaram Monteiro, no interior da Paraíba, em março de 2017, quando Lula inaugurou a obra de transposição do Rio São Francisco. Se tirar Lula da agenda significa não desmobilizar a sociedade civil organizada, significa também não mobilizar a sociedade civil desorganizada. É uma escolha difícil.

    Por enquanto, não dá pra saber o impacto político direto deste 15 de maio. Foi apenas o primeiro ato de um calendário de mobilizações que têm o objetivo de construir a greve geral dos trabalhadores, que está agendada para o dia 14 de junho.

    Mas foi bom participar, muito bom. Serviu, no mínimo, para melhorar o estado de espírito.

     

  • Mato Grosso se levanta pela Educação!

    Mato Grosso se levanta pela Educação!

    A produção e difusão industrial de fakenews (como o tal de kit gay) que elegeram Bolsonaro já está invadindo novamente as redes sociais, em especial o WhatsApp, para mostrar que as universidades públicas são lugar de baderna, doutrinação ideológica, orgias, consumo de drogas… Ou seja, dinheiro público jogado fora. Nada mais distante da realidade! Qualquer pessoa que tenha estudado em instituições públicas de ensino superior no Brasil, ou mesmo frequentado esses lugares, SABE que as universidades e institutos federais são locais de muito trabalho e dedicação por professores, pesquisadores e funcionários que em geral recebem mal e têm poucos recursos físicos e financeiros para exercer suas atividades com excelência. Ainda assim, é desses locais que saem as reflexões, estudos, pesquisas e produtos que permitem a evolução da sociedade e uma infinidade de melhorias nos mais diversos campos práticos. Mais de 90% de TUDO o que se desenvolve no Brasil em novas tecnologias em medicina, física, química e nos estudos sociais que alicerçam políticas de infra-estrutura, segurança pública, comunicação, etc, saem das universidades públicas. Acabar com a universidade, é matar o futuro do Brasil. Cortar 30% do orçamento das despesas discricionárias é paralisar essas atividades HOJE!

    Mas a comunidade acadêmica não vai se deixar abater tão facilmente. Contra as mentiras espalhadas pelas redes, estudantes, professores e técnicos estão tomando as ruas em todo o país denunciando a estratégia bolsonarista de atacar a inteligência, o pensamento crítico, a argumentação sobre dados e fatos para nos transformar todos em idiotas mais facilmente massacráveis. Em Mato Grosso não podia ser diferente. A primeira iniciativa é a #BalburdiaUFMT (https://www.instagram.com/balburdiaufmt/), marcada por estudantes para esse sábado, 11 de maio, às 16:00 no Parque Tia Nair


     

    Imediatamente, as outras instâncias da universidade encamparam a iniciativa. O sindicato dos professores, em reunião na última quinta feira, decidiu que não apenas irá levar à praça a verdade sobre a produção intelectual e prática da universidade, como também irá promover outras atividades durante a semana, culminando com uma Jornada em Defesa da Educação e adesão total à Greve Nacional da Educação, prevista para o dia 15 de maio, com atos conjuntos com o Instituto Federal de Educação de Mato Grosso e a Universidade Estadual de Mato Grosso durante todo o dia, dentro e fora dos campi de Cuiabá e outras cidades (http://www.adufmat.org.br/portal/index.php/comunicacao/noticias/item/3858-docentes-da-ufmt-aprovam-15-05-como-dia-nacional-de-greve-geral-da-educacao). E também em preparação à Greve Geral de 14 de junho contra esse governo genocida, a reforma da previdência e o desemprego.

    É assim, com fatos, com verdade, com vontade, dedicação e trabalho que vamos mostrar ao sinistro da educação que os brasileiros não são idiotas pra comer esse chocolatinho mentiroso e ruim de conta que ele quer nos fazer engolir (https://www.youtube.com/watch?v=yndoGcsExME&feature=youtu.be).

  • Professora presa ao defender seus alunos

    Professora presa ao defender seus alunos

     

    Na manhã de ontem (15) a professora Camila Marques foi detida na escola em que leciona, o campus de Águas Lindas do Instituto Federal de Goiás, por gravar um vídeo de seus alunos sendo presos pela polícia.

    A professora, que ensina sociologia, afirmou no vídeo abaixo que perguntou aos policiais o que estava acontecendo para que eles prendessem seus alunos: ‘é sigilo, é sigilo.’- Eles responderam, e por isso ela começou a filmar com seu celular.

    Os policiais não permitiram que ela continuasse com a gravação, pediram incessantemente que ela parasse, que não filmasse seus rostos. A professora, que também é coordenadora geral do seu sindicato (SINASEFE), disse que como agente público ele deveria permitir que ela o filmasse, mas mesmo assim a resposta foi negativa.

    O policial responsável pela ação foi com a professora para trás da escola, e afirmou que ela estava ‘tumultuando, o diretor chamou a gente aqui porque tem uma denúncia de que pode ocorrer um atentado como de Suzano, agora que a senhora estava tumultuando vai ter que ser levada como testemunha, e seu celular vai ser apreendido.’

    A professora não achou que havia problema algum até ali, mas mesmo assim ligou para o advogado do sindicato, apenas para acompanhar.  A viatura que chegou para levá-los, no entanto, não estava caracterizada, e ia ligar para o advogado quando foi impedida pelo policial de forma agressiva: ele gritou que ela não ia ligar, pegou o celular dela, apertou a mão dela, a algemaram na frente dos alunos, a colocaram na viatura e a trouxeram para o posto policial.

    Ela relatou que no caminho não parou de falar que iria ligar para o seu advogado, e com isso os policiais não pararam de gritar para ela calar a boca, que seria tratada da forma com que merecia.

    Mesmo na delegacia não permitiram que ela ligasse para seu advogado, ‘só quando terminar a qualificação.’ Neste momento, abriram a bolsa dela para encontrar os documentos, além de não permitirem que tivesse acesso aos estudantes.

    Apesar do término da “qualificação” ainda não foi permitido que ela ligasse para o advogado, ‘cala a boca, você não manda aqui.’ A levaram para o hospital, onde somente então  retiraram a algema. O médico perguntou se ela foi agredida, todavia  os policiais não deixaram que ela conversasse com o médico, falaram que o machucado era da algema, gritaram com ela durante toda a consulta.

    O médico havia pedido que fizesse um raio x, mas quando saiu do consultório a algemaram novamente com os dizeres de ‘agora sim você vai ser tratada do jeitinho que merece, agora sim você vai ver.’ Quando voltou à delegacia ainda não conseguiu o acesso ao advogado, apenas depois que o delegado chegou, também agressivo e machista, ‘você procurou por isso, você quis ser presa.’

    Até a noite do dia 15 a professora se encontrava no hospital, concluindo os exames que os policiais não permitiram que fizesse. O celular não foi devolvido.  A professora, no vídeo abaixo, denunciou a violência com que os jovens periféricos no Goiás são tratados:

  • Ovo da serpente

    Ovo da serpente

     

    A deputada eleita em Santa Catarina, Ana Campagnolo (foto), que ficou conhecida nas redes sociais ao criar um “disque denúncias” contra professores, pede que alunos filmem aulas de ‘professores e doutrinadores’ para denunciar discursos ‘político-partidários ou ideológicos’.
    Em recente decisão, a desembargadora do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, Maria do Rocio Luz Santa Rita, suspendeu o julgamento de primeira instância, que proibia a prática e havia determinado que Campagnolo retirasse as publicações que versavam sobre o assunto de suas redes sociais.
    No voto, a magistrada afirmou que a deputada é uma ouvidora social” em defesa de alunos “vítimas de abusos ou excessos em sala de aula”. Além disso, ela afirma que não há irregularidade na gravação de aulas, muito embora o uso de celular seja proibido nas salas do estado.

    O movimento ideológico “Escola Sem Partido” avança e, com ele, um verdadeiro esgoto de pensamentos obscuros tem vindo à tona: refutação da teoria da evolução, por quem defende o criacionismo (origem da humanidade através de Adão e Eva), afirmações de que o planeta é plano e que vacina faz mal, ou que a Pepsi Cola é adoçada com células humanas de fetos abortados.
    Junta-se esse estranho “caldo putrefato” aos escândalos envolvendo Flávio Bolsonaro, seu ex assessor (descoberto pelo COAF por movimentar mais de sete milhões de reais nos últimos cinco anos) e o possível envolvimento com as milícias do Rio, e não precisa pensar muito para compreender os motivos que levaram o Deputado Federal e ativista dos direitos LGBTI, Jean Wyllys, a desistir do mandato e abandonar o país: o ovo da serpente chocou!! Mas Marielli segue viva e combatendo, não podemos desistir, jamais.

    Veja um dos vídeos do canal de Ana para entender melhor:

    https://www.youtube.com/watch?v=u-slUmAoSzA

     

     

  • Existir e Resistir

    Existir e Resistir

    Chegar na USP hoje (12.11.18) me despertou fortes emoções.

    Cursei Pedagogia nesta Universidade de 1967 a 1970. Vivíamos a Ditadura que se aprofundou na Universidade com a invasão do Exército em 1968: fechamento do CRUSP, residência estudantil, prisão de estudantes e professores, perseguição política, expurgo de professores, exílio, desaparecimentos. Terminar a Faculdade para mim neste período exigia um esforço e um convencimento pessoal cotidiano de que era importante naquele momento conseguir o “canudo”. Com a morte de meu pai precocemente em 1968, tive que me transferir para a noite para ajudar no sustento da família. Arrumei 2 empregos. Eram muitos deslocamentos, desgaste e quase nenhuma compensação do ponto de vista de minha formação profissional que se forjou muito mais pelos desafios do trabalho do que pela formação acadêmica. Tinha aula à noite, muitas vezes nos barracões improvisados das Ciências Sociais, da Psicologia.

    Na Faculdade de Educação embora o que me tivesse movido a escolha da profissão tivesse sido Paulo Freire, ele não entrava no currículo, centrado em Administração Escolar em que tínhamos que decorar as leis, Filosofia apenas dos filósofos gregos, História da Educação em que diante da reivindicação de estudarmos educadores mais recentes, nos forçaram a ler a “Educação do Príncipe” de Maquiavel, com apenas 2 exemplares na biblioteca. Em Psicologia Social, o programa que versava sobre comunicação, formação política e consciência crítica, foi revisto para estudarmos o comportamento social das focas e das formigas, muito mais oportuno e importante para o momento… Quase todas as noites os espaços do campus estavam tomados por cavalarias e militares que nas janelas de vidro das portas das salas de aula, vigiavam professores e alunos.

    Afinal que conteúdos e reflexões estavam propondo nas salas de aula?

    Nos finais da década de 80 e início de 90, a USP já era outra, com professores comprometidos, centros de estudos voltados para inserção e compromisso com a construção de uma sociedade mais digna e justa.

    Lembrei-me hoje de trabalhos apresentados na década de 90 em espaços acadêmicos da USP, a partir de minha vivência profissional na Prefeitura, acolhidos na História e Geografia pelo Professor Milton Santos e no Centro de Estudos Rurais e Urbanos CERU pela professora Maria Isaura Pereira de Queirós.

    Diante da conjuntura que estamos vivendo não pude deixar de fazer memória: a quebra da democracia, a perda de direitos, a onda de conservadorismo, o desrespeito às diferenças e a violência institucionalizada, o ataque às universidades e o cerceamento à liberdade de ensino e de pesquisa, os retrocessos em todas as áreas, me remeteram ao tempo da ditadura.

    Confesso que ao chegar no auditório da História e Geografia, fiquei emocionada. A convocatória para eventos de 2 dias “Existir e Resistir”, por professores e lideranças de institutos de pesquisa e de movimentos sociais de diversas áreas, fez acionar o motor da esperança!

    Na mesa sobre o Ódio, conduzida pelos professores Tessa Lacerda e Renan Quinalha, com apoio de outras áreas, senti o afirmar o compromisso da Universidade com a sociedade, situar a pesquisa e o conhecimento como instrumento e apropriação da realidade para poder transformá-la.

    ESCOLA SEM PARTIDO, NÃO!

    No que podemos contribuir para enfrentar essa realidade? Vivemos em tempos sombrios em que atônitos queremos entender o que se passa e o que se passou para que Bolsonaro, deputado federal há 28 anos, sem ter aprovado nenhum projeto de importância para o país, um capitão do exército despreparado, temperamental, truculento e sem nenhuma compostura para ser Chefe de Estado, obteve 59 milhões de votos. Sua campanha não tinha propostas, suas falas agressivas, anunciando perda de direitos e destilando ódio, ganharam adesão e tiveram écos em milhões de corações brasileiros.
    Tessa Lacerda, professora da Faculdade de Filosofia da USP, filha cujo pai foi torturado e morto pela Ditadura Militar com sua reflexão e depoimento, mexeu na ferida: nosso país foi o único que não quis investigar e penalizar os responsáveis pelas torturas, mortes e desaparecimentos.
    Temos que lembrar dos vivos e temos que lembrar dos mortos. Este não é um trabalho perdido. Ainda em 2014 foram descobertas valas de Perus, a tortura, desaparecimento e morte ainda é uma prática e lembra Brecht em seu poema “Porque meu nome ainda será lembrado?” Em maio deste ano, uma nota questiona a Lei da Anistia aos presos políticos. É difícil falar em um país que não nos deixa falar que mais de 200 mil pessoas foram torturadas…

     

    Em 06.11.18 a ponte de Brasília que no governo do PT passou a se chamar Honestino Guimarães, volta a se chamar General Costa e Silva.

    Porque lembrar o passado não vivido? A memória faz parte do passado para buscar o sentido para o presente. Como fazer para que o olhar do passado extrapole a dimensão individual para o sentido coletivo. A memória dos sem nome (Benjamin) é que deve ser relembrada, a história dos oprimidos que ganhariam alguma voz com a Comissão da Verdade e outros, passou a ser sufocada a partir de agosto de 2016. Conhecer o passado para interferir no presente. Falar tem um sentido não apenas terapêutico mas um sentido político. Muitos das novas gerações e das pessoas que nestas eleições defenderam e defendem a ditadura militar, não tem ideia do que ela foi.

    A história do século XX é de que muitos que viram o horror, já não podem falar. A descoberta do documento da CIA denunciando o extermínio é segundo Jean Marie uma história que não deixou túmulos, ossos e rastros.

    Porque a ditadura se perpetua? A negação dos agentes da repressão como política de Estado, mesmo após a Comissão da Verdade é uma maneira de se relacionar com o passado que sanciona a opressão e o extermínio de minorias e lideranças. Hoje a prática da tortura se naturalizou, permitindo incêndio de aldeias indígenas, assassinato de pessoa que se pronunciou diferente e lideranças do campo, Marielles, morte de LGBTs entre o 1o e o 2o turno, extermínio cotidiano de jovens negros.

    Segundo o Professor de Direito da UNIFESP, Renan Quinalha, o Brasil é o único país do mundo que após a Ditadura e a Comissão da Verdade, articulou o golpe.

    Para ele, a LGBTfobia faz parte da ideologia de gênero que sempre segregou a sociedade. Esta divisão binária provocou o desequilíbrio, a submissão e a estigmatização do feminino. 2% da população mundial é de população intersexo, hermafrodita. A fobia é fruto de uma ordem compulsória de sexo, gênero e desejo. Nos dias de hoje há 1 assassinato de LGBTs a cada 19 hs, dado que é subestimado e o Brasil é um dos países que mais matam LGBTs. A violência é algo constitutivo do nosso estado de direito, faz parte da hegemonia biopolítica em que impera a dominação de uma minoria sobre a grande massa da população. Exemplo disso é Dandara no Ceará, olham o deslocamento da violência como algo “natural” da sociedade.

    O que estamos vivendo hoje no Brasil, a violência e o ódio, é reação a conquistas recentes: ao direito a mudar o nome no cartório conforme orientação sexual, casamento homossexual, maior acesso à educação, abertura de novas universidades e política de cotas, conquistas de espaços públicos. Esses novos costumes e direitos que mudaram provocaram cruzadas morais como resposta as conquistas em que a Escola Sem Partido é um exemplo. Esta onda conservadora é cíclica, e hoje estamos no olho do furacão. Temos a obrigação de barrar esta onda conservadora, estamos vivendo um ciclo de degradação institucional. É necessário sair do pânico, olhar com certa serenidade novas formas de resistência e luta. Desde já o governo Bolsonaro se aponta como um bate cabeça generalizado entre diferentes atores Paulo Guedes, Moro, Alexandre de Moraes… O governo do Bolsonaro não tem nenhum compromisso político, não há clima de unanimidade, a crise econômica não será superada facilmente. Esse é nosso pano de fundo.

    É importante repensar quais eram os limites dessa democracia pois só algumas parcelas da população tinham direitos. A dimensão identitária não foi pensada, é preciso e urgente a esquerda se abrir.Momento de repensar e acumular forças e ver uma perspectiva mais generosa das esquerdas. É aí e nos movimentos sociais que nasce a esperança!

    Aberto o debate algumas pessoas reforçaram a importância de retomar o trabalho de base junto ao povo, às periferias, fortalecer e organizar a resistência da sociedade civil. Falou-se dos Coletivos da Resistência que envolvem vários grupos da cultura e outros: Linhas de Sampa, midias independentes como Jornalistas Livres, Flores pela Democracia, Lulaço, Flores da Resistência, Camisa 13, e tantos outros. São novos desafios, nova realidade, novos costumes, novos contornos. Precisamos ser criativos, valorizar as diversas formas de manifestação da cultura, reforçar laços de solidariedade, criar novas linguagens, estar junto, escutar, seguir, avançar…

    Nossos desafios não poderiam ser explicitados de maneira mais clara mediante a intervenção de um professor da História, quando um grupo de Maracatu iria se apresentar como parte da programação. Chegou com muita arrogância, indignado, furioso com o barulho da música.O barulho atrapalharia as aulas, ele tem razão, mas era preciso tanta truculência? Disseram que é um professor de esquerda, dialogar e escutar o outro é um dado fundamental do EXISTIR E RESISTIR.

    Há disposição e compromisso: professores, alunos e coletivos na luta! Estamos juntxs!

  • Estudantes da UFMT na Luta para garantia de Direitos  — Alimentação como permanência Universal na Universidade Pública

    Estudantes da UFMT na Luta para garantia de Direitos  — Alimentação como permanência Universal na Universidade Pública

    No dia 9 de Fevereiro de 2018, a Administração Superior da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) convocou os Diretório de Central dos Estudantes dos 5 campi do estado, para apresentar uma Política de Alimentação Estudantil na Universidade. No dia 20 de Fevereiro essa proposta foi apresentada no site da UFMT. A Política anterior — e vigente até o momento — proporciona que estudantes de graduação presencial paguem R$ 0,25 no café da manhã e R$ 1,00 no almoço/jantar. Com a primeira proposta os subsídio de 90% cobertos pela Instituição seriam de responsabilidade cada estudante, a menos que comprovasse renda de até 1,5 salário mínimo per capita.
    Após o anúncio do aumento das refeições, começaram as movimentações estudantis de todos os campi. Na UFMT em Cuiabá foram feitas vários Conselhos de Base Estudantil (CEB) e protestos, em diversos espaços da Universidade, principalmente no Restaurante Universitário (RU) que alertavam o provável aumento das refeições.

    Estudantes ocupam Conselho Diretor UFMT. Fonte: DCE Cuiabá

    Inicialmente não parecia muito nítido que o Movimento Estudantil (ME) conseguiria se reerguer, unindo grande parte dos estudantes da Instituição. No entanto, com força ainda maior, mais de 20 cursos ocuparam seus blocos e mais de 27 cursos deflagraram Greve Estudantil. E por fim, no dia 08 de maio é deflagrado Greve Geral Estudantil no Campus Cuiabá.
    No interior as greves iniciaram ainda antes, com grande parte dos campi em greve e ocupados pelos estudantes. Os campi com maiores movimentos são Araguaia, Sinop e Rondonópolis.

    Protesto no campus Araguaia. Foto: DCE Araguaia

    Por parte da Administração Superior da UFMT foram feitas Audiências Públicas em cada campus na tentativa de justificar os reajustes. Em Cuiabá, por exemplo, estavam presentes apenas a Pró-reitora de Planejamento (PROPLAN) Tereza Christina Mertens Aguiar Veloso e a Pró-reitora de Assistência Estudantil (PRAE) Erivã Garcia Velasco. Muitos questionamentos foram feitos pelos discentes, contudo, poucas respostas foram apresentadas pela Mesa que regia a Audiência.

    Audiência Pública na UFMT Cuiabá. Foto: Anne Martins

    A justificativa da mudança no valor do RU é feito pela redução do orçamento da Instituição. Segundo a PROPLAN da UFMT, em 2017, o Governo Federal fez um corte de mais 37 milhões. Já em 2018, o corte foi de 5 milhões. Segundo a Administração Superior os custos com alimentação chegam a 15 milhões por ano. Com a nova Política de Alimentação a UFMT atenderia mais estudantes com gratuidade na alimentação, aos que comprovarem renda inferior a 1,5 salário mínimo.
    Ao longo dos protestos dos estudantes, depois de ocupações de guaritas, blocos e deflagração de Greve Estudantil a Reitoria decide “começar o diálogo” com os estudantes. No entanto, ainda com muitas dificuldades, como por exemplo não comparecer a reunião marcada com os estudantes. Foi necessário mais resistência estudantil. Marchando para sede da Reitoria conseguiram que fossem atendidos por Myrian Serra — reitora da Universidade.

    O QUE OS ALUNOS REIVINDICAM?

    Problemas das propostas: atualmente a Universidade não atende todos alunos com bolsas de assistências estudantil. O número de alunos assistidos pela Pro-reitoria de Assistência estudantil não passa de 2 mil alunos, sendo que todo ano, o número de alunos que necessitam das bolsas cresce.
    Segundo estudos realizados por um grupo estudantes da UFMT que envolve alunos dos cursos de Saúde Coletiva, Biologia e diversas Engenharias, baseado no Relatório Anual de Gestão (RAG), o orçamento total da universidade em 2017 foi mais de 1 bilhão de reais. Além disso, denunciam que os corte estão sendo diretamente em auxílios estudantis, como bolsas do PIBID que, em 2015, atendiam 647 bolsistas, já em 2018 não há previsão de abertura a novos bolsistas.
    E principalmente não aceitam que a empresa Novo Sabor, pertencente ao empresário Alan Malouf, continue lucrando mais de 9 milhões de reais por ano só com o contrato com a Universidade.
    Os estudantes reivindicam a construção de uma Política de Alimentação que seja construída com toda comunidade acadêmica, que seja auto gerida. Acusam que os recursos da Universidade está sendo destinada ao lucro de empresas privadas que visa aumentar seus lucros.
    “Dizemos não aos cortes na Educação. Dizemos que Universidade Pública não serve para dar lucro a empresas privadas. E sim fortalecer Ensino, Pesquisa e Extensão da Universidade através dos atuação dos estudantes no Restaurante Universitário” afirmam os estudantes.
    Um grande questionamento dos estudantes frente a Reitora é: Qual é a relação com a empresa Novo Sabor e a atual Gestão da UFMT? Sendo o proprietário envolvido em grandes esquemas de corrupção em Mato Grosso.

    DIÁLOGO E AÇÃO?

    A promessa eleitoral da atual Gestão da Administração Superior da UFMT é “Diálogo e Ação”. No entanto, é fácil perceber que a Reitora utilizou esses dois termos apenas para campanha eleitoral — algo frequente no Brasil. Foram várias as tentativas dos estudantes para começar um diálogo com a Gestão da Universidade, porém, em todas as vezes houve sabotagem, implosão dos espaços e, como sempre, criminalização aos estudantes.

    E POR ISSO A RESISTÊNCIA CONTIUNA

    Mesmo após mais de quatro meses de resistência, os discentes demostram que a Luta por uma democracia direta e efetiva é possível. Sempre lembrado que GREVE NÃO É FÉRIAS, os estudantes realizam Assembleias, Plenárias, Oficinas, Palestras e outras atividades todos os dias, fortalecendo e construindo a Luta.

    Foto: CG UFMT Cuiabá

    Os estudantes seguem mobilizados em Greve e Ocupando o prédio da Reitoria da UFMT. Mesmo sendo pressionados e criminalizados pela Administração Superior da UFMT, os estudantes se esforçam para continuar a mobilização. Os mesmos exigem que a Reitora Myrian Serra assine um termo de compromisso de manter o RU a R$ 1,00 Universal até o final de sua gestão em 2020. E nesse período de mandato se busque através de Estudos, GTs, Fóruns e demais, um novo modelo de gestão do Restaurante. Com o propósito de garantia do valor possibilitando a permanência dos estudantes da Universidade.

    Foto: Olhar Direto