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Categoria: Economia

  • Ah, se Dilma acreditasse mais em Belluzzo e menos em Trabuco

    Ah, se Dilma acreditasse mais em Belluzzo e menos em Trabuco

    No mesmo dia, 10/09, tivemos entrevista da presidenta e do professor Luiz Gonzaga Belluzzo em dois jornalões. O professor disse o que os apoiadores de Dilma queriam ouvir e a presidenta disse o que ela acha que o mercado financeiro queria ouvir

    O professor Belluzzo certamente está em paz com suas crenças. A presidenta não convenceu o ‘mercado’, desagradou a esquerda que a apoia (ou apoiou) e deve, no travesseiro, odiar o papel que, provavelmente, é orientada a representar.

    A presidenta, elegantemente (?), não tece qualquer crítica às agências de riscos. Perguntado sobre o rebaixamento, em 2014, o professor desancou a Standard & Poor’s: “Como se pode acreditar numa agência de risco que deu nota AAA a um pacote de créditos sem que soubessem o que tinha dentro?”

    O jornalista insiste: “A decisão foi injusta, então?” Belluzzo didaticamente mostra que a dívida líquida brasileira só fazia diminuir, que o Brasil tinha uma história longa de superávits primários. E detona: “O que vem a ser isso, essa decisão das agências? Que significado tem? Isso é coisa de estelionatários. Eles, na verdade, participaram de um estelionato na crise de 2008.”

    Respondendo, agora, à mesma pergunta, Belluzzo reafirma sua desconfiança na seriedade das agências e assegura que o remédio agravou muito o estado do paciente: “Exatamente a tentativa de impedir o rebaixamento acabou determinando a decisão da S&P. Na verdade, a situação fiscal piorou depois do ajuste fiscal.”

    A presidenta não toca na confiança do setor privado. Belluzzo pondera que : “O desajuste do ajuste nasce da crença de que a confiança do setor privado seria recuperada fazendo o ajuste fiscal. Na verdade, foi produzido um efeito negativo sobre a expectativa do setor privado, sobre o comportamento dos balanços, das receitas esperadas, etc.”

    A presidenta responde a pergunta semelhante, afirmando que o governo está trabalhando, que tivemos um problema com a queda no volume negociado e no preço das commodities, que demoramos a tomar as medidas adequadas, que tentamos fazer política contracíclica, mas que não foi suficiente e que agora o remédio é amargo. Quase diz que a S&P tem razão mesmo.

    Belluzzo diz, com todas as letras, que é contra a taxa de juros na lua:

    “Outra coisa: no Brasil, quando a inflação mostrou um pouco de ímpeto, o BC imediatamente elevou a taxa de juros, mas enfim, não há o que fazer. Estamos sob a observação desses estelionatários, vai se fazer o quê?”

    A sequência dessa tragicomédia é mais menos assim. O governo anuncia que vai cortas gastos, que vai fazer um ajuste fiscal. Os consumidores e os empresários se retraem. Avaliam que, na dúvida, é melhor adiar o consumo ou investimentos. Menos consumo e menos investimento significam menos sangue nas artérias do governo: menos imposto, menos arredação. Os juros altos, que supostamente combatem a inflação, fazem crescer muito os gastos do governo. A economia estaca ou recua, o desemprego cresce, a dívida do governo cresce e o ajuste agrava o que deveria combater. Difícil de entender como ainda pregam esse caminho. E mais difícil ainda é entender que a ex-aluna de Maria da Conceição Tavares aplique esse veneno à economia brasileira. Ela deve ter faltada a muitas aulas. Ou julga que assim ‘reconquistará’ apoios, que na verdade nunca teve, nem nunca terá.

    Dilma, cheia de dedos, fala que os EUA aumentaram o déficit. Mas fala baixinho para o mercado não ouvir: “Então, política anticíclica que os EUA fizeram é uma política anticíclica que aumentava a dívida, se você lembra bem. Tanto é que houve a discussão do teto da dívida, certo? Teve.”

    Ela não fala do Congresso, não fala da campanha contra ela, não fala da campanha contra o país. E reafirma o mantra conservador, ortodoxo sete cruzes:

    “Além disso, nós temos que buscar duas coisas: a estabilidade fiscal e o controle da inflação, para início de conversa.”

    É verdade que ela explicou como seu raio de ação é limitado, mais de 90% dos gastos do governo não podem ser decididos pelo Executivo, paga-se e acabou: “E olha aqui uma coisa: do que sobra, o que é discricionária é R$ 115 bilhões. PAC é R$ 42 bilhões. O que é que entra aqui no resto? Desde o recrutamento das Forças Armadas, até…” No final, ela chega a R$ 72 bilhões, que é o que sobra, para cortar R$ 64 bilhões.

    Para delírio da mídia especializada ela reforça quem em 2016: “Nós mantemos a meta de 0,7% de superávit [primário em relação ao Produto Interno Bruto].”

    Dilma diz: “Posso falar uma coisa? Eu estou na fase confuciana. Eu sou a favor do caminho do meio e da harmonia. Não acho que exista isso de ortodoxia versus heterodoxia. É um falso problema.” Estaria ela em fase confuciana ou confusionista?

     

     

  • Quem é contra o pleno emprego?

    Quem é contra o pleno emprego?

     

    Cena do filme “Os Companheiros” de Mario Monicelli (1963)

    Trabalhadores, isolados ou em seus sindicatos, certamente não são. Grandes empresas e seus capitães também não deveriam ser contra o pleno emprego, já que mais renda na mão dos trabalhadores implica mais consumo e, assim, mais vendas e mais lucros. Quem seria, então, claramente contra?

    Bem, os rentistas, que são aqueles endinheirados que vivem de juros, especialmente, de emprestar para o governo, sentem calafrios quando há inflação: ela é uma devoradora de capital financeiro, o dinheiro perde o valor com a danada da inflação. Quem mais perde é quem tem dinheiro. O melhor dos mundos para os rentistas, e eles são muitos, é inflação baixa e taxa de juros na lua. Você sabe qual país tem sido o campeão de juros no mundo, não sabe?

    Mas eles temem a inflação. O que poderiam ter, os rentistas, contra o emprego? Simples: se todos, teoricamente, que querem trabalhar estão trabalhando, torna-se mais difícil contratar. A empresa que quiser mais empregados tem que pagar mais. Esse movimento faz parar mais renda na mão de quem trabalha. Mais renda significa mais consumo e, quase que fatalmente, alguma pressão por aumento de preços. “Si hay inflación, me opongo”, ouve-se o coro por todo o mercado financeiro.

    Aprofundemo-nos um tantinho nos capitalistas. O maior poder que eles detêm é, exatamente, o de forçar o governo a fazer seus caprichos. Se não investem, não há crescimento, se o país não cresce a culpa é do governante. Interessante, eles travam a economia e a culpa é de um outro. Isso dá, aos capitalistas, o controle indireto das políticas de governo.

    Como se dá o crescimento econômico? Se de um ano para o outro todo mundo consumir e investir exatamente o que consumiu e investiu no ano anterior, quanto cresce a economia? Está bem, para ser mais rigoroso digamos que as exportações e importações se equilibrem. Quanto cresce o PIB? Zero. Percebeu que o empresário tem o poder de determinar a avaliação do governo? Basta que dê um tempo em seus planos de investimento.

    Imaginemos, por um breve instante, que um governo de lunáticos promova o aumento de renda e faça o mercado de trabalho chegar próximo do pleno emprego. Os capitães da indústria verão esse governo com suspeição. A confiança estremecerá. Os investimentos escassearão. Êpa. Com um investimento privado minguado é muito difícil crescer. A menos que o governo invista. Mas se o fizer vai gerar mais suspeição: em dois tempos, dirão que a dívida ficará impagável, que o desastre nos aguardará na próxima esquina.

    O gasto do governo é justificado pelo aumento da qualidade de vida das massas. Afinal, não é esse o propósito de toda atividade econômica? Mas o governo cede aos reclamos dos capitães da indústria e dos rentistas, que juntos fazem um barulho ensurdecedor. Corta os gastos, aumenta a taxa de juros. Bem, o resto você sabem.

    Por fim um segredo: esse texto foi baseado em Michal Kalecki, que proferiu, não dessa maneira indolente, uma palestra em Cambridge, em 1942, com o título: Aspectos Políticos do Pleno Emprego.