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Categoria: Economia para Trabalhadores

  • Campinas se mobiliza  contra a proposta  de mudança do sistema previdenciário

    Campinas se mobiliza contra a proposta de mudança do sistema previdenciário

    No dia de 22 de março,  Dia Nacional de luta contra a Reforma da Previdência, na  cidade de Campinas  (SP) aconteceram diversas mobilizações durante todo o dia.

    Pela manhã servidores públicos e professores se manifestaram pelas ruas centrais da cidade.

    Segundo a Apeoesp (Sindicato dos Professores do Estado de São Paulo) as escolas estaduais e municipais de cidades da região estariam sem aula nesta sexta-feira por causa da manifestação.

    No final o dia trabalhadores da construção civil, químicos, bancários, frentistas, servidores públicos, estudantes  e movimentos sociais se concentraram no Largo do Rosário, várias falas em repúdio a proposta feita pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL) que massacra os trabalhadores  principalmente as mulheres, os mais pobres e os trabalhadores rurais. Na sequência, centenas de trabalhadoras e trabalhadores saíram em passeata, pelas ruas da região central, para protestar contra a proposta de reforma da previdência do Governo de Jair Bolsonaro (PSL).

     

    Fotos: Fabiana Ribeiro | Jornalistas Livres

     

  • Novo governador de MT ataca funcionalismo para ajuste fiscal

    Novo governador de MT ataca funcionalismo para ajuste fiscal

    Os servidores do poder executivo estadual de Mato Grosso realizaram uma mobilização história nesta semana diante de um pacote de projetos de lei de autoria do governo Mauro Mendes (DEM) que congela poder de compra, extingue empresas públicas, abre caminho para aumento da alíquota previdenciária, entre outros ataques ao funcionalismo.

    Por: Gibran Lachowski, de MT, especial para os Jornalistas Livres

    Fotos: Francisco Alves

    Centenas de funcionários públicos das mais variadas carreiras ocuparam o plenário de votações da Assembleia Legislativa, em Cuiabá, para provocar um diálogo com os deputados estaduais, forçar uma conversa com o governador e mostrar a situação para a sociedade.

    A ocupação teve início na manhã de terça-feira (22) e se encerrou na noite de quarta (23), sob o grito de “Greve geral”. Na quarta pela manhã o presidente da Assembleia, Eduardo Botelho, também do DEM, chegou a presidir uma vergonhosa sessão na sala do Colégio de Líderes, sob forte proteção policial. Na quinta à noite, já no plenário, com poucas alterações, o pacote foi aprovado em segunda votação.

    Um dos estragos minimizados, a partir do diálogo do Fórum Sindical com parlamentares favoráveis à causa dos trabalhadores, ocorreu no projeto da Lei de Responsabilidade Fiscal Estadual. Ficou garantido que receitas como o Auxílio Financeiro para Fomento das Exportações (Fex) e o Fundo de Transporte e Habitação (Fethab) possam servir para pagamento de funcionários.

    Edna Sampaio, do Fórum Sindical.

    A ocupação e as negociações com o parlamento foram coordenadas pelo Fórum Sindical, que reúne mais de 30 entidades de trabalhadores do serviço público. Esta mesma instância iniciou as primeiras reuniões para a construção da greve geral, que em 2016 durou dois meses por conta da defesa da Recomposição Geral Anual, RGA, como é conhecida no estado a correção dos salários conforme a inflação.

    Setores da Segurança Pública ameaçam paralisação imediata e a maior parte dos sindicatos fará assembleia nos próximos dias, incluindo servidores da educação básica e professores da Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat), que retornam às atividades no começo de fevereiro. No entanto, os técnicos da Unemat já paralisaram as atividades nesta sexta (25).

    Além dos motivos elencados, estão o atraso no pagamento do 13º, do salário de dezembro e da previsão do governo de que a situação vai continuar neste ritmo nos próximos meses. Assim, o recém-empossado Mauro Mendes agrava uma crise iniciada por Pedro Taques (PSDB), que não conseguiu se reeleger.

    As manifestações também contaram com atividades culturais

    O ataque aos servidores se escora num decreto de calamidade financeira do governo de Mato Grosso, endossado pela União, e, de outro lado, não efetiva a taxação do agronegócio e nem coíbe o festival de isenções fiscais, do qual o empresário Mauro Mendes foi beneficiário por vários anos com sua empresa, a Bimetal.

    “É um sério ataque aos servidores públicos e prejudica também a população, porque reduz a capacidade do Estado de investir em políticas públicas e assegurar qualidade no atendimento à população na saúde, segurança pública, assistência social. Resistimos com muita luta nesta ocupação histórica do plenário da Assembleia e agora vamos construir a greve geral”. A afirmação é da professora Edna Sampaio, vice-presidenta da Associação dos Docentes da Unemat (Adunemat) e integrante da coordenação do Fórum Sindical.

    “Trata-se de uma calamidade financeira artificial. Mato Grosso é um dos estados que mais cresce no Brasil (em 2017, mais de 11%), a política de benefícios fiscais corre solta, falta fiscalização sobre os grandes sonegadores e taxação do agronegócio. Jogar a culpa no servidor é covardia. Vamos à luta!”. Palavras de Oscarlino Alves, presidente do Sindicato dos Servidores Públicos da Saúde de Mato Grosso (Sisma) e integrante da coordenação do Fórum Sindical.

     

     

  • Freixo enfrenta dificuldade para unificar oposição

    Freixo enfrenta dificuldade para unificar oposição

    A disputa pela presidência da Câmara dos Deputados está fervendo nos bastidores. Com Rodrigo Maia (DEM-RJ) tentando a reeleição, Marcelo Freixo (PSOL-RJ) tem trabalhado para unificar o campo democrático em torno da sua candidatura. Segundo lideranças de esquerda ouvidas pela reportagem dos Jornalistas Livres, a unidade pretendida por Freixo está longe de acontecer. PT, PCdoB, PSB e PDT estariam mais dispostos a lançar outra candidatura do que se juntar em torno do nome de Freixo.

    Ainda sem bater o martelo, a maioria dos deputados que estão compondo o bloco formado por PSB, PDT e PCdoB, são contra apoiar Rodrigo Maia para a presidência da Casa. Em entrevista exclusiva para os Jornalistas Livres, Freixo revela que a disposição do PSOL em dialogar com outros partidos, acontece devido ao risco que o país corre ao ser governado por um presidente de extrema-direita.

    O presidente do PCdoB, Orlando Silva (SP), já disse que “todo mundo sabe que não vai acontecer” uma candidatura unificada da esquerda, indo mais longe ao sugerir que cada um está falando para sua redes com a intenção de ganhar likes.

    O deputado federal Paulão (PT-AL) disse que também trabalha para a unificação do campo da esquerda dentro da Câmara dos Deputados. “O ideal é que a oposição estivesse unida para o enfrentamento de pautas importantes que ameaçam políticas públicas e conquistas sociais do povo brasileiro. O PT está conversando com todos os segmentos da esquerda defendendo a unidade. Não é fácil mas é preciso ser feito”, afirmou o único representante da esquerda alagoana no congresso nacional.

    Outro deputado federal também quer se colocar como líder da oposição. Arthur Lira (PP-AL) segue dialogando com partidos de oposição para fortalecer sua candidatura em um blocão que extrapola os limites da política de centro-esquerda.

    Segundo o jornal da Folha de S. Paulo, se Lira conseguir aglomerar PT (56), PP (37), MDB (34), PSB (32), PDT (28), PTB (10), PCdoB (9) e PSC (8) em torno se si, o alagoano pode chegar a 214 votos.

    Contabilizando os partidos governistas, Rodrigo Maia teria 239 votos para a reeleição. Mas o voto será secreto e pode acontecer migração de votos de deputados que não votarão com as bancadas.

     

    Confira a entrevista exclusiva de Marcelo Freixo para os Jornalistas Livres

     

    Jornalistas Livres: Como estão as articulações políticas para estas eleições? A esquerda conseguirá se diferenciar?

    Freixo: A esquerda não pode ver Maia como um possível aliado. Ele fechou acordo com o PSL de Bolsonaro e com uma agenda que ameaça os direitos dos trabalhadores, dos mais pobres, dos negros, indígenas e da população LGBT. Essa pauta aprofundará as desigualdades no país e não pode estar no horizonte de um projeto de esquerda. Nossa candidatura foi decidida pela bancada do PSOL e está sendo construída através do diálogo e de forma republicana com um amplo campo democrático que deseja fortalecer direitos sociais.

    Jornalistas Livres: Quem são os seus principais adversários nesse processo eleitoral?

    Freixo: Nossos adversários são aqueles que estão aliados ao projeto governista de extinção de direitos e da destruição do Estado enquanto instrumento possível de promoção da justiça social.

    Jornalistas Livres: Além de você, quem está no fronte de diálogo com o campo progressista para unificar um bloco em torno da sua candidatura?

    Freixo: O presidente nacional do PSOL, Juliano Medeiros, e a bancada do PSOL estão sendo fundamentais na construção da candidatura, através dos diálogo com lideranças de esquerda. Me coloco a serviço da agenda democrática e republicana, de afirmação da luta por cidadania e redução das desigualdades. Essa é a pauta que precisa nos unir.

    Jornalistas Livres: Ciro Gomes, mais ajuda ou atrapalha a unificar esse bloco?

    Freixo: Esperamos que ele, como um democrata, se posicione de forma a defender o Estado Democrático de Direito e o espírito da Constituição de 1988.

    Jornalistas Livres: Qual a principal diferença que você enxerga numa Câmara onde você seja o presidente para uma Câmara onde o Maia seja o presidente?

    Freixo: Essa é a eleição mais importante para o parlamento desde a redemocratização. São direitos básicos e a vida das pessoas que estão em jogo. Ao receber apoio do PSL, Maia se compromete com uma agenda ultraliberal na economia e de destruição de direitos duramente conquistados. Isso ameaça a cidadania e a sobrevivência de milhões de pessoas. A Câmara precisa estar comprometida com a redução das desigualdades e com os interesses populares. Nossa candidatura se coloca à disposição dessa agenda.

    Jornalistas Livres: Como avalia o acordo entre Rodrigo Maia e Bolsonaro? Este acordo significa facilitar as privatizações e outras medidas que venham a ser implementadas pelo novo governo?

    Freixo: Essa articulação simboliza o compromisso de Maia com a agenda ultraliberal e privatista do governo Bolsonaro. Neste sentido, o parlamento não terá independência diante do governo no tratamento de pautas fundamentais que podem resultar na destruição de direitos.

  • Bolsonaro impede PL que regulariza a profissão dos tecnólogos no Brasil

    Bolsonaro impede PL que regulariza a profissão dos tecnólogos no Brasil

    Por Eduardo Annunciato, presidente licenciado do Sindicato dos Eletricitários de São Paulo 

    É fato que em um mundo globalizado a qualidade da mão de obra é um diferencial para o desenvolvimento do país e permite que milhões de trabalhadores alcancem melhores empregos ou remuneração.

    O Brasil é um país que apresenta graves problemas de infraestrutura que só poderão ser equalizados com políticas públicas articuladas, planejamento correto, prioridades bem definidas e sólidos investimentos na capacitação profissional.

    Atualmente nosso país vive um momento muito confuso, o Poder Executivo está desacreditado, o Legislativo se perdeu no labirinto dos interesses menores e o Judiciário está envolto em embates muitas vezes movidos mais pelo ego do que pelo compromisso com o país.

    Muitas vozes, que se colocam como defensores da modernidade, acabam por perpetuar o atraso do desenvolvimento nacional em função da morosidade com que analisam, propõem e aprovam leis. Um exemplo cristalino é a demora em regulamentar a profissão do Tecnólogo.

    Atualmente o Brasil conta com mais de 500 mil Tecnólogos graduados por instituições públicas e privadas que aguardam a regulamentação de sua profissão. Desde 2007 tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 2245/2007 que trata da Regulamentação da Profissão dos Tecnólogos, de autoria do Deputado Reginaldo Lopes (PT/MG). O projeto em questão foi aprovado por todas as Comissões da Câmara dos Deputados, inclusive pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania – no entanto o Recurso193/2013 apresentado pelo Deputado Jair Bolsonaro (PSL/RJ) e o Recurso 194/2013 apresentado pelo Deputado Sandro Alex (PSD/PR) impediram a tramitação conclusiva do PL 2245/2007.

    Cabe lembrar que uma das alegações apresentadas no recurso 194/2013 é a de que se trata de assunto complexo e terá implicações tanto para os estabelecimentos que prestem serviços na área de radiologia quanto para profissionais que operem aparelhos utilizados e citam inclusive a impossibilidade de um radiologista realizar uma simples radiografia no caso de aprovação desse projeto. Outra alegação é a de que o PL, por sua peculiaridade, deve ser submetida, analisada e debatida pela composição plenária da Casa.

    A Federação Nacional dos Tecnólogos – FNT através do ofício nº 005/2017 de 31 de março de 2017, endereçado ao Deputado Jair Messias Bolsonaro esclareceu que uma das dificuldades de inserção dos Tecnólogos no mercado formal de trabalho é a ausência da regulamentação da profissão.

    Informa também que “Os Conselhos de Classe, como por exemplo: Conselho Federal de Engenharia e Agronomia – Confea/Crea, Conselho Nacional de Técnicos em Radiologia – CONTER/CRTR, Conselho Federal de Administração – CFA/CRA, Conselho Federal de Química – CFQ/CRQ, Conselho Federal de Biomedicina – CFBM/CRBM, entre outros, receberam do Governo Federal a outorga de regulação e fiscalização do exercício profissional, das profissões que podem causar prejuízos à Sociedade Brasileira, envidando exercício ilegal da profissão”.

    “Os Sistemas Confea/Crea, CFA/CRA, CFQ/CRQ, CONTER/CRTR já declararam apoio a regulamentação da profissão de Tecnólogos, já registram e fiscalizam o exercício das profissões dos referidos profissionais Tecnólogos, ou seja, não há possibilidade de restrição de mercado de trabalho, em especial, a questão levantada por Vossa Excelência sobre a realização de uma simples radiografia, tendo em vista que os profissionais são devidamente habilitados para a utilização dos aparelhos radiológicos, bem como são fiscalizados pelo Conselho competente”.

    “O Projeto de Lei nº22.245/2007, aprovado pela CCJC difere do projeto original apresentado pelo Autor Deputado Federal Reginaldo Lopes (PT/MG), pois foi adequando-se de forma a atender a juridicidade, legalidade e constitucionalidade, não permitindo a chamada reserva de mercado e respeitando a formação profissional, por meio de análise do projeto pedagógico, grade curricular e, sem sombra de dúvidas, fortalece os Cursos Superiores de Tecnologia e a atuação dos Conselhos de Fiscalização do Exercício Profissional”.

    Por fim, a alegação da complexidade da matéria mereceu o seguinte comentário:

    “Acreditamos que os 513 (quinhentos e treze) Deputados Federais eleitos pelo povo, representam efetivamente a vontade da maioria da população Brasileira, no entanto a vontade da maior parte da população já está sendo praticada pelos órgãos do Poder Executivo”.

    “O Catálogo Nacional dos Cursos Superiores de Tecnologia – CNCST, foi instituído pelo Ministério da Educação – MEC, usando como prerrogativa legal o Art. 44, do Decreto nº 5.773, de 2006, que dispõe sobre o exercício das funções de regulação, supervisão e avaliação de instituições de educação superior e cursos superiores de graduação e sequenciais no sistema federal de ensino. O CNCST tem como principal objetivo orientar a oferta de Cursos, inspirado nas diretrizes Curriculares Nacionais para a educação de nível tecnológico em sintonia com o setor produtivo do Brasil”.

    Finalizando é claro o entendimento de que a retirada do recurso 193/2013, reestabelecerá a normalidade do trâmite do projeto em questão; além disso a solicitada e necessária regulamentação da profissão de Tecnólogo motivará estes profissionais e abrirá novas perspectivas de mercado de trabalho, o que convenhamos é extremamente salutar em um momento de desemprego galopante e de investimento mais bem calibrado na capacitação profissional.

    Nota: Não é papel dos sindicatos influenciar nos votos do povo, mas é nosso dever alertar sobre as medidas contra trabalhadores que políticos e empresários impõem na vida dos brasileiros.

    Para as entidades sindicais os parlamentares devem defender e garantir os direitos dos cidadãos e não impedir que trabalhadores se organizem e se regularizem para terem melhores condições de trabalho.

    Edição: Marina Azambuja 

  • Economia para Trabalhadores – Aula 2

    Economia para Trabalhadores – Aula 2

    Aula 02 – Como circula nosso dinheiro e o do governo

    Já ouvimos muitas vezes, em filmes, a expressão “siga o dinheiro”. A indicação que a expressão nos dá é que seguindo o dinheiro descobriremos a trama. Como no famoso caso Watergate, em que o presidente dos Estados Unidos, Richard Nixon, perdeu o cargo quando dois jornalistas, que “seguiram o dinheiro”, encontraram provas de que uma invasão ao escritório dos democratas, adversários de Nixon, tinha sido financiada por um comitê de sua campanha à reeleição.

    Igualmente em economia, seguir o dinheiro muitas vezes nos revela o que está oculto nas aparências. Esse será o tema desta aula.

    Em primeiro lugar, para simplificar, vamos imaginar como seriam os fluxos de dinheiro se não existissem nem governo e nem outros países. Nesse caso a circulação se daria somente entre as empresas e as pessoas.

    Os trabalhadores “vendem” sua capacidade de trabalho para as empresas e recebem salários. As empresas, por outro lado, recebem das pessoas, em geral, e recebem de outras empresas pelos produtos que vendem.

    Pensando no conjunto de empresas e no conjunto de trabalhadores, eliminaremos as transações entre empresas e entre trabalhadores. Ficaremos com o fluxo que sai do conjunto de empresas em direção aos trabalhadores, os salários, e o fluxo que sai do conjunto dos trabalhadores em direção ao conjunto de empresas, o consumo dos trabalhadores.

    Esses fluxos juntos formam o que os economistas chamam de fluxo circular da renda porque os recursos que saem das empresas para as pessoas voltam para as empresas quando as pessoas consomem e vão circulando desse modo “para sempre”.

    Esse raciocínio é importante para perceber que são as pessoas que, no final, compram os produtos de consumo que a empresa produz. Se as pessoas não tiverem recursos para consumir, as empresas não sobreviverão. O capitalismo precisa transformar os trabalhadores em assalariados e, também, em consumidores.

    Os trabalhadores, geralmente, têm pouca chance de guardar parte do dinheiro que ganham porque o valor que recebem é, muitas vezes, insuficiente até para as necessidades do dia a dia de suas famílias. Assim, podemos imaginar que tudo que o trabalhador recebe tende a voltar para as empresas.

    Por outro lado, o sócio da empresa, ou quem tem dinheiro para emprestar para ela, gasta uma parte do que recebe, mas guarda outra parte. Porque geralmente o que recebe é mais do que aquilo que precisa para viver. A decisão de investir o lucro em novos equipamentos, novas máquinas, novas fábricas etc. cabe aos empresários.

    Vejamos a explicação do economista Michal Kalecki (1899-1970) sobre como as decisões dos empresários determinam seus lucros:

    “Podemos considerar em primeiro lugar os determinantes dos lucros em um modelo fechado, no qual tanto os gastos do setor público como a tributação sejam desprezíveis.

    O produto nacional bruto, portanto, será igual à soma do investimento bruto (em capital fixo e estoques) e o consumo.

    O valor do produto nacional bruto será dividido entre trabalhadores e capitalistas e nada, praticamente, será pago como impostos. (…)

    Temos assim o seguinte balanço do produto nacional bruto, no qual fazemos a distinção entre o consumo dos capitalistas e o consumo dos trabalhadores:

    Lucros brutos + Salários e Ordenados = Produto Nacional Bruto

    Investimento bruto + Consumo dos Capitalistas + Consumo dos Trabalhadores = Produto Nacional Bruto

    Se supusermos ainda que os trabalhadores não fazem poupança, o consumo dos trabalhadores será então igual à sua renda. Daí se conclui diretamente então que:

    Lucros brutos = Investimento bruto + consumo dos capitalistas

    O que significa essa equação? Quer dizer que os lucros em um dado período determinam o consumo e o investimento dos capitalistas? Ou o contrário? A resposta depende de qual dos itens estiver diretamente sujeito às decisões dos capitalistas. Ora, é claro que os capitalistas podem decidir consumir e investir mais num dado período que no procedente, mas não podem decidir ganhar mais. Portanto, são suas decisões quanto a investimento e consumo que determinam os lucros e não vice-versa.” (1)

    Começamos excluindo o governo e agora vamos voltar com ele para nosso quadro. Quando eu uso o termo governo, estou sempre pensando nas três esferas: municipal, estadual e federal.

    Percebemos que o governo participa dos fluxos dos recursos de modo semelhante às famílias e empresas, recebendo impostos e pagando por seus gastos com funcionários públicos, com consumo e com investimento. Em outras palavras, o governo é uma mistura de “trabalhador”, quando gasta em consumo, com “empregador” quando paga salários e faz investimentos.

    Uma coisa, no entanto é certa, o governo recebe os impostos e redistribui praticamente tudo o que arrecadou. O governo não costuma guardar dinheiro e, geralmente, gasta mais do que recebe. Aqui está uma grande briga: quem paga impostos sempre quer pagar menos, quem recebe do governo sempre quer receber mais, seja o funcionário que vende sua força de trabalho, seja o empresário que vende produtos de consumo ou de investimento, seja quem empresta dinheiro para o governo e quer receber mais juros, sejam os que recebem aposentadorias, pensões ou transferências assistenciais e querem receber mais.

    Como se resolve essa distribuição? Politicamente. Quem tem mais poder político é quem ganha.

    Vamos incluir o comércio exterior no nosso fluxo de renda. Como seria o pensamento dos exportadores? Temos que concordar que para eles, quanto menores forem os salários melhor, não é? Eles não dependem do consumo das famílias brasileiras para fazerem seus lucros. De todo modo injetam parte dos recursos que vendem para outros países na economia interna do Brasil ao pagarem pelos salários e pelos produtos que precisam para sua produção. Empresas nacionais ou estrangeiras que querem produzir aqui para exportar preferem que os trabalhadores recebam o mínimo e tenham o mínimo de direitos.

    Sabendo disso, vamos tentar responder a seguinte questão: um aumento de salários favorece o aumento do consumo e pode ajudar empresas a fazerem mais lucros? É verdade que salários mais altos fazem as empresas gastarem mais com seus funcionários, mas, por outro lado, como a maioria das empresas vende para o mercado interno, elas têm chance de vender mais porque os trabalhadores terão mais dinheiro para gastar. Concorda?

    Bem, aqui temos a segunda grande diferença entre ortodoxos e heterodoxos. Os ortodoxos argumentam que um aumento nos salários é prejudicial para a economia: sobem os custos da empresa, os recursos para investimento diminuem e, no final das contas, haverá menos crescimento e menos oferta de empregos.

    Os heterodoxos caminham em direção oposta: melhores salários produzem mais procura para os produtos das empresas que, ao venderem mais, terão mais lucro e tenderão a investir e criar mais empregos. Para Keynes, que era crítico feroz da ortodoxia, o empresário produzirá a quantidade que acha que vai conseguir vender e que lhe dê lucro. A decisão de investir ou não é responsável por aumentar ou diminuir o emprego.

    Qual das duas lógicas faz mais sentido para você?

    Um exemplo disso foi a decisão do governo de investir na realização da Copa do Mundo de 2014. Foram muito discutidos os gastos com estádios. Foi dinheiro jogado fora? Vamos pensar no fluxo do dinheiro.

    No caso da Arena Corinthians, os recursos para a construção vieram do clube, da construtora e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, o BNDES.

    O BNDES recebe dinheiro emprestado do governo para financiar principalmente investimento de longo prazo das empresas. Então, teve dinheiro do governo na Arena Corinthians? Sim, teve. O governo emprestou para o BNDES que repassou para o clube. Mas você percebeu que esse dinheiro não foi doado, foi emprestado? Se o Corinthians não pagar, perderá o estádio.

    Além disso, o dinheiro foi jogado fora? Vamos pensar para onde foram os recursos colocados na construção? É certo que não se fez uma fogueira com o dinheiro: parte importante dos recursos foi paga em salários de todos os trabalhadores da obra, desde engenheiros até os peões da obra. Quase todo esse dinheiro virou consumo e ajudou a economia a funcionar em anos de uma enorme crise econômica internacional, como 2013 e 2014.

    Outra parte importante do investimento virou lucro das empresas que atuaram na obra. Essa grana vai para as famílias donas das empresas e salários dos funcionários dessas empresas. Parte virou consumo e parte virou poupança. Aqui também não foi feita uma fogueira com os recursos, embora uma parte pequena, o lucro, não tenha voltado para a circulação.

    Aqui é preciso acrescentar a corrupção. Primeiro, para dizer que acho que a punição a corruptos e corruptores precisa ser muito mais rigorosa do que é hoje. A Justiça precisa mostrar para nós que não protege poderosos políticos de nenhum partido e de nenhuma empresa. Entretanto, do ponto de vista econômico, até o recurso da corrupção, se existiu, entrou no “sangue” da economia como consumo e parte virou poupança.

    Mas, então, por que as televisões, rádios, revistas e jornais criticaram tanto os investimentos da Copa? Essas críticas têm um nome: luta política para enfraquecer os adversários na eleição presidencial que viria em 2014. A imprensa não tem os mesmos interesses dos trabalhadores e, na maioria das vezes, coloca-se em defesa dos interesses dos grandes empresários e do poder econômico.

    Você concluiu que foi errado investir nas obras da Copa?

    Claro que podemos concluir que a prioridade poderia ser outra, mas não se pode dizer que o dinheiro foi jogado fora. Também não se pode negar que as obras injetaram sangue na economia num momento difícil da economia mundial.

    Vamos pensar juntos para onde vão os gastos do governo? Uma parte importante da grana que o governo recebe através dos impostos é gasta com salários dos funcionários públicos, com manutenção dos serviços e com investimentos. Os governos, municipais, estaduais e federal, são responsáveis pela saúde, educação, assistência social, cultura; por políticas públicas de garantia de infraestrutura urbana como transporte, iluminação pública, asfalto, água, esgoto; pelos investimentos na infraestrutura e na construção de equipamentos sociais (hospitais, escolas, praças públicas etc.).

    Os gastos do governo englobam também tudo que vai para a assistência social, como o Bolsa Família e os benefícios para quem não pode trabalhar. Voltaremos aos gastos do governo. Mas, por enquanto, é importante saber que podemos, e devemos, discutir sempre se o uso que o governo faz dos recursos é o mais adequado, mas não podemos qualificar todo gasto do governo como ruim.

    Vou propor outro ponto: Quando o Banco Central aumenta os juros todas as pessoas que devem dinheiro pagam mais, está certo? Um dos que mais devem dinheiro é o governo. Então, um aumento de juros faz o governo gastar mais.

    No ano de 2014, os juros nominais, pagos pelo governo, federal, estaduais e municipais, atingiram R$311,4 bilhões (6,07% do PIB), comparativamente a R$248,9 bilhões (5,14% do PIB) em 2013. Para termos uma ideia de comparação, ressalto que gastamos perto de R$ 25 bilhões com o Bolsa Família em 2014. Ou seja, em 2014 gastamos com juros cerca de 12 vezes o gasto com o Bolsa Família.

    Nos 12 meses, entre agosto de 2017 e julho de 2018, a conta de juros do setor público consolidado alcançou R$ 395 bilhões. (2)

    Os governos emitem títulos para financiar suas dívidas. Esses títulos são vendidos para bancos, para fundos de investimentos e para pessoas físicas e jurídicas. Os compradores recebem o valor que aplicaram mais os juros. Então, quem recebe os juros pagos pelo governo (311 bilhões em 2014) é quem tem dinheiro aplicado no mercado financeiro. É possível dizer, assim, quem os juros concentram a renda, ou seja, canalizam uma parcela enorme dos gastos do governo para quem já tem muito dinheiro. E juros mais altos concentram mais ainda.

    Você já viu algum economista nos meios de comunicação reclamando que a taxa de juros está muito alta? Concentrar dinheiro nas mãos de quem já tem é parte do receituário ortodoxo. A lógica deles é que os ricos e os empresários podem investir e gerar empregos e fazer o país crescer. Mas a realidade é que parte muito grande desses juros é reaplicada em títulos do governo e gera mais juros ainda e nenhum emprego.

    *  César Locatelli é economista e mestre em economia

    Notas

    1 KALECKI, Michal. Teoria da Dinâmica Econômica, São Paulo, Editora Nova Cultural, 1977. (p. 65/66). Para baixar o livro Teoria da Dinâmica Econômica de Michal Kalecki: http://www.projetos.unijui.edu.br/economia/files/Kaleki.pdf

    2 Para ver o resultado fiscal do governo de julho de 2018: https://jornalistaslivres.org/sem-estabilidade-politica-nao-ha-crescimento/

    Índice

    Introdução

    Aula 01 – A economia é política

    Aula 02 – Como circula nosso dinheiro e o do governo

    Aula 03 – A cara e a coroa da inflação

    Aula 04 – Ninguém come PIB

    Aula 05 – O governo não é como sua casa

    Aula 06 – O que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil?

    Aula 07 – Compro à vista ou compro a prazo?

    Aula 08 – Nossa moeda é fraca, nossa moeda é forte

    Aula 09 – A Bolsa de Valores

    Aula 10 – Quem nasceu primeiro a poupança ou o investimento?

    Aula 11 – A culpa da corrupção não é da Petrobras

    Aula 12 – A corrupção, a sonegação e o financiamento das campanhas eleitorais

    Aula 13 – Onde buscar dados e informações

    Aula 14 – Seu voto baseado na política econômica

    Considerações finais

  • Economia para Trabalhadores – Aula 1

    Economia para Trabalhadores – Aula 1

    Aula 1 – A economia é política

    “O produto da terra – tudo que se obtém de sua superfície pela aplicação combinada de trabalho, maquinaria e capital – se divide entre três classes da sociedade, a saber: o proprietário da terra, o dono do capital necessário para o seu cultivo e os trabalhadores cujos esforços são empregados no seu cultivo.
    (…)
    Determinar as leis que regulam essa distribuição é a principal questão da Economia Política (…)”
    David Ricardo (1771-1823) (1)

    Gostaria muito que você me acompanhasse na ideia que a economia é muito mais política do que dizem a maioria dos economistas que ficam palpitando nas televisões, rádios, jornais, revistas e portais da internet.

    Vamos imaginar um exemplo do que estou querendo dizer?

    A Petrobras tem o poder de determinar o preço da gasolina e do óleo diesel no Brasil. Quem consome esses produtos, ou seja, toda a rede de transportes do país prefere que os preços dos combustíveis sejam mais baixos. Mas preços mais baixos diminuem o lucro da Petrobras. Quem perde com preços baixos dos combustíveis é quem tem interesse que os lucros da empresa sejam bem altos. Entre outros, são os investidores do mercado financeiro que perdem com preços mais baixos.

    Sendo uma empresa pública, a Petrobras poderia e deveria colocar o interesse dos brasileiros e da economia brasileira acima dos interesses exclusivos dos acionistas privados nacionais ou estrangeiros. Essa decisão é política. Basta comparar como a empresa foi dirigida antes dos governos petistas, nos governos petistas e após.

    Claro que dirão que os governos petistas arruinaram a empresa, o que não é verdade e visa tão somente justificar as decisões políticas tomadas contrariamente ao interesse dos brasileiros e do país.

    Agora, me dê sua opinião. Você acha, então que o preço da gasolina é uma decisão econômica ou é uma decisão política? Acho que ficou claro que, pelo menos, posso favorecer quem consome ou favorecer quem investe na empresa.

    Toda medida econômica favorece certos grupos e prejudica outros.

    Vamos a mais um exemplo? Vimos, há pouco tempo, o presidente Donald Trump aprovar uma diminuição de impostos para as empresas, de 35% para 21%. Calcula-se que as corporações economizarão 330 bilhões de dólares com a reforma. Metade dos americanos vibrou com a notícia e a outra metade odiou. E não foram somente os ricos que adoraram. (2)

    Influenciados pelos economistas mais conservadores (ortodoxos), dos quais discordo, parte dos eleitores americanos acredita que é preciso diminuir os impostos das empresas e dos ricos para incentivar o investimento. (3)

    Essa é a primeira característica do pensamento ortodoxo que enfatizamos aqui: a política econômica deve favorecer as empresas e os ricos porque são eles os principais canalizadores de recursos para os investimentos. Dizem os ortodoxos que se mantivermos mais recursos com as empresas e com os ricos teremos mais investimentos e, portanto, cresceremos mais e geraremos mais empregos com melhores salários.

    A outra parte dos eleitores percebe e acredita que, ao contrário são aquelas famílias muito ricas que devem contribuir mais para o bem-estar de todos. Os EUA estão concentrando renda desde o governo de Ronald Reagan que começou em 1981. Isso quer dizer que os ricos estão cada vez mais ricos e pobres cada vez mais pobres. Todas as pesquisas mostram que a desigualdade é crescente em solo norte-americano.

    Os keynesianos (heterodoxos) acreditam que é preciso favorecer o consumo porque quando os empresários percebem que há procura por seus produtos, eles se esforçam para investir para atender essa demanda e lucrar com isso. Com esse investimento provocado pelo consumo, cresceremos e geraremos mais empregos.

    Você percebeu a diferença? Enquanto a política econômica ortodoxa deixa mais dinheiro com empresários e ricos, os keynesianos preferem que o trabalhador tenha mais dinheiro para consumir. Ambos dizem que, se seu método for seguido, teremos mais crescimento econômico. Você entende essa escolha como econômica ou política?

    Para mim a decisão de cobrar mais ou menos impostos das empresas e dos ricos é política.

    Lanço outra pergunta para você: no Brasil não existe imposto sobre grandes fortunas. Será que não seria justo cobrar algum imposto sobre o estoque de riqueza dos ricos? Entendo que não cobramos porque não conseguimos poder político para passar uma medida assim no Congresso. Os economistas que defendem os ricos, vão dar mil argumentos para tentar convencer todo mundo que a cobrança de impostos, entre as quais a sobre fortunas, é prejudicial ao crescimento econômico do país. Você pode comprar essa ideia ou vir junto comigo que acredito que é muito injusto não cobrar nada de quem tem uma grande fortuna. Mais importante é perceber que não estamos falando de lei econômica, estamos lidando com política pura e simples.

    A economia é uma ciência da natureza?

    A economia não é uma ciência como a física. Michal Kalecki (1899-1970), grande economista polonês, dizia que os interesses das classes capitalistas influem para que a crença, em certas conclusões “definitivamente erradas” sobre o funcionamento da economia, sejam mantidas por muito tempo. Além disso, muitas vezes a experiência cotidiana dos indivíduos os faz acreditar que o que vale para ele vale para o sistema econômico. A verdade é que “a experiência individual não corresponde ao processo da economia como um todo”. Em terceiro lugar entre os obstáculos ao avanço da economia está a impossibilidade de realizar experiências. (4)

    O professor Paul Singer (1932-2018) disse, em entrevista para o livro Conversas com Economistas Brasileiros II, que a economia não é ciência, mas um pedaço de ciência. Disse ele: “Eu diria que ciência é a somatória das disciplinas. A somatória de Economia mais História, Sociologia, Política etc. é que seria uma possível Ciência do Homem.”

    Todos os dias, e em quase todos os momentos, estamos tomando decisões que impactam a economia do país. Se eu, por exemplo, comprar um produto contrabandeado em vez de um produto nacional, estou influindo diretamente na empresa nacional. Se muitos de nós fizermos a mesma escolha, podemos fazer desaparecer a empresa nacional e florescer aquela empresa chinesa que fabrica o produto que é contrabandeado para o Brasil.

    Esse exemplo serve para mostrar que a economia é uma ciência social. São pessoas que tomam decisões todos os dias que fazem o conjunto da economia andar ou parar ou andar mais rapidamente. A física tem leis que não dependem das pessoas. A economia tem leis que variam com a vontade e com as decisões das pessoas.

    Uma crise econômica pode ser formada unicamente por expectativas.

    Se não temos certeza sobre uma crise que pode ou não acontecer e a televisão fica nos assustando, podemos acreditar e gastar menos. Muita gente gastando menos, empresas venderão menos, contratarão menos trabalhadores e investirão menos. Daí a crise acontece de verdade. A mesma coisa pode se dar no sentido contrário, no sentido do otimismo.

    Daqui podemos tirar duas conclusões. A economia é uma ciência social, dessa forma o grosso do conhecimento econômico não pode ser descrito com leis matemáticas. Em segundo lugar, a economia está no centro da luta política como se vê pelo noticiário.

    Os meios de comunicação representam os interesses de seus donos e anunciantes.

    Assim fica fácil entender por que quase só encontramos economistas ortodoxos nos programas de televisão e rádio e nos jornais. A economia é uma ciência social política. Por detrás de cada opinião econômica existe uma ideologia política. Os meios de comunicação escolhem aqueles que defendem seus interesses.

    Mesmo os cursos de economia deixam de expor os alunos a teorias econômicas que contradizem os ortodoxos e sua defesa dos interesses das elites.

    “A economia política é uma ciência social (embora os currículos universitários não a tratem como tal), que se originou e desenvolveu tendo por objeto sociedades de classes, em que se contrapõem não somente os interesses econômico das diferentes classes, mas também e sobretudo o modo de cada um de encarar a própria realidade social e econômica.”
    Paul Singer (6)

    Após a Segunda Grande Guerra os ortodoxos estavam por baixo e os keynesianos estavam em alta. O professor Singer afirma que “não há exagero em afirmar que o primeiro quarto de século após a Segunda Guerra Mundial assistiu ao triunfo do modo keynesiano de regulação, tanto no Primeiro quanto no Terceiro Mundo”. O chamado desenvolvimentismo no Brasil e na América Latina é versão do pensamento econômico keynesiano adaptado às nossas condições. (7)

    Nesse período, a renda e os direitos dos trabalhadores aumentaram em todo o mundo capitalista desenvolvido. É verdade que as políticas adotadas tinham, também, o objetivo de não deixar crescer demais a influência da União Soviética sobre os trabalhadores do mundo capitalista. Foi a época em que a desigualdade de renda mais diminuiu nos EUA e no mundo desenvolvido. Após a entrada no poder de Reagan e Thatcher, decisões ortodoxas voltaram a favorecer os ricos e, assim, manter mais renda nas mãos deles. Nessa segunda década do século XXI, a desigualdade nos EUA está no patamar mais alto de todos os tempos.

    Vamos mudar um pouco de assunto?

    Você concorda que educar nossos filhos é a principal garantia de um futuro melhor? Acho que todo mundo concorda. Por que cargas d’água, como diz meu pai, nossa educação não é a melhor do mundo? Uma explicação seria que não temos interesse em criar um povo com mais consciência dos seus direitos e que lute para ter o poder político que lhe cabe. Acredito que a explicação de que não temos dinheiro deve ser substituída pela explicação de que o poder político nunca quis dividir esse poder, o que certamente acontecerá conforme tenhamos filhos cada vez com mais escolaridade. A decisão de investir menos em educação tem aparência econômica, mas é política. E, novamente, identificamos a mistura da economia com a política.

    Se a economia fosse independente da política, existiriam os sindicatos dos trabalhadores e os sindicatos dos patrões? Cada qual defende seus interesses em um ambiente em que o poder político toma decisões econômicas que ao favorecer um grupo pode prejudicar outro. A luta política é saudável, eu creio. O que está mal colocado é dizer que decisões de política econômica têm caráter técnico e são independentes de interesses ideológicos.

    O salário-mínimo e as políticas sociais aumentaram nos governos Lula e Dilma

    A decisão de tirar as pessoas da miséria é política. Lembremos que a ortodoxia prega que temos que manter mais recursos nas mãos dos ricos e dos empresários e foi o que fizemos no Brasil durante muito tempo, sem conseguir gerar empregos para tirar as pessoas da pobreza. Os últimos governos, de Lula e Dilma, trataram de deixar mais recursos com os pobres e muita gente saiu da miséria. A distribuição de renda não impediu que o país crescesse, mesmo com as quedas de 2015 e 2016, de um Produto Interno Bruto – PIB (8)de R$ 4,6 trilhões (em 2002) para um PIB de R$ 6,6 trilhões (em 2017). Crescemos 42%, em termos reais, em 15 anos fazendo políticas sociais que diminuíram fortemente a desigualdade e tiraram milhões de pessoas da pobreza. (9)

    Em janeiro de 2015, o Banco Central divulgou que o salário-mínimo do Brasil tinha o maior poder de compra desde 1965. Isso significa que o salário-mínimo podia comprar, nessa data, a maior cesta de bens e serviços dos últimos cinquenta anos. Podemos pensar nesse fato pelo outro lado: demoramos 50 anos para recuperar o poder de comprar a mesma cesta de antes do golpe de 1964. Esse fato se deve à economia brasileira ou à política brasileira? A verdade é que depois de 50 anos de políticas econômicas essencialmente ortodoxas, ainda temos uma desigualdade social que nos envergonha. O prêmio que a sociedade brasileira teria por concentrar renda nas mãos de ricos e empresários, como pregam os economistas ortodoxos, não existiu. O prêmio foi para poucos.

    Em que se baseia a teoria econômica ortodoxa?

    Não foi a natureza que produziu o capitalismo. Disse Marx (1809-1864), em O Capital:

    “Uma coisa, entretanto, está clara. A natureza não produz, de um lado, possuidores de dinheiro ou de mercadorias e, do outro, meros possuidores das próprias forças de trabalho. Esta relação não tem sua origem na natureza, nem é mesmo uma relação social que fosse comum a todos os períodos históricos. Ela é, evidentemente, o resultado de um desenvolvimento histórico anterior, o produto de muitas revoluções econômicas, do desaparecimento de uma série de antigas formações da produção social.” (10)

     

    Precisamos ficar atentos quando nos dizem que as decisões de política econômicas são técnicas e não devem ser misturadas com a política.

    “… os economistas acadêmicos no mundo ocidental estão a nos azucrinar os ouvidos o tempo todo de que é devido ao rápido crescimento populacional nos países subdesenvolvidos que há neles tremendo desemprego disfarçado. Dizem eles que este desemprego é fruto das elevações de salários, ou seja, do fato de que nos países subdesenvolvidos os salários são muito altos, devido a pressões políticas e sindicais. Na realidade, os salários em países não desenvolvidos não são elevados. Porém eles são considerados altos porque há desemprego. Aí se vê para que serve a teoria marginalista [ortodoxa]: para demonstrar que a responsabilidade pelo desemprego é dos trabalhadores que lutam por maiores salários.”
    Paul Singer (11)

     

    O professor Singer, acima, cita a teoria marginalista que é aceita até hoje pelos economistas ortodoxos. Para essa teoria, os salários dos trabalhadores não dependem da vontade dos empregadores e nem dos empresários. Os salários são definidos pela contribuição que os trabalhadores acrescentam ao valor da produção, como se fossem frutos da “natureza”.

    Vamos entrar um pouco mais nessa tal teoria marginalista.

    O capitalismo, desde seu início, é um modo de produção que distribui de forma desigual o que é produzido. Para, entretanto, criar a aparência de um sistema justo, foi criada a teoria marginalista. Segundo ela, cada um dos envolvidos na produção, o proprietário da terra, o capitalista e o trabalhador, recebe aquilo que contribui para o produto final.

    No caso dos salários o raciocínio é o seguinte: mantendo-se tudo constante, por exemplo em uma fábrica, verifiquemos qual será a produção adicional que se conseguirá com a contratação de mais um trabalhador. Digamos que a produção aumente em R$ 1.500. Se os salários estiverem em R$ 1.000, o empresário contratará mesmo esse novo funcionário.

    Verifiquemos novamente qual será a produção de outro novo trabalhador. Digamos que agora a produção adicional seja de R$ 1.000, o mesmo valor do nível em vigor dos salários. Nesse caso, para o empresário não fará diferença entre contratar ou não o novo trabalhador, já que a produção adicional igualou-se ao salário.

    Dá-se o nome de produto marginal do trabalho a essa quantidade adicional de produção que é obtida com a contratação de mais um trabalhador, mantido todo o resto, máquinas, equipamentos, edifícios etc., constante. O empregador tende a contratar mais trabalhadores até o ponto em que não há mais vantagem em empregar mais um trabalhador, ponto em que o salário é semelhante ao produto marginal do trabalho. O salário tende a ser, assim, equivalente ao produto marginal do trabalho, ou seja, o acréscimo à produção conseguido com um trabalhador a mais. Como diz o postulado aceito pelos economistas ortodoxos: “o salário é igual ao produto marginal do trabalho”.

    Os economistas ortodoxos tentaram, e conseguiram, fazer com que grande parte das pessoas acreditassem na distribuição justa dos frutos do capitalismo: “cada um recebe aquilo que contribui”. Além desse disfarce, há um outro problema grave pois desse postulado conclui-se que se baixarmos os salários haverá mais emprego e, no sentido contrário, se subirmos os salários haverá desemprego. Há inúmeros exemplos históricos de que o que acontece é exatamente o contrário. Uma queda nos salários, em geral, diminui a demanda pelos produtos. Ao sobrar com produção que não consegue vender, o empresário corta a produção e demite trabalhadores. E a roda, que começou a girar com a queda nos salários, gira no sentido de provocar mais quedas na produção e no emprego.

    A crença nessa “invenção conservadora” ainda faz suas vítimas, como a recente mudança na legislação trabalhista brasileira que, enganosamente, repetia que: “ao retirar benefícios dos trabalhadores criaremos mais empregos”.

    Keynes (1883-1946) dedicou um capítulo, da sua Teoria Geral (*) para analisar os efeitos da “Variações nos Salários Nominais” e criticar a ideia de que uma queda de salários aumentaria o emprego. Seu argumento é que uma queda de salários somente produziria mais empregos se pudéssemos garantir que a demanda efetiva da economia, ou seja, a procura por produtos pela sociedade como um todo não caísse em decorrência da redução dos salários. Diz ele:

    “Ninguém pensaria, pois, em negar a proposição de que uma redução dos salários nominais, acompanhada de demanda efetiva agregada idêntica a níveis anteriores, é seguida por um aumento de emprego; mas a questão que se propõe é justamente saber se os salários nominais reduzidos serão ou não acompanhados por uma demanda agregada efetiva que, medida em dinheiro, seja igual à demanda anterior, ou, pelo menos, não tenha sofrido uma redução plenamente proporcional à dos salários nominais (isto é, que seja um tanto maior, quando medida em unidades de salários).” (12)

     

    John Bates Clark (1847-1938), citado por E. K. Hunt, em História do Pensamento Econômico, resume a crença marginalista da seguinte forma:

    “Esta obra visa mostrar que a distribuição de renda da sociedade é controlada por uma lei natural e que esta lei, se aplicada de maneira perfeita, dará a cada agente de produção a riqueza por ele criada. Embora os salários possam ser ajustados por barganhas livres entre indivíduos, os salários resultantes destas transações tendem – como afirmamos aqui – a ser iguais à aquela parcela do produto industrial que pode ser associada ao próprio trabalho; embora os juros possam ser ajustados também pela negociação livre, tendem, naturalmente, a ser iguais à fração do produto que possa ser separadamente atribuída o capital.” (13)

    É preciso entender que, se essa teoria fosse verdadeira, nenhuma das partes deveria lutar para melhorar sua renda. É exatamente nisso que a teoria quer que os trabalhadores acreditem: “não lutem por melhores condições de vida pois isso só vai piorar sua situação”.

    O problema é que, olhando historicamente, percebemos que há momentos em que os trabalhadores conseguem ter rendas maiores e em outros menores, e isso se deve essencialmente ao poder político e organização que a classe trabalhadora consegue aglutinar. O período do pós-guerra nos países desenvolvidos foi de grande crescimento e grande melhoria na renda dos trabalhadores.

    Não há uma base “técnica” que indique qual deva ser o valor do trabalho em dado momento. A repartição entre o que vai para o bolso do trabalhador e o que vai para o bolso do empregador, de acordo com o professor Singer, acontece pela luta de classes:

    “A repartição do produto entre o ‘produto necessário’ [parcela necessária para a manutenção da capacidade produtiva, física e mental dos trabalhadores] e o ‘excedente social’ [composto por lucros, juros e rendas fora do trabalho] se dá essencialmente pela luta de classes.”Não existe nada de intrinsecamente econômico, ou ‘técnico’ como supõe a teoria marginalista, na determinação do nível de remuneração do trabalhador e portanto do ‘produto necessário’.”
    Paul Singer (14)

    *  César Locatelli é economista e mestre em economia

    Notas

    1 RICARDO, David. Princípios de economia política e tributação. São Paulo, Abril Cultural, 1982. (p. 39.)

    2 “Os despojos da reforma tributária corporativa americana são distribuídos de forma desigual” (The spoils from American corporate tax reform are unevenly spread), The Economist, 24/02/2018, acesso em 02/09/2018, em https://www.economist.com/business/2018/02/24/the-spoils-from-american-corporate-tax-reform-are-unevenly-spread

    3 Não se preocupe, por enquanto, em entender o que é a ortodoxia. Ao longo do livro vou mostrando em que acreditam os economistas ortodoxos e heterodoxos, de modo que, no final, você terá uma boa visão do que são essas linhas de pensamento econômico.

    4 MIGLIOLI, Jorge (org.). Kalecki: economia. São Paulo, Ática, 1980. (p. 40/41)

    5 MANTEGA, Guido e REGO, José Márcio. Conversas com Economistas Brasileiros II. São Paulo, Editora 34, 1999. (p. 60)

    6 SINGER, Paul. Apresentação de RICARDO, David. Princípios de economia política e tributação. São Paulo, Abril Cultural, 1982. (p. VII/VIII)

    7 SINGER, Paul. Aprender economia. São Paulo, Editora Contexto, 25a Edição, 2014 (I). 201 p. 1a Edição em 1998. (p. 39)

    8 PIB, Produto Interno Bruto, é a soma de tudo que foi produzido no país durante um ano.

    9 Quando dizemos “em termos reais” é que estamos corrigindo os valores pela inflação, ou seja, considerando que os mesmos produtos têm os mesmos preços todos os anos. Assim o crescimento do PIB só acontece quando o país produz mais e não quando só os preços sobem.

    10 MARX, Karl. O Capital: Crítica da Economia Política: Livro I. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2001. (p. 199)

    11 SINGER, Paul. Curso de introdução à economia política. Rio de Janeiro, 5a. edição, Forense-Universitária, 1979. (p. 41)

    12 KEYNES, John Maynard. A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda. São Paulo, Nova Cultural Ltda., São Paulo, 1996. (p. 249)

    13 HUNT, E. K. História do pensamento econômico. Rio de Janeiro, Campus, 1981. (p. 333)

    14 SINGER, Paul. Curso de introdução à economia política. Rio de Janeiro, 5a. edição, Forense-Universitária, 1979. (p. 34)

    Índice

    Introdução

    Aula 01 – A economia é política

    Aula 02 – Como circula nosso dinheiro e o do governo

    Aula 03 – A cara e a coroa da inflação

    Aula 04 – Ninguém come PIB

    Aula 05 – O governo não é como sua casa

    Aula 06 – O que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil?

    Aula 07 – Compro à vista ou compro a prazo?

    Aula 08 – Nossa moeda é fraca, nossa moeda é forte

    Aula 09 – A Bolsa de Valores

    Aula 10 – Quem nasceu primeiro a poupança ou o investimento?

    Aula 11 – A culpa da corrupção não é da Petrobras

    Aula 12 – A corrupção, a sonegação e o financiamento das campanhas eleitorais

    Aula 13 – Onde buscar dados e informações

    Aula 14 – Seu voto baseado na política econômica

    Considerações finais