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Categoria: Desigualdade

  • ELISA LUCINDA: “EU NÃO CONSIGO RESPIRAR”

    ELISA LUCINDA: “EU NÃO CONSIGO RESPIRAR”

     

    “Barreira”: apoiadores brancos fazem paredão entre polícia e manifestantes negros em Minneapolis
    Mulheres brancas fazem paredão entre polícia e manifestantes negros em Minneapolis

    Você está me sufocando. Em todos os lugares você é privilegiada, ô branquitude!

    Em todos os lugares ditos importantes, para mim e minha gente entrarmos temos que ser verdadeiros gênios, vitoriosos e sobreviventes de todos os obstáculos que você põe na pista para a gente nunca chegar.

    Você fala em meritocracia sendo que poucos tem mil carros e outros nem uma cama pra se deitar? Um livro, um silêncio para se concentrar? Condições desiguais ferem o critério do mérito. O bom Estado é o que garante a dignidade de seu povo. Por isso é público! Ser público é ser representante do povo. E é por isso que você, branquitude, não gosta de um Estado igualitário.

    Na tevê, de repente, surge Ronilso Pacheco, professor da Universidade de Columbia. Negro. Precisou filmarem a morte de George Floyd a sangue gélido, para que o chamassem como comentarista na televisão. Até então não se via um infectologista, uma pesquisadora, um médico, uma defensora dos direitos humanos, uma jurista, um advogado, uma psicanalista ou um enfermeiro negros sendo entrevistados. É como se não existissem. Estou falando de formação de pensamento, estou falando de voz.

    Me irrita muito você me dizer que não reparou nisso.

    Me choca muito sentir você infectar o ar com seu nojo de pobre, nojo de trabalhador. Seu desprezo por quem anda de ônibus, por quem come um prato muito cheio de comida, por quem não sabe distinguir uma taça de vinho de uma taça de champanhe. O lixo da Casa Grande é imenso e lhe deixou marcas através desses tantos séculos que não sei como isso não te constrange tanto quanto me machuca.

    Branquitude, seu domínio está em todas as estruturas de poder.

    Como um velho menino ou uma velha menina dona da bola que, se o jogo pender para um lado que não a favoreça, ela segura a bola. Se você visse pelos meus olhos também veria algo muito familiar na cena de um policial branco em Brasília, nesse momento, espancando as costas nuas de um homem negro em situação de rua. Sem motivo. São onze e meia da manhã. Ontem também vimos uma senhora branca racista raivosa, vestida de verde e amarelo, armada com um taco de basebol na manifestação antirracista, provocando todos os pretos ali. Deu tudo na televisão. Tem crianças vendo isso. Isso é a crueldade da senzala moderna cheia de grades que não vemos mas sentimos.

    Na reunião de “demônios“ que houve no dia 22 de abril, dia também em que sujos brancos portugueses chegaram aqui com o mal costume de não tomar banho, não havia um negro sequer e era uma reunião de brancos em um filme sem mocinho. No entanto, nas estruturas todas de poder, tem sempre a branquitude como um detector, que se move em lugares estratégicos, focado em nos deter e barrar, como se o mal todo se concentrasse nos pretos.

    As estéticas, os saberes todos vêm envoltos numa embalagem onde o modelo exemplar do ser humano é eurocêntrico e cuja propaganda tem como perfeição a lourice de olhos azuis. Tal modelo foi esfregado em nossa cara, nos oprimindo, para que ficássemos sendo o lado negativo da história, os exóticos sem beleza, por muitos e muitos anos. Reagimos, nos estruturamos, fomos catando os cacos, acionando cada vez mais as informações e as experiências da ancestralidade e da diáspora para que nos reerguêssemos. Mesmo sabedora de que “quem dá luz a cego é bengala branca e Santa Luzia”, eu vou explicar: Diáspora é a África espalhada pelo mundo, uma espécie de pátria global de africanos. Sem essa força e esse diálogo entre nós, ficaria muito difícil brigar contra as Cinderelas, Brancas de Neve e princesinhas Barbies que amalgamam o imaginário do feminino na cabeça de uma sociedade que se pensa ainda como senhora de escravos.

    Ô branquitude, você conseguiu se blindar de tal maneira que, mesmo que haja uma série de crimes cometidos por brancos nas empresas, na política, na corrupção em compras de respiradores, exatamente na hora em que o povo luta para respirar, ninguém diz que branco é bandido, ninguém diz que branco é psicopata, frio, traidor. Ninguém racializa qualquer ação malévola sua, ô branquitude. Fizesse um negro 0,1% das iniquidades desse genocida que está na presidência, não faltaria boca a dizer: só podia ser preto. Tô de saco cheio, sabe? Cansada de lutar contra esse racismo estrutural há décadas! Trago também a luta do meu pai, e dos muitos que me precederam.

    O que é sordidamente curioso é que você é violenta todos os dias contra nós e toda vez que reagimos, ouvimos sempre uma boca branca dizer: “Como esses pretos são radicais!” Ora, nos matam indefesos e nós é que somos os violentos, branquitude?! Amanheci com uma consciência plena do que li nas palavras de Angela Davis: não existe democracia sem uma democracia racial.

    É de mentira essa nossa democracia. É de mentira a americana também.

    Isto significa que a nossa é falsa, que muitos dos que lutam por ela não estão lutando direito. Sabe-se que, para tal desigualdade ocorrer no país, é preciso que haja uma sistêmica e profunda injustiça. Sem trégua.

    Você sabe o que eu quero dizer, branquitude, eu tô falando com você. Você sabe também como você custa a compreender que, não só a nossa gênese, mas a de todos os seres humanos é africana, como também somos iguais e às vezes melhores do que você. Qual o problema? Que jogo é esse de ganhar sempre? O que aconteceu com as leis do quintal da infância? Lembro que alternávamos. Se você realmente entra num restaurante que só tem brancos e acha que tá tudo bem, se você está naquele clube, naquela ala vip do hospital, está aí no camarote onde só tem branco, mesmo que seja pra ver o samba? E acha que tudo isso é normal, meu papo é mesmo contigo. Numa investigação rigorosa e ampla, certamente acharíamos seus vestígios, suas digitais onde você colabora para não ceder um pingo do seu privilégio em prol de uma igualdade. Me preocupam seus filhos: crianças brancas que crescem ao lado de crianças brancas ricas, se encontram no clube com as mesmas crianças brancas ricas, depois vão ser colegas: chefes dos bancos, diretores nas tevês, como num túnel de ouro, onde o lugar pro sucesso é seguro e independe de qualquer meritocracia, vamos combinar.

    Repara que, não é à toa, se a gente for analisar, que tinha maioria branca nas ruas a favor do impeachment da Dilma, tem maioria branca nos 30% que ainda não se livraram do cabresto bolsonarista. Você acha que é coincidência? Por que tanta gente se incomodou com a PEC das domésticas? Quem se incomodou? A branquitude. Você queria que tudo seguisse como sempre na nossa escravidão moderna explícita: senhoras trabalhando todo dia desde às cinco da manhã para por os meninos pro colégio, até as onze e meia quando o marido vem daquela “reunião” que foi até mais tarde. A PEC veio regular um serviço de escravização urbana, normatizado aqui por muitas pessoas de “bem”, que hoje são minhas destinatárias. O seu silêncio e sua inação em não mexer uma palha nesse tema, como se não fosse assunto seu, matou João Pedro.

    Sei que é pesado dizer isso, mas quem cala consente e, enquanto não houver um grupo de brancos anti-racistas neste país que entenda que esse jogo está podre, a branquitude toda estará mancomunada com os crimes raciais nesta terra. É cúmplice, sim senhora!

    Por que seus filhos crescem e só se casam com brancos? Por quê? Não, não é gosto.

     

    Sua educação foi estruturada na hegemonia e na homogeneidade; é gente que, sai governo, muda governo, e o cardápio não muda, e nada se altera. Educação rigorosamente racista. Seus filhos cresceram com a lição de que pretos só servem para servi-los: a babá, o motorista, a cozinheira de estimação que está na família há 60 anos. “Oh, como gostamos da Dedé, pra nós ela é da família…” Ah é, então eu pergunto qual é o nome, qual é o sobrenome da Dedé? Onde nasceu? Tem irmãos, tem mãe?

    Que de família que nada, conta outra, ô branquitude! No quarto dela tem aquela televisão meio ruim, não tem janelas, o chuveiro levemente em cima do vaso, formando um mix de box e louça sanitária sem direito à cortina ou qualquer outra divisão. Gente, haver dependência de empregada, esse nome, tudo é um escândalo! Você não repara não? Você que enche sua boca para dizer… ”é gente de favela“… êpa êpa, eu pergunto: quem é você? O que você sabe dela? Tem tanta preciosidade numa comunidade que dependendo de quem me lê agora, digo: limpe a boca pra falar o nome dela. Respeite a favela!

     

    É isso, acordei atravessada, sentindo dificuldade, metafórica, de respirar. Vendo esse ar empesteado de preconceito, de segregação, de apartheid; nosso território está sanguinário, você nos trata todo dia com violência, duvidando da nossa potência, duvidando do nosso saber, desprezando nossa cultura por ignorância e soberba, mistura letal donde não brotará um homem sábio. Seus filhos não casam com negros porque precisam casar com pessoas do seu “nível “, pois por gerações, sua família, mesmo que tenha sido uma família progressista e muitas vezes uma família de esquerda, seguiu tal cartilha separatista. Quem fala aqui é de esquerda, chamo até de esquerda raiz, pois me desconstruo todo dia, me reeduco, me curo a duras penas do machismo tóxico, remexo meus preconceitos, e me ajeito junto aos muitos que querem mexer no caldeirão da história a favor também dos que sempre foram sacaneados pelos que a escreveram.

    Não se assuste, muitas palavras e seus sentidos estão sendo vilipendiados nesse momento pela milícia virtual das fake news. Ser de esquerda é nada mais, nada menos do que querer ver o Estado honrando os impostos que pagamos e que os divida igualitariamente para todos e ainda taxe mais um pouco quem ganha muito mais. Sou a favor da distribuição de renda, a favor de pobres terem direito a uma educação de alto nível e uma saúde igual. Não consigo compreender quem não veja ainda, à luz do recorte racial, a pobreza, a população carcerária, a população em situação de rua, os orfanatos e as crianças que neles sobram. Tudo preto.

    Vivemos numa máquina de moer preto na nossa cara. Você branquitude, é também quem mandou prender o pai do menino que pode ficar anos preso por ter tentado roubar um celular e que talvez seja condenado por algum juiz branco envolvido no desvio de milhões na compra de leitos. Quem está na fila hoje, você sabe, dos hospitais, em seus corredores, é quem sempre lá esteve. Gente que morre querendo respirar esperando leito, consulta, órgão, médico, atenção: maioria negra.

    Você não pode dizer que não tem nada com isso. A parte que sobra na sua vida, em dignidade e cidadania, é que está faltando na vida de muitos pretos do país que você diz amar. Que loucura! Há situações em que a religião fica tão perto do armamento que talvez seja melhor ser ateu para ser mais revolucionariamente cristão. Não sei. Veja aí branquitude, é contigo mesmo. Se eu fosse um de vocês me apressaria em limpar minha barra provando que não sou racista, que não tenho pensamento torto e eugenista, e mais do que isso, que sou anti-racista! Se eu fosse branca seria essa minha bandeira principal.

    Outro dia, antes da pandemia, na praia, uma moça me disse: ”Meu deus, que pele boa, não acredito que vocês tenham uma pele boa assim sem rugas, isso não é justo!!!” Tratava-se de uma Barbie. Deu quase pena, mas não poupei, olhei bem dentro dos olhos dela e perguntei: Realmente você acha injusto que vocês não tenham uma pele tão boa quanto a nossa, você acha injusto isso também? Um silêncio esmagador se estendeu como um tapete curto entre nós. Quase um perigo. Ninguém sabia de quê. Sei que estou dizendo coisas aqui que, como diz minha amiga querida Flávia Oliveira, não é nem nesse andar que se estuda. É no prédio do ensino fundamental.

    Mas te escrevo, porque vi uma barreira de brancos antirracistas na frente dos pretos americanos, enfrentando a polícia e dizendo com a coragem que a democracia exige: “E agora, em nossos corpos brancos, vocês vão atirar também?“. Inspirada nesse gesto, comecei a te escrever essa carta.

    A sensação de não conseguir respirar por tanto impedimento que há na circulação social do negro em cada parte, sem descansar, é também asfixiante. É difícil se constituir um ser humano negro decente sem ser confundido com ladrão ou com bandido, como um condenado a princípio, bem antes do direito de ser inocente.

    Ainda bem que confio nos filhos dos nosso movimento negro, os que já cresceram com cabelos crespos e auto-estima, vendo em alguns livros protagonistas negros. É isso! Estamos avançando no quilombo moderno! A diáspora está cada vez mais conectada, o levante americano só não tomou definitivamente as ruas do Brasil, por causa da pandemia. Mas nos aguarde. E corra agora atrás do seu prejuízo, ô branquitude!

    Escuta: tira o joelho do meu pescoço! Pela milésima vez, estou te dando a chance de não ser mais assassina.

     

    Elisa Lucinda, junho antirracista, 2020

     

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  • Coronel da PM causou tumulto para provocar a repressão ao ato pela Democracia

    Coronel da PM causou tumulto para provocar a repressão ao ato pela Democracia

     

     

    O coronel Américo Massaki Higuti, oficial da reserva da Polícia Militar, foi o causador de uma briga que serviu de pretexto para a brutal repressão contra os manifestantes antifascistas que foram no domingo (1/6) à avenida Paulista  para defender a Democracia.

    Embora na reserva, o coronel Américo Higuti compareceu à avenida Paulista trajando uma farda do COE, Comando de Operações Especiais, tropa de elite da Polícia Militar de São Paulo. Acontece que o uso de uniforme é privativo dos militares em serviço ativo. Os militares da reserva e os reformados podem usar seus uniformes por ocasião de cerimônias sociais, militares e cívicas, categorias em que a manifestação de domingo na avenida Paulista definitivamente não se encaixa.

    O coronel Américo Higuti é um ativo apoiador de Jair Bolsonaro. Ele mantém três perfis no facebook, em que posta fotos ao lado de celebridades de extrema direita, como o príncipe destronado Luiz Philippe de Orléans e Bragança, Carla Zambelli e o próprio presidente.

     

    Xingamentos na travessia

     

    No domingo, ele participaria do ato em apoio a Bolsonaro e contra o STF (Supremo Tribunal Federal), que acontecia a um quarteirão de onde se reuniam os Torcedores pela Democracia –corinthianos, palmeirenses, sãopaulinos e santistas contra o fascismo.

    Um cordão de isolamento formado por uma fileira de policiais militares separava um grupo do outro. Apesar das provocações fascistas dirigidas ao grupo dos torcedores, a situação estava sob controle. Cada grupos gritava suas palavras de ordem e agitava suas bandeiras.

    Foi então que o coronel Américo Higuti, o sargento PM Valdani, também fardado irregularmente, já que é da reserva, e um manifestante bolsonarista embrulhado na bandeira brasileira decidiram atravessar a pé a manifestação dos torcedores pela Democracia e contra o Fascismo. O grupo estava sendo escoltado por um soldado fardado da PM.

     

    Ao se aproximarem, em atitude claramente provocativa, os homens foram advertidos. “Não entrem aí, vocês estão querendo briga? Não vão!” Mas foi inútil. Torcedores presentes na manifestação relataram aos Jornalistas Livres que o grupo bolsonarista do coronel Américo Higuti entrou, xingando, na concentração pela Democracia: “ladrões”, “vândalos” e “maconheiros” foram algumas das ofensas.

     

    O coronel Américo Higuti, ao sair do outro lado da manifestação, alegou ter sido espancado, esfaqueado e “vítima de uma emboscada”.

     

    O sargento Valdani, também da reserva, alegou ter sido violentamente agredido pelos Torcedores.

     

    Foi a senha para começar a repressão.

     

    Os PMs que atuavam na segurança dos atos entraram em alvoroço e começou a confusão. Arremessaram bombas contra os torcedores enquanto o coronel Américo Higuti conversava com um soldado, parecendo dar-lhe ordens.

     

    Quando a avenida Paulista já havia se transformado em uma praça de guerra, o coronel Américo Higuti ainda foi visto tomando água, ladeado por PMs, no posto móvel da polícia, em frente ao parque Trianon e ao Masp.

     

    Depois do ato, o coronel foi ao 78º Distrito Policial, denunciando ter sido agredido, esfaqueado, “vítima de uma emboscada” e “impedido de se manifestar livremente”. Mas as imagens mostram que, ao contrário, foi ele que armou contra os manifestantes. Quanto à facada, será mesmo que ocorreu? Um homem esfaqueado não estaria tranquilamente assistindo à repressão que desencadeou e, depois, tomando um copo de água com os soldados do posto móvel da PM. Nem muito menos dando entrevista na porta da delegacia para sites fascistas. 

     

    O sargento Valdani também conversou com blogs da extrema direita tão logo terminou de prestar queixa no 78º DP. Estava firme e forte. Estranhamente, logo depois, foi internado, alegando fortes dores causadas pelas supostas agressões dos torcedores.

     

     

    Jornalistas Livres encaminharam às 10h43 à assessoria de imprensa da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo as seguintes questões. Recebemos a nota em resposta às 16h46.

     

    PERGUNTAS:

     

    Prezados senhores,

     

    (…) Gostaríamos de obter as seguintes informações:

     

    1. Qual o estado de saúde presente do coronel Américo Massaki Higuti? E do sargento Valdani?

     

    1. Por que o coronel Américo Massaki Higuti e o sargento Valdani compareceram à avenida Paulista trajando uniformes do Comando de Operações Especiais da Polícia Militar? PMs da reserva podem usar fardamento em atos políticos?

     

    1. Por que um policial militar da ativa escoltou os manifestantes pró-bolsonaro em sua passagem por dentro do grupo contra Bolsonaro, colocando em risco a segurança dos escoltados?

     

    1. Torcedores que entrevistamos dizem que a “provocação” do coronel Higuti foi o que deu pretexto para a repressão que se iniciou a partir daí. Gostaríamos que a PM descreva o fato que deflagrou a repressão.

     

    RESPOSTAS:

    Nota da Secretaria de Segurança Pública a respeito dos questionamentos feitos pelos Jornalistas Livres
    Nota da Secretaria de Segurança Pública a respeito dos questionamentos feitos pelos Jornalistas Livres

     

    Prezados senhores,

     

    (…) Gostaríamos de obter as seguintes informações:

     

    1. Qual o estado de saúde presente do coronel Américo Massaki Higuti? E do sargento Valdani?

     

    1. Por que o coronel Américo Massaki Higuti e o sargento Valdani compareceram à avenida Paulista trajando uniformes do Comando de Operações Especiais da Polícia Militar? PMs da reserva podem usar fardamento em atos políticos?

     

    1. Por que um policial militar da ativa escoltou os manifestantes pró-bolsonaro em sua passagem por dentro do grupo contra Bolsonaro, colocando em risco a segurança dos escoltados?

     

    1. Torcedores que entrevistamos dizem que a “provocação” do coronel Higuti foi o que deu pretexto para a repressão que se iniciou a partir daí. Gostaríamos que a PM descreva o fato que deflagrou a repressão.

     

    Leia mais sobre Manifestação dos Torcedores Antifascistas em:

     

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    Torcidas do Corinthians, Palmeiras, Santos e São Paulo se unem contra o fascismo

     

     

  • Brasil e EUA: dois experimentos sociais falidos

    Brasil e EUA: dois experimentos sociais falidos

    Os episódios recentes de protestos no Brasil e nos EUA não deveriam surpreender. É compreensível que, em meio ao surto virótico, milhares de pessoas ocupem as ruas nas duas maiores nações do continente americano. A escalada de confrontos e violência reflete problemas estruturais em ambos os países que os caracterizam, até certo ponto, como “casos únicos” no mundo. Não que protestos violentos demandando igualdade, justiça social e melhores condições de vida não aconteçam em outras partes do globo. Mas Brasil e EUA possuem uma combinação maléfica entre passado e presente que os empurra a um conflito interminável caso mudanças profundas na economia e sociedade não ocorram.

    A similaridade entre os dois países torna insustentável a convivência pacífica em sociedade, conforme demonstrado pelo cotidiano violento e cruel aqui e acolá.  As diferenças entre Brasil e EUA não podem obliterar características comuns à formação e consolidação de suas estruturas econômica e social. É importante insistirmos que ambos nasceram da expansão comercial europeia entre os séculos XV e XVIII calcada no escravismo e que o capitalismo, em sua face mais livre e, portanto, selvagem, reina nas duas maiores economias do Novo Mundo. Forjados na crueldade do trabalho escravo e vitaminados pelo capitalismo sem peias, a guerra entre “vencedores” e “perdedores” é uma constante nas duas localidades. 

    À base fundante excludente que, desde o início, apartou os proprietários de terra brancos dos negros, indígenas, mestiços e brancos pobres, acrescentou-se a competição desregulada no mercado de trabalho e no sistema econômico como um todo, ausente da devida intervenção estatal necessária à amenização das injustiças e distorções oriundas da dinâmica capitalista. O resultado não poderia ser outro: dentre as nações industrializadas, Brasil e EUA possuem as maiores desigualdades econômicas e sociais. Em ambas as nações, riqueza e pobreza têm cores.  

    Repressão e violência nos EUA e no Brasil: o legado do escravismo e do capitalismo feroz
    Repressão e violência nos EUA e no Brasil: o legado do escravismo e do capitalismo feroz

    A desigualdade do ponto de partida foi aprofundada pela desenfreada, injusta e não-meritocrática concorrência capitalista, ampliando a distância entre ricos e pobres, brancos e negros, incluídos e excluídos. Os favorecidos inicialmente saíram na frente na corrida com um acúmulo de riqueza e propriedades e foram turbinados pelas políticas discriminatórias de educação, saúde, habitação, cultura, direitos e afins… o resultado é que ficou impossível, via trabalho, esforço ou mérito, alcançar os privilegiados. O Abismo ficou deveras grande. O capitalismo prometeu prosperidade mas entregou disparidade. Os ricos já deram voltas e voltas em cima dos excluídos na corrida da luta pela sobrevivência cotidiana. Impossível alcançá-los correndo. A única maneira é mudar o curso da corrida. Dar meia volta e cruzar a linha de chegada pelo outro lado. O problema é que na inversão, choca-se com quem está vindo na direção oposta. Ou esses viram e saem correndo para o mesmo lado, ou serão atropelados. Necessário lembrar que nessa colisão o número, a quantidade, leva vantagem. Ou toda a sociedade caminha para o mesmo lado, ou a violência continuará na ordem do dia.    

    O debate precisa, entretanto, ir além. Reivindicamos mesmas oportunidades, igualdades de condições. Mas igualdade de condições para que? Para competir? Para participarmos da corrida? Para continuarmos moendo pessoas através da concorrência por dinheiro? Mas será que precisa haver corrida? Será que precisamos competir e aniquilar o próximo em 2020?

    O passado e o presente dos dois países resultaram em um sistema no qual, independente da vontade individual, não importando quem ocupa determinada posição, os valores capitalistas, a exploração e a exclusão são permanentes.

    Criou-se um sistema no qual o narcisismo, o individualismo, o egoísmo, a competição tresloucada, o enriquecimento ilimitado, o consumo exacerbado e o culto ao corpo imperam. Tais atributos não são, obviamente, predicados brasileiros e estadunidenses, mas, sem dúvida, avançaram mais nesses dois países. E nesse sentido a fala de Cornel West, viralizada nas redes sociais, caminha nessa direção quando afirma que “Estamos testemunhando a América como um experimento social falido”.

    O sistema precisa mudar. Não adianta substituir um homem por uma mulher como CEO de um banco, se ela continuar ganhando 400 vezes mais do que o auxiliar de almoxarifado. Não adianta substituirmos um modelo branco por um modelo negro na propagando da Zara se a lógica consumista de destruição dos recursos terrestres permanecer. Não adianta darmos educação de qualidade se o objetivo é trucidar o próximo na entrevista de emprego. É inútil substituirmos as peças se o jogo continua o mesmo. Não se trata de indivíduos melhores ou piores, bons ou maus. Trata-se de relações perniciosas derivadas do próprio sistema; um sistema nocivo ao bem-estar coletivo que precisa urgentemente mudar.

    Temos por obrigação reconhecer que falhamos como sociedade. Permanentemente, excluímos mais que incluímos; destruímos mais que construímos. É preciso mudar a lógica do sistema, seus valores. Enaltecer o coletivo, o bem-estar, o amor ao próximo e não a competição, o individualismo, a diferença, a desigualdade, o “mérito”. É preciso libertar a humanidade do jugo mercantil. O momento é propicio para reflexões e atitudes que realmente mudem o sistema, transformem nossas vidas. Não dá mais para vivermos num mundo onde a maioria sofre. É insustentável. É impossível. É imoral. Uma bomba relógio.

    O ideal é que o nascimento de uma nova sociedade ocorra através das vias democráticas, sem violência. Mas parece que a democracia não funciona no mundo do livre-mercado. As histórias do Brasil e dos EUA mostram que no capitalismo selvagem, sem a devida mediação/proteção econômica e social do Estado, os interesses da maioria são relegados ao esquecimento. Isso é sentido na pele pelos excluídos. Que as forças democráticas se unam a favor de um mundo novo pois, é bom relembrar, a violência é a parteira da história.

    Daniel de Mattos Höfling

    é doutor em Economia

    pela Unicamp

    (Universidade Estadual de Campinas)

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  • Pandemia: 1% mais rico do País não está nem aí para as mortes dos pobres

    Pandemia: 1% mais rico do País não está nem aí para as mortes dos pobres

    Por Ricardo Melo*
    A que ponto chegamos. Em meio a uma praga que diariamente fulmina milhares de vidas mundo afora, lemos, ouvimos, assistimos __até pelo confinamento compulsório__, supostos luminares preocupados com o que virá depois.
    Uma pergunta: e o que está acontecendo agora?
    É impressionante ver “especialistas” contabilizarem mortos “inevitáveis”. Chegou-se ao cúmulo de uma assessora de Bolsonaro, Solange Vieira, registrar que os óbitos de agora são velhos em sua maioria e aliviam as contas da Previdência.Assim informam os noticiários, embora ela agora tente desesperadamente desmentir.
    Justiça seja feita, não se trata apenas do Brasil. Na maioria dos países dominados pelo grande capital, a grande preocupação é com o fim dos isolamentos, das quarentenas, com a reabertura do comércio, a reativação da indústria e a “retomada da economia”.
    Mortos? E daí?
    Detalhe: briga entre Moro e Bolsonaro, ambos walking deads, rusgas com o Supremo, Congresso, embates com governadores, claro, têm sua importância. Mas o que o povo quer e precisa saber é o seguinte:

    Cadê o auxílio miserável de R$ 600 que 1 em cada três brasileiros ainda não recebeu? Cadê os testes? Cadê os leitos de UTI? Cadê os respiradores? Cadê a esperança? Cadê?

    Tantas perguntas sem respostas criam fogueiras de angústia e desassossego: Quem vai morrer amanhã? Qual parente ou amigo vou ver num caixão à distância? E quando for comigo? Com as pessoas que amo?
    É uma vergonha.
    Poucos dos endinheirados se importam com as mortes que se acumulam HOJE. Em plena avenida Brasil, em São Paulo, o drive thru do chiquérrimo Laboratório Fleury tem fila de carros de luxo na porta. Dentro deles, pessoas que fazem os testes para Covid-19: R$ 450 para saber se você está com o vírus agora; R$ 420 para saber se você já foi contaminado e, portanto, tem anticorpos para a doença. Total: R$ 970 por cabeça. Enquanto isso, os pobres morrem sufocados, afogando-se no seco, sem nem ao menos terem confirmada a causa de tanto sofrimento. É por essas que a doença hoje está matando o povo mais carente na imensa maioria dos casos.
    Porta-vozes dos tubarões do 1% mais rico da população nem enrubescem ao afirmar que, não fossem as favelas, a situação já estaria sob controle (Guilherme Benchimol, sócio do Itaú, criador da XP investimentos, o caça níqueis dos incautos, milionários lavadores de dinheiro e que tem como garoto propaganda gente como Luciano Huck).
    Sei que prego no deserto dominado pela mídia oficial e seus comparsas. Mas a verdade tem que ser dita.
    Os bilhões e bilhões de dólares nas mãos de uns poucos seriam mais do que suficientes para socorrer os milhões que hoje estão à míngua, sem direito a um tratamento digno.
    Tem mais: a tecnologia high tech, capaz de tantas proezas, certamente tem condições de encontrar em tempo recorde uma vacina contra um vírus que não passa de uma sequência de outros que já surgiram.
    Mas não. O que se observa é uma disputa entre laboratórios farmacêuticos poderosos para ver quem chega primeiro a um remédio ou a uma vacina eficaz para, assim, disparar nas bolsas de valores. Pura especulação. Não há colaboração entre cientistas de ponta. Tampouco os grandes conglomerados multinacionais sentem-se obrigados a reorientar sua produção para equipamentos voltados a salvar as milhares de vida perdidas diariamente. Estão mais preocupados em demitir e cortar salários sob o argumento de que “a economia parou”.
    Agora, virou moda falar em “novo normal”. Uma estupidez à altura dos cínicos que engordam seus cofres à custa das vidas dos mais pobres e do sucateamento dos sistemas públicos de saúde promovido pelo neo-liberalismo atroz.
    O que precisamos é inaugurar um tempo em que a solidariedade e o respeito aos desvalidos falem mais alto que a ganância desmedida imposta pelo capitalismo imperialista.

    *Ricardo Melo, jornalista, foi editor-executivo do Diário de S. Paulo, chefe de redação do Jornal da Tarde (quando ganhou o Prêmio Esso de criação gráfica) e editor da revista Brasil Investe do jornal Valor Econômico, além de repórter especial da Revista Exame e colunista do jornal Folha de S. Paulo. Na televisão, trabalhou como chefe de redação do SBT e como diretor-executivo do Jornal da Band (Rede Bandeirantes) e editor-chefe do Jornal da Globo (Rede Globo). Presidiu a EBC por indicação da presidenta Dilma Rousseff.

    Leia mais Ricardo Melo em:

     

    RICARDO MELO: Brasil à deriva, salve-se quem puder!

     

  • Impasse sobre Enem 2020 reflete desigualdades brasileiras na educação

    Impasse sobre Enem 2020 reflete desigualdades brasileiras na educação

    Por: Beatriz Passos – do Com_Texto

    Entrar em uma universidade pública é o sonho de muitos estudantes brasileiros. Mesmo com diversos fatores que tornam complicadas as vivências na universidade, milhares de alunos em todo Brasil se inscrevem no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) para tentarem uma vaga no ensino superior. Mas essas instituições estão preparadas para receber esses alunos? Quais são os obstáculos desses jovens? Quem os ajuda nessa caminhada? São questões como essas que fizeram o Com_Texto investigar um pouco dessa trajetória, em 2020, no cenário inédito de pandemia mundial causada pela Covid-19.

    Em maio de 2019, a Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) divulgou que a maioria dos seus estudantes era mulher, parda, com idade entre 18 e 24 anos e com renda per capita familiar de até um salário mínimo. Tais dados foram levantados a partir da V Pesquisa Nacional de Perfil dos Graduandos das Instituições Federais de Ensino Superior (Ifes), promovida pelo Fórum Nacional de Pró Reitores e Assuntos Estudantis (Fonaprace) da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes). Para a coleta de informações foram entrevistados 28.481 estudantes dos cinco campi da UFMT, consultando 68,6% da sua comunidade estudantil.

    Cerca de um ano depois, em meio à pandemia causada pelo novo coronavírus, estudantes com perfis parecidos com a realidade da UFMT correm o risco de não terem a oportunidade de pleitear uma vaga no ensino superior. Afinal, a edição 2020 do Enem, principal meio de entrada nas universidades, ainda não tem sequer uma data certa para ocorrer, apesar do governo ter gasto muito dinheiro numa propaganda onde atores com mais de 20 anos interpretavam secundaristas com pleno acesso a computadores, smatphones importados, quartos individuais e livros nas estantes. Esse cenário utópico está muito longe da realidade da maioria dos estudantes brasileiros.

    DEMOCRATIZAÇÃO DO ENSINO

    A UFMT foi uma das primeiras universidades a aderir o sistema de cotas sociais, em 2011, antes mesmo da consolidação da Lei 12.711 de 2012, a Lei das Cotas. Ocasionando um quadro de 69% de seus estudantes pertencentes à categoria de baixa renda, além de ter 55% vindos de escolas públicas. Segundo Vinicius Brasilino, Conselheiro de Estado de Educação, representante dos estudantes do ensino superior na Câmara de Educação Profissional e Ensino Superior e também graduando de Saúde Coletiva pela UFMT, essa realidade ampliou o processo de democratização da universidade. “A maior participação de estudantes das redes públicas garantiu que mais jovens das classes populares tivessem acesso ao ensino superior, podendo dar continuidade ao seu processo de formação e escolarização formal”, afirma.

    Brasilino ressalta, contudo, que a manutenção desse acesso não basta. É preciso também garantir a permanência dos alunos no ensino superior. “O fato desta democratização ter dado acesso à universidade aos diferentes perfis de estudantes, ocasionou na demanda pela permanência estudantil, o que a gente chama de assistência estudantil: garantia de benefícios para que o estudante possa estudar com qualidade”, explica. “Esses meios podem ser, por exemplo, bolsas alimentação e moradia. Foi por isso que o Brasil criou o Programa Nacional de Assistência Estudantil, para dar conta de atender a esses estudantes que têm especificidades e demandas emergentes dentro das universidades”.

    Porém, especialmente por conta dos cortes de verbas desde 2014, as políticas de assistência não conseguem garantir tais benefícios a todos os que necessitam. No caso da UFMT, em 2020 o orçamento total de custeio é 21% menor do que no ano passado, e da assistência estudantil foram retirados cerca de 40% da verba. “Os principais obstáculos que estudantes em vulnerabilidade social enfrentam estão relacionados às políticas de permanência e assistência estudantil. Afinal, a educação vem sofrendo nos últimos anos vários cortes, como a Emenda Constitucional nº 95 , de 2016, que congelou os investimentos em educação, saúde e outras áreas do desenvolvimento social do país por 20 anos”, comenta o Conselheiro de Estado de Educação.

    Vinicius Brasilino também vê como prática perigosa aos cidadãos o possível agendamento da prova do Enem ainda em 2020. “Observando o movimento da pandemia no Brasil e as ações que o Governo Federal vem tomando, que são muitas vezes contrárias ao que a Organização Mundial da Saúde (OMS) tem proposto, a realização do Enem não só coloca em vulnerabilidade sanitária milhares de estudantes, como também se transforma em instrumento de ampliação das desigualdades educacionais e sociais do Brasil”, analisa.

    Em razão da pandemia do Covid-19, o Enem 2020, incialmente marcado para os dias 1 e 8 de novembro, provavelmente será adiado de 30 a 60 dias, de acordo com Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) que aplica a prova. A contragosto do Ministro da Educação, Abraham Weintraub, e do Governo Federal, o Senado aprovou um projeto de adiamento o exame por 74 votos a 1 (do senador Flávio Bolsonaro, filho do presidente da República). No dia seguinte, o presidente do Congresso, deputado Rodrigo Maia, informou ao presidente o projeto teria placar semelhante na Câmara dos Deputados, forçando o mudança.

    Sem dúvida essa foi uma grande vitória das pressões de organizações como a União Nacional dos Estudantes (UNE). Mas ainda não é o suficiente. “O adiamento do Enem de 30 até 60 dias, mantém o processo perverso desse governo de privilégios, assim como a anuncida modalidade virtual do exame. Quem realmente tem acesso à internet para fazer o Enem digital? Quem fará virtualmente poderá fazer a prova de sua casa com um conjunto de livros e conteúdos ao lado, com condições de ter um melhor resultado na prova? Para mim, o Enem digital reforça ainda mais uma falsa meritocracia e condições desiguais de acesso à universidade. É um equívoco”, afirma Vinicius Brasilino.

    Alunos da UFMT em manifestação contra o projeto Future-se, em 2019 (Foto: Com_Texto)

    FUTURO E INCERTEZAS

    Luiz Antônio está no quinto semestre do ensino médio integrado ao curso técnico em edificações, no Instituto Federal de Mato Grosso (IFMT) – campus Várzea Grande. Com 18 anos, seus planos no início de 2020 eram prestar o Enem e concorrer a uma vaga na UFMT. “Eu costumava passar em torno de 35 a 40 horas semanais na escola, tudo isso entre aulas, projeto de pesquisa e extensão e grupo de estudo. Esse ano seria o meu último ano do ensino médio, mas agora já estamos nos encaminhando para o terceiro mês de aulas interrompidas por causa da pandemia do novo coronavírus”, conta.

    Sem aulas desde o dia 17 de março, o estudante declarou que sua rotina mudou bastante. Como passava muito tempo na escola, se organizava para estudar no colégio, e em casa dedicava-se às outras responsabilidades domésticas. Diferente de outros alunos da sua escola, Luiz Antônio tem acesso à internet em casa, mas ainda assim preferiu fazer a prova na modalidade física, por segurança. “Eu tenho acesso à internet em casa, o que tem me ajudado bastante nesse processo de adaptação. E devido aos problemas da correção da edição passada do Enem, eu optei pela versão impressa da prova, porque tenho um pouco de incerteza com essa experimentação”, assume.

    Apesar do ministro dizer que foi “o melhor Enem de todos os tempos”, a edição de 2019 teve erros de correção, além do vazamento de uma das páginas da prova durante o dia do exame, em 3 de novembro. De acordo com o Ministério da Educação (MEC), foi divulgada uma foto da folha de redação antes do final do exame, já no momento da correção. E quem fez a prova com uma determinada cor de gabarito, teve suas respostas corrigidas com base em um gabarito de cor diferente.

    Diante de tantas dúvidas, Luiz comenta que, assim como ele, seus colegas estão muito inseguros. “Tudo isso tem sido muito comentado nos grupos de turmas sobre o Enem, e tudo é uma grande incerteza. Ninguém sabe como vai ser ou o que pode acontecer. Está todo mundo muito apreensivo porque o ano está correndo e já perdemos o final de semestre todo. Então estamos ficando para trás sim, comparado aos alunos de escola particular”, revela.

    Sobre os próximos acontecimentos com relação ao Enem, o estudante acredita que o melhor é o cancelamento da aplicação da prova em 2020. “Eu acho as discussões sobre o adiamento do Enem muito pertinentes, porém, ao meu ver, o correto nesse momento seria o cancelamento dessa edição. Porque já foi praticamente todo o primeiro semestre do ano e as escolas estaduais de Mato Grosso não chegaram nem a começar o ano letivo de 2020, enquanto as escolas particulares já estavam praticamente no fim do primeiro semestre”.

    OBSTÁCULOS DIFERENTES

    Para uma professora de biologia que atua há 20 anos em escolas estaduais de Mato Grosso, que preferiu não ter a identidade revelada, os alunos da rede pública e da rede particular têm condições intelectuais iguais para prestar o Enem. A diferença entre os dois perfis está nas oportunidades sociais que acabam por privilegiar apenas um dos lados. “Os alunos de escola pública têm que trabalhar mais para conseguir uma vaga na universidade. Então, quando eles conseguem, é muito gratificante porque é todo um universo que eles conseguiram vencer. Por isso que, intelectualmente, eles têm condições tanto quanto um aluno de escola particular, porém em relação à estrutura social eles saem perdendo”, comenta a professora.

    Com experiência no ensino também em escolas particulares, a professora ressaltou a diferença dos perfis dos alunos que frequentam escolas pagas daqueles matriculados em instituições públicas. “Quando dei aulas em escolas particulares, no começo da carreira, os alunos, em sua maioria, eram classe média ou classe média alta. As escolas tinham boas estruturas, como lousa mágica, internet veloz e salas climatizadas. Além do que, grande parte dos estudantes de escolas particulares não trabalhavam. Já os meus alunos do ensino público normalmente têm duplas jornadas. Se estudam de manhã, trabalham à tarde, e se estudam à tarde, trabalham de manhã, em sua maioria em empregos com carga horária pesada”, conta.

    A professora defende a educação pública, acredita que apesar das dificuldades enfrentadas por alunos e até mesmo por professores, o ensino gratuito garante o atendimento a demandas às quais as escolas particulares não se comprometem.

    “Outra grande diferença entre a escola particular e pública é que são poucas as escolas pagas que têm, no meu conhecimento, ensino inclusivo com alunos PcD (Pessoas com Deficiência). Na escola pública, esses estudantes são inclusos em salas regulares. E falando do estado de Mato Grosso, existem também as escolas quilombolas, indígenas e rurais com logísticas diferentes”, salienta.

    Atenta à diversidade de perfis, a educadora também se preocupa com o lado psicológico dos estudantes que pretendem realizar o Enem. “Como todos que estão passando por essa pandemia, os estudantes estão assustados e com medo, de certa forma sem condições psicológicas para fazerem uma prova densa como o Enem”, acredita a professora. “E nesse momento, o aluno de escola pública estadual soma a essas inseguranças a angústia de não ter iniciado o ano letivo devido à greve realizada ano passado. E o que a Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso (Seduc-MT) disponibilizou para eles, que são aulas online e/ou pelo canal da TV Assembleia, não é o ideal. Eu sei disso porque participo de grupos de conversas com eles e eles dizem que não têm condições porque não entendem os conteúdos devido aos problemas de conexão”, revela.

    As transmissões das videoaulas acontecem via TV ALMT (canal 30.2), com aulas inéditas e reprises durante a semana. As aulas são sobre as quatro áreas do conhecimento exigidas no Enem: matemática; linguagem e suas tecnologias; ciências sociais aplicadas; e ciência da natureza e suas tecnologias. O projeto foi apresentado pelo deputado estadual Delegado Claudinei (PSL), no dia 8 de maio, pela indicação de n.º 1.572/2020, na qual propunha à Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso (Seduc-MT) a aplicação de método de ensino a distância para promover aulas virtuais para alunos da rede pública estadual durante a pandemia do novo coronavírus.

    Estudante segurando cartaz “Em defesa da educação pública” durante as manifestações contra os cortes no setor em 2019 (Foto: Com_Texto)

    DIMINUINDO BARREIRAS

    A Rede de Cursinhos Populares Podemos+ formada pelo Levante Popular da Juventude ajudou a aprovar em 2019 mais de 100 alunos no Enem. Criada em 2017, em São Paulo, a rede está presente em 50 cidades, distribuídas em 21 estados do Brasil, e tem em sua organização 1600 educandos e 800 educadores. Com componentes voluntários a Podemos+ reúne pessoas que buscam ajudar jovens brasileiros que são afastados ou excluídos do ensino superior a ingressar em universidades federais ou estaduais.

    “As experiências na nossa rede de cursinho estão vinculadas aos jovens da classe de trabalhadores, que são moradores de periferias, jovens estudantes de escolas públicas, jovens mães, e aos que não têm possibilidade de pagar mensalidades absurdas em cursos preparatórios. Nosso objetivo é com as questões de igualdade mesmo, de facilitar o acesso à universidade, como é o caso do cursinho de escrita acadêmica que serve justamente para aqueles que têm dificuldades em desenvolver trabalhos com critérios acadêmicos”, explica a Coordenadora da Rede de Cursinhos Populares Podemos+ e da Frente Territorial do Levante Popular da Juventude, Lorhana Lopes.

    Outra ação neste sentido foi o mutirão de ajuda na realização das inscrições no Enem. “A gente precisava fazer com que o máximo de pessoas tivesse acesso. Por isso, movimentamos mais de 800 pessoas, em ação voluntária, para contribuírem nesse processo que é extremamente burocrático. Então, passamos por processo formativo, lemos todas as informações da plataforma do Inep, e depois entramos em contato por telefone com pessoas que preencheram o formulário básico para solicitar a ajuda, além dos outros educandos já inscritos”, conta Lorhana. Em Mato Grosso, a Podemos+ atua desde 2019 em Cuiabá e conta com 42 educadores voluntários. No primeiro ano de curso foram aprovados três alunos na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Em 2020, o processo de mobilização foi interrompido pela pandemia do Covid-19, e até o momento da pausa cerca de 60 jovens já estavam inscritos para participarem das aulas.

    Questionada sobre o porquê de não continuar com as aulas no formado de Ensino a Distância (EaD), a coordenadora da Rede de Cursinhos Populares Podemos+ em Mato Grosso, Amandla Sousa, revela que a modalidade seria incompatível com as realidades dos educandos que a rede atende. “Nós da Podemos+ não podíamos pensar na manutenção das aulas do cursinho em uma modalidade EaD. Essa não é a realidade da população brasileira. Essa não é a realidade dos sujeitos com os quais estamos contribuindo para que acessem a universidade e essa também não é a realidade de Mato Grosso. Nós temos bairros do município de Cuiabá, onde é a situação de vulnerabilidade dos trabalhadores é tamanha que falta por vezes alimentação para essas pessoas. O que dirá internet”, esclarece.

    Segundo a coordenadora, a Podemos+ utiliza uma metodologia da educação popular e justamente por isso considera mais importante acompanhar os educandos e suas famílias neste período de fragilidade causada pela crise sanitária e econômica mundial. “Neste momento nós temos que nos preocupar com a vida do nosso povo. Temos que nos preocupar em garantir condições de vida digna, e o Enem deve se adaptar a esse processo para que ele não seja mais excludente. Na realidade do nosso povo que é tão diverso, que tem tantas dificuldades, adiar o Enem com base no ano letivo de 2020 é fazer justiça social”, afirma Amandla Sousa.

     

    NOTA OFICIAL DIVULGADA NO PORTAL DO INEP

    Atentos às demandas da sociedade e às manifestações do Poder Legislativo em função do impacto da pandemia do coronavírus no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2020, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) e o Ministério da Educação (MEC) decidiram pelo adiamento da aplicação do exame nas versões impressa e digital. As datas serão adiadas de 30 a 60 dias em relação ao que foi previsto nos editais.

    Para tanto, o Inep promoverá uma enquete direcionada aos inscritos do Enem 2020, a ser realizada em junho, por meio da Página do Participante. As inscrições para o exame seguem abertas até as 23h59 desta quarta-feira, 27 de maio.

     

    SAIBA MAIS:

     

    V Pesquisa Nacional de Perfil dos Graduandos das Instituições Federais de Ensino Superior (Ifes): https://noticias.paginas.ufsc.br/files/2019/05/VERSAO_MESTRA_DO_RELATORIO_EXECUTIVO_versao_ANDIFES_14_20h52_1.pdf

    NOTA OFICIAL | Adiamento do Enem 2020: http://portal.inep.gov.br/artigo/-/asset_publisher/B4AQV9zFY7Bv/content/nota-oficial-adiamento-do-enem-2020/21206

    Rede de Cursinhos Podemos+: @cursinhospode

    Matéria original no site do Com_Texto: https://com-texto.wixsite.com/comtexto/post/impasse-sobre-enem-2020-reflete-desigualdades-brasileiras-na-educa%C3%A7%C3%A3o

  • Lei Emergencial da Cultura: um país sem cultura é um país sem história

    Lei Emergencial da Cultura: um país sem cultura é um país sem história

    Valmir Assunção¹

    Marcos Rezende²

    O setor cultural foi o primeiro a suspender suas atividades em virtude da pandemia e será o último a retomá-las. Assim sendo, é preciso garantir a sobrevivência de trabalhadores e espaços que vivem da arte e da cultura. Para além do sentido simbólico que é preservar a cultura na figura de seus agentes, que envolve preservar nossa identidade cultural, nossos modos de ser, fazer e estar no mundo, é necessário agir para garantir o aspecto social e econômico do setor cultural.

    Dados apontam que 5 milhões de pessoas trabalham no setor cultural em nosso país. A cultura como um todo é responsável por cerca de 2,64% do PIB (produto interno bruto) brasileiro, economia que está sendo afetada com a crise mundial que vivemos, gerando perdas de receitas no setor cultural da ordem de R$ 46,5 bilhões, com uma redução de 24% em sua participação no PIB, o bolo da produção econômica nacional.

    O cenário da cultura é ainda mais urgente quando pensamos que as relaçõess trabalhistas são quase totalmente informais e temporárias, com estudos revelando que 44% dos trabalhadores da cultura se encontram na condição de autônomos. Nesse cenário é preciso garantir que as trabalhadoras e trabalhadores da cultura não morram de fome em um contexto de pandemia no qual aglomerações de pessoas têm de ser evitadas, pois o ofício do artista é o público.

    Nações como a França e o Reino Unido tomaram medidas para garantir a continuidade dos fomentos culturais através de ações que promovessem a chegada de recursos financeiros nas mãos dos agentes culturais. Sem o auxílio do Estado, perderemos um setor produtivo inteiro, deixando à míngua e à própria sorte milhares de famílias brasileiras. É dever do poder público garantir a segurança e a vida das pessoas do setor cultural, além de impulsionar a geração de empregos e renda através de subsídios para as instituições culturais. Profissionais da cultura não são menos profissionais.

    A Câmara dos Deputados vem debatendo a forma mais justa e real de salvar o campo da cultura no Brasil. E o Projeto de Lei n.1075/2020 traz soluções fundamentais para garantir isso. Esse PL propõe o valor de R$ 3,6 bilhões destinados a ações emergenciais, para todo o país, descentralizando recursos para Estados, Distrito Federal e Municípios, por meio de renda emergencial aos trabalhadores da cultura; subsídios para manutenção física de espaços artísticos e culturais, empresas, cooperativas, instituições e organizações culturais que tiveram as suas atividades interrompidas pelo isolamento social; assim como prevê a existência de editais, a aquisição de bens e serviços relacionados ao setor cultural, a produção e transmissão de bens culturais através das plataformas digitais e garante a prorrogação de prazos de editais já em andamento, propondo, nesse conjunto de ações, a manutenção das redes que compõem a economia da cultura.

    É importante destacar que o PL prevê que os recursos da Lei de Emergência Cultural virão do superávit do Fundo Nacional de Cultura, avaliado em R$ 2,9 bilhões. Uma parcela bem inferior, R$ 700 milhões, viriam de dotações orçamentárias da União, observados os termos da chamada PEC da Guerra. O PL 1075 também segue os critérios econômicos e sociais do público-alvo utilizados para a Lei do Auxílio Emergencial.

    Se existem recursos destinado a manutenção da Cultura, esse é o momento de usá-los.
    Dessa forma, faço um apelo aos meus colegas deputados, deputadas, senadores e senadoras, para que eles e elas não se anulem de apoiar um projeto de lei que vai salvar a cultura de nosso país: VOTEM A FAVOR DO PL 1075 DE 2020!

    Um país sem cultura é uma país sem história!

    E um país sem conhecimento é uma nação sem futuro!

     

    Valmir Assunção é deputado federal pela Bahia, coordenador da bancada do Partido dos Trabalhadores (PT) na Câmara dos Deputados e militante do MST (Movimento dos Trabalhadores e das Trabalhadores Rurais Sem-Terra)

    Marcos Rezende é historiador, mestre em gestão e desenvolvimento social pela Faculdade de Administração da UFBA, fundador do Coletivo de Entidades Negras (CEN) e Ogan de Ewá e OjuObá do Ilê Oxumarê Asè Araká Ogodô.

     

    [youtube https://www.youtube.com/watch?v=8kAfF3n3DnE]