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Categoria: Belo Horizonte

  • A ciranda das mulheres que percorre o Brasil em podcast

    A ciranda das mulheres que percorre o Brasil em podcast

    Texto: Lucas Bois
    Revisão: Ágatha Azevedo

    Escutar notícias, ouvir uma narração e ser levado por uma trilha sonora… O que antes poderia ser um programa de rádio, hoje talvez seja um episódio de podcast. Esse fenômeno que invadiu a internet há poucos anos, continua em constante crescimento no número de ouvintes e se expande também na variedade de assuntos oferecidos. Atualmente, grande parte dos temas de podcasts estão relacionados à pandemia da COVID-19 ou ao contexto sócio-político decorrente do bom ou mau enfrentamento dos governos a essa crise mundial sanitária. No nosso país, a pandemia escancara as desigualdades ao evidenciar os problemas sociais que separam as classes econômicas da população.

    Diante desse contexto, as jornalistas Raquel Baster e Joana Suarez decidiram mergulhar no mundo do podcast para contar histórias de mulheres brasileiras que enfrentam a pandemia, além dos desafios diários vividos cotidianamente. “A gente tem certeza que as mulheres sempre tem as melhores soluções. Ao reunir essas histórias, trazemos muitas ideias e inspirações, formando uma grande ciranda. Daí veio o nome do podcast: Cirandeiras“, conta Joana.

    Para conhecer melhor esse espaço de webrádio e feminismo, os Jornalistas Livres fizeram um bate-papo com as jornalistas que contam sobre o processo de produção, a pandemia e a relação desse projeto com a democratização da comunicação.

    Como começou

    Raquel Baster e Joana Suarez já dividiam afinidades pelas pautas feministas e bastou apenas uma semana de quarentena para que colocassem o projeto do podcast em ação. Joana, que vem do jornalismo de redação, conta que já vinha se aproximando da rede de podcasts, refletindo sobre a acessibilidade do áudio e seu poder de democratizar: “A maioria dos textos que eu faço são textos enormes e tenho a certeza que muita gente não lê, principalmente as mulheres sobre quem eu falo. O áudio me atraía muito porque leva as pessoas a imaginarem, criar cenários e ir para outra dimensão. Agora na pandemia onde as pessoas estão confinadas, o podcast virou uma companhia, uma forma de sair de casa.”

    Já Raquel trouxe ao universo do podcast, sua experiência com a comunicação popular: “Eu sempre trabalhei muito com rádio comunitária e me interesso por essa forma de comunicação que está mais próxima das pessoas. Por mais que ainda seja um novo tipo de mídia, o podcast traz as características do rádio, como as histórias contadas através de uma narração.”

    Como é produzido

    Muitas vezes, quem escuta um podcast não imagina o que pode estar por trás de sua produção. Segundo as jornalistas, a primeira coisa a fazer é pensar no tema e escolher as mulheres para as entrevistas, por elas chamadas de “cirandeiras”.

    “Geralmente o episódio tem a ver com uma pauta que já trabalhamos anteriormente e assim, procuramos mulheres que já tivemos contato. Por coincidência, toda vez que decidimos uma pauta, acontece algo nacionalmente que se conecta ao programa.” Joana lembra que o episódio recente Pandemia na internet sobre segurança digital foi ao ar na mesma semana em que o Senado brasileiro discutia o projeto de lei que combate fake news, enquanto outra discussão acontecia nas redes sobre a exposição de dados pessoais dos usuários do aplicativo FaceApp.

    Após o primeiro contato, elas fazem uma pesquisa sobre a cirandeira, enviam as perguntas e dão algumas dicas à entrevistada de como fazer uma boa gravação utilizando o próprio WhatsApp. Como essa orientação, muitas vezes, não é suficiente, nem sempre os áudios tem a melhor qualidade, “mas na pandemia tá tudo justificado”, comenta Joana.

    Com as respostas da entrevistada, o roteiro chega a ter mais de 10 páginas e leva de 20 a 30 horas para sua elaboração. A cada episódio, uma delas toma à frente a função de escrever o roteiro, incluindo referências pessoais, e em seguida, a parceira acrescenta a sua parte. “A gente percebe que às vezes um tema muito comum para uma, pode ser muito complexo para a outra. A gente vai se complementando para facilitar o entendimento de quem escuta”, conta Raquel.

    Depois do roteiro, vem a hora da gravação que exige algumas preparações, como escolher um horário silencioso do dia para gravar, desligar a geladeira e armar um pequeno estúdio caseiro com edredons. “O legal do podcast é que é uma mídia barata. Basta ter um celular, internet e gambiarras”, conta Joana dando risadas.

    Retorno dos ouvintes

    As jornalistas contam que 75% das pessoas que ouvem o podcast são mulheres e pertencem ao grupo social que elas convivem. Além do desafio de expandir a rede de ouvintes, elas relatam que ainda é uma grande dificuldade fazer com que o podcast retorne às pessoas entrevistadas e a outras mulheres que não estão acostumadas a esse tipo de mídia.

    Raquel conta que a cirandeira Lia de Itamaracá, entrevistada no episódio Pandemia na Ilha, só pôde escutar o podcast após seu produtor viajar até a ilha onde mora para mostrá-la pessoalmente em seu celular. Lia é uma das mulheres brasileiras que ainda não fazem parte dessa grande rede de internet em 2020.

    Um infográfico produzido pelo site iinterativa utilizando as fontes do IBOPE, Spotify Newsroom e ABPod, mostra que cerca de 45% do público dos podcasts é formado por homens, do sudeste do país, que pertencem às classes A e B e tem entre 16 e 24 anos. Segundo a pesquisa feita em 2019, 32% dos entrevistados nem sabiam o que é um podcast.

    Se o podcast ainda é limitado a uma pequena parcela da população, o WhatsApp talvez possa ser um lugar mais democrático para a sua difusão. As jornalistas contam que decidiram fazer os episódios em formatos pequenos de até 30 minutos para conseguir enviar pelo aplicativo de mensagens e garantir que o podcast alcance o maior número de pessoas.

    Democratização da comunicação

    Para a jornalista Raquel Baster, é inevitável discutir o alcance dos podcasts sem pensar na democratização dos meios de comunicação no Brasil. Apesar do surgimento das novas mídias, grande parte das informações veiculadas é controlada por um conglomerado de grandes empresários que atendem os interesses privados dessa própria elite.

    Segundo ela, “não adianta inventar a roda do podcast, sem falar da estrutura da comunicação no Brasil. Para tornar (a comunicação) mais acessível, precisamos discutir a concentração midiática. A internet ainda não é acessível para grande parte da população brasileira. Precisamos que o maior número de pessoas tenham acesso, mas que possam também alcançar os meios de produção.”

    No episódio sobre trabalhadoras rurais, a entrevistada Verônica Santana fala sobre a dificuldade das agricultoras em conseguir se comunicar durante a pandemia, visto que o trabalho sempre foi presencial. “A gente tem muita dificuldade, tanto no domínio dessas ferramentas, como no desafio de que a internet não funciona na maioria dos nossos territórios rurais. No campo, a internet ainda não é uma realidade.”, diz Verônica.

    Segundo a pesquisa TIC Domicílios, apenas 50% da população rural tem acesso a internet e esses números podem diminuir ainda mais de acordo com o recorte social e econômico.

    Por outro lado, Joana revela seu otimismo no poder das novas mídias: “Acho que o podcast vai se democratizar como aconteceu com o Instagram. Quando a gente poderia imaginar ter acesso a sotaques das pessoas do sertão do Cariri?” Joana se refere ao podcast BUDEJO, de Juazeiro do Norte, e cita ainda o Radionovela produzido por alunos da UFPE em Caruaru, no agreste pernambucano, que narra em formato de radionovela O Alto da Compadecida em Tempos de Pandemia, adaptação da obra de Ariano Suassuna.

    Para onde vai essa Ciranda

    O podcast Cirandeiras teve início durante a pandemia, portanto grande parte dos seus episódios tem esse tema como contexto. No entanto, as jornalistas Raquel Baster e Joana Suarez pretendem continuar os episódios futuramente, indo a diferentes locais do Brasil para entrevistar de perto as mulheres que conduzem “as cirandas”.

    Os episódios das Cirandeiras estão disponíveis nas plataformas mais conhecidas de podcast e tem a cada quarta-feira um novo episódio. Também estão presentes no Instagram, onde ocorrem as lives com as outras mulheres dentro das temáticas dos programas.

  • Salve sua força, Marlene Silva! Obrigada.

    Salve sua força, Marlene Silva! Obrigada.

    Não há em Belo Horizonte, gente negra de mais de 40 anos, envolvida com o Movimento Negro ou com a cultura negra da dança que desconheça o significado do nome Marlene Silva para a cena da dança afro local e brasileira. E que alegria, senhora, saber que as devidas homenagens lhe foram prestadas em vida.

    Artistas negros da dança na cidade, na casa dos 40 anos ou mais, se não foram formados por Marlene Silva, passaram por suas mãos, receberam sua orientação, seu carinho e sua benção. Os mais jovens também, pois um currículo de dança rico e respeitável precisava abrigar os ensinamentos da mestra maior da dança afro.

    Marlene Silva, seu nome e seu legado povoam meu imaginário há 35 anos. Discípulos seus são amigos queridos e sempre me contaram de seu alto nível de exigência, compensado pelo sorriso largo.

    Pedimos desculpas, querida Marlene Silva, mas nossa responsabilidade uns com os outros nesse tempo de pandemia não permitirá que lhe prestemos a última homenagem com um gurufim à sua altura, repleto de história contada e cantada, uma cachacinha e comida de angu com rabada, pra dar sustança aos que comporiam seu cortejo fúnebre pela Afonso Pena, Praça Sete, Amazonas. Liderado por djembês, congas, atabaques, agogôs, seus alunos e alunas de todas as gerações, em lindas roupas coloridas, à frente de um corpo dançante que puxaria o caminhão do corpo de bombeiros que transportaria seu corpo para o descanso final.

    Aos transeuntes que perguntassem que autoridade era homenageada naquele cortejo, nós, suas admiradoras e as amigas responderíamos felizes e agradecidas: É Marlene Silva, Rainha da Dança Afro em Minas Gerais.

    • EM
      https://jornalistaslivres.org/cadeira-de-miss-davis/

    DO BLOG da autora:
    https://medium.com/@cidinhadasilva/salve-sua-for%C3%A7a-marlene-silva-obrigada-5c2ff1fcf967

  • Shoppings, bares e restaurantes fecham a partir de hoje em BH

    Shoppings, bares e restaurantes fecham a partir de hoje em BH

     

     

    A partir desta sexta-feira, 20, os bares, restaurantes, shoppings e cinemas de Belo Horizonte estarão com o alvará de funcionamento suspensos temporariamente, para evitar aglomeração de pessoas e o avanço da Covid-19. A medida foi anunciada pelo prefeito Alexandre Kalil (PSD) por meio de decreto e vale por tempo indeterminado, contrariando o governador Romeu Zema (do Novo).

    A medida vale para:

    – Casas de shows e espetáculos de qualquer natureza;

    – Boates, danceterias, salões de dança;

    – Casas de festas e eventos;

    – Feiras, exposições, congressos e seminários;

    – Shoppings centers, centros de comércio e galerias de lojas;

    – Cinemas e teatros;

    – Clubes de serviço e de lazer;

    – Academia, centro de ginástica e estabelecimentos de condicionamento físico;

    – Clínicas de estética e salões de beleza;

    – Parques de diversão e parques temáticos;

    – Bares, restaurantes e lanchonetes.

    O decreto não afeta o funcionamento de supermercados, farmácias, laboratórios, clínicas, hospitais e demais serviços de saúde em funcionamento no interior de suas instalações. Permite também a atividade de empresas que trabalhem com entrega de alimentos ou ofereçam retirada de produtos no local, embalados e para consumo fora do estabelecimento. O funcionamento de bares, restaurantes, lanchonetes e estabelecimentos congêneres no interior de hotéis, pousadas e similares, também poderão ser mantidos para atendimento exclusivo aos hóspedes.

    Nesta quinta-feira, 19, a capital mineira já começava a parar. Com a suspensão das aulas em todos os níveis de ensino, era pequeno o movimento de carros nas ruas e avenidas, muitas ruas estavam desertas, inúmeros estabelecimentos comerciais fechados e restaurantes vazios. Em alguns bairros, como o Santa Efigênia, de classe média, destacava-se apenas o som da kombi da pamonha a anunciar o “delicioso mingau de milho verde” e outros derivados do milho.

     

    Nação Conservadora se lasca

    O decreto assinado pelo prefeito Alexandre Kalil acabou livrando Belo Horizonte de sediar o Iº Congresso da Nação Conservadora neste fim de semana. O evento teria como palestrantes o mineiro Salim Mattar, fundador da locadora de carros Localiza, o empresário e jornalista Allan dos Santos, do canal Terça Livre; deputado estadual pelo PSL de SP, Gil Diniz, o Carteiro Reaça; a também bolsonarista deputada estadual Ana Caroline FamFampagnolo, do PSL/SC, entre outros. Estes mais aqueles que se sujeitariam a pagar ingressos entre R$ 82,50 a R$ 165,00 teriam direito, como aperitivo, a assistir uma vídeo conferência do autoproclamado filósofo e astrólogo Olavo de Carvalho, o guru do Bozo.  

    Bate-boca

    Segundo o portal BHAZ, “o prefeito Kalil subiu o tom contra o governador, na tarde desta quarta, 18, após Zema anunciar, em coletiva, as medidas para conter o avanço da doença no Estado. O motivo da irritação seria o recuo em medidas já alinhadas entre o Governo e a prefeitura. ‘O Governador me ligou. Já tínhamos combinado… Uma pena. Preocupado com votos e não com vidas’, escreveu Kalil no Twitter após o fim da coletiva de Zema”.

    Um dos principais motivos para a irritação de Kalil seria o fechamento de bares e restaurantes em Belo Horizonte, estudado pela PBH e pelo Governo, para reduzir a aglomeração de pessoas. A possível adoção da medida causou receio em empresários, que temem pelo fechamento de empresas,conforme ainda o BHAZ.

    Íntegra do decreto

    DECRETO Nº 17.304, DE 18 DE MARÇO DE 2020.

    Determina a suspensão temporária dos Alvarás de Localização e Funcionamento e autorizações emitidos para realização de atividades com potencial de aglomeração de pessoas para enfrentamento da Situação de Emergência Pública causada pelo agente Coronavírus – COVID-19.

    Art. 1º – A partir do dia 20 de março de 2020, por tempo indeterminado, ficam suspensos os Alvarás de Localização e Funcionamento – ALFs – emitidos para realização de atividades com potencial de aglomeração de pessoas, em razão da Situação de Emergência em Saúde Pública declarada por meio do Decreto nº 17.297, de 17 de março de 2020, especialmente para:

    I – casas de shows e espetáculos de qualquer natureza;

    II – boates, danceterias, salões de dança;

    III – casas de festas e eventos;

    IV – feiras, exposições, congressos e seminários;

    V – shoppings centers, centros de comércio e galerias de lojas;

    VI – cinemas e teatros;

    VII – clubes de serviço e de lazer;

    VIII – academia, centro de ginástica e estabelecimentos de condicionamento físico;

    IX – clínicas de estética e salões de beleza;

    X – parques de diversão e parques temáticos;

    XI – bares, restaurantes e lanchonetes.

    • 1º – Caso tenham estrutura e logística adequadas, os estabelecimentos de que trata este artigo poderão efetuar entrega em domicílio e disponibilizar a retirada no local de alimentos prontos e embalados para consumo fora do estabelecimento, desde que adotadas as medidas estabelecidas pelas autoridades de saúde de prevenção ao contágio e contenção da propagação de infecção viral relativa ao Coronavírus – COVID-19.
    • 2º – A suspensão prevista neste artigo não se aplica aos supermercados, farmácias, laboratórios, clínicas, hospitais e demais serviços de saúde em funcionamento no interior de shoppings centers, centros de comércio e galerias de lojas, desde que adotadas as medidas estabelecidas pelas autoridades de saúde de prevenção ao contágio e contenção da propagação de infecção viral relativa ao COVID-19.
    • 3º – O funcionamento de bares, restaurantes, lanchonetes e estabelecimentos congêneres no interior de hotéis, pousadas e similares, poderá ser mantido para atendimento exclusivo aos hóspedes, desde que adotadas as medidas estabelecidas pelas autoridades de saúde de prevenção ao contágio e contenção da propagação de infecção viral relativa ao COVID-19.
    • 4º – As atividades administrativas e os serviços essenciais de manutenção de equipamentos, dependências e infraestruturas referentes aos estabelecimentos cujas atividades estão incluídas nos incisos do caput poderão ser realizadas com adoção de escala mínima de pessoas e, quando possível, preferencialmente por meio virtual.

    Art. 2º – A partir do dia 20 de março de 2020, por tempo indeterminado, todas as demais atividades com potencial de aglomeração de pessoas, não incluídas nas restrições do art. 1º, deverão funcionar com medidas de restrição e controle de público e clientes, bem como adoção das demais medidas estabelecidas pelas autoridades de saúde de prevenção ao contágio e contenção da propagação de infecção viral relativa ao COVID-19.

    Art. 3º – Ficam suspensas enquanto perdurar a Situação de Emergência em Saúde Pública:

    I – autorizações para eventos em propriedades e logradouros públicos;

    II – autorizações de feiras em propriedade;

    III – autorizações para atividades de circos e parques de diversões.

    Art. 4º – A fiscalização quanto ao cumprimento das medidas determinadas neste decreto ficará a cargo dos órgãos de segurança pública, com apoio da Subsecretaria de Fiscalização, caso necessário.

    Art. 5º – Este decreto entra em vigor na data de sua publicação.

    Belo Horizonte, 18 de março de 2020.

    Alexandre Kalil

    Prefeito de Belo Horizonte

  • O CARNAVAL ESTÁ SEMPRE CERTO!

    O CARNAVAL ESTÁ SEMPRE CERTO!

    ARTIGO

    RODRIGO PEREZ OLIVEIRA, professor de Teoria da História na Universidade Federal da Bahia

    Ao que tudo indica, neste ano o Carnaval será marcado pela polêmica das fantasias. Explico.

    Parte da esquerda brasileira, formada, sobretudo, por coletivos identitários, acredita que algumas fantasias são expressões de violência simbólica contra grupos historicamente oprimidos. Homens travestidos de mulher. Foliões fantasiados de índio. Pessoas brancas com o rosto pintado de preto, simulando negritude. Nada disso seria adequado e aqueles que insistirem nas fantasias politicamente incorretas deveriam ser punidos por uma espécie de tribunal moral que condenaria o transgressor ao “cancelamento”, o que significa isolamento social e constrangimento público.

    Os casos com mais repercussão aconteceram em Belo Horizonte, São Paulo e no Rio de Janeiro.

    A Prefeitura de Belo Horizonte produziu uma cartilha convidando os foliões à reflexão. “Fazer piada com a história e o sofrimento de alguém não tem a menor graça, não é mesmo?”. Assim começa o documento publicado em Diário Oficial no dia 13 de fevereiro, que diz que “povos indígenas, ciganos, fiéis de religiões de matrizes africanas, população LGBTQI e as mulheres” devem ser preservados da jocosidade carnavalesca”. O texto não fala nada sobre os símbolos cristãos.

    Em São Paulo, no dia 16 de fevereiro, Alessandra Negrini foi duramente criticada por ter aparecido em um bloco vestindo maiô cavado e ostentando adereços indígenas. Os críticos disseram que a atriz endossou a narrativa colonial da erotização da mulher indígena, além de ter se apropriado ilegitimamente de um lugar de fala que não é o seu.

    No Rio de Janeiro, o tradicional bloco “Cacique de Ramos”, que participará de seu 57° Carnaval, foi alvo de protestos nas redes sociais. Internautas alegam que roupa de índio é manifestação cultural e transformá-la em fantasia significaria caricaturar a cultura indígena, o que seria um gesto racista.

    A polêmica das fantasias faz parte do esforço das esquerdas identitárias em confrontar aquilo que consideram ser manifestações da violência estrutural nas práticas carnavalescas. A jornada não começou agora. Em 2017, o Carnaval foi marcado pela tentativa de interdição das marchinhas com mensagens machistas e homofóbicas. Em 2018, ganhou força, sob a liderança de Marielle Franco (então vereadora no Rio de Janeiro), a campanha “não é não”, com o objetivo de combater o assédio às mulheres.

    Temos aqui uma discussão para lá de complexa e que, como quase tudo no Brasil dos nossos dias, polariza opiniões e alimenta extremismos.

    Aqueles que se apresentam como defensores da tradição carnavalesca não admitem nenhum tipo de regulação. O Carnaval seria momento de total anomia, quando tudo é permitido. Já os que pretendem “conscientizar” agremiações carnavalescas tradicionais afirmam que os blocos “terão que se adaptar” ao empoderamento das minorias. É como se um jovem militante do PSOL carioca, nascido e criado em Laranjeiras, aparecesse na sede do Cacique de Ramos, em Olaria, para ensinar aos veteranos do bloco como o Carnaval deve ser festejado.

    Novamente, o caminho adequado é o da ponderação. De forma alguma, o Carnaval é um momento de suspensão da lei. Nunca é demais lembrar que a entrega das chaves da cidade ao Rei Momo é apenas um ato simbólico. Durante o Carnaval, continua não podendo roubar. Continua não podendo matar. E continua não podendo estuprar mulheres, beijá-las à força ou coagi-las a fazerem o que não desejam.

    O “Não é não” significa a disciplinarização da festa? Sim, significa. Mas é algo para lá de necessário em uma país atravessado pela cultura do estupro.

    Desconheço situação onde pessoa branca se vista de pessoa preta com outro objetivo que não seja a ridicularização. O “blackface” e a fantasia da “Nega Maluca” são brincadeiras sem graça, daquelas que nem merecem interação. Viu no bloco? Ignora o bobão. Afinal, o que ganhamos debochando de pessoas que sofrem cotidianamente todo o tipo de violência? Melhor debochar do presidente, do prefeito.

    Completamente diferente são os homens fantasiados de mulheres e os foliões fantasiados de índio. São muito comuns em diversos lugares do Brasil os “blocos das piranhas” (“muquiranas”, aqui em Salvador), onde homens barbados e desengonçados saem na rua vestidos de mulher. Com algum excesso aqui e outro ali, a brincadeira é quase sempre saudável, engraçada.

    O folião não se fantasia de índio para ridicularizar a cultura indígena. O colorido das penas, a forma dos adereços são um convite ao lúdico. Por isso, fantasia de índio é um clássico no Carnaval. No que se refere ao Cacique de Ramos, como bem lembrou o genial Luiz Antônio Simas, o ritual carnavalesco é chancelado pelas autoridades religiosas tradicionais. Não há nenhum racismo ali. Chega a ser ofensivo levantar essa hipótese.

    Sempre que uma polêmica explode, procuro saber de qual lado está Luiz Antônio Simas. Costuma ser um ótimo exercício de orientação, pois são grandes as chances de Simas estar do lado certo da história.

    Como cada caso é um caso, é muito difícil ter uma resposta única que não caia no dogmatismo tradicionalista ou no extremismo identitário. O bom senso continua sendo o melhor conselheiro.

    Definitivamente, não precisamos de nenhuma patrulha dos bons costumes monitorando o Carnaval. Cada um que faça o que bem entender e que as autoridades competentes estejam vigilantes e cumpram sua função, reprimindo e punindo aqueles que ultrapassarem os limites da civilidade, fixados por lei.

    Fora isso, é muito sintomático que as fantasias e o comportamento dos foliões chamem tanto a atenção da esquerda identitária, enquanto a situação degradante daqueles que trabalham durante o Carnaval é completamente ignorada, não merecendo nem ao menos um twittaço de protesto.

    Médicos, enfermeiros, bombeiros, guarda-municipais e policiais militares trabalham sob estresse e em condições precárias. Vendedores ambulantes são explorados por marcas de cerveja e a esquerda brasileira, que deveria sair em defesa dos oprimidos, simplesmente silencia.

    Há no capitalismo alguém mais oprimido que os trabalhadores e os pobres?

    Seja como for, as polêmicas deixam claro que o Carnaval é sempre um ato político, pois traz à luz as vísceras da sociedade, transbordando nossos dramas pelas franjas da festa. Em meio a tantas polêmicas, somente uma certeza é possível: de alguma forma, o Carnaval está sempre certo.

     

  • ‘O Exército matou meu filho’: Sargento mineiro morre em quartel e mãe desabafa por justiça

    ‘O Exército matou meu filho’: Sargento mineiro morre em quartel e mãe desabafa por justiça

  • Son Salvador, chargista mineiro, morre aos 70 anos

    Son Salvador, chargista mineiro, morre aos 70 anos

    Uma semana triste para o mundo do humor. Na sexta-feira foi o designer gráfico e chargista Arnaldo Torres, o Atorres, de 55 anos, que não resistiu a um Acidente Vascular Cerebral (AVC) e morreu em Belém. Neste sábado lamentamos o falecimento de Gérson Salvador Pinto, o Son Salvador, chargista que os Jornalistas Livres tiveram o prazer de mostrar seus trabalhos aos leitores. Mineiro de Sabará, Son faleceu aos 70 anos na madrugada deste dia 23, no Hospital Vila da Serra, em Belo Horizonte, onde estava internado para tratamento de problemas respiratórios.

    Son Salvador deixa a viúva Francisca Pinto, os filhos Gérson e Frances, os netos Davi e Samuel, além de um imenso legado para o jornalismo esportivo e humor de Minas Gerais.  Ele começou a trabalhar no Sindicato dos Bancários como ilustrador e chargista, de onde saiu aos 27 anos para trabalhar nos jornais Diário da Tarde, hoje extinto, e depois no Estado de Minas.

    A partir de 2007, comandou o programa de esportes Aqui Esportes, da TV Horizonte. Son Salvador era também baterista e gostava de ouvir clássicos nacionais e internacionais. “Era um ótimo companheiro de trabalho, sempre gentil, bem humorado e cheio de prosa. Uma perda enorme para o jornalismo e para os amigos a sua partida. Vá em paz, Son”, escreveu a presidenta do Sindicato dos Jornalistas de MG, Alessandra Mello.