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Categoria: Censura

  • Professor é vaiado em formatura de jornalistas por apontar ataques do governo à imprensa

    Professor é vaiado em formatura de jornalistas por apontar ataques do governo à imprensa

    Fazer jornalismo no Brasil está cada vez mais perigoso. Ensinar como se faz bom jornalismo, também. E os ataques não vêm somente do governo que deveria respeitar a imprensa e as instituições democratas. Vêm também, incrivelmente, de familiares de jovens decididos a fazer jornalismo. Sua primeira batalha, portanto, será dentro de casa: mostrar aos parentes os FATOS e a importância desses fatos serem bem reportados a toda população.

    Felipe Boff certamente é um professor querido no curso de Jornalismo da  Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos. Não fosse assim, não teria sido convidado para ser o paraninfo da formatura, realizada na sexta-feira (7), em São Leopoldo, Rio Grande do Sul. Boff abriu seu discurso com um fato triste:

    A imprensa brasileira vive seus dias mais difíceis desde a ditadura militar. Entre 1964 e 1985, jornalistas foram censurados, perseguidos, presos, torturados e até assassinados, como Vladimir Herzog. Hoje, somos insultados nas redes e nas ruas; perseguidos por milícias virtuais e reais; cerceados e desrespeitados por autoridades que se sentem desobrigadas de prestar contas à sociedade. Todos sabem – mesmo aqueles que não acompanham as notícias – quem é o principal propagador dessa ameaça crescente à liberdade de imprensa. É o mesmo que também considera como inimigos os cientistas, professores, artistas, ambientalistas – como se vê, estamos bem acompanhados.

    A plateia, no entanto, não gostou dos fatos. Parentes dos formandos começaram a vaiar e xingar o professor. Aparentemente não compreenderam o que os próprios estudantes traziam escrito na camiseta:

    “Não existe democracia sem jornalismo”

     

     

    Conforme o professor seguia citando fatos, como os ataques com insinuações sexuais contra jornalistas mulheres e os xingamentos a cada pergunta incômoda na palhaçada literal que se tornaram as “coletivas” na frente do Palácio, mais parte da plateia reagia gritando histérica, certamente envergonhando alunos e parentes esclarecidos. Até nisso o discurso do Professor Boff foi preciso:

    Esta é a mensagem a ser destacada nesta noite: quando tenta calar e desacreditar a imprensa, o atual presidente da República ameaça não só o jornalismo e os jornalistas. Ameaça a democracia, a arte, a ciência, a educação, a natureza, a liberdade, o pensamento. Ameaça a todos, até aqueles que hoje apenas o aplaudem – estes, que experimentem deixar de bater palma para ver o que acontece.

     

    No final, os seguranças da universidade acharam por bem escoltar o professor para fora do evento, evitando que agressões verbais de fascistas ignorantes pudessem se tornar físicas. A coordenação do Curso de Jornalismo emitiu depois uma nota em solidariedade ao professor. Nós, jornalistas ativistas pelos Direitos Humanos, também nos solidarizamos com o professor e com os agora jornalistas do curso da Unisinos que não compactuam com os fascistas na plateia, por mais que sejam parentes. Ouçamos, TODOS e TODAS a convocação do professor:

    Jornalistas, este é o nosso compromisso. Não deixaremos que a tirania nos cale mais uma vez.

     

     

     

    Ainda na noite de sábado, o professor escreveu em sua página numa rede social:

    Hoje à noite, algumas pessoas pouco afeitas à liberdade de expressão e à democracia tentaram, aos gritos, me impedir de prosseguir com meu discurso de paraninfo na formatura da turma de Jornalismo da Unisinos. A virulência desse ataque – que fez até a instituição colocar seguranças para me acompanharem na saída do auditório – só reforçou a importância do que foi dito. Por isso, compartilho a seguir o discurso, que pôde ser proferido até o fim graças ao apoio de professores, formandos, alunos, ex-alunos e muitos mais.

    Confira o discurso completo do Professor Felipe Boff na cerimônia de formatura:

    A imprensa brasileira vive seus dias mais difíceis desde a ditadura militar. Entre 1964 e 1985, jornalistas foram censurados, perseguidos, presos, torturados e até assassinados, como Vladimir Herzog. Hoje, somos insultados nas redes e nas ruas; perseguidos por milícias virtuais e reais; cerceados e desrespeitados por autoridades que se sentem desobrigadas de prestar contas à sociedade. Todos sabem – mesmo aqueles que não acompanham as notícias – quem é o principal propagador dessa ameaça crescente à liberdade de imprensa. É o mesmo que também considera como inimigos os cientistas, professores, artistas, ambientalistas – como se vê, estamos bem acompanhados.

    No ano passado, segundo levantamento da Federação Nacional dos Jornalistas, o presidente da República atacou a imprensa 116 vezes em postagens nas suas redes sociais, pronunciamentos e entrevistas. Um ataque a cada 3 dias.

    Querem exemplos? “É só você fazer cocô dia sim, dia não.” “Você está falando da tua mãe?” “Você tem uma cara de homossexual terrível.” “Pergunta pra tua mãe o comprovante que ela deu para o teu pai.” É dessa forma chula e rasteira que o presidente da República, a maior autoridade do país, costuma responder aos jornalistas. Seus xingamentos tentam desviar a atenção das respostas que ele ainda deve à sociedade. Nos casos citados, explicações sobre o retrocesso da preservação ambiental no país, sobre os depósitos do ex-assessor Fabrício Queiroz na conta da hoje primeira-dama, sobre o esquema da “rachadinha” de salários no gabinete do filho hoje senador, sobre o envolvimento da família presidencial com milicianos.

    O presidente das fake news, que bate na imprensa cada vez que ela informa um fato negativo sobre ele e seu governo, é o mesmo que deu 608 declarações falsas ou distorcidas – quase duas por dia – ao longo de 2019. O levantamento é da agência de checagem Aos Fatos. Querem exemplos? “O Brasil é o país que mais preserva o meio ambiente no mundo.” “Leonardo Di Caprio tá dando dinheiro pra tacar fogo na Amazônia.” “O Brasil é o país que menos usa agrotóxicos.” “Falar que se passa fome no Brasil é uma grande mentira.” “Nunca teve ditadura no Brasil.”

    Em 2020, depois de completar um ano de mandato com resultados pífios na economia e desastrosos na educação, na cultura, na saúde e na assistência social, o presidente não serenou. Redobrou os ataques à imprensa. Aplicou o duplo sentido mais tosco à expressão jornalística “furo” para caluniar a repórter que denunciou a manipulação massiva do WhatsApp na campanha eleitoral. Atacou outra jornalista, mentindo descaradamente, para negar a revelação de que compartilhou vídeos insuflando manifestações contra o Congresso e o STF.

    E segue promovendo o boicote à imprensa, com exceção daqueles que aproveitam o negócio de ocasião para vender subserviência e silêncios estratégicos. Aos veículos que não se dobram ao seu despotismo, o presidente da República impinge pessoalmente retaliações financeiras diretas, pressão sobre anunciantes e difamação de seus profissionais. Pratica, enfim, toda sorte de manobras sórdidas para tentar asfixiar o jornalismo e alienar a população dos fatos. E já nem se preocupa em disfarçar suas intenções. Querem um último exemplo? Declaração de 6 de janeiro deste ano, dita pelo presidente aos jornalistas “Vocês são uma raça em extinção”.

    Não, presidente, não somos uma raça em extinção. Ao contrário. Somos uma raça cada dia mais forte, mais unida, mais corajosa, mais consciente. Basta olhar para estes 21 novos jornalistas que estamos formando hoje. Basta ler os dizeres na camiseta deles: “Não existe democracia sem jornalismo”.

    Esta é a mensagem a ser destacada nesta noite: quando tenta calar e desacreditar a imprensa, o atual presidente da República ameaça não só o jornalismo e os jornalistas. Ameaça a democracia, a arte, a ciência, a educação, a natureza, a liberdade, o pensamento. Ameaça a todos, até aqueles que hoje apenas o aplaudem – estes, que experimentem deixar de bater palma para ver o que acontece.

    Para encerrar, gostaria de citar o exemplo e as palavras do grande escritor e jornalista argentino Rodolfo Walsh. Precursor da reportagem literária e investigativa e destemida voz contra o autoritarismo e o terrorismo de Estado, Walsh pregava que “Ou o jornalismo é livre, ou é uma farsa, sem meios-termos”. Dizia também que “um intelectual que não compreende o que acontece no seu tempo e no seu país é uma contradição ambulante; e aquele que compreende e não age, terá lugar na antologia do pranto, não na história viva de sua terra”.

    Rodolfo Walsh foi sequestrado e assassinado pela ditadura argentina em 25 de março de 1977. Na véspera, publicara corajosamente uma “carta aberta à junta militar”, denunciando os crimes do sanguinário regime, que então completava apenas seu primeiro ano. Estas foram as últimas palavras que Walsh escreveu: “Sem esperança de ser escutado, com a certeza de ser perseguido, mas fiel ao compromisso que assumi, há muito tempo, de dar testemunho em momentos difíceis”.

    Jornalistas, este é o nosso compromisso. Não deixaremos que a tirania nos cale mais uma vez.

     

    Confira a nota da Coordenação do Curso de Jornalismo da Unisinos:

    Declaração de apoio e solidariedade ao professor e jornalista Felipe Boff

    Na noite de 7 de março, sábado, na cerimônia de formatura do curso de Jornalismo da Unisinos em São Leopoldo, pessoas da plateia, aos gritos e vaias, tentaram impedir o paraninfo, professor Felipe Boff, de prosseguir seu discurso. A virulência desse ataque foi tão grande que a instituição teve que colocar seguranças para o acompanharem na saída do auditório.

    Em sua fala corajosa e necessária, principalmente na ocasião em que jovens colegas chegam ao mercado de trabalho, Felipe, embasado em dados e exemplos, alertava para o que deveria ser óbvio: o presidente da República vem constantemente ofendendo e destratando jornalistas. “No ano passado, segundo levantamento da Federação Nacional dos Jornalistas, o presidente da República atacou a imprensa 116 vezes em postagens nas suas redes sociais, pronunciamentos e entrevistas. Um ataque a cada três dias”, destacou o professor.

    Como também salientou o paraninfo, o atual presidente da República vem ameaçando não só o jornalismo: “Ameaça a democracia, a arte, a ciência, a educação, a natureza, a liberdade, o pensamento. Ameaça a todos, até aqueles que hoje apenas o aplaudem”. Esses que na formatura tentaram calar um jornalista por dizer o que é fato não enxergam que estão abrindo mão de um direito básico e constitucional de todos os cidadãos brasileiros: o de serem informados. Não existe democracia sem jornalismo livre. Jornalistas já foram censurados, perseguidos, presos, torturados e até assassinados durante o período de ditadura militar no Brasil, como também lembrou Felipe.

    Mas não nos deixaremos intimidar com ameaças. Por isso, nós, jornalistas, professores e professoras de jornalismo abaixo assinados, declaramos total apoio e solidariedade ao professor e jornalista Felipe Boff, que conseguiu, em sua fala verdadeira, representar a todos e todas nós neste momento tão difícil que o país atravessa.. Também por nossos alunos e alunas, temos o dever de dizer: cada ataque nos tornará mais fortes. Por fim, reafirmamos o que o professor Felipe disse no encerramento de sua fala: “Não deixaremos que a tirania nos cale mais uma vez”.

    Porto Alegre, 8 de março de 2020.

    Micael Vier Behs

    Coordenador Jornalismo São Leopoldo
    Coordenador Bacharelado Interdisciplinar em Humanidades, Artes e Tecnologias

     

  • PM de Recife censurou shows durante o Carnaval

    PM de Recife censurou shows durante o Carnaval

    Parece inacreditável, mas aconteceu:  a Polícia Militar de Recife tentou, durante o Carnaval, impedir artistas de cantarem uma música de Chico Scince, e outras que denunciam a violência cometida pelo Estado contra comunidades periféricas.

    Sim, a censura se instalou no país, despudorada, apoiada pelo presidente da república.

    Em nota, a PM disse não há qualquer proibição a artistas, e que foi instruída a suspender blocos que estourassem o tempo de apresentação. Mas não foi o que se viu. Os integrantes da banda Janete Saiu Para Beber relataram no Instagram que a PM invadiu o palco no momento que a banda tocava a música “Banditismo por uma questão de classe”, de Chico Science.

    “A Polícia Militar fez uma barreira entre o público e a banda. Tivemos que parar o show com ameaça de levar nosso vocalista preso. A produção foi incrível e conseguiu reverter a situação, mas o mais absurdo foram os argumentos: Chico Science não pode tocar, não pode!”

    A banda Devotos passou por situação semelhante, e também foi às redes denunciar a ação da PM:

    “Todos que conhecem a Devotos sabem da nossa poética, que a nossa liguagem é coloquial, é urbana, de denúncia, de alerta e de posicionamento, usando a música como “arma”. Infelizmente estamos vivendo um regime de repressão velada, que para a maioria é normal, mas para quem trabalha com cultura, e cultura voltada para o resgate social, como é o nosso caso, sabe que estamos sendo minados, perseguidos e ameaçados de não exercer nossas ações e querem calar nossas vozes. Na noite anterior no pólo da bairro da Várzea, subúrbio de Recife, nós da Devotos também sofremos ameaças de prisão logo depois que tocamos a música “De Andada”, que está no nosso mais recente disco, “O Fim Que Nunca Acaba”, e continuamos com “Luz da Salvação”, do Cd “Agora Tá Valendo”, durante a execução dela ao vivo fazemos uma homenagem a Chico Science com trechos de “Banditismo por Uma Questão Classe”. Logo chegou, vindo do diretor de palco, que foi passada ao nosso roadie, a notícia que a polícia não havia gostado do conteúdo das letras e ameaçou, caso o show continuasse com esses temas que citassem a polícia, iriam acabar o show e levar Cannibal (vocalista) preso. Se isso não for cesura não sabemos o que é. O show continuou, eles não subiram no palco e nem tocaram na banda, mas a ameaça foi feita.”

     

    O cantor Chico César foi ao Instagram manifestar apoio aos artistas censurados pela PM: “Solidariedade à banda @janetesaiuparabeber, censurada e proibida de tocar Chico Scince em Pernambuco pela PM local. Abuso de autoridade! Isso tem que acabar, logo.  Fogo nos fascistas!”

    Zélia Duncan também se manifestou: “Vamos todos tocar Chico Science!”

     

    Ouça a música de Chico Science e Nação Zumbi censurada pela PM de Pernambuco em pleno Carnaval do Recife:

  • A CENSURA, AOS POUCOS, SE INSTALA

    A CENSURA, AOS POUCOS, SE INSTALA

    por Daniel Filho

    “Vários estudos biológicos demonstram que um sapo colocado num recipiente com a mesma água de sua lagoa fica estático durante todo o tempo em que aquecemos a água, mesmo que ela ferva. O sapo não reage ao gradual aumento de temperatura (mudanças de ambiente) e morre quando a água ferve.
    Inchado e feliz (…)
    Às vezes, somos sapos fervidos. Não percebemos as mudanças.”

    Paulo Coelho

    O excerto acima (cujo texto integral pode ser conferido ao final) ilustra o método em que o esfacelamento da democracia e implantação de uma censura vai se colocando em nossas vidas.
    Não surge a maioria das ditaduras num rompante, com tanques, sangue e gritos, mas, aos poucos, testando a receptividade…
    Em nome da “moral cristã, da família e dos bons costumes” pregam a vigilância e o cerceamento do livre pensamento e a liberdade de expressão.

    Há poucos anos foram exposições: “Queermuseu” (2017), “La Bête” (2018) que, segundo os vigilantes do Movimento Brasil Livre (MBL) e o prefeito de Porto Alegre, Nelson Marchezan Jr. (PSDB), faziam apologia à pedofilia, zoofilia, pornografia e ou atacavam a fé cristã. Há poucos meses foram as Histórias em Quadrinhos, onde o prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivela (PRB) censurou uma revista em quadrinhos dos Vingadores por conter uma cena de beijo entre dois personagens masculinos. Pouco tempo depois o secretário de Cultura Roberto Alvim fez um pronunciamento cujo discurso continham frases semelhantes às do ministro da propaganda nazista, Joseph Goebbels.

    Dia 6 de fevereiro, as Coordenadorias Regionais de Educação de Rondônia receberam uma lista de livros que deveriam ser recolhidos do acervo das bibliotecas escolares por conterem “conteúdo inadequado”.

    queima de livros

    Os casos mais recentes, em pouco tempo, obtiveram ampla rejeição popular e repercussão negativa nos principais portais de notícias do país, custando o cargo do secretário de cultura e, em Rondônia, recuos.
    O secretário de educação, Suamy Vivecananda, afirmou inicialmente que a lista vazada se tratava de “fake news” e que não haveria memorando ou qualquer ordem para recolhimento. No entanto, reportagens investigativas comprovaram a existência de memorando forçando o governo, mais uma vez, recuar e desistir de continuar a negar a tentativa frustrada de censura.

    Tanto a demissão como o recuo revela uma práxis quando algum ato de governo não repercute bem: demissão, recuo e ou negação dos fatos. A água começando a ferver.

    Na lista do governo de Rondônia, clássicos da literatura nacional e universal: “Macunaíma, o herói sem caráter”, clássico de Mário de Andrade; todos os 10 volumes de “Mar de Histórias”, de Aurélio Buarque de Holanda e Paulo Rónai; “Bufo & Spallanzani”, “Diário de Um Fescenino” de Rubens Fonseca; Carlos Heitor Cony com “A Volta por Cima”, “O ato e fato”, “O Irmão que tu me deste” e o “O Ventre”; Machado de Assis, “Memórias Póstumas de Brás Cubas”; Euclides da Cunha com “Os sertões”; Franz Kafka com o clássico “O Castelo”, são apenas alguns dos diversos nomes presentes.

     

    Um detalhe assustador (como se pudesse ter algo ainda mais) da lista dos livros a serem recolhidos é que no rodapé consta uma observação a indicar: “Todos os livros do Rubem Alves devem ser recolhidos”. O psicanalista, educador, teólogo, pastor presbiteriano e, junto com Paulo Freire, um dos principais pedagogos brasileiros, falecido em 2014, seria o mais novo “energúmeno comunista que precisa ser retirado de circulação”?

    Projeto de extermínio do pensamento da pedagogia popular começando pelos ícones até chegar aos contemporâneos? Ou mera coincidência?

    Tal qual a água presente no excerto que inicia esse texto, já ferve a sanha ditatorial de vigiar, punir e queimar livros em praça pública…
    Quanto a nós e a democracia? Morreremos inchados e felizes?
    Ou só inchados?
    Ou só infelizes?

    Daniel Filho é professor da rede estadual de ensino de Pernambuco em Petrolândia, sertão de Pernambuco

     

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  • ELISA LUCINDA: Para que Regina Duarte se vista com as roupas e as armas de Malu Mulher

    ELISA LUCINDA: Para que Regina Duarte se vista com as roupas e as armas de Malu Mulher

     

    Regina duarte na pele de Malu Mulher, personagem-título da série que a TV Globo exibiu de 24 de maio de 1979 a 22 de dezembro de 1980, criada e dirigida por Daniel Filho
    Regina Duarte na pele de Malu Mulher, personagem-título da série da TV Globo (1979-80)

    Um dia recebi do nada um telefonema: “Elisa, sou eu. (E disse o primeiro nome.) Olha a gente vai participar de um elenco em que seremos melhores amigas, acho que a gente tem que se conhecer. Você quer vir na minha casa tomar uma sopa que eu faço, ou eu vou na sua? Nós temos que comer juntas”. Fiquei muda do outro lado. Era a voz dela. Muito famosa, conhecida . Eu era fã. Tinha já meus fãs de teatro e meus leitores, mas nunca uma coisa forte de audiência como uma novela das oito, o que era o caso. Foi na minha casa o primeiro encontro. Divertida, informal, sem frescura, de sandália de dedo, sorridente, leve. Era de tarde. Fiz um bolo pra nós. Durou pouquíssimo tempo para descobrirmos que éramos aquarianas, que tínhamos estudado declamação, que ela também era do curso de comunicação, que adorava caderninhos, desenhos, decalques, e o melhor, nutria um fraco irresistível por liquidações! “Olha esse vestidinho, gostou? Não é lindo?” Amei. “Trinta e oito reais”. Ríamos.

    Na novela, sempre atenta estudiosa do texto, trazia ele compreendido, sugerido, marcado, criticado. Estava ali uma mulher generosa com a figuração, com os profissionais, carinhosa com todos, parceira com os colegas que tinham menos experiência de televisão do que ela, inclusive eu. E por isso se destacava. Sempre me acalmava com um bom ensinamento diante das minhas inquietações. “Não se preocupe com detalhes, que um errinho assim não tem tanta importância. Não leve isso pra cama. São tantos capítulos que a coisa dilui. Você tem que acertar é a personagem!!! Quando acertamos a personagem tudo nela faz sentido, até o erro.” Uma artista veterana e mestra naturalmente.

    Nossa prosa era sem fim. As conversas tinham o irreverente frescor das mulheres livres.

    Líamos poesias. Fomos desenvolvendo uma espécie de amor, uma amizade forte, profunda, sincera, que apareceu no resultado do trabalho; aliás, digo sem medo, brilhou no trabalho. Os bastidores costumam ir pra tela, pra cena, pro palco. Uma vez ela se emaranhou numa luta anti-racista junto comigo, quando um cabeleireiro insistia que eu devia alisar o cabelo para poder compor a personagem de uma médica na novela, e este ainda justificou que assim seria mais asséptico!! Aquilo deu num furdunço de onde não arredou pé, ali, ao meu lado, flagrando e denunciando aquele racismo escandaloso. Estava ali um ser humano sempre ligado à igualdade, no trato igualitário com todas as pessoas. E defendia isso. Era comovente ter uma colega assim. A amizade cresceu! Inquieta, sempre se envolvendo em ousados projetos desafiantes, ela seguia. Topou ir de coração aberto lá em Vitória, no Espírito Santo, desfilar numa escola da qual fui enredo, em 2012 e que acabou por ganhar o carnaval. Fez jantar em sua casa para mim e para Geovana Pires, conclamando a classe de Sampa para ver a nossa peça “A natureza do olhar”, disse coisas incríveis sobre o libertário “Parem de Falar Mal da Rotina”, o divulgou em suas redes e foi a mim que o fã clube dela pediu um texto para abrir a sua exposição de obra e vida. Depois inaugurou em sua casa no Rio um espaço multiuso, para ensaios, teatro, cinema, música.

     

    Quem era essa? Era a mulher cujos passos segui desde adolescente, quando a vi representar o feminino de uma época e desembarcar da “Namoradinha do Brasil” para Malu Mulher numa majestosa competência que lhe rendeu três prêmios seguidos de melhor atriz de TV por essa série. Acreditei naquilo. Sem reservas. Falava em favor do direito ao aborto, da divisão de tarefas entre pai e mãe, dos direitos das mulheres, da violência psicológica doméstica, de separação… Uma ousadia. Tinha gente que dizia que a personagem era comunista. Pais conservadores temiam a “influência” da independente criatura anti-machista. A irreverente Malu Mulher é uma heroína nossa, pioneira daquele tempo, nunca houve outra daquele jeito naquela hora inaugural. As mulheres se viam representadas por ela num grau tão fabuloso que aquilo fez um estrondo na audiência. Afinal a personagem era afinada com a pauta da emancipação feminina, antenada com sua entrada definitiva no mercado de trabalho. Sua nova postura diante das mudanças no mundo e a necessidade de uma educação sexual contra tanta caretice e opressão. Era a emancipação feminina no centro da conversa. Malu falava de escolhas, do direito à uma profissão, ao planejamento da prole, e ainda educava a filha adolescente com uma sinceridade nada moralista, coisa nunca antes vista. Um exemplo. O feminismo urbano brasileiro bebeu certamente na fonte de Malu Mulher. Eu bebi. Ela provou que era possível começar de novo.

     

    Clique aqui para ver trecho do episódio que tratou do aborto (“Ainda não é hora”), com a participação de Lucélia Santos

    Na semana passada, em que adormeci pensando muito nisso que agora escrevo, despertei com o vídeo de Zélia Duncan, no seu excelente diário “Zóio no Zóio”, em que ela falava isso, da força de Malu na vida dela, nas suas coragens e desafios, na importância dela pra nossa geração. Isso me deu mais ainda a dimensão dessa heroína no imaginário da feminista de hoje. Confirmou. Não dá para acreditar que era apenas uma personagem, porque Regina Duarte também se representava ali. Os conteúdos da sua protagonista se cruzavam sem dificuldade com as lutas da artista e da mulher que ela era naquele momento. Representava seus amores, seus casamentos, suas separações, as questões práticas dos casais separados, os assuntos de maternidade e paternidade sob o olhar daquele novo tempo. A “Namoradinha do Brasil” cresceu e se transformou numa espécie de feminista pra ninguém botar defeito, através de Malu. O que aconteceu exatamente não sei. Só vejo suas posições políticas de hoje não combinarem com essa personagem que também a consagrou e que tinha por trás uma atriz moderna, feminista na prática, tendo que ser mãe, profissional e ainda ser respeitada. Por mais que possa parecer contraditória toda a história, eu sei que a mulher que conheci não foi uma invenção.

    A saída de Roberto Alvim, ex-secretário de Cultura, se deu, como sabemos, porque ele escancarou o jogo e entregou o segredo de uma direita que queria se estabelecer nos moldes nazistas, sem que ninguém percebesse. Não era pra gritar. Resultado: atingiu os judeus, os ricos, e entregou o esquema ideológico. Mas o roteiro existe. Ainda bem que caiu seu prêmio de arte nacionalista absurdo, mas o roteiro do espetáculo está montado nessas bases e é bom que fique bem claro que nós não queremos que mudem só os atores desta trágica ópera, nós queremos é outra peça.

    Regina Duarte é cheia de amigos atores, intelectuais, gente que foi perseguida na ditadura, gente que esteve com ela nos palanques das Diretas Já. Mesmo que ela um dia tenha dito que tinha medo de Lula, ainda assim, não faz sentido que por ojeriza ao PT vá lustrar ideias e ações que agradem os torturadores! Ela tem também amigos judeus que não querem papo de nazismo no Brasil. Seu fã clube tem a presença substancial de gays, LGBTs em geral, ou seja, ela tem muitos amigos da grande tribo de Oxumaré. Por isso não pode ser verdade que ela aceite a indicação do presidente de que sejam vetadas pelo poder público obras sobre diversidade sexual. Amante das artes, de todas, não faria sentido ela conseguir ficar calada diante do escárnio do governo com os museus, com o patrimônio, com a ciência! Tampouco fará sentido ela estar confortável num governo que postula, entre outros absurdos, a abstinência sexual de jovens. Seria um tiro no pé. Sei das suas posições ideológicas de hoje, que nada têm a ver com a combativa e moderna referida personagem. Mas tampouco calarei minha voz diante da usurpação de um direito: o direito constitucional à cultura e mais, num estado laico. Mesmo os que não escolheram este presidente e que não apoiam suas fascistas ideias têm direito a uma vida educacional, artística, cultural à altura da nossa democracia. Não vamos ficar passivos vendo a demolição.

    Não vou aqui desrespeitar a Secretária de Cultura do ponto de vista pessoal e nem compactuo com misóginas baixarias ofensivas à sua pessoa, à sua condição feminina. Não gosto de jogo baixo.

    E nem aplaudo nada que eu não concorde. A nossa amizade nasceu de uma ficção. Uma intuição de Manoel Carlos. Mas todo o levante feminista nutrido por Malu foi de verdade. Nunca precisamos tanto da destemida e libertária coragem daquela mulher. Nossa revolução bebeu ali. Ninguém inventou. Acho que aqui está uma ingênua evocação da Malu Mulher! A referência nela me fez crer que a classe artística cultural, que se encontra tão isolada neste momento, vítima da guerra ideológica exercida contra ela, pudesse ter algum diálogo com quem está ali, pago com nosso dinheiro para cuidar de nossa cultura sem discriminação, sem critérios religiosos, e outras patrulhas.

    Pouca gente quer sair na foto ao lado dela hoje porque a Regina de Malu Mulher não pode apoiar a censura, o racismo, a homofobia, o machismo. Isso dá um nó na cabeça da gente. Aquilo não era só uma personagem, aquilo era mais. Malu representava os anseios daquela geração. Portanto não há uma Marielle sequer que não seja descendente daquele feminismo que Malu Mulher encarnou. A série fez com que milhares de mulheres cantassem a sério o tema do Ivan Lins na voz de Simone com toda a verdade possível: “Começar de novo e contar comigo, vai valer a pena ter amanhecido, ter virado o barco, ter virado a mesa, ter sobrevivido…”. Era o hino, o hino da independência feminina!

    As personagens que fiz posso acessá-las se quiser durante a vida. Creio nisso. Estamos vivendo momentos tensos. O povo brasileiro, o povo que ama tantos seus artistas, merece ser cuidado e considerado por nós. Toda vez que um artista apoia ou se omite diante de um governo que não respeita os direitos humanos, está traindo seu povo, está traindo o povo que acreditou nele, que confiou nele, e nele se espelhou. Uma artista aceitar este cargo tão importante para o futuro do país, num governo inimigo das artes, da filosofia, da ciência, da liberdade de expressão e da poesia, só poderia estar pensando em nos defender neste cargo. Precisa-se de uma revolucionária ali. Na minha ingenuidade, queria que Regina entrasse numa cabine telefônica, dessas que restaram, e ali dentro se transformasse numa Malu Mulher e saísse espalhando justiça, provocando discussões avançadas num país livre, e ainda puxasse uma campanha para liberar “Marighella”, o filme proibido de nosso Wagner Moura. Algumas vezes escrevendo essa crônica chorei. Ser sincera afeta. E afeta a ponto de a palavra doer. Se ela for lutar pela arte como Ministra da Cultura vai ter que receber o espírito da Malu Mulher, aquela entidade ativista e subversiva.

    Se isso ainda puder acontecer, que lute como uma garota!

    Elisa Lucinda, verão, 2020
    Coluna cercadinho de palavras.

     

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  • PUTA PASSARELA DE LUTA!

    PUTA PASSARELA DE LUTA!

    Fotos: Sato do Brasil

     

    Foi realizado neste sábado, 18 de janeiro de 2020, a PASSARELA-MANIFESTO DASPU para celebrar a (r)existência de putas, kengas, travestis e trans na luta pela garantia de direitos e liberdades. A passarela manifesto foi realizada dentro da programação do Festival Verão Sem Censura, promovido pela Secretaria Municipal de Cultura.

    PUTA PASSARELA DE LUTA!

    À meia noite, após exibição do filme Bruna Surfistinha, filme usado pelo atual presidente do Brasil como bode expiatório para controlar e vigiar os direitos culturais e as liberdades, aconteceu o desfile-performance da Daspu numa transa inédita com a marca Ken-gá Bitchwear. Duas marcas que enchem a boca para expressar a palavra PUTA como arma de luta contra todas opressões e violências que vivem as mulheres, principalmente, por escaparem às normas sexuais e de gênero. Com peças icônicas dos seus acervos, Daspu e Ken-gá se uniram para mostrar quão poderoso é ser uma PUTA.

    A alegria foi a mola-propulsora do desfile. A ousadia, o posicionamento, a força, o reconhecimento e o desbunde estiveram em cada passo e dança reveladas na passarela. A plateia urrou e dançou junto. PUTA (r)esistência.

    Renata Carvalho abriu o desfile trazendo um fragmento cênico da peça “O Evangelho Segundo Jesus Cristo, Rainha do Céu”, da qual foi protagonista e que sofreu vários ataques e atos de censura desde a sua estreia em 2016. Erika Hilton, deputada estadual da bancada ativista e as atrizes Leona Jhovs e Veronica Valentino também ocuparam essa passarela de luta. A artista Fabiana Faleiros, conhecida como Lady Incentivo, fez uma performance para homenagear a madrinha das putas, Elke Maravilha, que participou de inúmeros desfiles da Daspu.

    Daspu e Ken-gá

    A Daspu foi criada em 2005 por Gabriela Leite, ativista e fundadora do movimento de prostitutas no Brasil. Criou a Daspu para dar visibilidade ao movimento e sustentabilidade às ações da organização Davida, fundada na década de 1990. Com a repercussão e o afeto gerado pela sua proposição, a marca acabou se tornando um dispositivo artístico-cultural que dialoga com as questões relacionadas ao corpo no embate com as normas sexuais e de gênero, movimentando essa puta passarela de lutas feministas e LGBTQI+. Quem está à frente da marca é Elaine Bortolanza, produtora cultural e ativista do movimento brasileiro de prostitutas.

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    A Ken-gá, marca lançada em 2016, faz parte da luta pelo empoderamento feminino, com muito bom humor, tendo o máximo respeito pela diversidade de corpos e pregando as liberdades dos desejos. Todes podem ser o que quiser. Criamos o termo bitchwear para dissociar a ideia negativa da mulher considerada vagabunda, puta, kenga ou bitch, apontada dessa forma por ser autêntica, ter coragem, não ser normativa , não ocupar o lugar que dão pra nós mulheres, a submissão ou o slut-shaming,Ken-gá vem pra mostrar o quão poderoso é ser uma BITCH.

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  • Benedicto Abicair: quem é o desembargador-censor do Porta dos Fundos

    Benedicto Abicair: quem é o desembargador-censor do Porta dos Fundos

    Benedicto Abicair, desembargador do TJ-RJ Foto: Reprodução
    Benedicto Abicair, desembargador do TJ-RJ Foto: Reprodução

    O desembargador Benedicto Abicair, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ), determinou que a Netflix suspenda a exibição do especial de Natal ‘Primeira Tentação de Cristo’, feito pelo grupo Porta dos Fundos. Advogado por 30 anos, ele se tornou magistrado apenas em 2006, quando foi nomeado pela então governadora Rosinha Garotinho. Conseguiu o cargo pelo “quinto constitucional”, uma cota que reserva vagas na magistratura para advogados.

    Foi depois de se tornar magistrado, em 2006, que Benedicto Abicair passou a publicar suas opiniões na imprensa. Esquisitão, Benedicto Abicair escreveu sobre assuntos diversos, como trajes adequados para advogados, trajes e calçados adequaos para cães domésticos, escovação dentária de cães, higiene íntima de cães, roupas a serem usadas nos aviões (ele manifestou-se contra os “corpos suados” nas “poltronas geminadas”) e justificou em 2018 o pagamento de auxílio-moradia para juízes, pois eles teriam vida “difícil e sacrificante”. Benedicto Abicair não se esqueceu, em seu bestiário, de defender um colega que deu voz de prisão ao ser parado em blitz da Lei Seca, que ele já havia atacado em 2009.

    A decisão do tal Benedicto, determinando que o Netflix suspenda a exibição do especial de Natal “Primeira Tentação de Cristo”, do Porta dos Fundos, foi motivada por pedido do Centro Dom Bosco de Fé e Cultura, que alegou que “a honra e a dignidade de milhões de católicos foram gravemente vilipendiadas pelos réus”. No seu especial, Porta dos Fundos retratou um possível romance gay de Jesus, ocorrido durante seu período de retiro no deserto.

    “Minha avaliação, nesse momento, é de que as consequências da divulgação e exibição da ‘produção artística’ (…) são mais passíveis de provocar danos mais graves e irreparáveis do que sua suspensão, até porque o Natal de 2019 já foi comemorado por todos”, diz a decisão do desembargador, afrontando a Constituição brasileira.

    Quem é o desembargador

    Antes de virar desembargador, o doutor Abicair, ou será o Benedicto?, atuou em um caso que teve grande repercussão no futebol brasileiro, em 1999.

    Benedicto Abicair era um dos três auditores do Tribunal de Justiça Desportiva (TJD) que participaram de uma punição ao São Paulo Futebol Clube. O time perdeu pontos no Campeonato Brasileiro por escalar o jogador Sandro Hiroshi, que havia falsificado sua certidão de nascimento.

    Na época, a decisão causou bastante polêmica: o São Paulo perdeu pontos de duas partidas. Em uma delas, o clube havia vencido o Botafogo por 6 a 1, mas os pontos do jogo acabaram repassados para o time derrotado. Os pontos acabaram salvando o clube carioca do rebaixamento para a segunda divisão.

    Ternos, cães e magistratura

    Nos últimos anos, Benedicto Abicair tem publicado textos com suas opiniões na imprensa.

    Em um dos artigos, interessantíssimo, porque parece saído da mente de um redator do Porta dos Fundos — publicado no jornal O Globo em fevereiro de 2019 —, (Será o) Benedicto Abicair afirma que “donos selvagens” de cães domésticos deveriam seguir “rígidas regras” quando saem com seus animais nas ruas.

    Para ele, os cães domésticos são “desprovidos de higiene adequada, pois não são banhados diariamente, não trajam indumentárias, nem calçam as patas, além de não realizarem higienização após suas necessidades fisiológicas, muito menos se utilizarem de fio dental, escova e pasta de dentes.”

    Uau, ele queria cachorro de sapato, usando papel higiênico e escovando os dentes!

    (Será o) Benedicto Abicair finaliza, tipicamente cinofóbico: (…) já passa do tempo de serem impelidas, com rigor, aos donos selvagens de cães domésticos regras e penas severas para que respeitem a cidadania daqueles que não são simpáticos ao convívio com cães domésticos e seus pelos, muito menos sentem prazer ao serem por eles cheirados e lambidos.”

    O desembargador também já escreveu que o traje passeio completo — terno e gravata — deve ser obrigatório para advogados, mesmo em dias quentes do verão.

    “Que os jovens, como eu no início da carreira, se rebelem contra certos hábitos e costumes é plenamente aceitável e previsível. Porém, inconcebível que pessoas amadurecidas não enxerguem a necessidade de preservar tradições, em confronto com experiências anteriores”, afirmou o desembargador.

    O artigo, também publicado no site Conjur, foi escrito em 2011 em reação a uma decisão da OAB-RJ que tornou o uso do traje facultativo durante o verão.

    “Os estudantes universitários, obrigatoriamente, vestiam-se com terno e gravata. A permissividade extinguiu o paletó, depois a gravata, em seguida, as camisas sociais e hoje frequenta-se as Faculdades de bermuda, saída de praia, camiseta regata e chinelo”, escreveu ele.

    O magistrado argumenta que o uso do traje “tem a finalidade de padronizar e dar aparência de organização”.

    Ah… esses “corpos suados”…

    “Lembro, ainda, que, tempos idos, era obrigatório, ou pelo menos de boa prática, o traje ‘passeio completo’ para os passageiros de avião. Atualmente vemos homens e mulheres seminus, encostando seus corpos suados nos ocupantes dos minúsculos assentos geminados. Bons tempos quando era politicamente correto ser bem vestido”, escreveu (Será o) Benedicto Abicair.

    Em outro artigo, publicado no Conjur em março de 2018, o desembargador afirma não ser verdade que os juízes brasileiros são “privilegiados” e que recebem quantias exorbitantes. Para ele, os magistrados passam por muitas “agruras” na carreira, como morar em locais distantes e em acomodações precárias.

    No mesmo texto, ele também escreveu que um juiz “não pode exercer qualquer outra atividade remunerada, exceto no magistério (?!), onde é impossível repor as perdas e menos ainda obter ganhos extravagantes”.

    “Como é difícil e sacrificante a vida na magistratura, pois no Judiciário são, aproximadamente, 17 mil magistrados decidindo conflitos entre mais de 200 milhões de pessoas naturais, além das pessoas jurídicas. (…) Já os ‘obtusos” detratores reflitam, isentamente, e parem de apedrejar a magistratura e outras carreiras jurídicas do serviço público, que de privilegiadas nada têm, antes de serem todas extintas por falta de candidatos, pois não haverá atrativos que os animem a enfrentar a dura e espinhosa trajetória a que se submetem”, completou.

    Pergunta de 1 milhão de dólares: Será o Benedicto, ou é outra sacanagem do Porta dos Fundos?

     

    Com informações do site BBC Brasil e do UOL